O globalismo e seus descontentes:
notas de um contrarianista
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: debate público; finalidade: caráter didático e de
esclarecimento geral]
1. Fixando os termos do
debate: a contracorrente do pensamento único
Todo processo social, todo movimento
econômico, toda tendência política, sendo o produto da ação consciente ou inconsciente,
deliberada ou involuntária, de indivíduos, de grupos humanos ou de qualquer
entidade organizada burocraticamente, despertam naturalmente a reação adversa
dos mesmos entes ou personagens, quando os processos, movimentos ou tendências
contrariam benefícios consolidados, situações estabelecidas, ganhos reais ou
esperados ou quaisquer outras vantagens e privilégios existentes ex ante ou simultaneamente à percepção
de uma ruptura do status quo. Trata-se
de fenômeno secular, senão milenar, ou seja, forças sociais emergentes
provocam, inevitavelmente, sua cota de descontentes, os seus frustrados, os
seus órfãos, os seus perdedores. A revolução industrial produziu o seu quinhão
de luddistas, os revoltados contra a modernização da tecelagem, com alguma destruição
de teares mecânicos até que se conseguisse empregar os anacrônicos dos teares
manuais nas fábricas movidas a caldeiras a vapor. A lâmpada elétrica deixou quase
todos os fabricantes de velas sem crescimento da demanda e, logo, sem clientes de
qualquer tipo. O automóvel aposentou cavalos, estrebarias, recolhedores de
esterco nas cidades e vários outros servidores cavalares. O computador
desempregou antigas datilógrafas e operadores de máquinas de calcular,
presentes antigamente em quase todas as corporações e escritórios de governo. Vários
outros exemplos poderiam ser citados, aliás indefinidamente.
Não foi diferente com a
globalização, embora ela seja um fenômeno mais do que antiquíssimo, propriamente
existente desde a pré-história, como já revelado no livro de Nayan Chanda: Bound Together: How Traders, Preachers,
Adventurers, and Warriors Shaped Globalization (New Haven: Yale University
Press, 2007). Mas, após décadas de alternativas antimercado, sob o socialismo
real, a nova onda da globalização trouxe consigo certo número de perdedores,
como resultado da nova divisão internacional do trabalho e da deslocalização de
empresas e investimentos. Ela criou os descontentes da globalização, como já
tinha alertado muitos anos atrás o economista indiano Jagdish Bhagwati: In Defense of Globalization (New York:
Oxford University Press, 2004; edição brasileira: Em Defesa da Globalização: como a globalização está ajudando ricos e
pobres (Rio de Janeiro: Elsevier-Campus, 2004).
Com o globalismo, ocorre o mesmo:
assim como a expansão das economias de mercado, supostamente capitalistas (mas
não se deve confundir as duas coisas, como poderia lembrar o historiador
Fernand Braudel), produziu a sua cota de altermundialistas, mais conhecidos
como antiglobalizadores, o monstro metafísico do globalismo também produziu o
seu pequeno grupo de antiglobalistas, como é natural existir em qualquer
fenômeno social, como já adiantado no primeiro parágrafo. Os antiglobalistas são
algo assim como os luddistas da globalização, seres deslocados pelo
multilateralismo contemporâneo, aspirando defender antigas concepções de tempos
passados, o nacionalismo estreito do período pré-onusiano, o bilateralismo
estrito dos antigos acordos de comércio e navegação, e que pretendem, parafraseando
Marx, fazer rodar para trás a roda da História.
Os conceitos e argumentos acima já
balizam o espírito sob o qual foi redigida esta nota sobre os inimigos do
globalismo, que eu considero um exército brancaleônico de templários, que estaria
mais à vontade no terreno mitológico dos unicórnios e das sereias, ou seja, seres
bizarros que pretendem se contrapor às correntes de vento ou às marés dos oceanos.
Não tenho nenhuma hesitação em revelar desde já meu julgamento sobre esse patético
ajuntamento de novos cruzados, depois de já ter enfrentado as hostes mais caóticas
de antiglobalizadores, como exemplificado em meu livro Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização
(Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2011), pela simples razão que eu mesmo
estou acostumado a nadar contra a corrente. A caução preliminar a ser
introduzida aqui é a identificação de qual globalismo se está falando: a versão
“paranoica” é a que se vai discutir aqui, se é que ela tem condições de persistir
em um mundo aparentemente entregue a uma marcha irrefreável de conquistas científicas.
Quanto ao globalismo “normal”, é propriamente patético constatar que se pretenda
lutar, num ambiente diplomático, contra a essência fundamental do trabalho dos
diplomatas, o ambiente natural de nosso ganha-pão diário.
