Nem sei se aceitariam, agora, respostas tardias às questões apresentadas, já que pelo menos dois já podem ter abandonado este espaço de Mundorama, por outras terras e "profissões", que não aquelas temporárias de estudantes de RI. Quanto ao terceiro, Senna Madureira, permanece no cenário e fiel leitor de meus anárquicos escritos. Minhas desculpas especiais a ele, mas peço a compreensão: como estou sempre escrevendo, e publicando, os textos vão se acumulando, e outros vão se apresentando, com alguns ficando para trás e invariavelmente submergindo na enxurrada de novos escritos e novas publicações. Essa é a maldição dos "drogados na escrita", como eu sou, para deleite de alguns e desprazer de outros, como podem ser os frustrados leitores que enviaram suas perguntas para o site de Mundorama, esperando receber prontas respostas que nunca chegaram.
Pois vão chegar agora, pois, depois de postar novamente o meu artigo (na verdade, feito inicialmente em inglês um ano antes, ou seja, em 2010), publicado em português em Mundorama em 2011.
Essa repostagem vai me permitir inclusive verificar se as ideias principais do meu artigo ainda mantêm a sua validade, ou se já soçobraram no dilúvio de novos desenvolvimentos nas relações internacionais, com novos líderes na China, na Europa, nas Américas, sobretudo nos EUA, onde um despreparado, ignorante e... (bem, deixa para lá...) presidente, está empenhado em destruir tudo aquilo que o seu país fez em favor de uma ordem econômica internacional desde Bretton Woods.
Vou postar abaixo exatamente o que retirei de Mundorama, e ao final vou me dedicar a responder às perguntas de meus três leitores, aos quais apresento novamente minhas desculpas. O link para a publicação é este aqui: http://www.mundorama.net/?p=7197.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de março de 2019
A Guerra Fria Econômica: um cenário de transição?, por Paulo Roberto de Almeida
Novas Perspectivas?
Paulo Roberto de Almeida é Doutor em ciências sociais pela Universidade de Bruxelas (1984); diplomata de carreira do serviço exterior brasileiro desde 1977; professor de Economia Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário de Brasilia – Uniceub; autor de diversos livros de história diplomática e de relações internacionais (www.pralmeida.org – pralmeida@mac.com).
- Gostaria de um esclarecimento do professor Paulo Roberto, se possível.O senhor é partidário da tese do fim das ideologias?Abraços.
- A minha e a sua adesão ao programa de Fukuyama mostra muito sobre nós ocidentais, e nossa obliteração do ego…
- Nobre Prof. PauloSem intenção de mudar o foco do seu artigo, e já mudando, gostaria de saber qual o seu fundamento de rotular o Prof. Eric Hobsbawm de “inocente útil”, apenas porque postula as ideologias como eternas ??Claro está que conhecendo seu talento como eu conheço, atrevo-me a pedir um artigo de sua pena sobre o assunto.As Ideologias ainda são necessárias “para viver” ?Senna Madureira
1) Alex Neves:
PRA: Não, não sou partidário da tese sobre o fim das ideologias, formulado em primeiro lugar pelo ex-trotsquista Daniel Bell, em meados dos anos 1950, inclusive porque aderir a uma tal "tese" – se ela merece essa classificação – seria negar o mundo como ele é, com comunidades inteiras, ou pensadores individuais, criando continuamente religiões e crenças políticas. Ideologias sempre vão existir, sobretudo uma que afirma que se pode fazer alguma coisa, qualquer coisa (política externa, por exemplo, ou comércio exterior) "sem ideologia". Os que assim afirmam – lembra alguma coisa ultimamente? – professam eles mesmos pelo menos uma ideologia, a do fim das ideologias, o que já torna ridícula tal postura.
