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quinta-feira, 8 de maio de 2025

Lula celebrará 80 anos da vitória da Europa na Segunda Guerra com Putin e outros ditadores na Rússia - Carinne Souza (Gazeta do Povo)

Viagem à Rússia

Lula celebrará 80 anos da vitória da Europa na Segunda Guerra com Putin e outros ditadores na Rússia

Por Carinne Souza

Gazeta do Povo, 08/05/2025 

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-celebrara-80-anos-da-vitoria-da-europa-na-segunda-guerra-com-putin-e-outros-ditadores-na-russia/

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu prestigiar as celebrações dos 80 anos da vitória aliada na Segunda Guerra nesta sexta-feira (9), na Rússia, ao lado de ditadores e autocratas como Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Miguel Diaz-Canel (Cuba) e Nicolás Maduro (Venezuela). A decisão de celebrar a data em Moscou ignora os eventos realizados em democracias liberais, que comemoram o Dia da Vitória na Europa nesta quinta-feira (8). Para analistas, a escolha é mais um gesto político de aproximação do petista a Putin no contexto da invasão russa à Ucrânia.

A Rússia chama a Segunda Guerra de Grande Guerra Patriótica e celebra o fim dos confrontos no dia 9 de maio, quando tropas nazistas se renderam aos soviéticos em Berlim. A tradição de realizar grandes paradas militares como demonstração de força militar foi resgatada por Putin no ano de 2008, quando ele começou a anunciar que a Rússia criaria mísseis hipersônicos e novos tipos de armas nucleares.

Reino Unido, França, Áustria, Bélgica, Polônia e outros países europeus celebram o Dia da Vitória na Europa em 8 de maio, data que marca o anúncio na imprensa mundial da rendição incondicional do exército alemão ao general aliado Dwight Eisenhower na catedral de Reims, na França – evento que havia ocorrido um dia antes, em 7 de maio.

Os Estados Unidos também comemoram a data em 8 de maio, mas ela tem uma importância relativamente menor para o país, já que o conflito continuou no Pacífico até setembro. Em anúncio feito nas redes sociais, o presidente Donald Trump afirmou que daria à data o nome de "Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial", mas a medida ainda não foi concretizada pela Casa Branca.

A celebração russa em uma data diferente dos demais países, explicam os analistas consultados pela reportagem, é vista como uma manobra para fazer a população crer incorretamente que a vitória contra a Alemanha nazista de Adolf Hitler foi só ou principalmente devido à atuação da União Soviética.

Visita de Lula a Moscou para o Dia da Vitória tem peso político pejorativo

Analistas avaliam com preocupação a decisão de Lula em celebrar a data em Moscou, isso porque o encontro do petista com Putin pode chancelar a percepção de que o mandatário brasileiro tem um "lado" na guerra na Ucrânia. Soma-se a isso ainda o viés político que o ditador russo tem dado ao dia 9 de Maio.

O Brasil não tem tradição em comemorar o Dia da Vitória na Europa. As principais celebrações são homenagens aos Pracinhas (combatentes brasileiros da Segunda Guerra) realizadas na manhã desta quinta-feira (8) em diversas unidades do Exército. Um dos maiores atos é organizado pelo Comando Militar do Sudeste, na Praça Heróis da FEB, em São Paulo. Ele terá a presença de diplomatas europeus que se mobilizaram para dar um recado implícito de desaprovação ao gesto de Lula ir à Rússia. Confirmaram presença diplomatas do Reino Unido, Ucrânia, Bélgica e da representação da União Europeia no Brasil.


Na Rússia, o Dia da Vitória é usado para engajar o espírito nacionalista entre a população russa, mas nos últimos anos, Putin tem utilizado a data para justificar a invasão que fez à Ucrânia em fevereiro de 2022. Neste ano, além de Lula, o ditador russo convidou diversos aliados para participar do evento, em uma tentativa de mostrar força política em um momento que tem sido pressionado pelo fim da guerra no território ucraniano.

"Esse é um evento carregado de muito simbolismo, onde o Kremlin procura fazer prosperar a sua narrativa. É uma parada militar que serve para poder mostrar poder, capacidade e disposição para o conflito por parte do país invasor na guerra da Ucrânia", avalia o professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Na avaliação do diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a viagem de Lula é inconveniente e pode trazer prejuízos para a diplomacia brasileira no atual contexto geopolítico. "É sinal de uma visão ideológica anacrônica do sistema internacional própria da esquerda envelhecida e desatualizada. Compromete a isenção que a política exterior brasileira deveria manter ao se inclinar em favor da Rússia e da China", avalia.

