O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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sábado, 4 de outubro de 2025

Resenha peculiar da mais importante obra de Henry Kissinger, World Order, por Arnaldo Barbosa Brandão

DIPLOMACY do Kissinger ou como funciona o jogo do poder mundial. Uma Resenha do a.b.b.

Arnaldo Barbosa Brandão

(4/10/2025)

Pode-se discordar dele, pode-se não acreditar nele, pode-se desconfiar dele, mas o cara é um clássico, queira-se ou não. São nove capítulos, uma conclusão e uma introdução, onde ele conceitua o que seja “ordem mundial” e os diversos tipos de ordem que vigoraram ao longo da história. Kissinger dá um longo passeio e avisa logo no princípio do livro que “jamais existiu uma ordem mundial que fosse verdadeiramente global”. Posso imaginar o Henry sentado no seu luxuoso escritório, cercado de cinco ou seis livros básicos jogados sobre a mesa onde pontifica sua Tese de doutorado feita em Harvard seguida do clássico DIPLOMACY. E sobre o tapete persa, ou arrumadinhos nas prateleiras, centenas de livros sobre os temas mais inusitados que se possa imaginar. Os interesses dele vão da poesia clássica, passando pela geografia, comida, literatura, sem falar que conhece a vida dos personagens históricos de trás pra frente, desde o principal navegador chinês no Século XV até o que se passa na cabeça cheia de turbantes do líder supremo iraniano, o Ali Khamenei ou da careca do presidente russo Vladimir Putin. O livro é dedicado à mulher Nancy. Fez bem, imagine o que a Nancy deve saber dos segredos de estado do EUA. Se a minha mulher que não deixo passar da porta do meu cubículo que chamo apropriadamente de “o buraco da lacraia” vive me ameaçando: “olha que eu conto sobre aquela tua prisão no Forte da Laje”, imagine a Nancy. Na realidade, Kissinger está naquela fase em que acorda de manhã, dá um bocejo e diz: “eu sou o maior”. Esse é o perigo, quando o cara está lá em cima sempre aparece alguém querendo derruba-lo do pedestal. Na minha modesta opinião, não há mais nada que o Kissinger possa temer, a menos que aconteça algo como ocorreu com Ulisses, que  numa de suas viagens em busca do conhecimento foi punido por Deus com um redemoinho gigantesco que revirou seu navio e toda sua tripulação. Kissinger começa com a chamada “Paz da Vestfália” estabelecida há quase quatro séculos, que acabou com a  guerra dos trinta anos e parece ser um paradigma do que se poderia chamar  de “ordem mundial”. Daí vai subindo o morro e chega no Cap. 2 então embarca na canoa em que tem domínio completo e total, a balança de poder entre as duas guerras mundiais. O Cara é corajoso, logo no 3º Capítulo decide enfrentar o Islamismo. Também pudera, para um cara que passou meses conversando secretamente com Le Duc Too para tirar o EUA do atoleiro do Vietnam, nada mais assusta. Existiria no momento uma ordem islâmica ou é uma desordem? Kissinger explica. Ele começa pelo Tratado de Sèvres de 1920, aquele mesmo que dividiu o Oriente como se estivesse construindo uma colcha de retalhos colorida, destas que se usa para forrar a cama durante o dia. É bom saber que nesta época o conceito de “estado nacional” praticamente não existia no Oriente e a ideia de um estado laico era novidade por aquelas bandas. Um capítulo específico é dedicado ao Irã, onde ele aconselha: o EUA precisam calibrar de forma cuidadosa suas relações com a Arábia Saudita e o Irã, há por ali uma luta religiosa que já dura mais de mil anos entre duas correntes do Islã. Em seguida, ele pula para a Ásia e dali ele salta de volta ao EUA pra dar seus conselhos finais de quase duzentas páginas. Resumindo, diz ele: “é preciso alcançar o equilíbrio, mas há que se conter os “cães da guerra” e Putin é um deles. Os americanos contavam com os chineses pra isso , mas agora nem sei mais. Kissinger, como sempre, mais prático que teórico. Com a saída do Trump, os EUA devem voltar ao tabuleiro mundial  e o jogo deve ser “paciência” porque terá como oponente não só o jogo bruto dos russos, mas a paciência dos chineses, tudo indica que terá de lidar também com aliados teimosos como o Brasil(os militares vão facilitar as coisas, pois onde vão comprar seus materiais?). A velha Europa que estava mais ligada no chamado “meio-ambiente”, esta nova religião da qual vamos ter que fazer parte queiramos ou não, gostemos ou não vamos entrar no jogo pesado agora, mas agora é guerra, depois se pensa na diplomacia, ou seja depois da guerra é que entram os diplomatas, e nós temos uma tradição neste campo. Ah, mas tem o Bolsonaro, mas esse logo vai para o xilindró. Vamos ter que lidar com  Trump e seus asseclas e principalmente o Secretario de Estado, um tal Marco Rubio, um cara que ainda não entendeu que o Brasil não é Cuba, bastava olhar no mapa, mas esses caras não olham nada nem tem ideia do tamanho do Brasil, por enquanto ele tá acertando o pessoal do Supremo, como esse é  um povo que vive em outro planeta, tudo bem.

