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quarta-feira, 19 de maio de 2021

O falso testemunho do falso chanceler - Dora Kramer, Ricardo Rangel (Revista Veja)

 Um falso chanceler só podia mesmo prestar falso testemunho. Não é que seus dizeres na CPI não continham um pingo de verdade: o fato é que eles não contimam sequer um átomo de conexão com os fatos, um miligrama de aderência aos registros dos infelizes dois anos e três meses nos quais ele infelicitou o Itamaraty.

Tão falso quanto o COF do seu guru protetor.

Pailo Roberto de Almeida

Falso testemunho

Dissimulado e manhosamente insolente, o ex-chanceler Ernesto Araújo levou ao ápice o exercício do negacionismo na CPI da Covid ao negar a si mesmo e ao retratar, perante os senadores, uma realidade contrária aos fatos. Numa palavra, mentiu.

Prestou, como testemunha juramentada, um depoimento cuja falsidade esteve expressa nos registros de declarações feitas durante sua gestão exibidos pelos parlamentares. A eles, o diplomata desmentia com desfaçatez: negou a existência dos atritos com a China e alinhamento com os Estados Unidos na era Donald Trump, a despeito das evidências em contrário devidamente documentados na imprensa, nas redes sociais, em aúdios, vídeos e atas de reuniões.

A julgar pelas palavras de Araújo, sob o compromisso de dizer a verdade, a passagem dele pelo ministério das Relações Exteriores foi tão exitosa quanto irrepreensível no tocante à defesa dos interesses do Brasil. Isso depois de ter dito em sua apresentação inicial que a política externa deve se submeter à doutrina do governo de turno e pouco antes de reconhecer que não apenas não pediu como sequer agradeceu ao oxigênio doado pela Venezuela ao Amazonas.

Na versão apresentada pelo ex-chanceler nas respostas aos senadores, o governo Jair Bolsonaro não cometeu ações deletérias nem incorreu em omissões na gestão da pandemia. Eventuais problemas, segundo ele, foram todos decorrência da oposição dos adversários. Ou seja, no relato oferecido por Ernesto Araújo o Brasil chegou à situação presente não por atos do presidente, mas pelo fato de Bolsonaro ser injustamente perseguido em virtudes de suas convicções.

Seriam apenas fantasias não fossem mentiras que configuram falso testemunho prestado à CPI.

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A culpa é do Pazuello

RO ex-chanceler Ernesto Araújo mentiu bastante, esqueceu muito, enrolou uma barbaridade e gaguejou como nunca ninguém jamais gaguejou.

Mas não escapou de deixar claro que o desempenho do governo e o seu próprio foram um desastre no que se refere ao combate à pandemia.

Araújo deveria ter alertado Bolsonaro de que o comportamento hostil do presidente em relação à China e a outros países poderia nos prejudicar, mas não o fez. Deveria ter preservado a relação com a China, mas foi ele mesmo hostil.

Deveria ter insistido com Bolsonaro para responder à carta da Pfizer, mas não o fez. Deveria ter aderido ao acordo celebrado por 130 países (inclusive os EUA) contra fake-news, que tanto atrapalham o combate à Covid, mas não o fez. E muito mais.

Mas Araújo não se espatifou sozinho.

O Brasil foi um dos últimos países do mundo a aderir à Covax Facility, e aderiu na cota mínima de 10%, mas foi por orientação do Ministério da Saúde. Araújo não negociou com a Venezuela, que doou oxigênio para a crise de Manaus, mas foi porque o Ministério da Saúde não pediu. E muito mais.

A chapa de Pazuello vai esquentar ainda mais — se é que isso é possível — na quarta-feira.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Curso de Formação de Diplomatas - Novo regulamento, 2021


Boletim de serviço n. 91 - 17/05/2021

1. Atos publicados no Diário Oficial da União de 17/05/2021

PORTARIA Nº 347, DE 14 DE MAIO DE 2021

Aprova o regulamento do Curso de Formação de Diplomatas.

O MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, tendo presente o disposto no Decreto-Lei nº 8.461, de 26 de dezembro de 1945, na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, na Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014, na Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006, no Decreto nº 75.350, de 4 de fevereiro de 1975, no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e no Decreto nº 9.683, de 9 de janeiro de 2019, alterado pelo Decreto nº 10.598, de 11 de janeiro de 2021, resolve:

Art. 1º Aprovar, por meio da presente Portaria, o anexo regulamento do Curso de Formação de Diplomatas.

Art. 2º Fica revogada a Portaria nº 961, de 4 de outubro de 2019.

Art. 3º Esta Portaria entra em vigor em 1º de junho de 2021.

CARLOS ALBERTO FRANCO FRANÇA

ANEXO ÚNICO

REGULAMENTO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE DIPLOMATAS

TÍTULO I

Das finalidades, da duração e das atividades

Art. 1º O Curso de Formação de Diplomatas terá por finalidades a capacitação profissional e a avaliação das aptidões e competências dos servidores nomeados para o cargo inicial da carreira de diplomata do Serviço Exterior Brasileiro, neste regulamento denominados "alunos", no âmbito do estágio probatório de que trata o artigo 8º da Lei nº 11.440, de 29 de dezembro de 2006.

Art. 2º Terão matrícula automática e obrigatória no Curso de Formação de Diplomatas os candidatos aprovados no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata que tiverem sido nomeados para o cargo inicial da carreira e nele tomado posse.

Art. 3º O Curso de Formação de Diplomatas será dividido em dois ciclos e terá a seguinte organização:

I - primeiro ciclo, dividido em dois períodos letivos, nos quais serão ministradas disciplinas conceituais e profissionalizantes; e

II - segundo ciclo, com um ou dois períodos letivos, no qual serão ministradas, prioritariamente, disciplinas de caráter profissionalizante, e realizadas atividades como viagens de estudos, programas desenvolvidos em cooperação com outras instituições e estágios profissionalizantes na Secretaria de Estado das Relações Exteriores ou em postos no exterior.

§ 1º Os alunos poderão tomar parte em programas complementares de formação e capacitação, ao longo do primeiro e do segundo ciclos do Curso de Formação de Diplomatas.

§ 2º Serão definidos pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, com base em proposta do Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, os postos no exterior e as unidades da Secretaria de Estado, para fins de missão transitória ou estágio.

Art. 4º A estrutura curricular do Curso de Formação de Diplomatas será definida pelo Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, ouvido o Ministro de Estado das Relações Exteriores.

§ 1º A estrutura de cada edição do Curso de Formação de Diplomatas será consignada em Plano de Trabalho.

§ 2º O curso poderá incluir disciplinas obrigatórias, disciplinas eletivas, atividades profissionalizantes de formato variado, conferências, viagens de estudos, ações desenvolvidas em cooperação com outras instituições, estágios profissionalizantes e programas complementares de formação e capacitação.

Art. 5º Poderão ser utilizados como instrumentos de formação e avaliação exames, trabalhos, exercícios, preleções, debates em seminários, monografias, treinamentos, viagens de estudo e demais atividades que programe o Diretor-Geral do Instituto Rio Branco.

Art. 6º A participação dos alunos nas atividades de formação e avaliação é obrigatória.

§ 1º Será obrigatória a participação dos alunos nas aulas dos idiomas espanhol, francês e inglês, quando oferecidas.

§ 2º Deverá ser feita opção por um dos cursos dos demais idiomas oficiais das Nações Unidas, quando oferecidos, sendo a assistência obrigatória.

TÍTULO II

Da avaliação e da aprovação

Art. 7º O Curso de Formação de Diplomatas integra o conjunto de atividades a serem avaliadas no âmbito do estágio probatório previsto no art. 8º da Lei nº 11.440, de 2006, e regulado por portaria ministerial que estabelece procedimento de avaliação especial para fins de estágio probatório no âmbito do Ministério das Relações Exteriores.

§ 1º A aprovação no Curso de Formação de Diplomatas constitui condição para confirmação no Serviço Exterior Brasileiro.

