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segunda-feira, 2 de agosto de 2021

O patrono assassinado - Alexandre Vidal Porto (FSP)

 Os alunos do Instituto Rio Branco já estão sob intensa pressão, mas não precisam fazer mais nada; basta dizer que escolheram um nome e que é só esse. Ponto.

O patrono assassinado
Com homenagem, jovens diplomatas indicam caminho ético que querem seguir
FSP, 1º.ago.2021 às 23h15
Alexandre Vidal Porto
Escritor e diplomata, é mestre em direito pela Universidade Harvard e autor de “Sergio Y. vai à América”, “Matias na Cidade” e “Cloro”
Todos os anos, milhares de candidatos disputam uma vaga para a carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores. Os aprovados no concurso, após um período de formação profissional de cerca de dois anos no Instituto Rio Branco, passam a integrar o Serviço Exterior Brasileiro e a trabalhar no Itamaraty, em Brasília, ou na rede de consulados e embaixadas do Brasil espalhados pelo mundo.
Cada nova turma, ao formar-se, escolhe um patrono, cujo exemplo e trajetória devem inspirar a atuação dos jovens diplomatas como servidores de Estado. Segundo a coluna Painel de 28 de julho, a última turma de formandos do Instituto Rio Branco teria escolhido como patrono o embaixador José Pinheiro Jobim, torturado e assassinado pela ditadura militar num caso de queima de arquivo.
A confirmar-se, tal escolha não poderia ter sido mais justa e acertada.
O embaixador Jobim (1909-1979) teve carreira corretíssima no Itamaraty. Era economista de formação e, por força de contingências do trabalho, acompanhou, desde o início, por anos, as negociações para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Era considerado um especialista no tema. Chefiou, também, embaixadas em Paraguai, Equador, Colômbia e Argélia. Seu último posto foi como embaixador junto ao Vaticano. Não tinha história de ativismo político.
No ano de 1979, já aposentado, compareceu à cerimônia de posse do presidente João Figueiredo. Na ocasião, comentou com colegas de Brasília que escrevia um livro de memórias. Nele, apresentaria denúncias de superfaturamento milionário nas obras de construção do complexo de Itaipu. Sete dias depois desse episódio, já no Rio de Janeiro, José Ribeiro Jobim desapareceu. Seu corpo foi encontrado na Barra da Tijuca, pendurado numa árvore pelo pescoço, num arremedo de suicídio —causa mortis sugerida no inquérito policial.
Alertadas por uma testemunha que recebera, numa farmácia, um bilhete de Jobim, no qual ele alertava sobre seu sequestro, a viúva e a filha do embaixador batalharam judicialmente até esclarecerem as reais circunstâncias de sua morte. Em 2018, o Estado brasileiro finalmente assumiu sua responsabilidade e reconheceu tratar-se de “um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.”
O atestado de óbito de Jobim passou a refletir “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
Ao pretenderem honrar a memória de José Pinheiro Jobim, os jovens diplomatas valorizam seu exemplo de retidão e cumprimento às leis como agente público. Sublinham, igualmente, a obrigação dos servidores de não compactuar com ações que violem a Constituição Federal.
Essa possível escolha dos formandos também aponta para a necessidade de os diplomatas terem sempre presentes os prejuízos que a falta de democracia pode infligir à instituição e a seus integrantes —e essa memória é importante para uma organização de Estado, como o Itamaraty.
Com essa homenagem, os jovens diplomatas indicam, finalmente, o caminho ético que querem seguir como servidores públicos, rejeitando regimes de exceção, deplorando seus atos e honrando suas vítimas.
Deve-se ver com alegria e otimismo essa direção em que aponta a mais nova geração de diplomatas, servidores públicos que terão a seu encargo projetar a imagem e defender os interesses do Brasil no mundo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Itamaraty: um quarto de um por cento no orcamento do Executivo - Alexandre Vidal Porto

Bem, se eu colaborei com algo neste artigo foi ter dito ao Alexandre que a nossa participação -- que palavra mais desajustada! -- no orçamento do executivo federal era de apenas 0,25%, ou seja, uma titica...
Paulo Roberto de Almeida

Deixe a diplomacia trabalhar
Alexandre Vidal Porto
Folha de S. Paulo, 06.10.2015

A presidente Dilma se rendeu ao óbvio. Reconhece que cometeu erros. Admite falhas na política econômica e na articulação com o Congresso. No entanto, continua a ignorar um dos maiores equívocos de sua administração: o tratamento que concede à política externa e ao Itamaraty.

Nenhum governo fez tanto mal à nossa diplomacia quanto o de Dilma Rousseff. O retrato simbólico que ficará na minha mente é o da presidente da República Federativa do Brasil recusando-se, em solenidade no Ministério das Relações Exteriores, a tirar foto com os diplomatas recém-formados, com quem havia acabado de almoçar.

Quer desprezo maior?