"Se trata de uma viagem altamente inoportuna e inconveniente pois só pode ser interpretada como apoio implícito a um ditador que é o responsável pela mais grave violação dos princípios da Carta da ONU e do Direito Internacional: a agressão contra a Ucrânia. Em plena guerra da Ucrânia, a visita prestigia um regime alvo de condenações da Assembleia Geral da ONU e de sanções internacionais", pontua Ricupero.

Ricupero, que também foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, aponta ainda para uma certa incoerência de Lula ao participar do evento. Isso porque a agressão russa contra a Ucrânia realizada em fevereiro de 2022 "reintroduziu a guerra no continente europeu 80 anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial".

Lula deve ficar cerca de três dias na Rússia, onde também terá uma reunião bilateral com Vladimir Putin. O encontro com o ditador, conforme informou o embaixador e secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty, Eduardo Saboia, será para tratar assuntos políticos e de interesse dos dois líderes, descartando a possibilidade de temas da agenda bilateral ou dos Brics serem o alvo da reunião.

Além das celebrações do Dia da Vitória, o governo brasileiro pretende assinar acordos de parceria estratégica com a Rússia. A comitiva do mandatário brasileiro conta com o chanceler Mauro Vieira, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e a ministra de Ciências e Tecnologia, Luciana Santos. O ex-chanceler e assessor para assuntos especiais da presidência, Celso Amorim, também acompanha a viagem.

A primeira-dama, Rosângela Lula da Silva, Janja, também acompanha Lula em seus compromissos em Moscou. Janja chegou à Rússia antes do petista e cumpriu uma agenda exclusiva no país, com visitas a faculdades, museus e encontros com brasileiros que residem em território russo. De Moscou, Lula segue para a China, onde participa do Fórum Celac-China e assina novos acordos com o governo chinês.

Viagem para a Rússia chancela “lado” de Lula na guerra da Ucrânia, dizem analistas 

Para analistas consultados pela Gazeta do Povo, Lula passa uma mensagem equivocada ao se reunir com Putin na Rússia. "Do ponto de vista da imagem do Brasil no exterior, é ruim, porque o Brasil, por ter uma diplomacia muito pragmática e calcada em questões muito objetivas de comércio exterior, procura evitar dar demonstrações ou sinalizações de que teria adesão a qualquer um dos lados e seja qual for a disputa", avalia Elton Gomes sobre a viagem de Lula a Moscou.

Desde que retornou ao Planalto para seu terceiro mandato, o petista tem feito declarações sobre seu desejo de intermediar o conflito e encontrar uma solução pacífica para a guerra. O Brasil chegou a apoiar, ao lado da China, um plano em seis pontos para promover um cessar-fogo no território ucraniano. Apesar das iniciativas, Lula adotou discursos que vão na contramão do Ocidente e que foram vistos como acenos a Putin.

Até então, o mandatário brasileiro e seus aliados vinham defendendo que sua postura deveria ser interpretada como equilibrada, já que Lula mantinha diálogos com as duas partes da guerra. Por outro lado, analistas chamam atenção para evidências do contrário. Além de evitar condenações à Rússia, Lula recusou encontros com Zelensky.

Apesar dos esforços ucranianos para uma aproximação com Lula, o mandatário brasileiro vinha mantendo contatos frequentes com Vladimir Putin. No ano passado, o petista foi um dos confirmados para a Cúpula de Líderes dos Brics que a Rússia sediou em Kazan – o encontro só não ocorreu porque Lula sofreu um acidente às vésperas da viagem e ficou impossibilitado de realizar viagens aéreas.

O petista também chegou a afirmar que não via problema em Vladimir Putin participar presencialmente da Cúpula do G20, que o Brasil sediou no Rio de Janeiro no ano passado. “Se eu for presidente do Brasil, e se ele [Putin] vier para o Brasil, não tem como ele ser preso. Não, ele não será preso. Ninguém vai desrespeitar o Brasil”, disse Lula.

Putin é alvo de um mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes de guerra após ser considerado responsável pela deportação de ao menos 19 mil crianças ucranianas que viviam em territórios atualmente ocupados pela Rússia. O Brasil como signatário do Tratado de Roma, deve cumprir a prisão do ditador russo caso ele pise em território brasileiro.