sábado, 12 de julho de 2025

Uma pequena grande história do Brasil contemporâneo- Arnaldo Barbosa Brandão

 A HISTÓRIA DO BRASIL (que não está nos livros)

Do a.b.b.

Onde eu parei mesmo? Ah, foi em Getúlio. Houve uns 5 Getúlios. O jovem que se vestia como um lorde e usava aqueles sapatos de duas cores e terno branco e que pegava as gaúchas. O político preferido do Borges de Medeiros(governador do Rio Grande), com quem aprendeu todas as artimanhas pra se manter no poder por anos e anos. O Getúlio que chegou nos braços do povo ao poder em 1930 e que governou cem certa flexibilidade. O ditador que governou com mão de ferro o país, de 1937 até 46 e o presidente eleito em 1950 que enfrentou uma oposição feroz do udenismo com Carlos Lacerda à frente, e que acabou suicidando-se em 1954. Talvez, sabendo do que ocorreu entre 30 e 55, fique mais fácil para os mais jovens entenderem porque houve o golpe ou revolução de 64, sei lá. Pois é, quando eu era jovem achava que foi golpe, agora, sei lá. Vou ficar com o que disse FHC quando era sociólogo em 1972: “O golpe de 64 acabou por ter consequências revolucionárias no plano econômico”. Não foi só o Jango. É que os militares (nem todos), não perceberam que os tempos eram outros e o Brasil, bem, o Brasil tinha estado na 2ª Guerra e houve o governo JK ( 50 anos em 5 não digo, mas 10 em 5, quem sabe). Bem que fiquei tentado, mas não há como fazer comparações entre a ditadura de Getúlio e a dos militares em 64. Mundos diferentes, Getúlio mudou o Brasil e JK ajudou. Os militares pós-64 também mudaram o Brasil. Sem eles não haveria Brasília, que JK deixou 5% pronta e eles completaram, nem Petrobrás, que Getúlio criou e não se interessou (perguntou aos gringos se queriam o petróleo), nem EMPRAPA, que Rockefeller criou com o nome de Ceres e que viabilizou a soja e o milho no cerrado, e de quebra o gado. Nem haveria as estradas que JK começou e eles esticaram, nem energia elétrica (Itaipu), nem as universidades. Sem eles estaríamos no escuro, depois dos militares não me lembro de nada que alguém tenha feito (infra-estrutura), nem os portos, nem o FGTS(invenção do Roberto Campos). Pensando bem, até o Lula é criação dos militares, que desejavam uma esquerda desvinculada do comunismo que dominavam os sindicatos. O fato é que nos governos militares teve de tudo, mas dá pra separar o trigo. Castelo era feio como uma trombada  de trem, mas era trigo, Geisel se escondia atrás dos óculos escuros, falava pouco, mas era trigo, Golbery era trigo, sem eles estaríamos numa enrascada política e econômica. Glauber percebeu isso antes de todos. Bem, depois dos militares, veio o Sarney que fez o Plano Cruzado 1, 2 e não deu em nada, depois Collor que fez merda, depois Itamar que conta, fez o Plano Real, depois FHC que deu uma estabilizada na economia e na política, depois veio o Lula e sua gente: fez-nos lembrar que havia pobreza no país, e também lembrou-nos que o sindicalismo continua o mesmo de sempre.  Voltemos a Getúlio. Lembre-se que ele não admitia adversários, já os militares de 64, mais ou menos. Getúlio eliminou logo os dois principais: comunistas e fascistas. Morreu muita gente e muitos foram exilados, a mulher do Luiz Carlos Prestes, Olga Benário, foi entregue ao Nazistas, Prestes foi preso e torturado. Getúlio enfrentou de cara a “revolução constitucionalista de 32”, na verdade uma contra-revolução. São Paulo (leia-se a elite paulista) rebelou-se. Até o Mario de Andrade lutou por São Paulo, quem diria. Não pegou no fuzil, usava uma caneta, que, às vezes pode ser mais letal. O problema é que São Paulo queria o divórcio (e na certa iria ficar com a casa e os móveis). Lembrem-se que Getúlio prendeu até Graciliano Ramos, foi bom (nada, prisão é péssimo, já fui preso, sei como é), porque daí saiu o “Memórias do Cárcere”. A outra diferença é que Getúlio tinha uma visão mais “compreensiva” das relações sociais e principalmente, trabalhistas. Getúlio, como todos os ditadores, comunicava-se diretamente com as “massas” e centralizava todo o poder. Nomeou interventores para quase todos os estados, a maioria militares, muitos se perpetuaram no poder. Diferente dos militares em 64. Voltando a subir o morro, nesta época também aparecem uns sambas ressaltando a liberdade nas favelas, ao contrário da ordem e das normas mais rígidas no chamado asfalto. Confiram as letras do próprio Herivelto e de outros. Já estamos falando dos anos 50, e eu já residia no Morro da Coroa