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terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

100 anos da Semana de Arte Moderna: chamada para artigos na Revista de História (DH-FFLCH-USP)

 Chamada - Dossiê 1922/2022: O Século da Semana (balanços e perspectivas)

Revista de História - USP

A Semana de Arte Moderna, no Brasil de 1922, foi uma atividade patrocinada por homens endinheirados (Paulo Prado, René Thiolier e outros), realizada num ambiente de pessoas endinheiradas (Teatro Municipal de São Paulo) e assistida por um público de homens e mulheres endinheirados (ingressos pagos, trajes pomposos). Seu alcance ultrapassou esse universo social e estadual, astúcia das Artes, fez-se História também criticamente, às vezes sem o querer.

Vanguardas europeias se interessaram por linguagens de povos de fora da Europa. Para o Brasil, “fora da Europa” era aqui mesmo: indígenas, africanos, múltiplos imigrantes repaginados, “contribuição milionária de todos os erros”, de acordo com Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago. Conforme os Modernistas o demonstraram, ao resolverem essa auto-redefinição nacional, tais “erros” podiam ser acertos...

Embora Modernistas não se confundissem com Regionalismos, o contato dos primeiros com artistas e intelectuais de diferentes estados brasileiros foi cultivado, especialmente por Mario de Andrade, que tanto se dedicou à Epistolografia. Essas relações são importantes para a compreensão de que nem tudo, na Modernidade brasileira, se reduziu a São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; havia uma produção intelectual e artística em diferentes partes do Brasil que também começava a refletir sobre Cultura e Sociedade em novas bases, inclusive a contatar Cultura e Artes de múltiplos países. Isso não diminui o peso da produção modernista naqueles três primeiros núcleos, apenas realça que não vale a pena manter o adjetivo “regional” para os demais nem os considerar meros seguidores de paulistas, mineiros e cariocas.

A Modernidade popular, no Brasil, não dependeu apenas daquela produção artística e intelectual nascida em 1922, em São Paulo & Cia. Movimentos sociais, desde meados do século XIX, evidenciavam lutas por novos direitos, nascidas entre escravos, libertos e imigrantes pobres, a falar sobre Greves, Educação, Mulheres, Moradia, Estado Laico, Divórcio e outros tópicos. E nomes como Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto foram modernos bem antes de 1922. O Brasil se fez moderno a partir de diferentes sujeitos, artistas ou não. As Artes não apenas falam de pobres e ricos, existem num mundo de ricos e pobres, tema e destino de seus produtos. O poder das Artes vai além da fala dos que já são, política, econômica e socialmente, dominantes.

PRAZO PARA ENVIO DOS ARTIGOS - 31/03/2022 (somente pelo Portal de Periódicos USP)

como submeter o artigo

https://www.revistas.usp.br/revhistoria/about/submissions


Visite nosso site para ler o comunicado completo :

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Barao: os dois carnavais de 1912