2. Nota pessoal do ponto
de vista de quem pratica ativamente o ceticismo sadio
Independentemente do tema, assunto,
questão ou problema que se apresente em face de minhas aventuras intelectuais algo
aleatórias, sou um praticante ativo, desde a adolescência pelo menos, daquela
atitude que foi, pela primeira vez, sintetizada, por um professor de arqueologia
ao grupo de estudantes de ginásio que o visitava na USP, pelo conceito de “ceticismo
sadio”. Ele explicava a postura como sendo feita de indagações sucessivas ao
objeto em exame, ou seja, questionamentos, perguntas, exame acurado das origens
e dos fundamentos do problema com o qual se confronta um pesquisador qualquer,
o que até parecia inadequado para um “arqueólogo”, sempre pautado pelas evidências
da geologia, paleontologia e outras vertentes das ciências naturais. Nunca
esqueci a lição, e sempre a cultivei, inclusive instruído desde muitos anos
antes pelas leituras de Monteiro Lobato, pois resolvi ater-me à modesta
racionalidade desta regra básica no trabalho intelectual: apresentado a
qualquer proposição, tese ou argumento no terreno das ciências sociais
aplicadas e das humanidades, busque os fundamentos, anote as evidências empíricas,
questione os dados, aprofunde a pesquisa antes de aderir a qualquer proposta ou
opinião que se lhe apresente, por mais “racionais” ou “evidentes” que possam parecer
essas proposições oferecidas para o seu “consumo”.
Devo, entretanto, alertar que a minha
atitude cética em face de questões que me são apresentadas não é doentia, ou
sistematicamente aplicada a todos os problemas em análise; ela apenas se
manifesta de forma racional (pelo menos espero) e de forma compatível com os
dados da questão em exame. Continuei aprofundando e refinando o meu “ceticismo
sadio” ao longo de toda uma vida dedicada aos estudos e pesquisas nos meus
campos de interesse intelectual, que vão de uma ponta a outra das ciências
humanas e sociais (inclusive ciências naturais, paleontologia, biologia e outras
áreas afins ou vinculadas). Pois foi armado da mesma atitude cética que fui
apresentado, não muito tempo atrás, ao tal de antiglobalismo, um movimento para
a qual minha atenção foi despertada no contexto de uma diatribe involuntária mantida
com o autoproclamado “filósofo” Olavo de Carvalho, a quem eu comecei a chamar
de “sofista da Virgínia”, quando eu sequer desconfiava que existisse qualquer
tipo de problema com a sua suposta base conceitual, o globalismo, que sempre
considerei como uma espécie de equivalente ao processo bem mais conhecido da
globalização (termo que os franceses rejeitam, por anglofobia visceral,
preferindo o conceito de mundialização, e o seu contrário, o altermundialismo).
Vou relatar brevemente como foi essa confrontação, antes de voltar a tratar do
globalismo e do antiglobalismo.
No segundo semestre de 2017 – tendo
já concedido uma entrevista individual, um ano antes, sobre política externa e
economia do Brasil a um novo grupo de mídia – fui solicitado pelo mesmo grupo, Brasil
Paralelo, a conceder uma nova entrevista, via hangout, para um programa especial,
desta vez sobre o processo de globalização e o conceito de globalismo.
Concordei, uma vez que costumo atender essas demandas de caráter didático,
colocando minhas pesquisas acadêmicas e minha experiência de vida a serviço de
um círculo maior de interessados, e para tal preparei algumas notas, seguindo
um roteiro feito pelos organizadores. Essas notas sumárias – “Globalismo e
globalização: os bastidores do mundo”, disponíveis no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/globalizacao-e-globalismo-como.html)
– foram divulgadas no próprio dia da “entrevista”, que afinal revelou-se um “diálogo”
com aquele a quem passei a chamar de “Rasputin de subúrbio”: Academia.edu
(link: https://www.academia.edu/39178804/Globalismo_e_globalizacao_os_bastidores_do_mundo).
No seguimento do “diálogo”, o dito sofista entendeu ser seu dever ofender-me sob
diversos epítetos, no que foi seguido por uma horda de seguidores fanáticos,
com aqueles impropérios escatológicos que também se tornaram doravante marca
registrada do próprio guru da seita, e por ele aplicados a diversos militares
do governo Bolsonaro.
Num sentido inverso ao de Buffon,
meu “debate” involuntário com Olavo de Carvalho demonstrou como o “estilo faz o
homem”, uma vez que ele ocupou-se de me ofender em seus canais próprios, sempre
endossado pelos fundamentalistas de uma nova crença: o fantasma do globalismo,
com registrei em nova postagem no Diplomatizzando
(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/olavo-de-carvalho-o-estilo-faz-o-homem.html).
Já enfastiado por esse entrevero surrealista e inútil, dei por encerrado esse exercício
desprovido de qualquer charme e interesse num “dossiê” por meio do qual
disponibilizei o conjunto dos materiais relativos ao assunto, disposto a não
mais voltar ao tema: “Dossiê Globalismo: Brasil Paralelo e seu seguimento”, Academia.edu
(http://www.academia.edu/35667769/Dossi%C3%AA_Globalismo_Brasil_Paralelo_e_seu_seguimento).