§ 2º A aprovação no Curso de Formação de Diplomatas não esgota o procedimento de avaliação especial de desempenho, que se estenderá pelo prazo estipulado no art. 8º da Lei nº 11.440, de 2006, e será efetuado conforme os parâmetros definidos na portaria referida no caput.

Art. 8º A avaliação das atividades dos alunos aferirá seu desempenho acadêmico e profissional.

Art. 9º A avaliação caberá aos professores das disciplinas, aos diplomatas supervisores de atividades profissionais, ao Coordenador-Geral de Ensino e ao Diretor-Geral do Instituto Rio Branco.

Art. 10. A avaliação para fins de classificação será de responsabilidade dos titulares das disciplinas.

Art. 11. O conjunto das avaliações determinará a ordem de classificação dos alunos do Curso de Formação de Diplomatas.

Parágrafo único. A primeira lotação na Secretaria de Estado, uma vez concluído o curso, será dada por classificação especial, baseada nas médias dos alunos, obtidas mediante a ponderação das notas finais do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, com peso um, e do Curso de Formação de Diplomatas, com peso três.

Art. 12. Serão considerados aprovados no Curso de Formação de Diplomatas os alunos que obtiverem:

I - aprovação nas disciplinas cursadas; e

II - conceitos satisfatórios em todas as atividades profissionais avaliadas.

Art. 13. O aluno será considerado reprovado, por faltas em disciplina, independentemente da nota recebida em avaliação, caso ultrapasse o limite de 10% (dez por cento) de faltas injustificadas, calculado com base no total de aulas.

Art. 14. A avaliação reunirá:

I - notas atribuídas pelos professores das disciplinas; e

II - conceitos emitidos pelo Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, ou por diplomatas supervisores, nas demais atividades.

Art. 15. As notas atribuídas pelos professores das disciplinas poderão ter como base exames escritos e orais, simulações, monografias, participação em aula e em outras atividades.

§ 1º As notas das disciplinas serão graduadas de 0 (zero) a 100 (cem).

§ 2º A média das notas do período em cada disciplina será considerada suficiente, se for igual ou superior a 60 (sessenta).

§ 3º No caso de obtenção de nota final inferior a 60 (sessenta), o aluno será considerado reprovado, por média, na disciplina.

§ 4º O aluno reprovado em uma disciplina, por média ou por faltas, nos termos do art. 13, terá a oportunidade de cursá-la novamente, uma única vez, quando oferecida, durante o período de estágio probatório regido pelo art. 8º da Lei nº 11.440, de 2006.

§ 5º A aprovação do aluno em matéria em que fora anteriormente reprovado constitui condição necessária para a conclusão do Curso de Formação de Diplomatas.

§ 6º No caso de disciplinas que não voltarem a ser oferecidas, o Diretor-Geral do Instituto Rio Branco poderá autorizar a inscrição do aluno em matéria de temática similar, como equivalente à repetição daquela em que o aluno não obteve aprovação.

§ 7º O aluno reprovado em mais de uma disciplina terá seu rendimento considerado insuficiente e não poderá concluir o Curso de Formação de Diplomatas.

Art. 16. O aluno poderá recorrer das notas ou da avaliação ao professor da disciplina e, posteriormente, ao Coordenador-Geral de Ensino, que examinará o recurso e emitirá parecer, podendo, para tanto, consultar o Diretor-Geral do Instituto Rio Branco.

Parágrafo único. Do parecer do Coordenador-Geral de Ensino, ouvido o Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, não haverá recurso.

Art. 17. Os conceitos referidos no inciso II do art. 14 serão atribuídos com base nos critérios de produtividade, assiduidade, disciplina, iniciativa e responsabilidade, devendo também ser objeto de atenção a conduta pessoal e a observância dos deveres, atribuições e responsabilidades previstos na Lei nº 11.440, de 2006, e em disposições regulamentares.

§ 1º Os conceitos serão consignados em formulário próprio.

§ 2º Serão considerados diplomatas supervisores, para os fins do disposto no inciso II, do art. 14, o Coordenador-Geral de Ensino do Instituto Rio Branco e os que se encarreguem da orientação direta dos alunos nos estágios e missões referidas no inciso II, do art. 3º, deste regulamento; em programas complementares de capacitação e formação; ou em quaisquer outras atividades determinadas pelo Diretor-Geral do Instituto Rio Branco.