Folia em dose dupla
A morte do Barão do Rio Branco, há exatos 100 anos, deixou a população consternada - mas também eufórica com dois carnavais: um em fevereiro e outro em abril
Alexandre Leitão e Alice Melo
Revista de História da BN, 17/2/2012
·       Com a morte do Barão / Tivemos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso! / Se morresse o marechá. A marchinha, cantada por foliões em pleno Sábado de Aleluia, sintetizava a estranha situação vivida na cidade do Rio de Janeiro em 1912: um carnaval em dose dupla. O motivo era simples – e trágico: dois meses antes, mais precisamente no dia 10 de fevereiro, o Barão do Rio Branco morreu na então capital da República, provocando a consternação da população local, que imediatamente fechou as portas do comércio e paralisou suas atividades para acompanhar os ritos fúnebres do herói nacional [saiba mais sobre o patrono da diplomacia brasileira na edição deste mês da RHBN, em artigo escrito por Rubens Ricupero].
O presidente Hermes da Fonseca, pouco querido pelo povo, decretou luto oficial na cidade, adiando o carnaval daquele ano – que seria na semana seguinte à fatalidade – para o dia 6 de abril. Mas o decreto do “marechá” não deu muito certo: mesmo respirando o ar da tragédia a população foi às ruas curtir a folia na data normal. E, também, dois meses depois.
“Até a época de Vargas, o carnaval não tinha muita participação do governo. Então, quando o presidente Hermes da Fonseca cancelou o carnaval de fevereiro, não fez muita diferença e a festa aconteceu assim mesmo”, conta Luigi Bonafé, historiador do IBGE e professor do curso Atlas, especializado em preparar futuros diplomatas. “Naquela época, o carnaval de rua era financiado por organizações que lucravam com cassinos e jogos de azar”, completa. Ou seja, não havia muito como impedir a soberana vontade do povo de cair na folia.
O salvador da pátria
José Maria da Silva Paranhos Júnior era muito popular. Conhecido pelo título de barão do Rio Branco, “Juca” era avaliado pela imprensa, pela elite política e por grande parte da população brasileira como o mais alto defensor da paz. Era, ainda, o ministro mais respeitado de todos os governos republicanos desde 1902, data em que recebeu a nomeação para o Ministério das Relações Exteriores. Responsável pelo traçado moderno da fronteira brasileira, ele conseguira com o Tratado de Petrópolis (1903) negociar a obtenção do Acre pelo Brasil, isso em pleno ciclo da borracha.
Anos antes, resolvera a questão de Palmas com a Argentina, assegurando a fronteira de Santa Catarina e do Paraná, eliminando assim um dos mais intensos focos de tensão entre os dois países, que viviam numa atmosfera de quase-guerra. Ganhara da França, por meio de arbitragem internacional, a posse do Amapá e solidificava cada vez mais sua imagem de patriota e grande negociador. Tanto que seu nome fora aventado para concorrer em 1910, tendo ele próprio recusado a oferta.
Por tudo isso, sua morte causou uma comoção generalizada. O funeral do Barão do Rio Branco foi um dos prestigiados da Primeira República (com direito a marchinha fúnebre), e seu nome batizou a Avenida Central do Rio de Janeiro e também a capital do Acre.
O Brasil daquela época
 É problemático afirmar que Hermes da Fonseca era um presidente-eleito popular. Apesar dessa imagem ser propagada até hoje, a eleição de 1910 será para sempre marcada como uma das mais polarizadas da História do Brasil. Rui Barbosa, a Águia de Haia, considerado então um dos bastiões da República, lançou-se à candidatura presidencial liderando uma campanha que, pela primeira vez, visaria o voto das classes médias e dos setores urbanos em geral. Logo, foi considerado uma ameaça, o que fez várias oligarquias estaduais apoiarem a candidatura militar de Hermes da Fonseca, marechal e sobrinho de nosso primeiro presidente.
Imediatamente após sua posse, resultado de um pleito que, como todos os demais da Primeira República, fora marcado por fraudes, Hermes teve de encarar a eclosão da Revolta da Chibata. Traindo a palavra dada aos marinheiros amotinados, de que estes receberiam a anistia, o presidente começa a expulsar um a um os marujos que se rebelaram contra a utilização de maus-tratos na corporação. Pouco depois seria declarado o estado de sítio em todo o território nacional, ocorrendo as “salvações”, a derrubada sistemática dos governos estaduais do Norte e do Nordeste, acompanhada pela imposição de interventores responsáveis por perseguir toda oposição a seu mando. No âmbito dos escândalos políticos, ressaltavam-se os atrasos das obras de construção da estrada de Ferro Madeira-Mamoré, iniciadas no distante ano de 1907, e ainda inconclusas em fevereiro de 1912.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Integracao na América Latina - artigo Paulo R de Almeida (RHBN)