Mas, admito, o assunto é tão aborrecido que não merece atenção.
3. Globalização real e
globalismo surreal: da física à metafísica
Venho agora ao objeto principal deste
texto: o globalismo e os “anti”. Não creio ser necessário discutir qualquer
aspecto real – inclusive porque ele não existe – do chamado “globalismo”, em vários
trabalhos considerado um sinônimo virtual do processo de globalização, este sim
abundantemente mapeado na literatura acadêmica e jornalística. Na verdade, o
globalismo é geralmente considerado nas diatribes dos “anti” como um tipo
particular de globalização, aquela produzida sorrateiramente nas fímbrias da governança
global e que se destina, na concepção dessa tribo, a retirar soberania dos
Estados nacionais e atribuir toda a potestade a uma “ordem global” dotada de
características algo similares aos grandes organismos multilaterais da
atualidade, dentre eles a ONU. Não é possível discutir aqui o tema da globalização,
mas permito-me uma referência a pequeno texto meu, no qual faço uma distinção
entre a globalização real, de nível “micro”, e sua vertente “macro”: “Globalização micro e macro: o que é isso?”
(blog Diplomatizzando: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2018/01/globalizacao-economica-e-globalizacao.html).
A primeira forma, de caráter
individual ou empresarial, considero a verdadeira globalização: impessoal,
irrefreável, não administrada por qualquer poder ou Estado organizado, já que correspondendo
justamente ao que Adam Smith chamou de “mão invisível”, o trabalho empreendido
pelos agentes econômicos diretos visando objetivos privados absolutamente egoístas,
mas não coordenados entre si. A segunda forma não deveria, normalmente, corresponder
ao conceito de globalização, uma vez que comporta a ação de Estados e de organismos
internacionais com vistas a ordenar e controlar esse processo, não administrável
por nenhuma força identificada com um objetivo pré-determinado, embora se
acredite que ele possa ser objeto de normas e regulamentos instituídos por
burocratas nacionais ou internacionais; ou seja, se poderia classificar a forma
“macro” da globalização como um esforço de antiglobalização, ou pelo menos de
contenção, esforços de controle, por parte de “planejadores sociais” dos
efeitos mais evidentes – alguns nefastos para certas categorias sociais – desse
processo irrefreável.
Vejamos agora o conceito de “globalismo”,
que é praticamente, como já dito, um sinônimo de globalização. Contudo, aos
olhos de certos adeptos das teorias da conspiração, ele assume um sentido ideológico,
uma vez que costuma despertar reações de cunho soberanista ou nacionalista, que
é aquilo eu costumo chamar de “metafísica do antiglobalismo”. Tanto a esquerda
quanto a direita alimentaram suas versões respectivas do antiglobalismo. Na visão
da esquerda, mais identificada com os franceses de um conhecido movimento anti
ou altermundialista, a globalização (ou mundialização) só trouxe desgraças ao
mundo: pobreza, desigualdade social, destruição da natureza e dos recursos da
biodiversidade, discriminação racial e de gênero, reforço dos “poderes do grande
capital” contra os interesses dos trabalhadores (argumento mais utilizado nas denúncias
dos sindicatos de países avançados contra a “deslocalização”, ou seja, os
investimentos diretos em países periféricos, de baixos salários), enfim um
conjunto de efeitos negativos que precisam ser ativamente combatidos pelos
movimentos sociais. Estes de fato tentaram, durante vários anos, nas manifestações
ruidosas dos anos 1990 e 2000, contra as reuniões das organizações de Bretton
Woods (FMI e Banco Mundial), contra as rodadas de negociações do GATT e contra
a própria OMC, contra as reuniões do G7, G8, G20 e todas as cúpulas
supostamente identificadas com o “capitalismo global”, como as reuniões
empresariais anuais do World Economic Forum (em Davos, na Suíça), mas também
nos inúmeros convescotes ruidosos reunidos sob a égide do Fórum Social Mundial
(um contraponto ao Fórum de Davos), realizados durante vários anos em capitais teoricamente
identificadas com suas teses “progressistas” e “por um outro mundo possível”;
Porto Alegre (durante muitos anos dominada por governos do PT), Caracas durante
a presidência de Hugo Chávez, e outras capitais “alternativas” serviram de cenário
para esses convescotes barulhentos, mas pouco efetivos, tanto no plano doutrinal,
quando no que se refere a recomendações práticas para governos.
Como as piores desgraças da globalização
não se manifestaram de forma tão evidente quanto o pretendido pelos adeptos do
altermundialismo – e como, ao contrário, diversos países da periferia, especialmente
na Ásia Pacífico, progrediram de modo espetacular, arrancando milhões de
pessoas de uma miséria ancestral para leva-las a uma situação de pobreza aceitável,
e até de moderada prosperidade –, esse movimento foi perdendo força, de modo
que o antiglobalismo de esquerda deixou de ter aquele charme muito pouco
discreto que ele exibia nos anos 1990 e 2000, para se prolongar apenas em
pequenos núcleos de irredutíveis anticapitalistas, mais evidentes na academia
do que nos movimentos políticos reais.