Na verdade, Daniel Bell não tinha a intenção de opor-se a todas as ideologias; ele pretendia apenas afirmar (ou acreditar) que, depois de duas mortíferas guerras, nascidas em tempos diversos do nacionalismo extremado, do imperialismo mais despudorado, do hegemonismo tradicional de grandes potências arrogantes e de ilusões tendentes a fazer crer que, na era da grande indústria, seria possível ter guerras curtas e decisivas. Com a arma nuclear talvez, mas as guerras foram travadas justamente no conceito anterior: de mobilização total, com base em recursos, provisões, ferramentas e táticas bastante semelhantes umas às outras, antes que o instrumento nuclear viesse perturbar os cálculos estratégicos dos generais.
Daniel apenas acreditava que, depois de ideologias mortíferas, como foram, no século XX, os totalitarismos radicais – o fascismo italiano, o nazismo-hitlerismo alemão e o comunismo-bolchevismo-stalinismo da experiência soviética, sem esquecer o militarismo japonês, muito próximo do fascismo –, a humanidade estaria pronta para se livrar dessas pestes mortíferas, que não foram simples "doenças de pele", mas penetraram fundo na psicologia nacional, nos comportamentos sociais, nas posturas culturais, e que também influenciaram políticas econômicas e, mais importante, determinaram aventuras militares com ou sem estratégia.
Acredito que as ideologias vão continuar, como demonstrado mais recentemente, pelo chamado jihadismo, pelo trumpismo, e por novas vertentes da velha direita, sem que se possa afirmar que a esquerda já esgotou suas possibilidades de renovação. Esta última já está em baixa, mas eu não descarto um revival da esquerda, como sempre aparece, disfarçada de qualquer outra coisa (já tivemos o ecologismo anticapitalista).
2) Bruno:
PRA: Não se tratou propriamente de uma pergunta, mas de uma confirmação de um possível acordo (se interpreto bem) com meus argumentos, e uma espécie de lamentação sobre nosso ego ocidental. Confesso que não sei como reagir, pois não posso me impedir de ser um ocidental, e de valorizar tudo o que o Ocidente fez de bem e de bom, em benefício da humanidade, e tampouco posso me impedir de ter ego, o que é uma postura bastante normal entre nós, humanos.
3) Senna Madureira:
PRA: Caro e nobre amigo Senna Madureira. Desculpe-me se você admira o Eric Hobsbawm, certamente um dos maiores e mais importantes historiadores do século XX (e XXI), recentemente desaparecido, e fonte de conhecimento (e de formação de opiniões) para milhões de estudantes e leitores all over the world, durante mais de meio século. Reconheço a importância de Hobsbawm, como pesquisador histórico e como vulgarizador do conhecimento histórico, mas sou suficientemente informado (e treinado) no marxismo e no socialismo, no materialismo histórico, e sobre o próprio Hobsbawm, para também considerá-lo um ideólogo, defensor do socialismo, contra o capitalismo, que ele julgava injusto, criador de desigualdades, animado por desejos perversos de exploração dos trabalhadores em benefício de uma burguesia vil.
Acho, sim, que as ideologias são inevitáveis, incontornáveis e até necessárias, uma vez que o homem não pode evitar ter de sonhar com o futuro, de interrogar-se sobre o passado e de tentar moldar não apenas o conhecimento sobre a flecha do tempo, mas igualmente a trajetória dos desenvolvimentos econômicos, políticos e sociais (até individuais), nos anos à frente. Eu mesmo, por exemplo, por mais objetivo que eu pretendo ser, pratica a ideologia do autodidatismo, pois tendo a acreditar que posso aprender tudo sozinho, apenas lendo meus livros e observando o mundo. Não é assim, claro, pois por mais "independentes" que acreditamos ser, somos sempre prisioneiros de algum ideólogo do passado ou do presente.
Não vou mais desenvolver esse argumento, pois precisamos marcar um encontro, com um bom vinho, para discutirmos sobre coisas mais agradáveis, justamente.
O grande abraço a todos os meus três leitores, na verdade perguntadores (pois imagino que os leitores tenham sido pelo menos o dobro desse número), e prometo prestar atenção ao que vem abaixo de meus artigos, da próxima vez.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de março de 2019