Consultando o site da Revista de História da Biblioteca Nacional -- o que nunca havia feito antes -- acabei achando, para minha surpresa, um artigo que me foi solicitado alguns anos atrás, e que não sabia que estava disponível digitalmente.
Tanto melhor, posso postar aqui.
Reparem bem na cronologia extremamente delongada desse artigo: ele tinha sido preparado em 2004, para uma revista que antecedeu a RHBN, e que ficou parado durante muito tempo, até que os editores decidissem pela sua publicação:
1342. “Do afastamento à integração: as relações do Brasil com a América Latina, do século XIX ao século XXI”, Brasília, 15 out. 2004, 8 p. Artigo para a revista Nossa História. Revisto e abreviado em 25/10/2004. Revisto diversas vezes em 12/2004; complementado com ilustrações em 01/2005. Sem definição de publicação na Nossa História, em virtude de cisão na equipe de redação e criação da Revista de História da Biblioteca Nacional. Em 10/2005, decisão por retirar o artigo da Nossa História e transferi-lo para a Revista de História-BN. Publicado, sob o título “Laços Latinos”, chamada de índice “Latinos, uni-vos” e chamada de capa “Os laços do Mercosul: caminhos da integração latino-americana”, in Revista de História da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro: ano 1, nº 8, fevereiro-março 2006, p. 76-81; ISSN: 1808-4001).
Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida
Revista de História da Biblioteca Nacional18/9/2007


Depois de séculos de desconfiança, o Brasil e seus vizinhos hispano-americanos começam a trilhar juntos o caminho da integração sob o olhar atento dos EUA