Art. 18. Serão elaborados, pelo Coordenador-Geral de Ensino do Instituto Rio Branco, relatórios de desempenho dos alunos do Curso de Formação de Diplomatas, para efeitos da avaliação especial de desempenho para fins de estágio probatório.

Parágrafo único. Os relatórios mencionados no caput serão encaminhados à Comissão de Avaliação de Desempenho do Estágio Probatório, nos termos da normativa vigente.

TÍTULO III

Disposições finais

Art. 19. Aplicar-se-á aos alunos estrangeiros, admitidos conforme o art. 38, inciso I, do regulamento do Instituto Rio Branco, aprovado pela Portaria 344, de 18 de março de 2021, o disposto neste regulamento, no que couber, observada a normativa vigente.

Art. 20. Serão concedidos diplomas aos alunos que concluírem o Curso de Formação de Diplomatas.

Parágrafo único. Será concedido diploma ao aluno estrangeiro que concluir o primeiro ciclo do Curso de Formação de Diplomatas.

Art. 21. Será concedido o prêmio Rio Branco ao primeiro e ao segundo lugares do Curso de Formação de Diplomatas, sob a forma de medalhas de vermeil e de prata, respectivamente.

Art. 22. Os casos omissos serão decididos pelo Diretor-Geral do Instituto Rio Branco, consultado, quando couber, o Chefe do Gabinete do Ministro de Estado das Relações Exteriores.


Por ideologia, Ernesto mobilizou diplomacia e minou combate contra pandemia - Jamil Chade (UOL)

Por ideologia, Ernesto mobilizou diplomacia e minou combate contra pandemia

Jamil Chade 
https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/


Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.

Colunista do UOL

17/05/2021 04h00 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/05/17/por-ideologia-ernesto-mobilizou-diplomacia-e-minou-combate-contra-pandemia.htm?

 

Resumo da notícia

· Ex-chanceler é o próximo convocado na CPI da pandemia, na terça-feira

· Durante sua gestão, ele hesitou em fazer parte de mecanismos internacionais de vacina e tentou impedir fortalecimento da OMS

·  Araújo não aceitou convite para reunião no qual Pequim ofereceu crédito de US$ 1 bi para América Latina comprar suas vacinas

·  Sob seu comando, o Brasil não fez parte de compromisso de 130 países para lutar contra a desinformação na pandemia 

 

 

Durante a pior pandemia em cem anos, a diplomacia brasileira foi usada como instrumento para promover uma ideologia, deixando em segundo plano os esforços nacionais e internacionais para combater o vírus da covid-19. 

Nesta terça-feira, o ex-chanceler Ernesto Araújo terá de responder diante da CPI sobre suas ações no comando do Itamaraty, durante a pandemia. Desde a eclosão da crise, porém, sua atuação na esfera internacional teve como meta enfraquecer uma resposta global à pandemia. 

Desde a hesitação em fazer parte da coalizão internacional por vacinas, a ausência do Brasil em esforços internacionais e medidas deliberadas para colocar a política e a ideologia acima da questão de saúde, a diplomacia nacional foi uma peça fundamental no fracasso da resposta nacional à crise sanitária. 

 

OMS e o "comunavírus" 

Com o desembarque da pandemia, quase imediatamente a OMS foi colocada no centro das atenções. Se havia um local onde a coordenação internacional poderia ocorrer, muitos acreditavam que era a agência que deveria pilotar a resposta à crise. 

Mas, para Araújo, um dos focos deveria ser o de impedir que agências internacionais ganhassem força. Ao longo de meses, torpedeou iniciativas, exigiu uma investigação sobre a OMS e fez questão de esvaziar a representação brasileira em cúpulas e reuniões. 

Ainda em abril de 2020, Araújo postou em plena madrugada um texto em suas redes sociais. Não se tratava de uma orientação para lutar contra a pior crise sanitária em quase cem anos. Nem um plano sobre como conseguir respiradores, testes ou máscaras. Tampouco se trata de uma estratégia para costurar novas alianças para garantir a recuperação da economia. 

