Entrevista: Otaviano Canuto, conselheiro-sênior para economias
dos BRICS do Banco Mundial
“O
Brasil não está à beira de uma crise fiscal”
Por
Luís Artur Nogueira
Revista Época, 2/03/2014
Há 11 anos
trabalhando em Washington, o economista sergipano Otaviano Canuto, de 58 anos,
já ocupou diversos cargos no Banco Mundial e no Banco Interamericano de
Desenvolvimento. Nesse período, teve o privilégio de acompanhar os
desdobramentos econômicos no Brasil, sem se deixar contaminar pelo debate
político-eleitoral. Além disso, conversa rotineiramente com empresários e
investidores estrangeiros interessados em obter informações sobre o País. Em
visita à Universidade de São Paulo, na quarta-feira 26, Canuto concedeu
entrevista à DINHEIRO em meio às repercussões sobre o rebaixamento do Brasil
pela Standard and Poor’s (S&P).
Qual
é a sua visão sobre a situação fiscal do Brasil?
Eu noto um certo
descompasso entre a visão de fora, do Exterior, e a visão de dentro do País.
Até porque a visão interna é um pouco impregnada por questões políticas, o que
é normal numa democracia, ainda mais em ano de eleição.
Mas
a visão externa, da S&P, também não é boa...
O que as agências
de classificação de risco fazem não é dizer se o Brasil é bom ou ruim, nem se é
um bom lugar para investir ou não. O rating dessas instituições é uma tentativa
de opinar sobre a probabilidade de pagamento dos países. O importante, no caso
da Standard & Poor’s, é que a redução da nota brasileira não foi
acompanhada de algum tipo de “olha, teve essa redução e pode ter mais”. Aí,
sim, a coisa complicaria, porque o mercado se anteciparia a possíveis
rebaixamentos, o que colocaria o País numa zona perigosa.
Então,
a perspectiva estável da nota traz tranquilidade ao País?
Sim, afinal de
contas o País não está à beira de uma crise fiscal. E, não por acaso, o
rebaixamento já estava meio “precificado” pelo mercado. O mais importante é que
o Brasil continua sendo grau de investimento. Na hora de avaliar a relação
dívida/PIB, é preciso levar em consideração o crescimento econômico, o tamanho
do superávit primário e a visão do prêmio de risco que o mercado está exigindo.
Dessas três variáveis, a única sobre a qual o governo tem poder imediato é o
superávit. De fato, se nós compararmos o Brasil de hoje com o de quatro anos
atrás, a dívida bruta piorou um pouco.
É
um quadro preocupante?
Não se trata de uma
situação de deterioração fiscal que esteja prenunciando uma crise. Porém, a
evolução desse quadro vai depender do que acontecerá com a dívida pública no
futuro. Do lado do crescimento, tudo o mais permanecendo constante, o sinal é
para cima.
O
que justifica, na sua avaliação, essa tendência de alta do PIB?
A mudança de
postura do governo em relação a concessões, atraindo investimentos na área de
infraestrutura. O que está segurando o crescimento no Brasil é a carência de
investimentos em infraestrutura, que gera um ônus muito grande em vários
setores da economia. O Banco Mundial fez um estudo, em 2006, que apontou uma
perda de 30% na produção de soja por conta dos gargalos logísticos como
armazenamento, transporte e portos. Eu duvido que esses problemas não se
repitam em outros setores. O desperdício de recursos e os riscos associados à
insegurança energética reduzem a produtividade da economia. Se o País conseguir
deslanchar numa onda de investimentos em infraestrutura, os ganhos de
produtividade serão generalizados.
Que
outros fatores podem ajudar o PIB?
Sem dúvida, o
ambiente de negócios no Brasil. A estrutura jurídico-institucional impõe um
desperdício de materiais humanos, sem a contrapartida de valor. O tempo que se
requer no Brasil para uma licença de construção é um absurdo, e há problemas em
todos os níveis de governo. Para não falar no óbvio, que é o numero de
homens-hora que uma empresa gasta para pagar impostos. Não estamos falando de
carga tributária, mas o quanto se gasta para conseguir cumprir todas as normas.
Isso é desperdício de gente qualificada e de recursos humanos. Além disso,
creio que há uma margem de ganho por maior eficiência no gasto público.
De
que forma?
Se o País adotasse
uma maior transparência não apenas nas grandes obras, mas em todos os gastos,
com licitações eletrônicas, certamente haveria menos desvios e mais competição,
o que reduziria os gastos públicos. Essa agenda me parece tão óbvia que quem
ganhar a eleição vai perceber o potencial de ganhos de produtividade que isso
tem.
Quando
o Banco Mundial discute o Brasil, qual é o ponto mais exaltado?
A redução da
pobreza, nos últimos anos. Esse, aliás, era o ponto que nos dava mais vergonha.
O
Bolsa Família é um símbolo disso?
É um símbolo, mas a
redução da pobreza é explicada também pela melhora nos índices de escolaridade
da população. Há muito o que avançar na qualidade da educação, mas a simples
mudança no nível educacional básico já tem feito uma diferença enorme.
E
o tema mais criticado?
O que me dá agonia
é o ambiente de negócios, porque há coisas irracionais.
Se
um investidor estrangeiro chega para o senhor e diz que é difícil fazer
negócios no Brasil...
Não tenho o que
falar para ele. É inexplicável. Com medo, o investidor arranja um sócio
brasileiro e já calcula o custo que terá para contratar um exército de
advogados e contadores. No final, é claro, coloca tudo isso no preço. Isso é um
impedimento para pequenos e médios empresários estrangeiros que gostariam muito
de ter negócios no Brasil. Além disso, esses advogados e contadores poderiam
estar fazendo coisas mais úteis dentro da empresa do que enxugar gelo. Essa
reclamação eu escuto sempre dos estrangeiros.
O
Brasil precisa mudar a sua imagem no Exterior?
Trabalhar a imagem
ajuda, mas não sem antes mudar a realidade. As pessoas olham para o País com um
potencial enorme, muita riqueza natural, instituições democráticas e uma
cultura que é muito amigável ao investimento externo. Tanto que, a despeito de
todos esses empecilhos, continua sendo um polo de atração de investimento direto
estrangeiro. Só que poderia ser muito mais, com greenfields, novas unidades
produtivas.
Estamos
comemorando 20 anos do Real. Por que a inflação ainda é manchete econômica no
Brasil?
Porque ela está
rodando acima do centro da meta. Acho que o ideal seria combinar a política
monetária com uma política fiscal condizente. A política monetária é o
instrumento principal, mas, evidentemente, sua eficácia seria maior se
conseguisse convencer os agentes a alterar suas expectativas. Alterando
expectativas, ela diminui o ritmo de repasses e, olhando para a frente, os
ajustes de preços passam a ser menores. Mas isso precisa de uma sintonia com a
política fiscal. A boa notícia é a clara percepção que o governo federal teve
de ajustar a política fiscal, nesse contexto. No entanto, não se consegue isso
da noite para o dia, porque parte dessa deterioração no problema fiscal diz
respeito a gastos que são automáticos e que precisam de reformas estruturais
para serem alterados.
Colaborou:
Carolina Oms