e via o “pau comer” todos os dias, porque a chamada “malandragem” descia de vez em quando e aprontava alguns roubos e assaltos nos bairros onde as favelas estavam estabelecidas, ou vocês pensam que os tiroteios nas favelas começaram agora. É bem verdade que a arma mais poderosa era o 45, embora meu pai usasse um parabélum. Há alguns estudiosos que tem uma visão romântica dos chamados “malandros”, é porque nunca moraram nas favelas. Nesta época(anos 40 e 50) chegaram os nordestinos (do sertão e adjacências, não do litoral), o que deu uma mistura interessante nos morros, uma argamassa explosiva, a julgar pela reação do meu pai, que detestava candomblé, samba, barulho e outras “pataquadas desses crioulos safados”, como dizia, mas um de seus melhores amigos era negro e veio da Bahia com ele, na quarta classe de um navio. Os nordestinos, em geral, preferiam os subúrbios, foi o período de crescimento dos subúrbios e da Baixada Fluminense e das cidades do ABC em São Paulo. Getúlio, que já era chamado “o pai dos pobres”, cria então, a “polícia especial”, que, como diz o nome, era especial, ou seja, podia fazer qualquer violência que quisesse. Lembro que usavam uns cassetetes de borracha, em substituição aos de madeira, porque doía, mas, não quebrava nada. Foi um grande avanço social. A polícia era a lei e acabou-se, entenderam porque até hoje não temos noção de justiça e morremos de medo da polícia, até hoje não aprendemos na escola que um processo começa com uma investigação policial, acompanhado por um promotor, e que vai para um juiz que manda prender. Aqui os processos começam com a “prisão do meliante para averiguações”. Aprendam mais esta: Só quem pode mandar prender é um juiz, a não ser em flagrante delito, mas até hoje qualquer policial de meia-tigela prende você na rua e tu ficas(atenção revisora, é assim mesmo) mofando dias e dias, se for pobre, meses e meses e até anos. Outro fato importante, é que Getúlio fazia uma diferenciação muito grande entre pobres e trabalhadores. Pobres eles sequer reconhecia, dirigia-se aos “Trabalhadores do Brasil”. E como nas favelas só moravam pobres e alguns poucos “trabalhadores formais”, as favelas sequer eram reconhecidas. Alguns podem pensar: “mas Getúlio era um ignorante”. Não, Getúlio era culto, ele não era do time relativista, mesmo porque, na época quem mandava era o positivismo. Melhor ler o Pedro Demo(Metodologia Científica em Ciências Sociais) pra entender essas questões teóricas, em vez de ficarem se escorando no Google ou perdendo tempo com os filósofos franceses.  Todas essas coisas que estou contando aqui, tiveram e ainda produzem, repercussões sobre o crescimento das favelas, e da criminalidade. Interessante, é que Brizola, um político oriundo do Getulismo, foi um dos primeiros a compreender que as “favelas” não eram só um fato físico, mas também social. E olha que eu não gostei do governo Brizola no Rio, mas isso não é vantagem, não gosto de nenhum governo, e por incrível que pareça, foi o governo que construiu o maior número de viadutos, claro, por influência do Jaime Lerner (linha amarela, linha vermelha), mais ainda, foi um dos primeiros governos que pensou em aproximar ricos de pobres, via transporte coletivo, lembro das madames de Ipanema indignadas por causa de uma linha de ônibus que fazia Ipanema-Metrô. Bem, agora o Metrô chegou a Ipanema, aquilo vai ficar igual churrascaria de subúrbio aos domingos. O jeito é escapar pro Leblon e pra Barra. Voltemos a subir o Morro. Se os morros eram territórios que o governo não reconhecia, e a polícia só aparecia de vez em quando, quem mandava nas favelas? Digamos no dia-a-dia? Os primeiros que se apresentaram com algum programa de governo foram os bicheiros, depois veio a Igreja católica, por causa de Dom Helder, se bem que conheci um padre que tinha “pontos” de jogo. Alguns bicheiros ficaram famosos, caso do Natal da Portela, que começou de baixo como apontador e virou banqueiro, isso com um só braço, imagine se tivesse os dois. Os bicheiros e sua influência sobre as favelas dariam um livros de milhares de páginas, mas não sou eu quem vai escrever, é coisa pra quem? Sociólogos? Conheci poucos que se interessaram, digamos o Carlos Nelson Pereira dos Santos e a Lícia do Prado Valadares, nome bonito? Ela também. Cheguei a namorá-la, mas não deu certo, por minha culpa. Houve também o Artur Rios, e os estrangeiros. O mais importante deles foi, sem dúvida, o (CONTINUA OUTRO DIA).