A massa imponente do Brasil – herança do expansionismo português, consagrado em 1750 pelo Tratado de Madri – sempre provocou desconfiança entre os seus vizinhos hispano-americanos. Consciente disso, José Bonifácio, ministro dos Negócios Estrangeiros do regente d. Pedro, tomou a iniciativa de despachar a Buenos Aires, em maio de 1822, um emissário para servir às relações do Brasil no Rio da Prata, considerado de grande importância estratégica pois consistia em porta de entrada para o interior do continente. O mesmo cuidado teve seu sucessor, o Visconde de Cachoeira, em 1824. Este instruiu seu representante no Prata a confirmar “que não só a política do gabinete brasileiro é americana e tem por objeto a sua independência de qualquer tutela européia, mas que este Governo não desaprova nem maquina contra as instituições políticas que esses governos adotarem”.
A diferença entre os regimes políticos no continente marcou no século XIX as relações entre o império brasileiro, vinculado às dinastias européias, e as repúblicas vizinhas, que tentavam construir um sistema avesso aos princípios aristocráticos aqui adotados. A política do Império oscilou entre as intervenções (no Prata) e o isolamento (em relação à maior parte das demais repúblicas). Isso, porém, não impediu Simon Bolívar de convidar o governo brasileiro a participar do congresso de 1826, no Panamá, destinado a discutir os problemas comuns e a traçar as bases de uma possível confederação entre os novos países independentes. O Brasil julgou melhor abster-se de comparecer, pelo temor de que fossem discutidas as formas de governo no continente.
A aproximação com as repúblicas da região, por parte do Brasil, tomou impulso durante o período regencial (1831-1840). O Brasil não deveria se afastar do Velho Mundo, mas buscar igualmente estreitar as relações com as nações do hemisfério. O relacionamento do Brasil com os países vizinhos foi perturbado, no entanto, pela política de intervenções no Prata, em nome do equilíbrio político dos dois lados do rio. As marchas e contramarchas da diplomacia imperial eram justificadas pelos “desmandos” cometidos contra os interesses de brasileiros nesses países – roubo de gado nas coxilhas do Sul, por exemplo – e também pelas reclamações contra os caudilhos no poder. Quase não existiam motivos comerciais que pudessem justificar uma aproximação com as repúblicas hispânicas, sobretudo as da vertente amazônica e andina (Venezuela, Grã-Colômbia e Peru).
Empenhado em preservar seus laços de integração com a Europa, o Brasil raramente aderiu às iniciativas “americanistas” empreendidas por essas repúblicas, como a convocação de conferências pan-americanas por ocasião de ameaças externas. Havia pouca unidade de propósitos entre os vários Estados em que se tinha dividido a região, como também eram escassas as possibilidades de cooperação entre regiões e países especializados em poucas matérias-primas. Depois do rompimento, em 1830, da federação da Grã-Colômbia, seguiu-se, em 1839, o das províncias unidas da América Central, que compreende hoje Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e Costa Rica. Nessa mesma época, a primeira guerra do Pacífico (1837-1839) opôs o Chile ao Peru e à Bolívia, então confederados.
Na segunda metade do século, o continente foi abalado pelas guerras platinas (1851-52), pela guerra do Paraguai (1865-1870) e pela segunda guerra do Pacífico (1879-1883), opondo novamente o Chile ao Peru e à Bolívia. Na vertente econômica, as elites estavam divididas entre o livre-comércio, que seduzia os liberais, e a idéia protecionista, defendida por conservadores presos a uma ordem econômica tradicional. Outros encontros americanos foram realizados no final do século XIX – em Lima (1877-1879), em Caracas (1883) e em Montevidéu (1888-1889) – mas tiveram caráter basicamente jurídico. O isolamento brasileiro acentuou-se nessa época, em função do desastroso reconhecimento, em 1863, do regime fantoche que Napoleão III implantou no México, com a designação, como monarca, do infeliz arquiduque austríaco Maximiliano, depois fuzilado pelos nacionalistas mexicanos, bem como em função da guerra do Paraguai, que suscitou esforços de mediação entre os vizinhos.
A aventura francesa no México, que resultou num completo desastre, abriu caminho para a idéia de uma “união latino-americana”, mas após a guerra civil guerra civil nos Estados Unidos (1861-65), a nova potência do hemisfério setentrional deu início a um movimento de penetração econômica e comercial que desafiaria a hegemonia britânica em todo o continente. Um projeto de canal transoceânico foi negociado com a Nicarágua desde 1849, ao mesmo tempo em que se fazem propostas à Nova Granada (Colômbia), com o mesmo objetivo. A expansão industrial e a nova retórica expansionista dos Estados Unidos confirmam que a política norte-americana não seria muito diferente da praticada pelas demais potências européias, tornando os países da região reticentes a qualquer projeto de integração com o Gigante do Norte.