Isso não impediu, no entanto, o Brasil de tentar aprovar, junto às Nações Unidas, uma regra de imunidade para chefes de Estado de países não signatários do Estatuto – como é o caso da Rússia, por exemplo. Para os analistas, todos esses fatos são precedentes da viagem de Lula para a Moscou, além de corroborarem para o afastamento da neutralidade da diplomacia brasileira na primeira guerra continental em solo Europeu em 80 anos.

"Na prática, o Lula apoiou a Rússia em todos os momentos, não militarmente, mas politicamente, diplomaticamente e economicamente de forma expressa. Houve um aumento exponencial das importações brasileiras de combustíveis e de fertilizantes russos, ou seja, são bilhões de dólares que ajudaram a chamada "Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia", como Putin chama a guerra", analisa o diplomata aposentado Paulo Roberto de Almeida.

Além disso, Lula barrou uma compra bilionária de centenas de blindados ambulância que seria produzidos pela Iveco no Brasil e enviados à Ucrânia.

Simpatia pela Rússia trouxe prejuízos para relação do Brasil com a Ucrânia

Esta é a primeira visita de Lula à Rússia neste mandato. A viagem havia sido anunciada ainda em janeiro, quando o petista foi convidado por Vladimir Putin para participar das celebrações do dia 9 de maio por meio de um telefonema. Ainda na ocasião, Lula afirmou sobre o interesse de realizar uma visita de Estado à Rússia.


O anúncio do mandatário brasileiro, contudo, causou incômodo no governo ucraniano. O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, já havia feito diversas tentativas de estreitar o relacionamento com Lula, incluindo convites formais para que o petista visitasse Kyiv. Mas nunca houve um retorno positivo do governo brasileiro, fosse para uma visita de Lula à Ucrânia ou uma viagem de Zelensky ao Brasil.



Zelensky também expressou publicamente o desejo de contar com o apoio diplomático do Brasil para promover um diálogo internacional sobre a paz, e já buscou reuniões bilaterais com Lula em encontros internacionais – alguns dos quais acabaram não se concretizando. As tentativas frustradas se somaram ainda a declarações desastrosas de Lula sobre a guerra, como a relativização de culpa entre Rússia e Ucrânia pelo conflito.  


Na avaliação do diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida, as negativas de Lula em se reunir com Zelensky, além de suas declarações sobre o conflito, podem ser interpretados como sinais implícitos de apoio a Putin. As afirmações do petista foram alvos de críticas de Zelensky e dos aliados da Ucrânia na guerra, o que deteriorou a relação entre os dois países.

Após o anúncio da viagem para a Rússia, o relacionamento entre os dois países passou por uma nova degradação. Durante passagem de Lula pela Ásia no mês de março, o petista anunciou que teria uma conversa por telefone com presidente ucraniano para discutir o plano de paz sino-brasileiro para um cessar-fogo na Ucrânia.  

A ligação, porém, não ocorreu após uma recusa de Zelensky, em sinal de descontentamento com a decisão do mandatário brasileiro visitar a Rússia. A decisão de Lula de visitar o país invasor sem previsão de uma viagem à Ucrânia, país que foi invadido pela Rússia, foi vista com preocupação por autoridades ucranianas, que temem um desequilíbrio na postura brasileira em relação ao conflito em curso no Leste Europeu.

Na última semana, o embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnyk, se reuniu com o vice-presidente, Geraldo Alckmin, e fez críticas sobre visita de Lula a Moscou. Melnyk sugeriu que Lula poderia aproveitar a viagem à Rússia, na próxima semana, para ir antes a Kiev. O embaixador afirmou que Zelensky ainda "está esperando" por Lula.

"A ideia principal também nesta reunião foi confirmar, da nossa parte, o convite do meu presidente Volodymyr Zelensky, do meu governo, mas também do povo ucraniano, ao presidente Lula e pessoalmente ao vice-presidente Alckmin para [Lula] aproveitar esta oportunidade histórica e visitar Kiev o mais breve possível", disse o embaixador. 

Ainda em sinal do descontentamento com a gestão Lula, Kyiv avalia deixar o Brasil sem um embaixador. Conforme havia adiantado a Gazeta do Povo, a embaixada da Ucrânia em Brasília não deve ter um novo responsável pela representação até o ano que vem. Andrii Melnyk deixou o posto no início deste mês de maio para assumir a representação do país nas Nações Unidas. Até lá, um encarregado de negócios responderá pela embaixada ucraniana.