Tratava-se de um alerta sobre a necessidade de que se combata o comunismo que, segundo ele, iria se aproveitar do momento de crise e de apelos por solidariedade para implementar sua ideologia por meio do fortalecimento de entidades internacionais, como a OMS. 

Desde sua chegada ao poder, Araújo deixou claro que o estado-nação não deve se submeter a um poder internacional e vinha implementando tal visão durante a pandemia. 

"O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista", advertia o título do texto do chanceler. "Chegou o Comunavírus", escreveu o então ministro, conhecido por suas posições próximas ao governo dos EUA... - 

Segundo ele, a ideia de transferir poderes para a OMS seria o primeiro passo de um plano comunista. 

Araújo insiste que tal ameaça fica esclarecida em uma obra de Slavoj Zizek, "um dos principais teóricos marxistas da atualidade, em seu livreto "Virus", recém-publicado na Itália". "Zizek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade", disse o brasileiro, que indica a influência do autor em diversos meios. 

No primeiro trecho da obra escolhida, Araújo deixa claro sua recusa por recomendações, como o lockdown. "Tomara que se propague um vírus ideológico diferente e muito mais benéfico, e só temos a torcer para que ele nos infecte: um vírus que faça imaginar uma sociedade alternativa, uma sociedade que vá além do Estado-nação e se realize na forma da solidariedade global e da cooperação."... - 

"O vírus aparece, de fato, como imensa oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a exponencialização de todos eles", disse o brasileiro. 

"A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma agência central de "solidariedade" encarregada de vigiar e punir. Um estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de concentração", alertou o então chefe da diplomacia nacional. 

"Diante disso precisamos lutar pela saúde do corpo e pela saúde do espírito humano, contra o Coronavírus mas também contra o Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo primeiro, um parasita do parasita", completou o chanceler. 

"Uma coisa é certa: novos muros e outras quarentenas não resolverão o problema. O que funciona são a solidariedade e uma resposta coordenada em escala global, uma nova forma daquilo que em outro momento se chamava comunismo", disse. 

Em outro trecho, o ataque do ministro brasileiro se refere ao plano relativo à coordenação da OMS. 

"Um primeiro e vago modelo de uma tal coordenação na escala global é representado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (...) Serão conferidos maiores poderes a outras organizações desse tipo", diz o texto do autor europeu. "Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária" alertaria. 

Meses depois, durante a abertura do Conselho de Direitos Humanos da ONU, já em 2021, Araújo voltaria a atacar a ideia de lockdown. "Sociedades inteiras estão se habituando à ideia de que é preciso sacrificar a liberdade em nome da saúde", disse. "Não critico as medidas de lockdown ou semelhantes, que tantos países aplicam. Mas não se pode aceitar o lockdown no espírito humano, o qual dependente da liberdade e dos direitos humanos", afirmou. ... - 

Uma primeira reunião entre um chanceler brasileiro e a OMS apenas ocorreu em abril de 2021, mais de um ano depois da declaração de uma emergência internacional. Também em abril, a agência se aproximaria ao novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e faria um pedido: que o Brasil voltasse a exercer sua "liderança tradicional" em temas de saúde pública global. 

 

Vacinas

Também por motivos ideológicos, o Itamaraty ficou de fora do lançamento da Covax, a aliança mundial de vacinas. Em abril de 2020, o primeiro encontro contou com chefes de estado de vários países do mundo. Mas a ausência do Brasil chamou a atenção. Naquele momento, procurado pela coluna, o governo explicou que mantinha "outros projetos de alianças", sem jamais explicar quais seriam. 

Pressionado inclusive por senadores, o Itamaraty optou por aderir ao projeto. Mas com várias ressaltas. A primeira delas é de que pediria o menor volume permitido de vacinas dentro do esquema criado: doses que poderiam cobrir apenas 10% da população nacional. Pelas regras do mecanismo, o país poderia ter pedido o dobro. 