O que mais contribuiu para provar o
fracasso prático dos antiglobalizadores – objeto de muitos artigos meus e até
de um livro já referido Globalizando:
ensaios sobre a globalização e a antiglobalização, reunindo o essencial do
que escrevi sobre eles – e a consequente progressiva perda de influência desses
“anti” de esquerda nos tempos mais recentes? Algo muito evidente: o mundo
deixou de ser caracterizado pela “Grande Divergência” – o processo de aumento
das disparidades de renda entre países avançados e economias periféricas,
grosso modo entre a segunda revolução industrial e os anos 1980 do século XX –
para adentrar no que parece ser uma “Convergência Parcial”, pelo menos
envolvendo aqueles países e regiões que se inseriram de modo mais assertivo no
processo de globalização capitalista. A diminuição das desigualdades entre os
países não impediu, porém, um aumento (temporário?) das desigualdades dentro
dos países, o que abriu uma janela de oportunidade para um economista
socialista (francês, of course) que
pretendeu navegar sobre glórias passadas de Karl Marx: o magnum opus de Thomas Piketty, O
Capital no Século XXI, opera um mau diagnóstico sobre as origens da nova
concentração de renda (considerada em sua forma unicamente financeira) e prescrições
ainda piores para a superação dessa desigualdade, pela taxação dos ricos
obviamente.
Estudos econométricos de um outro
economista, o catalão Xavier Sala-i-Martin, professor na Columbia University, demonstraram
amplamente que a desigualdade – evidente em diversos indicadores de distribuição
de renda, especialmente no coeficiente de Gini – diminuiu sensivelmente a
partir da terceira “onda” da globalização a partir dos anos 1980, que
corresponde aproximadamente à volta da China à divisão mundial do trabalho com
as reformas de Deng Xiaoping, seguida pouco depois por igual adesão por parte
da Índia aos princípios mais elementares da economia de mercado, da qual ela se
tinha afastado desde seu entusiasmo pelo planejamento estatal ainda nos anos
1950. A implosão final da União Soviética, em 1991, e a transição de
praticamente todos os países socialistas ao velho e duro capitalismo de modo
mais ou menos rápido terminou por encerrar o culto beato que mantinham acadêmicos
e sindicalistas ao estatismo e à “soberania econômica nacional”, inclusive
porque a volta à prosperidade de alguns desses países congelados na estagnação
socialista foi real e espetacular (sobretudo na Europa).
Na América Latina, sempre alimentada
por velhas teorias e doutrinas ditas “desenvolvimentistas” com muita influência
nas academias e, portanto, entre as elites econômicas igualmente, os resultados
foram bastante contraditórios, inclusive porque o fracasso da “década perdida”
(a crise da dívida externa nos anos 1980) não foi seguido por reformas
realmente profundas na maior parte dos países. Poucos dentre eles aderiram ao
novo “cânone” liberal, supostamente simbolizado na regras do “Consenso de
Washington”, de modo que a conversão a economias livres de mercado foi apenas
parcial – em parte no México, moderadamente na Colômbia, mais decisivamente no
Chile, e tardiamente no Peru –, ao passo que grandes economias, como Argentina,
Brasil e também a Venezuela, experimentaram um pouco de “neoliberalismo”, mas tornaram
a recorrer a velhas receitas do estatismo e do populismo econômico, mais uma
vez guiadas por demagogos de esquerda (os Kirchner, na Argentina; Lula, no
Brasil; Hugo Chávez na Venezuela). De forma não surpreendente, aqueles quatro
países da franja do Pacífico se engajaram mais resolutamente na globalização, e
passaram a experimentar taxas de crescimento mais robustas, ao passo que os
demais estagnavam, quando não recuavam no caminho da prosperidade e da inserção
na economia global.
4. Do lado da direita:
todo globalismo será castigado, mesmo sem doutrina
Tudo indica, portanto, que o
antiglobalismo de esquerda perdeu relevância, mantendo-se apenas em poucos
nichos acadêmicos, eventualmente influentes em alguns movimentos políticos e
sociais, mas desprovidos de maiores evidências capazes de sustentar uma nova
escalada ascensional ao poder, como talvez tenha sido o caso localmente em certos
países. Abriu-se então uma janela de oportunidade para o antiglobalismo de
direita, de certa forma alimentado pelo efeitos da globalização em países
avançados, nos quais as velhas indústrias da segunda revolução industrial deixaram
de representar parte relevante do PIB, para abrir espaço às novas economias de
serviço, apoiadas bem mais no oferecimento de bens intangíveis do que na produção
de manufaturados (que foi deslocada para os países periféricos, ou “emergentes”,
em grande parte na Ásia). Ao mesmo tempo, o fracasso econômico de algumas
grandes regiões, assoladas por guerras civis, como na África e no Oriente Médio,
ou pelo velho populismo como na América Latina, realimentou novos fluxos migratórios,
alguns espetaculares, como resultado de guerras prolongadas e afundamento econômico
em Estados falidos. O fato desses novos imigrantes acudirem aos borbotões e de
forma frequentemente ilegal às portas de países avançados da Europa e da América
do Norte despertou – ao lado de alguns ataques espetaculares de
terroristas islâmicos no próprio coração dessas velhas metrópoles coloniais, ou
imperialistas –, como seria de se esperar, reações xenófobas, e até racistas,
por parte das populações brancas, cristãs, e relativamente afluentes nesses países.