A diplomacia imperial voltada para o velho continente, a despeito da crescente importância das repúblicas americanas nas relações externas, teria de equacionar os interesses reais do Brasil com o projeto de projeção internacional: se é certo que o fornecimento de produtos de consumo e de bens de produção e os capitais para a cobertura dos déficits provinham essencialmente da Grã-Bretanha, o grande mercado consumidor do principal produto de exportação, o café, situava-se nos Estados Unidos.
As reuniões continentais se fariam, doravante, na capital do país mais importante do hemisfério. Enquanto as conferências hispânicas reuniam, se tanto, meia dúzia de representantes, os encontros de Washington passaram a juntar delegados de duas dezenas de países da região. A mudança era vista com simpatia no Brasil: os Estados Unidos tinham sido a primeira nação a reconhecer o novo Estado independente em 1824. Além disso, ao não ostentar a arrogância imperial da velha Inglaterra, gozavam de um indiscutível crédito político junto às elites brasileiras, que admiravam seu progresso industrial, e se tinham convertido, na segunda metade do século, num importante parceiro comercial.
Na última década do século XIX, foi criado, por iniciativa dos Estados Unidos, um Escritório Comercial das Américas, embrião da futura União Pan-americana (1928) e, depois, em 1948, Organização dos Estados Americanos (OEA). A despeito da grande distância entre as pretensões iniciais dos Estados Unidos e de seus parcos resultados práticos, a nova entidade resultou da I Conferência Internacional Americana, realizada em Washington de outubro de 1889 a abril de 1890, tendo o Brasil nela ingressado como monarquia e terminado como república. Os Estados Unidos pretendiam criar uma união aduaneira para promover o intercâmbio hemisférico, dispondo inclusive de uma moeda comum. O governo imperial era reticente em relação a vários dos temas da conferência de Washington, em especial, já nessa época, no que se refere à possibilidade de abertura comercial e à propriedade intelectual.
Algumas das razões para a oposição latino-americana aos projetos dos Estados Unidos se situavam no terreno econômico: além da superioridade industrial, havia o forte protecionismo agrícola, o que tornava ilusória qualquer zona de livre-comércio. Outras restrições eram de natureza política, como as intervenções dos Estados Unidos, para “proteger cidadãos e propriedades” no continente. A Argentina tinha fortes motivos para opor-se aos Estados Unidos por causa da competição nos mercados internacionais de produtos agrícolas, mostrando-se ainda contrária ao pan-americanismo, em virtude de sentir-se européia e não americana. O projeto de um espaço econômico hemisférico começou, em todo caso, sua marcha secular.
O novo regime instalado em 1889 no Brasil, contribuiu para reconciliar o país politicamente com os vizinhos hispano-americanos, introduzindo ainda princípios alternativos de política externa, como o pan-americanismo. Nas demais regiões cresciam as apreensões em relação à política expansionista dos Estados Unidos, reforçada a partir da guerra hispano-americana de 1898 – quando a Espanha se vê amputada de Cuba, de Porto Rico e das Filipinas –, confirmada depois pelas ocupações e intervenções armadas no Caribe e na América Central. No Brasil, entretanto, o barão do Rio Branco, movido por uma concepção diplomática baseada no equilíbrio de poderes com a Argentina (de fato uma disputa pela hegemonia regional), operou, a partir de 1902, uma política de aproximação com os Estados Unidos.
Logo em seguida o presidente Theodore Roosevelt (1901-1909) proclamou seu “corolário” à doutrina Monroe, com o objetivo de justificar o papel de polícia que os Estados Unidos pretendiam impor a seu entorno geográfico imediato. Nas próximas décadas, o Brasil e a Argentina passaram a competir entre si para estabelecer com os Estados Unidos uma “relação especial” que sempre se revelou ilusória, esperando igualmente ostentar, na América do Sul, um “padrão de civilização” que os Estados Unidos e as potências européias pretendiam exibir com exclusividade.
Nova York emergiu como o grande centro financeiro para a região e, em breve, para o mundo. Este movimento foi reforçado pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e no decorrer dos anos 1920, quando volumes importantes de investimento diretos passaram a ser carreados para o setor primário e para a indústria de transformação – como mineração, agricultura e processamento de alimentos – de quase todos os países da América Latina. Depois de inúmeras tentativas de se consagrar, no direito americano, o princípio da não-intervenção nos assuntos internos, os Estados Unidos finalmente concederam mudar a posição a partir do governo de Franklin D. Roosevelt (1933-1945), que proclamou a “política da boa vizinhança” e rejeitou os aspectos mais rudes da política anterior.