A saída de um embaixador sem um novo para substituí-lo não é bem-vista no meio diplomático. Deixar as relações entre dois países sob a responsabilidade de um encarregado é sinal de rebaixamento na relação bilateral, indicando descontentamento, esfriamento político ou desacordo significativo entre os países envolvidos.

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-celebrara-80-anos-da-vitoria-da-europa-na-segunda-guerra-com-putin-e-outros-ditadores-na-russia/ 

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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Amorim, o chanceler real de Lula 3 - Carinne Souza (Gazeta do Povo)

 Celso Amorim não é ministro, mas dá as cartas na polêmica política externa esquerdista de Lula

Carinne Souza

Gazeta do Povo, 3/01/2024

https://www.gazetadopovo.com.br/republica/a-influencia-ideologica-de-celso-amorim-sobre-a-politica-externa-de-lula/amp/


Ainda que Mauro Vieira seja o chanceler oficial deste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), especialistas avaliam que o verdadeiro mentor da política externa é seu assessor de assuntos especiais, Celso Amorim. Diplomata de carreira, Amorim foi o ministro de Relações Exteriores dos dois primeiros mandatos de Lula e é apontado como a figura que moldou a estratégia internacional do mandatário brasileiro, que flerta com ditadores e não se envergonha de fazer vistas grossas a grupos terroristas.

De perfil progressista, Amorim é filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e é um dos fundadores do Grupo de Puebla — organismo sucessor ao Foro de São Paulo e que reúne lideranças de esquerda da América Latina. Para especialistas e antigos membros do governo, é Amorim o responsável por dar o tem ideológico à política externa que Lula vem adotando.

“O grande conselheiro de política externa de Lula era Marco Aurélio Garcia [que foi seu assessor especial nos dois primeiros mandatos] e hoje esse posto é ocupado Celso Amorim”, avalia o doutor em Filosofia pela PUC-RS e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cezar Roedel.

No período em que Amorim esteve no comando da chancelaria brasileira, o Brasil sempre tentou se envolver em discussões internacionais. Parte do potencial que Amorim via no Brasil (e em si mesmo) para participar de discussões de “gente grande”, se originou na participação em uma negociação diplomática do fim da década de 1990, que ficou conhecida como Painel do Iraque. Ela visava impedir que o ditador Sadan Hussein adquirisse armas nucleares.

À época, Amorim era chefe da Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas, em Nova Iorque, cargo que ocupava desde 1995 após indicação de Fernando Henrique Cardoso, de quem ele também foi embaixador. Durante a presidência do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, em janeiro de 1999, Amorim conduziu a missão que inspecionou o Iraque e concluiu que o país havia desativado seu programa nuclear para desenvolvimento de uma bomba. Mesmo assim, em 2003, os Estados Unidos iniciaram uma guerra com o Iraque sob a falsa alegação de que Hussein possuía armas de destruição em massa.

Ainda em 2003, quando Lula foi eleito presidente do Brasil pela primeira vez, Amorim foi o escolhido para ocupar o cargo de ministro das Relações Exteriores. Juntos, os dois buscaram espaço no cenário internacional e tentaram intermediar grandes conflitos ao redor do globo. A primeira iniciativa foi aceitar a proposta dos Estados Unidos para liderar a partir de 2004 uma missão de paz da ONU para a estabilização do Haiti, que durou 13 anos.

Mas isso não saciou o apetite de Lula e Amorim. Mensagens diplomáticas de 2008 vazadas pelo Wikileaks mostravam que Amorim estava "farto do comércio internacional", atividade principal da diplomacia brasileira nas décadas anteriores. Segundo os cabos diplomáticos americanos, Amorim decidiu então envolver o Brasil nas negociações de paz no Oriente Médio, em uma tentativa de assumir um papel de liderança global.

Os americanos, segundo os documentos do Wikileaks, criticaram o fato de que já naquela época Amorim tomava partido de ditadores, como Bashar al-Assad, da Síria, e do aiatolá Ali Khamenei, do Irã, com o aparente objetivo de se contrapor a Washington. Em 2005, Amorim já se posicionava contra Israel e dificultava negociações de paz promovidas pelos americanos na região.

O auge dessas iniciativas foi a tentativa do Brasil de liderar, em parceria com a Turquia, um acordo para interromper o programa nuclear militar do Irã em 2010. Apesar das negociações terem avançado, Washington usou sua força geopolítica para afastar brasileiros e turcos da mesa de negociação e fechar seu próprio acordo com os iranianos.