sábado, 22 de março de 2025

OS DOZE MAIORES FILMES BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS - Arnaldo Barbosa Brandão (ABB)

OS DOZE MAIORES FILMES BRASILEIROS DE TODOS OS TEMPOS

Do a.b.b.

Sei que muita gente evita os filmes brasileiros, mas nós já fomos bons nesta arte, que sem dúvida é a “arte” do século, a tv tá mostrando isso. 

1.NO PAIZ DAS AMAZONAS. Filme de 1921 feito por um tal Silvino Santos(nada a ver com Silvio Santos). Lançado pela primeira vez no Cine Pathé em Paris. Depois no Rio de Janeiro em 1923. Sucesso estrondoso. Tenho visto trechos dos filmes do Silvino a partir do documentário de um cineasta chamado Aurelio Michiles. O documentário é de 1997 e costuma passar no Canal 53. A história do Silvino Santos é destas que só acontecem no Brasil. Um cara faz um filme sobre a Amazônia no início do século XX, filmando em áreas remotas da Região, financiado por um Comendador da Borracha, e ninguém fica sabendo, até que aparece o Aurelio Michiles e conta tudo através de um documentário. Pra se ter ideia da coisa, o tal Silvino Santos era um cara pobre que foi trabalhar em Belém, aproveitando ainda o período áureo da borracha, então ele casa. Vocês sabem como é. O cara só tem três chances de ficar rico na vida: quando nasce, quando casa, ou ganhando no jogo do bicho. 

2. LIMITE. Do Mário Peixoto. Tem gente que pensa que o Brasil sempre foi esta pasmaceira que vivemos agora, com um bando de ignorantes mandando no País. Antes do cinema novo, antes do neorrealismo italiano, antes de Orson Welles, antes de tudo, mas depois do expressionismo alemão, nós estávamos lá na frente. Muitos pensam que foi Hollywood quem inventou o cinema nos termos que se conhece hoje. Não foi. Foram os alemães que, tirante os gregos, inventaram quase tudo (comecem pelos filósofos, depois os físicos, depois a música).  Depois dos alemães somos nós com “LIMITE”, depois sim é que apareceu Hollywood, quando os alemães (Fritz Lang, entre outros) fugiram do Hitler e criaram o grande cinema americano(muita gente vai gostar de saber disso, pena que não foi bem assim). Os gringos ofereciam tudo (casa, carros e salários) para que os caras ficassem, assim como fizeram durante e depois da 2ª Guerra. Queriam os talentos, enquanto nós que tínhamos o talento e a demanda, não conseguimos criar uma empresa (organização) para desenvolver o cinema. Houve tentativas como a Atlântida, mas não foram pra frente. Por quê? Boa pergunta. Pois bem, vamos a um dos grandes talentos. O cara morava no Rio, era muito rico e decide fazer um filme para mostrar que o tempo é uma coisa ilusória. Será? Era jovem, culto, rico, e terrivelmente talentoso. Então pôs as mãos-a-obra. O filme é de 1930 quando o Brasil vivia uma de suas costumeiras revoluções que nunca dão em nada, mas ele não falou em política, vivia num mundo a parte, muito mais interessante, o mundo da arte. Quem vê-lo verá o expressionismo alemão nos seus grandes momentos, verá Antonioni no original, antes dele ter feito àqueles lindos filmes com a Monica Vitti.O cara (Mário Peixoto) é uma lenda como Glauber, mas muito diferente do Glauber, era introspectivo, quieto, delicado. Juntou alguns atores amadores, tinha grana pra bancar, então resolveu fazer uma obra de arte sem interferência de ninguém. O filme foi mostrado para ninguém menos que o Eisenstein em Londres, e ele adorou, embora eu não goste muito do Eisenstein.   