A emergência dos regimes ditatoriais de Mussolini na Itália e de Hitler na Alemanha, que ameaçavam os equilíbrios regionais e a própria paz mundial, provocará novos esforços diplomáticos dos Estados Unidos em prol da “solidariedade hemisférica”. O movimento só seria consagrado na conferência interamericana do Rio de Janeiro, em janeiro de 1942, que se seguiu ao ataque japonês à frota americana do Pacífico, em Pearl Harbor. Ainda assim houve uma importante deserção, a da Argentina, que se manteve simpática ao regime nazista até quase o momento de sua derrocada.
Após a Segunda Guerra (1939-1945), as relações internacionais desses países continuaram a ser dominadas pelo gigante norte-americano, uma vez que o início do que se chamou Guerra Fria determinou uma nova ofensiva diplomática, acoplada a programas de cooperação militar, por parte dos Estados Unidos. Washington não atendeu, porém, aos reclamos desses países em favor de um “Plano Marshall” para a região, a exemplo do que os Estados Unidos faziam então, como ajuda, à Europa arrasada pela guerra.
Brasil e Argentina continuaram a se opor em várias áreas, pelo menos até meados dos anos 50. Neste período, estimulados pelo processo europeu de integração, decidiram impulsionar um projeto similar na região. Resultou desse esforço o primeiro tratado de Montevidéu (1960), que criou a Associação Latino-Americana de Livre-Comércio, com sede na capital uruguaia. Ao mesmo tempo a revolução cubana (1959) passou a condicionar ainda mais a política americana para a região, pois o novo regime de inspiração socialista vem introduzir um aspecto novo no relacionamento hemisférico: o da possibilidade de rompimento com o campo ocidental e a adoção de uma via não capitalista de desenvolvimento.
O cenário estava dado para a sucessão de golpes militares nos anos 60, em grande medida apoiados ou inspirados pelos Estados Unidos, o que reduziu as possibilidades de avanços no processo de integração regional, embora permitindo uma cooperação entre os novos regimes ditatoriais na luta contra o “comunismo”. Foi este o caso da Operação Condor, programa informal de cooperação entre os exércitos e polícias políticas dos países do cone sul que consistiu, na maior parte das vezes, em troca de informações sobre seus respectivos opositores políticos e movimentos de guerrilha, mas que derivou, em algumas oportunidades, em assassinatos políticos e desaparecimentos, como ocorreu nos casos das ditaduras militares do Chile e da Argentina.
Depois de décadas de afastamento, o Brasil e a Argentina, redemocratizados em meados dos anos 1980, retomaram o projeto integracionista, primeiro em escala bilateral, depois no âmbito sub-regional. O Mercosul surgiu em 1991, passando a ser visto, pela diplomacia brasileira, como base da integração sul-americana. A despeito da expansão do comércio intra-regional ao longo da década, de acordos de associação com outros países da região (Chile e Bolívia, em 1996; Peru, em 2003; Equador e Colômbia, em 2004) e da decisão política pela plena incorporação da Venezuela, no final de 2005, e possivelmente da Bolívia em 2006, o Mercosul continua a enfrentar dificuldades para firmar-se como união aduaneira.
Os Estados Unidos, gigante hemisférico, exercem grande força de atração sobre quase todos os países. Primeiro pela possível extensão dos acordos do Nafta (Estados Unidos, Canadá e México) aos demais latino-americanos. Depois, a partir de 1994, pela proposta de uma área de livre comércio (Alca). E finalmente por uma rede de acordos bilaterais ou plurilaterais, extraindo concessões desses países em troca de promessas de acesso ao mercado americano. Como já tinha ocorrido há mais de um século, Brasil e Argentina continuam a manifestar relutância em relação à integração hemisférica, em virtude dos mesmos problemas antes detectados: a economia dominante pretende acesso irrestrito aos mercados latino-americanos, ao mesmo tempo em que não cogita desfazer-se do seu próprio protecionismo agrícola.
Uma Comunidade Sul-Americana de Nações, constituída por iniciativa do Brasil, passou a oferecer, a partir de dezembro de 2004, a possibilidade de consolidar a integração comercial por meio da coordenação política entre os chefes de Estado, mas a diplomacia brasileira continua a enfrentar dificuldades para concretizar esse projeto. A falta de “excedentes de poder” – basicamente, a capacidade de projetar forças estratégicas e oferecer recursos para cooperação – e a desconfiança dos demais países em relação a uma “liderança” não de todo consensual – evidenciada na oposição da Argentina e do México à pretensão de uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU – mantêem o status quo na região.
E quanto à política dos Estados Unidos? Tudo indica que os governos americanos continuarão a ostentar sua tradicional “negligência benigna” em relação aos países da América do Sul.
Paulo Roberto de Almeida é doutor em ciências sociais, diplomata de carreira e autor de Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império (Editora Senac, 2005).