A decisão de aderir ao projeto, que foi tomada nas últimas horas do prazo dado pela OMS, ainda estabeleceu mais flexibilidades. O Brasil conseguiu o direito de entrar no mecanismo, reservando-se o direito de não comprar o primeiro lote da vacina, caso fosse da mesma empresa que já estava fornecendo doses ao país. Mas isso significaria que, para a segunda entrega de doses, o Brasil seria colocado para o final da fila entre os recipientes. 

 

Patentes

Um outro elemento chave na política externa brasileira foi a decisão de romper a postura tradicional do país, se distanciar de outros países emergentes e se negar a apoiar a ideia de uma suspensão de patentes de vacinas. O projeto foi apresentado pela Índia e África do Sul, na OMC em outubro, e previa que qualquer país poderia produzir versões genéricas da vacina, sem que fosse punido pela quebra da patente. 

Negociadores consideraram que a falta do apoio brasileiro foi central para que proposta não tivesse a força necessária e que o projeto se arrastasse por meses, sem uma definição. Ao tomar essa postura, o Itamaraty rompia com mais de 20 anos de uma política de defesa da saúde como sendo prioridade sobre questões comerciais ou econômicas. 

De um líder incontestável nessa questão, o Brasil passou a ser um dos maiores obstáculos para que houvesse um acordo para a produção em massa de vacinas. 

Como um terremoto no mundo diplomático, o governo de Joe Biden decidiu recentemente apoiar a suspensão de patentes, dias depois de o Itamaraty voltar a afirmar que não mudaria de postura e que a proteção das patentes era fundamental. 

 

Anti-China e aliança com Trump

Um dos aspectos que marcou sua gestão foi ainda as repetidas críticas contra o governo da China, o que, para ex-ministros do governo de Jair Bolsonaro e para o governador João Doria, afetou a capacidade de o Brasil ter acesso privilegiado a insumos chineses fundamentais para a vacinação no país. 

O ex-chefe da pasta da Saúde Luiz Henrique Mandetta revelou à coluna que, ainda no início da crise, foi buscar contato com a embaixada da China em Brasília e aproximar posições. Mas suas tentativas eram minadas pelo Itamaraty. 

Ainda em abril de 2020, em um texto publicado, o ex-chanceler criticou Pequim. "Não surpreende que, ao menos até agora, a China - que já empregava largamente sistemas de controle social digitalizado - se tenha demonstrado a mais bem equipada para enfrentar a epidemia catastrófica. Deveremos talvez deduzir daí que, ao menos sob alguns aspectos, a China represente o nosso futuro? Não nos estamos aproximando de um estado de exceção global?", questionou. 

"Mas se não é esse [o modelo chinês] o comunismo que tenho em mente, que entendo por comunismo? Para entendê-lo, basta ler as declarações da OMS." Para ele, o lockdown em Wuhan naquele momento veio "à custa da destruição dos empregos que permitem a sobrevivência digna e minimamente autônoma de milhões e milhões de pessoas, ao preço do desmantelamento de sua liberdade e de seu sustento, se atinge um mundo "em paz consigo mesmo". 

Não houve apenas ataques em redes sociais. Ainda no início da crise, o governo da China promoveu um encontro com chanceleres da América Latina para debater a proposta de dar um crédito de US$ 1 bilhão para que a região comprasse vacinas chinesas. Araújo foi um dos poucos ministros da região que recusou o convite. 

A recusa em permitir qualquer aproximação com a China vinha de uma percepção clara e alinhada com o governo de Donald Trump que a pandemia seria um momento decisivo para o poder de Pequim no mundo. A ordem, portanto, era de impedir uma maior influência dos chineses, mesmo que isso representasse custos para o país. 

Além de apoiar ataques dos filhos de Bolsonaro e outros membros do governo contra a China, seminários foram promovidos dentro do Instituto Rio Branco com supostos especialistas que usaram a entidade para difundir críticas contra Pequim. 

"Eu tô cada vez mais convencido de que o Brasil tem hoje as condições, tem a oportunidade de se sentar na mesa de quatro, cinco, seis países que vão definir a nova ordem mundial", disse o então ministro, naquele encontro com a presença de Bolsonaro. 