O fato de que a ONU e suas agências especializadas tendem a assumir uma postura
política tendencialmente favorável ao fenômeno migratório, e pragmaticamente
assistencialista no tocante ao acolhimento de refugiados econômicos e de catástrofes
humanitárias, também contribuiu para a formação de uma reação negativa, por
parte das populações dos países “assediados”, o que alimentou o crescimento e o
reforço político de partidos e movimentos de direita, excludentes por definição,
nacionalistas em sua essência, e manifestamente “antiglobalistas” no que tange à
expansão contínua do multilateralismo ao longo dos primeiros setenta anos da
ONU e seus órgãos assessórios.
Não existe uma “doutrina” unificada
do antiglobalismo, pela simples razão de que as situações nacionais são
substancialmente diversas, tanto em termos de “pressões” advindas de fluxos
migratórios “não-cristãos”, quanto como resultado de trajetórias políticas
nacionais bastante diferentes entre si, mesmo numa Europa supostamente “comunitária”,
exibindo algumas políticas comuns de “segurança” ou de política externa, como o
“espaço Schengen”, por exemplo, compreendendo, em teoria, 26 dos 28 países
membros da União Europeia. Nos Estados Unidos, já pressionados por algumas
dezenas de milhões de imigrantes ilegais, a maior parte latino-americanos, a
situação política também se modificou sensivelmente a partir da eleição de
Donald Trump, e sua assunção à presidência em janeiro de 2017; deliberadamente contrário
às políticas de imigração já relativamente restritivas da administração
anterior, o novo presidente começou uma ofensiva anti-imigratória simbolizada
na construção de um muro na fronteira com o México, até o momento ainda não materializado
por inteiro.
No plano mais global das ideias políticas
é certo que o multilateralismo, em vigor durante mais de meio século sob a égide
da ONU, e dos grandes empreendimentos comunitários ao estilo da EU, encontram-se
temporariamente sob os ataques dos novos movimentos de direita, com seus
diversos componentes políticos, étnicos, religiosos e culturais, que assumiram
algum poder em diversos desses países “assediados”, com a perspectiva de que
alguma associação mais flexível entre esses diversos movimentos se manifeste de
forma mais ruidosa no plano político-eleitoral, sobretudo na Europa. Os casos
mais evidentes se referem à Itália, à Hungria e à Polônia, não por acaso sob a
vigilância das instâncias comunitárias que examinam atentamente a evolução de
suas políticas nacionais nos terrenos da democracia política, das liberdades de
expressão e do respeito aos direitos humanos. Talvez também não por acaso são
os países escolhidos como novos “aliados políticos” do novo governo brasileiro,
assumidamente de direita e partidário de uma pouco explicada adesão a valores “judaico-cristãos”
que estavam, pelo menos aparentemente, esquecidos nas últimas décadas em nosso país.
5. Teorias conspiratórias
sobre o globalismo: déjà vu, all over
again
Mais até que no âmbito das políticas
nacionais em matéria educacional ou de direitos humanos – que praticamente não
existem ou são suficientemente confusas para desafiar qualquer interpretação a
respeito –, é no âmbito da política externa que se tem manifestado a mais
espetacular inversão de tendências das últimas décadas, ou, mais exatamente,
desde sempre, ao se ter evidências fáticas, ainda que igualmente confusas,
sobre o antiglobalismo notório da nova administração diplomática brasileira.
Ela está a cargo de um funcionário pouco experiente no exercício de funções de
alta chefia, muito devotado às ideias da “nova direita” europeia – na verdade,
de extrema direita –, e especialmente submisso aos eflúvios antiglobalistas
expelidos pelo já referido “sofista da Virgínia”, que não possui nenhum
discurso articulado sobre o fenômeno.
Ainda que Olavo de Carvalho não
possua nenhum estudo academicamente respeitável sobre o pretenso fenômeno do globalismo,
não há dúvida de que ele está na origem da formação de um pequeno grupo de discípulos,
organizados em forma de seita antiglobalista, seguidores de suas diatribes – na
verdade, reproduzindo tendências já presentes na nova direita americana –
contra a globalização e o suposto globalismo. De fato, sem produzir qualquer
conhecimento original, na completa ausência de pesquisas baseadas em fontes
credíveis, ele vocaliza suspeitas há muito disseminadas em certos meios esotéricos,
e as transmite a seus “discípulos” propensos a acreditar na ação obscura de
determinados grupos supostamente influentes na sociedade. Completamente
desprovidos de fundamentação empírica, reproduzindo verdadeiros absurdos do ponto
de vista da história econômica, os poucos escritos e afirmações esparsas de
Olavo de Carvalho a propósito desse globalismo fantasmagórico não apresenta
nenhum dos requerimentos básicos para eventual submissão a algum journal peer-reviewed.
