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sábado, 18 de julho de 2020

A China conseguiu eliminar a pobreza? Uma visão abrangente do gigante asiático Paulo Roberto de Almeida

A China conseguiu eliminar a pobreza? Uma visão abrangente do gigante asiático
Paulo Roberto de Almeida

Em 2015, o atual imperador chinês havia prometido que a pobreza seria completamente eliminada do país em 2020. Não sabemos ainda se esse objetivo foi alcançado, em função da pandemia.
Mas, o volume de pessoas vivendo na miséria é absolutamente inexpressivo e o índice de pobreza é propriamente residual.
Ela está destinada a ser eliminada, bem mais pelo sistema de mercado do que pela via de ações do Estado.
Este sempre foi relevante no caso da China, inclusive por ter sido “moderno” séculos antes que ocorresse tal processo no Ocidente. Quando na Europa tribos bárbaras ainda se deslocavam de um lugar a outro e senhores “feudais” guerreavam entre si, a China já dispunha de um “Estado weberiano”, com seus burocratas recrutados pelo mérito dos concursos para mandarins (em diversos níveis).
A China é um caso extraordinário de transformação econômica, jamais visto na história da Humanidade. Nunca houve, na história econômica mundial, nem nunca mais haverá, mudança tão impactante socialmente, alcançando centenas de milhões de pessoas, em prazo tão curto de tempo: pouco mais de uma geração.
O fato de ser uma autocracia pode ter ajudado na tarefa, mas a China sempre foi autoritária, totalitária, tirânica, ditatorial, despótica, segundo as épocas, mas os despotismos anteriores nunca tinham conseguido, se por acaso tentaram (o que nunca parecer ter sido o caso) retirar a grande maioria da população de uma miséria ancestral, estrutural.
Cabe registrar que a China tradicional também sempre contou com governos burocraticamente organizados e, sobretudo, com uma grande cultura, em geral sofisticada, e acima de tudo, uma extraordinária energia de seu povo, para sobreviver e progredir, contra ventos e marés, nos bons e maus momentos.
As questões da democracia e dos direitos humanos são relevantes, tanto do nosso ponto de vista (isto é, ocidental), quanto universalmente, mas não podem ser colocadas nos mesmos termos evolutivos e civilizatórios com que se analisa a trajetória do Ocidente desde a herança clássica, no mundo greco-romano (inclusive o cristianismo), realidades que foram e são muito diferentes em outros complexos societais.
Isto não vale apenas para a China, mas para o Oriente como um todo, inclusive Oriente Médio e norte da África, e toda a África Sub-saariana.
No caso da China, o fato de que essa trajetória de sucesso econômico e social tenha sido realizada sob o domínio do Partido Comunista pode ser importante, mas não deve ser considerado como absolutamente essencial no plano do desenvolvimento civilizatório do povo chinês, por dois motivos básicos: (a) o “comunismo” como um todo é um período de tempo relativamente curto (70 anos até aqui) para os padrões evolutivos da cultura e da sociedade chinesas, e mesmo sua forma “demencial”, sob o maoísmo, foi mais curto ainda; (b) o “comunismo” da era Deng (que se prolonga até a ascensão de Xi Jinping) foi mais burocrático no sentido weberiano do que ao estilo bolchevique do “centralismo democrático” leninista-stalinista, e os membros do PCC reproduzem em grande medida a trajetória de carreira dos antigos mandarins, ou seja, mérito, dedicação e competência em tarefas administrativas.
Se a China conseguiu ou não eliminar a pobreza como prometido pelo atual imperador (mas funcionando num regime “constitucional” relativamente estável), é algo a ser estabelecido proximamente.
Mas algumas coisas já são certas, e prometem perdurar pelo resto deste século: trata-se da maior economia do planeta, da nação mais importante no contexto do sistema de comércio multilateral, o maior investidor do mundo prospectivamente, uma economia de mercado sofisticada no plano global (a despeito do papel crucial do Estado em diversas áreas, mas todas tendentes a criar um bom ambiente de negócios para “capitalistas” e empreendedores, de modo geral), uma possível iniciadora de nova revolução monetária (já tendo inventado o papel-moeda séculos atrás) e, concorrentemente com outras nações avançadas, a China passa a ser, crescentemente (depois de ter copiado e pirateado marcas e produtos estrangeiros durante poucas décadas), uma das grandes contribuidoras líquidas ao estoque mundial de produção científica e avanços tecnológicos, com volumes progressivamente maiores de inovações proprietárias e exclusivas.
Assim como o século XIX foi dominado por padrões europeus de transformação tecnológica, e consequentes normas industriais, e o século XX o foi por padrões americanos (adicionalmente aos europeus), o século XXI deve receber imensas contribuições chinesas, no bojo das próximas revoluções industriais, a da nanotecnologia, da inteligência artificial, da energia renovável e TICs.
Mais um motivo para o Brasil preservar sua autonomia de escolhas, uma vez que continuaremos a estar submetidos a novas formas de dependência no futuro previsível (esperando que não seja apenas dos EUA, por trumpismo doentio e equivocado dos atuais dirigentes ineptos).
O século XXI não será exclusivamente chinês, assim como os dois anteriores não foram exclusivamente europeu ou americano, mas ele será determinantemente chinês e asiático, no sentido weberiano e wallersteiniano do conceito de Weltwirtschaft, a economia-mundo que se constroi deste Colombo e Fernão de Magalhães, 500 anos atrás, o que aliás remete igualmente a Braudel, em sua visão macrohistórica.
Ao cumprir sua missão histórica como a maior economia de mercado no século XXI, a China vai contribuir poderosamente para retirar de uma miséria ancestral vários povos da África, da Ásia do Sul e alguns da América Latina.
Esta é uma visão otimista sobre o futuro da Humanidade sob o “século chinês”, independentemente da conformação política de todas as nações e Estados atualmente existentes no cenário onusiano (que deve perdurar, mesmo na preeminência persistente da atual configuração de Estados-nacionais soberanos), que nada mais é do que um prolongamento do modelo estatal westfaliano.
Mas, se ouso terminar de modo pessimista (que eu diria apenas realista), creio antecipar que o Brasil demorará a maior parte deste século para eliminar a sua miséria social residual e para superar completamente o estado de pobreza de boa parte de sua população. Isto não se deve a nenhuma fatalidade do sistema internacional ou a problemas exógenos, ou ainda a fantasmagorias de intelectuais alienados (que insistem ainda na “ação perversa” de uma ideologia capitalista supostamente baseada na desigualdade estrutural de um pretenso “sistema”), mas inteiramente à miséria intelectual e à mediocridade egoista de suas elites dirigentes.
Espero estar errado nesta minha última “previsão”.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18/07/2020

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