“É, outro dia a...na conversa do presidente com o primeiro-ministro da Índia, o indiano disse que vai ser tão diferente o pós-coronavírus do pré quanto pós segunda guerra do pré", explicou. 

"Eu acho que é verdade e assim como houve um conselho de segurança que definiu a ordem mundial, cinco países depois da... da segunda guerra, vai haver uma espécie de novo é... conselho de segurança e nós temos, dessa vez, a oportunidade de tá nele e acreditar na possibilidade de o Brasil influenciar e forma... ajudar a formatar um novo é... cenário", afirmou. 

Um trecho, porém, revelou um ataque velado contra a China. "Que que aconteceu nesses trinta anos? Foi uma globalização cega para o tema dos valores, para o tema da democracia, da liberdade. Foi uma globalização que, a gente tá vendo agora, criou é... um modelo onde no centro da economia internacional está um país que não é democrático, que não respeita direitos humanos etc., né?", disse, numa referência aos chineses e sem citar o nome do país. 

 

ONU: Itamaraty opta por ficar de fora de combate contra desinformação

Ao longo de seu mandato, porém, o governo brasileiro se distanciou de iniciativas internacionais, não apoiou resoluções na ONU, não criticou o corte de dinheiro dos EUA para a OMS, não enviou ministros para reuniões, não adotou uma postura de protagonismo no cenário internacional e não foi a uma reunião entre ministros para fortalecer o multilateralismo. 

Em dezembro de 2020, por exemplo, Araújo, usou um evento extraordinário da ONU para tratar da crise da covid-19 para criticar a OMS, questionar o multilateralismo e para defender alguns de seus mantras da diplomacia do atual governo, principalmente a soberania nacional. 

O evento virtual contou com mais de 90 presidentes e primeiros-ministros. A meta era a de garantir um compromisso amplo sobre como dar uma resposta global à crise. Mas o presidente Jair Bolsonaro optou por não participar. Araújo, pelo protocolo, ficou para o final da fila, sendo um dos últimos a discursar e quando já era o início da noite em Nova York. 

Em seu discurso, o chanceler fez questão de romper um tom de apoio ao multilateralismo adotado pelos demais governos e deixar claro que foram governos nacionais quem deram uma resposta à crise. Segundo o ministro, a crise não poderia ser usada como "pretexto" para ampliar a agenda ou o mandato da ONU e, em sua visão, o organismo é apenas uma "plataforma para compartilhar experiências".

Sua defesa era de que a resposta contra a covid-19 é de responsabilidade de governos nacionais, e não de organismos estrangeiros. Para ele, não deve haver uma transferência de competências do nível nacional para o internacional e criticou "clichês bonitos como "o mundo precisa de mais multilateralismo" ou "problemas globais exigem respostas globais". 

O governo brasileiro ainda optou por não aderiu a um compromisso assinado por 130 países de todo o mundo na ONU contra a desinformação em meio à pandemia. Em junho de 2020, uma ofensiva na ONU por parte de governos estabeleceu um compromisso global para lutar contra a desinformação durante a pandemia... - 

Aliados do governo de Jair Bolsonaro como Israel, Índia, Hungria e Japão assinaram a declaração. Até mesmo o governo dos EUA de Donald Trump aderiu, assim como o Reino Unido de Boris Johnson. Também aderiram ao projeto Alemanha, França e Itália, entre muitos outros países. 

O texto da iniciativa alertava que "à medida que a COVID-19 se espalha, um tsunami de desinformação, ódio, bode expiatório e assustador foi desencadeado". Segundo os governos, em tempos de crise de saúde, "a propagação da "infodemia" pode ser tão perigosa para a saúde e segurança humana quanto a própria pandemia". 

"Entre outras consequências negativas, a COVID-19 criou condições que permitem a disseminação de desinformação, notícias falsas e vídeos para fomentar a violência e dividir as comunidades", alertaram os governos. "Por estas razões, pedimos a todos que parem imediatamente de difundir informações errôneas e observem as recomendações da ONU para enfrentar este problema", sugeriram os governos.