É que, nas áreas menos iluminadas do governo, diplomacia é vista como coisa de burguês. De forma simplista, projetam na estrutura da administração pública a imagem binária da iniquidade social do país. Nesse quadro, o Itamaraty e os funcionários do serviço exterior são identificados como "elite", e vistos –e tratados– como intrusos no seio do governo "popular".

É como se o serviço exterior brasileiro não fosse composto por funcionários públicos concursados para, entre outras coisas, fazerem exatamente isto: em nome do Brasil, tratar com elites políticas, sociais e empresariais ao redor do mundo.

Toda democracia com tradição de administração pública conta com um órgão específico responsável pela política externa, cujos funcionários trabalham em várias línguas e países e operam em diferentes culturas. Trata-se sempre de órgãos seletivos, peculiares e prestigiados. Na França, chama-se Quai d'Orsay; no México, Tlatelolco; no Japão, Gaimusho. No Brasil, temos o Itamaraty.

A diplomacia opera no ambiente de autoridades e formadores de opinião. São ambientes elitizados, não se discute. Mas os benefícios que um embaixador brasileiro pode conseguir numa festa black-tie (para a abertura de mercados para produtos brasileiros, por exemplo) não ficam para comprar champanhe; revertem para a criação de empregos e riquezas no Brasil.

No entanto, o jogo diplomático exige linguagem e equipamentos específicos. Sabe aquela louça mais fina que a gente usa quando vai receber alguém de cerimônia, ou aquela roupa nova que a gente veste quando quer impressionar ou mostrar respeito? É esse o espírito –e é igual e esperado no mundo todo.

Na semana passada, o governo da presidente Rousseff impôs cortes que reduzem o orçamento do Itamaraty a cerca de 0,25% do total do Executivo. É um quarto de 1%. Ao impor esse tipo de cortes, as autoridades econômicas agem de forma irresponsável diante do Estado brasileiro e suas instituições.

O funcionamento mínimo do Itamaraty não admite mais cortes. A função do serviço diplomático é melhorar a imagem do país, não piorá-la. Exibir globalmente nossa falta de gerenciamento é desnecessário e afeta a credibilidade do Brasil e de todos os brasileiros. Ninguém entra na embaixada da sétima economia do mundo esperando ver miserê.

Ignorar a singularidade do serviço exterior na administração pública é um dos grandes erros do governo de Dilma Rousseff. Tratar o orçamento do Itamaraty como o orçamento do Ministério da Pesca pode fazer sentido contábil, mas do ponto de vista político e da imagem internacional do Brasil é incompetência das grandes.

O Itamaraty é diferente. Já passou da hora de essa especificidade administrativa e funcional ser garantida em lei. Trata-se do equipamento de que o Estado brasileiro dispõe para sua atividade diplomática. Tem de ser preservado e bem cuidado. Não é porque uma coisa é dourada que ela é supérflua.

Diplomatas estrangeiros com quem converso não acreditam que um embaixador brasileiro deixe de comparecer a uma negociação relevante por falta de dinheiro para passagem, ou que não reciproque um convite na embaixada porque não tem recursos para o jantar. Parece incrível. E é.

A maneira mais rápida de transformar o Brasil em um anão diplomático é cortar as pernas de sua diplomacia. É o que o governo está fazendo. Isso não pode continuar.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Itamaraty: dando calote no exterior? Que vergonha! - Alexandre Vidal Porto (FSP)

Igual, pero no mucho
Alexandre Vidal Porto
Folha de S. Paulo, 07/02/2015

Na Esplanada, em Brasília, todos os Ministérios ocupam edifícios idênticos. O que muda são os nomes nas fachadas. Apenas dois Ministérios têm edifícios distintos: o da Justiça e o das Relações Exteriores.
A distinção feita pelo arquiteto não é aleatória: traduz uma singularidade real.
O Ministério da Justiça foi o primeiro a ser criado e, na República, é o que tem a precedência mais alta depois da Casa Civil.
No caso do Ministério das Relações Exteriores, a peculiaridade é que sua atuação transcende as fronteiras nacionais e se realiza, ao mesmo tempo, em 150 países. Para efeitos de comparação, o McDonald's mantém operações em 118.
Essa atuação global do Itamaraty engendra outras singularidades de ordem política e administrativa, que devem ser levadas em conta pelo governo.
Do ponto de vista administrativo, a principal peculiaridade é que seu orçamento é previsto em reais, mas executado em dólares. Cerca de 90% das despesas são empenhadas no exterior.
Isso faz com que, em tempos de crise, o Itamaraty fique duplamente vulnerável: pelas restrições orçamentárias do governo e pelo impacto da desvalorização do real.
Do ponto de vista político, a peculiaridade é que o trabalho do Ministério das Relações Exteriores tem impacto direto junto a autoridades e opinião pública de uma centena e meia de países. É o único órgão do Estado brasileiro com esse tipo de alcance e exposição.
Esse é um capital que, bem gerenciado, produz imensos benefícios –sociais, políticos, econômicos, culturais– ao desenvolvimento do país. Mal administrado, tem o mesmo potencial, só que negativo.
Um país pode conferir à sua política externa o ritmo que quiser, mas deve sempre preservar suas instituições no exterior. Embaixador parece pessoa física, mas não é. O que ele e sua equipe fazem –de bem ou mal– é creditado ao Brasil.
Não tem problema um país ser pobre ou estar em crise, mas tem de ser honrado.
O mínimo que se espera de uma Embaixada estrangeira é que pague suas contas.
Ninguém recebe diplomatas para que deem calote em seus cidadãos. Você gosta quando alguém lhe deve e não paga? Pois é, nem eles.
"Quem está em dificuldades tem de cortar custos", dirá o bom senso financeiro, e é elogiável tratar todo o Executivo com o mesmo rigor orçamentário. Mas, às vezes, o que parece economia é só catalisador de mais prejuízo.
O atual nível de contenção orçamentária inviabiliza as operações da rede de postos do Itamaraty no exterior. O que poderia ser benefício transforma-se em perda.
Ao ignorar as peculiaridades do Ministério das Relações Exteriores, o governo se comporta como quem abandona seus soldados à própria sorte. Em um mundo de cão comendo cão –que é a ordem internacional–, roupa suja deve se lavar em casa.
Querer economizar menos de um quinto de 1% do orçamento nacional às custas do nome do país no exterior não faz sentido nenhum.
É importante que as autoridades econômicas se deem conta disso.