3. O CHEIRO DO RALO. Selton Melo se apaixona por uma bunda, não preciso dizer mais nada. Filme interessante sobre um objeto interessante. Não devemos nos esquecer que Drummond tem um poema muito bom sobre ela (a bunda).

4. DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL. 1964 ou 65, não sei, só sei que foi durante o regime militar, nosso período mais produtivo nas artes, talvez porque tivéssemos um inimigo. Glauber Rocha exagerava. Então fez logo três filmes que colocaram o cinema brasileiro entre os maiores do mundo. Pois é, já tivemos um dos melhores cinemas do mundo, quem diria. Os outros dois são BARRAVENTO e TERRA EM TRANSE. Para completar o estrago fez ainda o documentário “MARANHÃO 66” encomendado pelo Sarney(onde ele sacaneia o Sarney, foi o único que conseguiu), depois fez o “Di”, documentário sobre o enterro do pintor (proibido pela família). Imagine o que Glauber andou fazendo depois com a câmera na mão e muita merda na cabeça. Nem vou falar dos livros do Glauber, uma porralouquice total.

5. VIDAS SECAS. Nelson Pereira dos Santos faz seu grande filme em que a atriz principal era a cachorra Baleia. Prefiro “Cinco Vezes Favela”. Agora o grande Nelson está no céu, devia fazer um filme sobre aquilo lá, não, melhor deixar para o Glauber.

6. OS CANGACEIROS. Lima Barreto(cineasta) faz um faroeste brasileiro. Aparecem até uns desfiladeiros no meio da Caatinga.

7. O TEMPO E O VENTO 1985. Série de televisão dirigida pelo Paulo José em 1985 com base na saga do Érico Veríssimo, um dos maiores escritores brasileiros. Música do Tom Jobim, mas há também outras canções gauchescas, só faltou Teixeirinha. Uma das melhores coisas feita pela TV brasileira. Pra quem vive metendo o pau na TV Globo por razões ideológicas, esquecendo-se de ela produziu belas coisas. Tarcisio Meira fez seu grande papel como um capitão Rodrigo inesquecível.

8. SÃO BERNARDO. 1971. Leon Hirzman faz um dos dez maiores filmes brasileiros com base na grande obra de Graciliano Ramos. Tem gente que prefere “Vidas Secas”, mas eu prefiro São Bernardo, nada apelativo e mais profundo e sem maiores influências do neorrealismo, captando o espírito do livro. Grande livro.

9. ESTÔMAGO. Filme interessante que mostra o poder da comida e de quem sabe fazê-la. Muito humor, muita influência do neorrealismo italiano. Muito tudo.

10. O PAGADOR DE PROMESSAS. Anselmo Duarte ganha a Palma de ouro em Cannes com filme baseado na obra do grande teatrólogo Dias Gomes, hoje esquecido.

11. O FORNO. Humberto Mauro. Documentário do grande mestre de Cataguazes. Não sei se vão achar. Vi no cinema, quando eles ainda existiam, só em Copacabana havia uns dez. Na Tijuca havia uns seis. No Centro nem se fala. 

12. BUROCRACIA. 1968. Filme do Miguelzinho Freire com o a.b.b. como ator principal e roteirista. A história do cara que passa meses tirando atestados pra se internar e fazer uma cirurgia, mas morre antes. Filme bem atual. Passa todos os dias nos hospitais de Brasília. 