Juca Paranhos: bon vivant... - Alexandre Belmonte

Há diversos equívocos neste artigo, a começar pelo título: Juca Paranhos nunca foi barão; quando este "surgiu', o personagem já não era mais o Juca Paranhos, e sim o cônsul-historiador, filho do seu pai, ou seja, o Visconde...
Não vamos nos enganar, nem exagerar, nem misturar as coisas...
Esta matéria, aliás, já foi postada aqui, em outro formato...
Paulo Roberto de Almeida
Juca Paranhos: o barão bon-vivant

Patrono da diplomacia brasileira, o Barão do Rio Branco - cujo centenário da morte é lembrado este ano - curtiu muito a vida até ter atuação fundamental na consolidação do território nacional

Alexandre Belmonte
Revista de História da Biblioteca Nacional6/2/2012
Corre o ano de 1862 e a boemia acadêmica está no seu apogeu: o Romantismo está em toda a parte. No quarto de uma república na esquina do Beco dos Cornos, em São Paulo, o futuro barão dorme com a cabeça apoiada num velho paletó, enfiado a socos numa fronha, após uma noite de algazarra. A luz é de velas, postas em gargalos de garrafa. Uma ruidosa comemoração acaba de acontecer.
Sim, estamos falando de José Maria da Silva Paranhos Junior, o barão do Rio Branco – ou Juca Paranhos, para os íntimos. Como lembra Marcio Tavares D’Amaral, em "O Barão do Rio Branco" (Editora Três, 1974), as bagunças aconteciam “a qualquer propósito ou sem propósito algum”. Nada que um banho frio não curasse: Juca costumava se banhar, nu em pelo, no rio Tamanduateí.
Saraus literários, serenatas noturnas com flauta, violão e cavaquinho, e um jovem pela primeira vez longe dos pais, numa cidade estranha. O futuro barão vivia numa república com outros jovens, que o definiam como um “colega agradável, sempre alegre, pronto para as festas e brincadeiras”. A cavalo, ia até a Penha, a Pinheiros e ao Ipiranga. Presença constante em teatros, circos, corridas de cavalo, bailes, e também em procissões e missas cantadas. Na livraria Garraux ou em alguma confeitaria, passava horas a conversar. Vai para o Recife, conclui o bacharelado e parte para a Europa, com um prêmio de loteria de 12 contos de réis nos bolsos!

'Uma vida perdida de boêmio'
Seus hábitos pareciam incomodar muita gente. Era vaidoso, usava cabelos longos, penteados para trás, e uma solene sobrecasaca. Gostava de vestir-se bem, e dizem que era elegante e polido, de uma beleza quase feminina. Luís Viana Filho, um de seus biógrafos, chega a dizer que “nada o deliciava mais do que a indiscrição de um decote, permitindo-lhe avançar o olhar sobre um belo colo”. Ainda no Colégio Pedro II, o futuro barão iniciava sua vida sentimental de mãos dadas com uma menina da sua idade – mas era ainda tão criança que seu pai, o visconde do Rio Branco, ia buscá-lo na saída da escola.
No Rio, o barão passava várias noites em teatros e cafés, e muitos diziam que levava “uma vida perdida de boêmio”. Almoçava às 3 da tarde e jantava de madrugada, na companhia das atrizes do Teatro Alcazar. É aí que, em 1872, apaixona-se pela atriz belga Marie Stevens. O primeiro filho do casal nasce um ano depois, em Paris, e Juca faz com que ela regresse prontamente ao Brasil. Somente após dois anos é que sua mãe aceita batizar o pequeno Raul, e mesmo assim por procuração.
Nascem mais filhos, e a princesa Isabel, valendo-se da ausência do pai, assina seu ato de nomeação de cônsul em Liverpool. Marie vai para Paris com as crianças, enquanto Juca se prepara para ir a Liverpool. Nesse ínterim, apaixona-se pela sobrinha do Duque de Caxias, Maria Bernardina, “um anjo de beleza” de apenas 15 anos. Vai para Liverpool e passa seu tempo entre seus afazeres na cidade inglesa e sua vida familiar em Paris. Escreve a um amigo italiano, em 1877, dizendo que a situação não vai bem com a “marechala”: não consegue romper seu casamento com Marie e desposar Maria Bernardina. “É muito difícil, muito doloroso para um pai não saber qual será o destino e o futuro dos seus filhos”, desabafa.
Na edição impressa você confere um artigo sobre a atuação fundamental do barão na consolidação do nosso território no início da República, incluindo ainda uma foto pouco conhecida do jovem Juca Paranhos, aos 17 anos. Veja também as homenagens ao barão marcadas para este ano no Rio de Janeiro e em Brasília.
Alexandre Belmonte é pesquisador da Revista de História da Biblioteca Nacional
Grande orador, Rio Branco discursa na abertura da 3ª Conferência Pan-Americana, no Palácio Monroe, em agosto de 1906.
Foto: Wikimedia Commons
Foto: Wikimedia Commons