Sua reação epidérmica, próxima da
indigência sub-intelectual, se parece muito com as teorias conspiratórias de
alguns grupos, eventualmente conectados em rede, já detectados em algumas obras
de especialistas acadêmicos, dentre eles o historiador escocês (radicado nos
EUA), Niall Ferguson, em especial em um livro recente: The Square and the
Tower: Networks and Power, from the Freemasons to Facebook (Londres: Penguin Books, 2018),
aqui transcrito:
A suspeita cresce [entre os deslocados do mercado de trabalho]
de que o mundo é controlado por redes poderosas e exclusivas: os banqueiros, o
Establishment, o Sistema, os Judeus, os Maçons, os Illuminati. Quase tudo o que
se escreve nessa linha é lixo. Mas seria improvável que as teorias da conspiração
fossem tão persistentes se redes desse tipo não existissem.
O problema com os teóricos da conspiração é que, como
deslocados ressentidos, eles invariavelmente não compreendem e deformam os
meios pelos quais as redes operam. Em especial, eles tendem a acreditar que redes
de elites controlam, disfarçadamente, mas facilmente, as estruturas formais de
poder. Minha pesquisa – assim como minha experiência – sugere que esse não é o
caso. Ao contrário, redes informais frequentemente exibem uma relação altamente
ambivalente com respeito às instituições estabelecidas, e em muitos casos mesmo
uma relação hostil. (tradução livre do prefácio: “O historiador em rede”)
Mas, o historiador britânico também
alerta logo em seguida: “Frequentemente, grandes mudanças na história são o
resultado de grupos informalmente organizados de pessoas, parcamente documentados.”
Ele também indica, imediatamente, dois nos quais é formalmente envolvido, o World
Economic Forum e encontros do grupo Bilderberg, este último frequentemente citado
nas diatribes antiglobalistas de Olavo de Carvalho. A despeito de pertencer a muitos
outros grupos e redes, na Grã-Bretanha e nos EUA, Niall Ferguson confessa candidamente
que não tem “quase nenhum poder” (idem). No entanto, alguns dos exemplos examinados
em seu livro chegaram a ter essa ilusão de conseguir mudar o mundo, começando, no
século XVIII, pela Illuminatenorden,
a Ordem dos Iluminados, na qual circularam intelectuais como Goethe e Herder.
Seu fundador a chamava de Liga dos Perfeitabilistas – Bund der Perfektibilisten –, cujo objetivo era assegurar a “vitória
da virtude e da sabedoria sobre a estupidez e a malícia” (Cap. 1: “The Mystery
of the Illuminati”). Alcançando os Estados Unidos depois da revolução francesa,
os Illuminati podem ter estado na origem do “estilo paranoico na política
americana”, segundo o historiador Richard Hofstader; eles também teriam tido um
papel na fundação da John Birch Society, a mais anticomunista das associações políticas
americanas, assim como certa influência na obra do maior conservador cristão do
país, Pat Robertson, autor do livro New
World Order (1991), uma das possíveis bases do pensamento antiglobalista de
Olavo de Carvalho.
Em meu debate involuntário com Olavo
de Carvalho fui “presenteado” com a descrição completa do “alto comando” que,
segundo essa teoria conspiratória, manda soberanamente nos destinos do mundo, já
tendo colocado na teia do globalismo as mais influentes associações e os mais
ricos magnatas cooptados para esse projeto sinistro. Ele me citou os
Bilderbergers, os Rockefellers e os Rothschilds, além da Fabian Society e uma
cesta inteira de think tanks e ONGs, todos eles engajados na consolidação da
Ordem Global, inclusive por meio da ONU. Niall Ferguson resume de forma magnífica
essa “teoria da conspiração” numa das passagens mais representativas de seu
livro – sobre as redes que circulam em volta do poder –, ilustrando aliás seus
parágrafos sobre a coalizão dos Illuminati contemporâneos com um quadro
apropriado, que já reproduzimos abaixo, seguido de seu texto-síntese sobre a “conspiração
para dominar o mundo”:
Um painel bastante representativo descreve os
Illuminati como uma ‘elite super rica do Poder com a ambição de criar uma
sociedade escrava’:
Os Illuminati possuem todos os bancos internacionais,
as companhias de petróleo, as mais poderosas empresas da indústria e do comércio,
eles se infiltram na política e na educação e eles dominam quase todos os
governos – ou pelo menos controlam-nos. Eles possuem até mesmo Hollywood e a
indústria da música... [O]s Illuminati comandam também a indústria do comércio
de drogas... Os principais candidatos à Presidência são cuidadosamente
escolhidos dentre as linhas ocultas de sangue de treze famílias de Illuminati...