 OBS. Agora tem esse ai que ganhou o OSCAR com a Fernanda Torres que ainda não pude ver (não aguento ficar sentado tanto tempo, tenho que me mexer) depois de ver todos os filmes do mundo que passavam nos cinemas da Cinelândia (franceses, italianos, ingleses ,poloneses, russos, tchecos, etc.)


sábado, 14 de novembro de 2015

Nao existem falhas de mercado; se falhas existem, elas sao de governo - Paulo Roberto de Almeida


Não existem falhas de mercado; se falhas existem, elas são de governo

Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos ao Arnaldo Barbosa Brandão

Adam Smith vai ao cerrado
Estou lendo um “romance” saboroso: Encaixotando Brasília, o segundo de uma trilogia do Arnaldo Barbosa Brandão (Brasília: Verbena, 2012), e chego ao capítulo V, “Uma certa Brasília”, que descreve, em tons literários, supostamente verdadeiros, mas com alguns traços de “macondianismo”, suas primeiras andanças e vivências na capital em construção:
“Foi em Brasília que vi, pela primeira vez, alguém comprando um produto insólito. A fila começava na W3 Sul na altura da 509... e ia até a 511, esticando-se por uns quinhentos metros, e o mais singular, só tinha homens. No princípio da fila notei um ajuntamento maior de pessoas e bem no centro um camelô, vendendo uns frasquinhos miúdos com algo dentro que não conseguia divisar de longe. Aproximei-me, curioso, tentando saber que produto precioso era aquele, que obrigava as pessoas interessadas a tanta espera e quando recebia saíam exultantes, correndo, dando pulinhos. Ouvi claramente o camelô gritar: “este é garantido!” Imaginei que fosse algum remédio popular feito de ervas, tinha uma cor amarronzada, acabei por perguntar a um dos compradores, que me olhou desconfiado e não respondeu, aguçando ainda mais minha curiosidade. Finalmente, a muito custo, cheguei ao bolo de gente e indaguei do dono do negócio, que me respondeu secamente:
– É fezes, mas é garantido, não tem qualquer tipo de lombriga, com nossa merda seu exame de fezes dá sempre negativo.
Aí entendi tudo! Os empregadores exigiam abreugrafia e exame de fezes..., se os candidatos ao emprego levassem suas próprias fezes certamente daria positivo para uma infinidade de lombrigas e eles perderiam a vaga.” (p. 63-64)

O que descreve Arnaldo Barbosa Brandão, o famoso a.b.b., em tom irônico, é a própria “mão invisível” de Adam Smith, em pleno e livre funcionamento no cerrado. Os microempresários do planalto central, consoante seu tino empreendedor, não estão fazendo nenhum favor aos sôfregos candidatos a um emprego qualquer na Brasília em construção: ao vender merda em frasco, eles estão apenas atendendo às demandas dos pretendentes que se confrontam a uma regra qualquer estabelecida pelo governo. Em face dessa “restrição indevida” das condições de mercado – laboral, neste caso – empresários atentos dão um jeito de contornar as obrigações oferecendo o produto desejado, merda engarrafada, confirmando assim, em toda a sua glória, a grande, talvez única, lei da economia, o encontro da demanda com a sua oferta.
Em outros termos, você não precisa enfrentar as 2.500 páginas escritas num inglês oitocentista do genial escocês fundador da economia política para entender como funciona a “mão invisível” de que falava Adam Smith: basta ler o saboroso romance de Arnaldo Barbosa Brandão, arquiteto de formação e homem de muitas outras artes e ofícios, para ter uma ideia exata de como funciona o mercado, o que também explica o título desta pequena crônica. O mercado está sempre aberto a todo e qualquer tipo de transação, mesmo as mais insólitas, como a descrita neste trecho do romance do a.b.b. São os governos que impõem determinas regras – restrições, seria a palavra exata – o que faz com que o mercado encontre, quase imediatamente, a “solução” para a falha criada por uma autoridade qualquer.
Meu objetivo aqui não é o de sugerir novas e imaginativas formas, sobretudo insólitas, como essa, para que empresários atentos contornem certas falhas de governo. Meu objetivo é justamente o de defender o argumento de que não existem falhas de mercado, como alegam, talvez, mais de 90% dos manuais de economia, sobretudo os de corte keynesiano, pois os mercados funcionam perfeitamente bem, sempre. Se falhas existem, elas são sempre de governo, como teremos oportunidade de mostrar em próxima crônica.
Salve a.b.b.! Vamos adiante no romance...

Brasília, 14 de novembro de 2015, 2 p.