O DUELO DE OLAVO DE CARVALHO E AUGUSTO HELENO EM WASHINGTON
Como foi o jantar que pareceu ser oferecido ao filósofo, e não ao presidente Jair Bolsonaro
Jussara Soares, enviada especial a Washington
Revista Época, 18/03/2019 - 11:04 / Atualizado em 18/03/2019
O jantar oferecido na residência do embaixador brasileiro em Washington, Sérgio Amaral, na noite de domingo 17, colocou frente a frente expoentes das duas alas que duelam pela influência no governo Jair Bolsonaro. De um lado, o escritor Olavo de Carvalho, mentor do grupo ideológico; de outro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, general de quatro estrelas que comanda a tropa militar que atua no Planalto. Um dia antes, o filósofo afirmara na capital americana que Bolsonaro está por militares próximos com "mentalidade golpista."
A caipirinha servida como aperitivo aos convidados não ajudou a quebrar o gelo inicial. Enquanto Olavo de Carvalho era bajulado por integrantes da comitiva, Heleno ficou de canto em conversa ao pé do ouvido com o porta-voz da Presidência Otávio do Rêgo Barros, outro general.
O clima, segundo observou um convidado à ÉPOCA, era tenso, como se os militares tivessem entrado de penetras em uma festa particular da turma ideológica. O jantar reuniu a comitiva do presidente, o escritor Olavo de Carvalho e pensadores da direita americana, como o ex-estrategista de Donald Trump Steve Bannon, o acadêmico Walter Rusell Mead, a colunista do Wall Street Journal Mary Anastasia O’Grady e o editor da revista literária The New Criterion, Roger Kimball.
Pouco antes do jantar ser servido, Heleno tomou a iniciativa de buscar a aproximação com o escritor. O chefe do GSI puxou assunto dizendo que só o conhecia pela mídia e emendou com uma tentativa de afago a Carvalho. "Certamente, nos daremos bem pessoalmente", disse Heleno. Ao melhor estilo fanfarrão que lhe dá fama no Twitter, o escritor retrucou: "Não sou o monstro que dizem que sou."
Todos riram à volta, mas a noite não era mesmo dos militares, em menor número. Quando o presidente Bolsonaro chegou à residência do embaixador todos os convidados o esperavam em um semi-círculo em que Olavo de Carvalho era o centro. Bolsonaro e os ministros cumprimentaram Steve Bannon, o ex-estrategista do presidente americano, Donald Trump. Em seguida, o presidente se dirigiu para cumprimentar rapidamente o filósofo. O porta-voz Otávio do Rêgo Barros confirmou que eles não conversaram separadamente durante todo o jantar.
Antes de ser servido o cardápio, que incluiu mousse com ovas de salmão, beef Wellington, purê de nabo e quindim, o ministro da Economia, Paulo Guedes se dedicou a falar sobre a reforma da Previdência com Mary Anastasia O'Grady, colunista do Wall Street Journal. Em outro lado do ambiente, o ministro da Justiça e Segurança, Sergio Moro, emendou uma conversa com um grupo, entre os quais estavam Matt Schlap, presidente da União Conservadora Americana, e Roger Kimball.
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, se juntou ao deputado federal, Eduardo Bolsonaro em uma conversa com Steve Bannon e Chris Buskirk, editor do site "American Greatness".
Quando todos se juntaram, Paulo Guedes puxou a sucessão de elogios a Carvalho e o classificou como "o líder da revolução".
"Você é o líder da revolução", disse Guedes, atribuindo a Carvalho um papel importante da divulgação de ideias liberais para os brasileiros, o que foi fundamental para a eleição do presidente Bolsonaro.
Sergio Moro, que já foi alvo das críticas de Carvalho e seus seguidores pela indicação da especialista Ilona Szabó como suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, seguiu a adulação ao escritor. Disse que era uma honra conhecer alguém que inspirou tanta gente, incluindo "o chefe", referindo-se ao presidente Bolsonaro. O ministro ainda mencionou que havia gostado muito do livro "O Jardim das Aflições", mas confessou que achou "muito denso".
Quando o jantar foi finalmente servido, Olavo de Carvalho se sentou à direita de Bolsonaro. Após um brinde convocado pelo embaixador, o presidente Bolsonaro fez um discurso de cerca de três minutos em que fez uma deferência especial ao escritor, a quem chamou de um de seus "grandes inspiradores".
"Em grande parte, devemos a ele a revolução que estamos vivendo", disse o presidente.
Questionado pelo embaixador Sergio Amaral sobre a atual situação política no mundo, Olavo de Carvalho citou a eleição de Bolsonaro, de Trump, o Brexit, e o movimento coletes amarelos na França como "uma revolução popular contra as elites", mas que, para "a surpresa dos progressistas, o povo é extremamente conservador e rejeita as ideias e os valores progressistas das elites".
Em sua fala, o escritor ainda atacou a mídia, dizendo que jornais influenciam apenas a elite, "que continua numa bolha e não entende a revolução popular que ocorre diante dos olhos dela".
Todos os ministros falaram no jantar, mas a noite se encerrou com uma discussão sobre as relações com China, levantada pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina. Steve Bannon e o assessor internacional da Presidência, Filipe Martins, defenderam que uma política que priorize a China se voltará contra o Brasil.
A palavra final sobre o assunto coube a Olavo de Carvalho, que disse que o instinto do presidente é "impecável" por ter defendido ao longo da campanha que era preciso "deixar a China comprar no Brasil, mas não o Brasil".
"A culpa não é dos chineses, mas dos brasileiros que não pensam estrategicamente sobre o assunto", arrematou o guru do Planalto.
Nesta terça-feira, Bolsonaro se encontra com Donald Trump na Casa Branca. O americano tenta atrair o Brasil para uma política de contenção à China, importante parceiro comercial para o mercado brasileiro. Militares e integrantes da área econômica veem com cautela o apoio aos Estados Unidos numa cruzada contra os chineses. Resta saber quem será ouvido pelo presidente Bolsonaro.