Em 2014, já sob o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, o Brasil ganhou do governo israelense a alcunha de "anão diplomático". O Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) criticou ações militares de Israel destinadas a libertar soldados que haviam sido capturados por terroristas do Hamas. A crise foi depois amenizada, mas a alcunha "pegou".

Apesar de não responder pela chancelaria brasileira neste atual mandato de Lula, é Celso Amorim quem ainda atua nas questões mais polêmicas da política externa do governo. No primeiro ano de mandato da gestão Lula 3, ele foi enviado à Rússia para buscar informações sobre o conflito do país com a Ucrânia. Amorim também se envolveu pessoalmente nas discussões que buscavam uma solução para o conflito no Oriente Médio, entre Israel e Hamas.

Mais recentemente, o diplomata também esteve presente nas negociações entre Venezuela e Estados Unidos, a fim de colocar um fim nos embargos impostos por Washington a Caracas em troca de eleições justas e democráticas no país em 2024. Foi o brasileiro quem fez o lobby para o ditador Nicolas Maduro e negociou os termos do acordo assinado entre os dois países.

Roedel explica que a política externa de Lula e Amorim possuem grande influência do PT e por isso são caracterizadas por uma mentalidade “sul-globalista”. “O sul-globalista contesta a ordem vigente e até mesmo o direito internacional. Acredita que um novo mundo possa surgir sob a égide de potências autocráticas e contestadoras do Ocidente. Preferem o pragmatismo mercantil e ideológico com ditaduras do que o caminho complexo da defesa da democracia”, avalia.

O “match” ideológico de Lula e Amorim 

Antes de ser chanceler de Lula, Celso Amorim também foi ministro de Relações Exteriores do ex-presidente Itamar Franco, entre 1993 e 1995. Ainda que sua carreira no Itamaraty tenha se iniciado alguns anos antes, em 1977, os destaques na carreira diplomática tiveram início durante os governos de Itamar e Fernando Henrique Cardoso. Sob FHC, Amorim foi embaixador do Brasil em Londres e representou o país na Organização Mundial do Comércio (OMC) e na ONU, em Nova York.

Amorim sempre demonstrou maior apreço pela ideologia de esquerda e nesse período não ficava à vontade com políticas alinhadas aos Estados Unidos. Ele também não era maioria no Itamaraty durante a era FHC. Naquela época, a chancelaria brasileira era composta em sua maioria por diplomatas considerados “tucanos” — apelido dado aos filiados do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), partido fundado por FHC e que tinha um tucano como “mascote” da legenda. Os diplomatas se dividiam claramente na época entre petistas e tucanos. Partidários do grupo que estivesse mais em baixa eram mandados para representações diplomáticas em países mais pobres e isolados.

Em recente entrevista à Revista Piauí, ele afirmou que, apesar das diferenças ideológicas, nunca se sentiu prejudicado no Itamaraty. Amorim ainda disse que achava a pasta “acanhada” naquela época. As coisas mudaram nos anos seguintes, quando foi escolhido por Lula para assumir o Ministério das Relações Exteriores. Amorim então deu início ao que chama de política “ativa e altiva”. A tática tinha o objetivo de lançar o Brasil como um “dos grandes” e que pudesse estar envolvido em discussões que normalmente eram guiadas pela Casa Branca e países europeus.

Antes disso, o interesse do governo brasileiro ia além de ser uma liderança regional, um porta-voz para os países sul-americanos. Amorim e Lula diziam querer alçar voos maiores com o país. Através de organismos como a ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC), os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a Cúpula América do Sul - Países Árabes (Aspa) e o Fórum de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul (Ibas) apostaram em um alegado "multilateralismo" que ia além das Américas.

O “match”, a ligação, entre Lula e Amorim também pode ser entendida a partir desse viés. Lula, um ex-líder sindical, conhecia os países e as organizações de esquerda da América Latina e Europa e queria uma integração desses países. Amorim queria aumentar a influência do Brasil no mundo. Aumentando os laços através dos diversos blocos em que o Brasil estava inserido, Amorim tentou cavar o espaço desejado para estar presente em grandes discussões. Assim, tentou vender a imagem de um país que teria influência não só na América Latina, mas também em relação a outros países.

Para Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e diplomata de carreira, a política externa de Amorim e Lula tem pontos positivos no que diz respeito ao desejo de colocar o Brasil “entre os grandes”, mas erra ao se pautar pela ideologia. “O que eu acho que é negativo é essa obediência à visão de mundo do PT. Essa ideia de união entre Brasil, Rússia e China, contra o Ocidente e os Estados Unidos”, disse à Gazeta do Povo.