O maior objetivo é o de criar um Governo Único Mundial, com seus membros no
topo para dominar o mundo na direção da escravidão e da ditadura... Eles querem
criar uma ‘ameaça externa’, uma falsa Invasão Extraterrestre [a fake Alien
Invasion], de forma a que os países deste mundo se declarem dispostos a se unir
num Único.
A versão padrão da teoria da conspiração vincula aos Illuminati
a família Rothschild, a Távola Redonda, o Grupo Bilderberg e a Comissão Trilateral
– sem esquecer o administrador de fundos de risco, doador político e filantropista
George Soros. (Cp. 1 de Ferguson, ““The Mystery of the Illuminati”, in: The Square and the Tower, p. 3)
6. A contrafação dos
neo-Illuminati no Brasil: globalismo, climatismo, marxismo
Aqueles dispostos a assistir à “entrevista-diálogo”
que mantive com Olavo de Carvalho em dezembro de 2017 ouvirão de sua própria
voz as mesmas referências a esse sinistro projeto conspiratório globalista, com
o desfilar nominativo daqueles mesmos personagens suspeitos de financiar
dezenas de organizações – inclusive várias de esquerda, uma vez que se sabe que
Soros é um “homem de esquerda” – com a meta de instaurar um governo mundial. O
representante en titre do antiglobalismo
no Brasil se exerce com toda a sua arrogância autosapiente neste vídeo gravado
pela equipe do Brasil Paralelo, disponível no Canal YouTube (link: https://youtu.be/6Q_Amtnq34g).
Segundo os neo-Illuminati e seus
representantes no Brasil qualquer projeto que tenda a retirar poderes dos
Estados soberanos para colocá-los nas mãos de burocratas não eleitos está
irremediavelmente contaminado pela ideia globalista, e deve, portanto, ser
rejeitado in limine. Encontra-se nessa situação, obviamente, o
projeto comunitário da União Europeia, aliás desde sua origem no Tratado de
Paris (1951) e nos tratados de Roma de 1957 e todas as suas derivações
posteriores, até o de Maastricht, que criou a União Europeia em 1993, e que inclusive
tentou instituir uma espécie de “governo central”, com presidente e constituição
escrita. Para ser fiel a esse credo soberanista, os novos responsáveis pela política
externa do Brasil deveriam, presumivelmente, recusar não só o acordo de
liberalização comercial Mercosul-União Europeia, como o próprio princípio do
Mercosul, cujo tratado constitutivo – assinado em Assunção, em 1991 – prevê o coroamento
do atual processo de consolidação da união aduaneira por meio de um mercado
comum, como no precedente europeu de 1957. O nome oficial do bloco, aliás, é “Mercado
Comum do Sul”, aparentemente uma insustentável renúncia de soberania, na visão
dos antiglobalistas.
O fato de que todo e qualquer tratado
internacional, seja ele bilateral, regional ou multilateral, implique necessariamente
uma renúncia de soberania por parte dos Estados signatários – no sentido em que
eles concordam em fazer e deixar de fazer certas coisas de comum acordo, se
comprometendo, portanto, a não aplicar medidas unilaterais nas áreas cobertas
pelo tratado – deveria fazer com que os antiglobalistas convictos recusem a essência
mesma da diplomacia, que é justamente a arte de estabelecer convivência e
cooperação entre Estados, num exercício de autolimitação de seus poderes
soberanos. O extremo nacionalismo, como já observado em algumas trajetórias históricas,
termina por resultar na autarquia, isto é, a tentativa de se libertar de qualquer
dependência com respeito a fornecedores estrangeiros, amigos ou inimigos. Exemplos
conhecidos na era moderna compreendem a União Soviética – “socialismo num só país”
–, a economia nazista na Alemanha sob Hitler e o próprio Brasil, em diversos períodos
sob dominação militar (na era Vargas e sob a ditadura militar, 1964-85), quando
também se praticou uma espécie de “stalinismo industrial”, com indústrias verticalmente
integradas e basicamente dedicadas a se abastecer e a fornecer produtos para o
mercado interno.
Os principais inimigos dos antiglobalistas
brasileiros são, sem qualquer ordem pré-determinada, os adeptos do marxismo
cultural, do aquecimento global (chamado de climatismo), do comercialismo (ou
seja, o comércio sem alma), do multilateralismo, do universalismo e,
evidentemente, do globalismo. Todos eles passaram a ser combatidos, em nome da
pureza na adesão ao novo credo oficial, muito próximo das mesmas posturas já
exibidas pela nova direita europeia e pelo presidente Trump, objeto dos maiores
elogios do novo chanceler ao ser considerado o “salvador do Ocidente”, em
especial em sua vertente “judaico-cristã”. Ao lado dessas ameaças, persistem
diversos outros equívocos teorizados especialmente para o caso do Itamaraty
pelo encarregado da diplomacia bolsonarista: o nominalismo, o tematismo, o
isolamento do Itamaraty da sociedade brasileira e das demais políticas públicas,
e uma suposta indiferença dos diplomatas no tocante aos valores profundos do
povo brasileiro, que seria conservador por excelência e, ipso facto, partidário de todas essas posturas quase que naturalmente.
