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segunda-feira, 7 de julho de 2025

A guerra de Trump no Oriente Médio - J. A. Guilhon Albuquerque (O Estado de S. Paulo)

 Opinião

A guerra de Trump no Oriente Médio
O conceito de crise sem solução descreve um problema cuja existência é reconhecida por todas as partes, que todos sabem que tem solução, mas que se arrasta indefinidamente
Por J. A. Guilhon Albuquerque
O Estado de S. Paulo, 07/07/2025

        Dentre os conflitos em andamento no Oriente Médio, o ataque de Israel contra o Irã, surpreendente, mas não inesperado, gerou um conflito que encarna as peculiaridades de uma guerra sem solução. O conceito de crise sem solução descreve um problema cuja existência é reconhecida por todas as partes, que todos sabem que tem solução, mas que se arrasta indefinidamente.
        O conflito latente e indireto entre Israel e Irã começou com a revolução iraniana de 1979 e, até hoje, não apenas não tem solução, mas deixou de ser indireto e tornou-se uma guerra aérea, embora, por enquanto, não terrestre.
        Quando tomou o poder, o Aiatolá Khomeini rompeu com o Estado Judeu por motivos religiosos e passou a apoiar econômica e militarmente movimentos muçulmanos contrários à ocupação israelense da Faixa de Gaza e sua expansão em todo o território palestino.
        Durante o governo Obama, os EUA firmaram um acordo com o Irã, em conjunto com os membros do Conselho de Segurança da ONU e da União Europeia, que restringia a produção e o emprego de material atômico pelo Irã, impedindo, assim, o seu uso militar. Opondo-se diretamente a esse acordo, Israel executou, desde então, centenas de ataques indiretos, contra unidades militares iranianas em terceiros países, promoveu assassinatos de cientistas e autoridades iranianas e efetuou ataques cibernéticos, com o objetivo de obter a cumplicidade e uma possível intervenção direta dos EUA.
        A neutralização da ameaça nuclear do Irã no governo Obama foi apenas uma parte de sua política de desenvolvimento do Médio Oriente. Tratava-se de fazer um pivô de seus objetivos geopolíticos para a Ásia (a competição econômico-militar com a China), livrando-se os EUA do peso proporcionado por suas funções como potência hegemônica do Levante.
        Com sua vitória sobre os democratas, Trump, em seu afã de apagar os rastros de Obama, retirou seu país do Grupo dos Seis, eximindo-se de respeitar o acordo com o Irã.
        Com isso, Trump abriu as portas para suspeitas de que Teerã também ficasse livre de cumprir seus compromissos assumidos perante o Grupo dos Seis. Com isso, o Irã tornou-se alvo de eventuais ameaças militares dos EUA ou de quaisquer outros inimigos do Irã. Em particular Israel, a única potência que reunia interesse vital e capacidade militar para tanto.
        Em seu primeiro mandato, Trump criou seu próprio pivô para a China, por meio de um acordo a ser adotado entre Israel e os países árabes, com o fim de promover a pacificação e o desenvolvimento no Oriente Médio.
        Sem um objetivo estratégico bem fundamentado, mas crente na beleza de sua obra pacificadora, não levou em conta que sua realização dependeria de eliminar os empecilhos causados pela diáspora palestina em Gaza, na Cisjordânia, no Egito e, sobretudo, nos campos de refugiados espalhados pela Jordânia, a Síria e o Líbano.
        As tratativas para a assinatura do acordo entre a Arábia Saudita e Israel, que selaria o pacto, previam uma data no final de setembro de 2023, o que teria, segundo alguns autores – entre os quais me inscrevo – provocado o ataque do Hamas no dia 7 de outubro. Os dirigentes desse partido extremista teriam pretendido suscitar uma reação desproporcional do governo Natanael, capaz de desencadear uma guerra que tornasse inviável qualquer acordo dos sauditas e demais Estados árabes com Israel.
        À medida que Natanael estendeu sua guerra contra o Hamas para o Hezbollah e outros partidos e grupos armados pelo Irã, passou a subordinar sua posição no governo à continuidade e ampliação dos objetivos de guerra, tendo que encarar também a ameaça de perder o poder e, consequentemente, sua liberdade. O que chamei de “as mil guerras de Natanael”.
        Foi também nesse contexto de sobrevivência política e pessoal que, a meu juízo, Natanael deixou claro que até mesmo a libertação dos reféns israelenses era secundária à prioridade da guerra. O premier israelense jogou todas as suas cartas com objetivo de atrair Trump para um ataque militar conjunto capaz de destruir o suposto poderio nuclear iraniano, uma vez que, a despeito de todo o seu poderio militar, sem a permissão prévia de Trump e a intervenção militar direta dos EUA, Israel teria demasiado a perder.
          A Agência Internacional de Energia Atômica da ONU (AIEA), a própria diretoria de Inteligência Nacional dos EUA, a quase unanimidade dos cientistas, especialistas e observadores do programa nuclear iraniano, têm opinado que a bomba não existia, nem poderia ser testada a curto prazo, e que o ataque não teria sido inteiramente bem-sucedido. Formou-se um consenso internacional de que, mutatis mutandi, sem uma destruição em massa da economia e das instituições iranianas, sem pôr as botas no chão - o que logo saiu da agenda Natanael/trumpiana, Israel não alcançaria seu objetivo de extinguir a ameaça iraniana.
        O que levou os EUA, por enquanto, a tentar novamente voltar à diplomacia.

Opinião por J. A. Guilhon Albuquerque
É professor titular aposentado da USP

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/a-guerra-de-trump-no-oriente-medio/