Alexandre Vidal Porto é escritor e ex-diplomata. Mestre em direito por Harvard, trabalhou nas embaixadas no Chile, Estados Unidos, México e Japão e na missão junto à ONU, em Nova York. É autor dos romances 'Matias na cidade' e 'Sergio Y. vai à América'. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Japao: demografia declinante - Alexandre Vidal Porto

Onde as crianças nascem menos
Alexandre Vidal Porto
Folha de S. Paulo, 5 de janeiro de 2013

População do Japão não para de cair; vendem-se mais fraldas para adultos que para crianças no país

NO JAPÃO, a cada 31 segundos, nasce uma pessoa. A cada 26, morre outra. Ou seja, tem mais gente morrendo que nascendo.

Desde 2007, a população japonesa não para de diminuir. Segundo o governo, de 2011 a 2012, o país perdeu o número recorde de 212 mil pessoas. Nesse ritmo, até 2060, os japoneses, hoje 128 milhões, estariam reduzidos a 86 milhões apenas.

Em 2012, nasceram 18 mil crianças a menos que em 2011. Essa tendência está diretamente vinculada à baixa taxa de fertilidade das japonesas. Hoje, a média de filhos por mulher é de 1,39. Para que a população se mantivesse estável, seria necessário que ela alcançasse 2,1.

A redução do número de filhos é explicada, ao menos parcialmente, por razões econômicas. A conjuntura de recessão desencoraja a constituição de novas famílias. As pessoas se casam menos e mais tarde. A manutenção de um filho é cara: em 2009, os cinco primeiros anos de educação infantil custavam cerca de US$ 73 mil, 2,5 vezes mais que nos Estados Unidos, por exemplo.

Além disso, ter filhos dificulta o avanço profissional das mulheres. Como trabalhar 15 horas por dia - coisa comum no Japão- quando se tem criança pequena em casa? Diante desse dilema, número cada vez maior de mulheres tem priorizado a carreira profissional e decidido não ter filhos.

Com a redução no número de nascimentos e uma das expectativas de vida mais elevadas do planeta, o Japão se transformou no país desenvolvido com a mais alta proporção de idosos. No mercado japonês, vendem-se mais fraldas descartáveis para adultos que para crianças. Hoje, 24% da população total é de idosos. Em 2060, os idosos serão 40%.

Essa tendência é uma bomba-relógio populacional. A cada cem segundos, o Japão tem uma criança a menos. Segundo Hiroshi Yoshida, professor de economia da Universidade de Tohoku, a prevalecer esse quadro, em maio de 3011, não haverá mais crianças no país.

O envelhecimento da população imporá sobrecarga crescente ao sistema previdenciário. Também terá impacto sobre o nível da produtividade e o ritmo do crescimento. Agora, mesmo que a taxa de fertilidade subisse, tomaria mais de uma geração para que a diferença pudesse ser economicamente verificada.

A incorporação de imigrantes poderia ajudar a compensar o deficit demográfico, mas essa hipótese parece não ser considerada pelas autoridades japonesas. O governo está ciente da questão e estabeleceu um ministério específico para o tema. Algumas políticas têm sido implementadas, mas os resultados têm ficado aquém das expectativas.

Contudo, a despeito do que faça o governo, é fundamental que a comunidade empresarial reconheça e assuma seu quinhão de responsabilidade. É importante para toda a nação que a cultura corporativa e o ambiente laboral incorporem regras de proteção ao convívio familiar e protejam o avanço profissional das trabalhadoras com filhos. A contribuição que as mulheres japonesas podem dar ao sistema produtivo de seu país, mais do que valiosa, é necessária. Não deve ser desprezada.

ALEXANDRE VIDAL PORTO é escritor e diplomata. Este artigo reflete apenas as opiniões do autor.