Trata-se de uma agenda demolidora, stricto et lato sensi, pois para colocar
o Itamaraty no mesmo diapasão que vigorou no Império até a gestão do Barão do
Rio Branco – uma vez que todo o período posterior, até o governo Bolsonaro, é
considerado um desvio em relação aos verdadeiros valores da sociedade brasileira
–, é preciso desmantelar, literalmente, os padrões culturais e ideológicos
seguidos durante esse largo período intermediário, quando a política externa e a
diplomacia distanciaram-se da real identidade do povo brasileiro, praticando o
terceiro-mundismo, o antiamericanismo e o anti-ocidentalismo.
Suprema ironia: todo esse combate
contra as más ideias – de fato, a destruição da inteligência no Itamaraty – tem
como justificativa a luta contra as ideologias. Soit!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21 de maio de 2019
Um comentário:
Paulo Roberto de Almeida, vejo que nos faz muita falta a sabedoria do Embaixador José Osvaldo de Meira Penna. Seguramente ele seria a melhor pessoa atualmente para explicar aos burocratas e tecnocratas do Itamaraty o que é a globalização e o globalismo. O globalismo só é percebido por aqueles que de fato sabem o risco e o mal das ideologias coletivistas.
O descaso, ou desqualificação das pessoas que tratam o tema com seriedade, nunca foi a melhor prática.
O globalismo é a globalização da política. Se dá através das ingerências internas nos países através de "legislações" supranacionais. Na sua essência é a afronta ao princípio da subsidiariedade.
Repito: Na sua essência é a afronta ao princípio da subsidiariedade.
Quando da Declaração Universal dos Direitos Humanos avançamos muito, assim como quando certos acordos internacionais foram subscritos, como os relativos à poluição de rios que atravessavam nações, porém se abriu a brecha para a ingerência na política interna de muitos países, seja impondo restrições como o está sendo agora o caso do Tratado de Schengen que pode desestabilizar o modelo de segurança da Suíça.
Globalização econômica significa livre comércio e livre mercado. Trata-se de um arranjo que não apenas não necessita da intervenção de governos e burocratas, como funciona muito melhor sem eles. Indo mais além, trata-se de um arranjo que surge naturalmente quando não há políticos e burocratas impondo obstáculos às transações humanas.
Já o globalismo é o exato oposto: trata-se de um arranjo que só existe por causa de políticos e burocratas.
Seria impossível haver globalismo se não houvesse políticos e burocratas.
O globalismo é uma política internacionalista, implantada por burocratas, que vê o mundo inteiro como uma esfera propícia para sua influência política. O objetivo do globalismo é determinar, dirigir e controlar todas as relações entre os cidadãos de vários continentes por meio de intervenções e decretos autoritários.
Eis o argumento central do globalismo: lidar com os problemas cada vez mais complexos deste mundo — que vão desde crises econômicas até a proteção do ambiente — requer um processo centralizado de tomada de decisões, em nível mundial. Consequentemente, leis sociais e regulamentações econômicas devem ser "harmonizadas" ao redor do mundo por um corpo burocrático supranacional, com a imposição de legislações sociais uniformes e políticas específicas para cada setor da economia de cada país.
O estado-nação — na condição de representante soberano do povo — se tornou obsoleto e deve ser substituído por um poder político transnacional, globalmente ativo e imune aos desejos do povo.
Obviamente, a filosofia por trás dessa mentalidade é puramente socialista-coletivista.
Representa também o pilar da União Europeia (UE). Em última instância, o objetivo da UE é criar um super-estado europeu, no qual as nações-estado da Europa irão se dissolver como cubos de açúcar em uma xícara quente de chá. Foi majoritariamente disso que os britânicos quiseram fugir.
Ao menos para o futuro próximo, este sonho burocrático chegou ao fim. O desejo de impor uma uniformidade afundou em meio a uma dura e difícil realidade política e econômica. A UE está passando por mudanças radicais — culminando com a decisão dos britânicos de sair dela — e pode até mesmo entrar em colapso dependendo dos resultados eleitorais em alguns importantes países europeus (França, Holanda, Alemanha e possivelmente Itália) neste ano de 2017.
Com Donald Trump na presidência americana não há mais qualquer apoio intelectual dos EUA ao projeto de unificação européia. A mudança de poder e de direção em Washington diminuiu o poder de influência dos globalistas — o que permite alguma esperança de que a futura política externa americana seja menos agressiva em termos militares. Trump — ao contrário de seus antecessores — ao menos não parece querer impingir uma nova ordem mundial.
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