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domingo, 11 de julho de 2010

Diplomacia e Forças Armadas: o quadro sul americano

Mais um desses questionários de pesquisa, desta vez feita para uma mestranda, cujo resultados, ou cuja dissertação desconheço.

Diplomacia e Forças Armadas: percepções de ameaças no entorno brasileiro
Respostas fornecidas por
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 9 de setembro de 2008)
a questionário submetido no quadro de pesquisa para dissertação de mestrado.

ENTREVISTAS PARA A DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
- Ministro Paulo Roberto de Almeida

Nota preliminar PRA: As respostas abaixo consignadas expressam um pensamento estritamente pessoal e posições próprias, baseadas muito mais no estudo acadêmico das questões referidas ou em experiência concreta de vida, do que propriamente o contato no plano profissional com os problemas abordados. Nunca trabalhei, institucionalmente, nessas áreas, assim que nenhum dos argumentos ou opiniões expostos no presente questionário pode ser considerado como representando posições ou políticas das entidades às quais estou associado, em especial no que se refere ao Itamaraty.

- Informações preliminares sobre a tese:
1. (...)
2. O que se pretende: analisar as percepções das Forças Armadas e da Diplomacia de ameaças no entorno brasileiro, considerando as transformações ocorridas, na área de segurança e defesa, no sistema internacional na década de 90 e no impulso dado à integração do Brasil com seus vizinhos a partir da constituição do Mercosul, em 1991; bem como verificar se há – e quais – os canais – formais e informais – de interlocução entre esses dois atores.
3. Espaço geográfico do estudo: região andino-amazônica.

- Indagações:

1. Qual a leitura do MRE sobre as possíveis ameaças à segurança e defesa do Brasil?
PRA: Desconheço qualquer documento de “planejamento” ou de “doutrina” do MRE que trate de forma abrangente ou sequer sintetize o quadro da segurança e defesa, tema normal e tradicionalmente afeto aos ministérios militares, atualmente ao Ministério da Defesa. Existem documentos diplomáticos que mencionam o tema, no quadro do relacionamento político-diplomático mantido com países vizinhos e com o mundo como um todo.
Seria preciso, em primeiro lugar, ver a questão na perspectiva histórica, que evoluiu do antigo cenário de competição com a Argentina no cenário regional (anos 1945-1970) e de ameaças representadas por supostas tentativas de “subversão comunista” (patrocinadas pela ex-URSS, pela China ou por Cuba), para ameaças mais difusas, podendo inclusive estar identificadas com a “hiperpotência imperial”, supostamente aliada naquela conjuntura.
No cenário geopolítico pós-Guerra Fria, essas percepções devem ter sofrido mudanças correspondentes, ao que se poderia agregar a capacitação econômica, industrial e tecnológica – com seus reflexos militares – do Brasil no período pós-1970, quando a suposta “ameaça” argentina se tornou profundamente abstrata. O processo bilateral de integração, a partir de meados dos anos 1980, pode ter sepultado politicamente qualquer hipótese de conflito, mas é de se presumir que os militares, estrito senso, não deixaram de manter os mesmos cenários de defesa quanto a uma possível “invasão a partir do Sul”.
Mais recentemente, os militares devem ter mudado seus cenários de defesa, para levá-los ao Norte, mais concretamente para a Amazônia, supostamente ameaçada por uma combinação estranha de guerrilheiros narcotraficantes e de forças regulares de países (não se diz qual) vizinhos, apoiados por uma grande potência (presumivelmente os EUA). A internacionalização da Amazônia parece constituir o presente passatempo dos cenários da defesa brasileira, junto com ameaças difusas em nossas costas.
Do ponto de vista do Itamaraty, as ameaças são derivadas da instabilidade política regional, com possíveis focos de conflitos internos aos países que possam extravasar para o Brasil, sem ameaças diretas, mas conseqüências indiretas em termos de tropas ou forças irregulares circulando ilegalmente pelo território brasileiro ou trazendo os problemas associados (tráficos diversos, inclusive de armas, refugiados e outros crimes comuns).
Nem o MRE, nem os militares parecem considerar o tráfico de drogas como uma ameaça militar, ou à defesa do Brasil, confinando esse problema à esfera policial. Os militares tem respondido negativamente a todas as sugestões americanas para um maior envolvimento das FFAA do Brasil no combate ao tráfico de drogas. Registre-se que essas ameaças, reais ou percebidas como tais, estão quase todas confinadas à região andina-amazônica.
Mais recentemente, se passou a aventar a vulnerabilidade da chamada “Amazônia azul”, com hipotéticos ataques às plataformas de petróleo ou desafios à soberania nacional no que tange os recursos naturais da zona econômica exclusiva. Como no caso da fronteira Sul, ou da suposta internacionalização da Amazônia, as alegações em torno dessa vulnerabilidade devem ser maiores do que a realidade, o que não elimina, no entanto, a possibilidade de que desafios possam surgir também nessa enorme fronteira marítima, passo preliminar para se recomendar o acréscimo de embarcações de patrulha e dissuasão.
De forma geral, as ameaças potenciais à segurança do Brasil tem sido percebidas, tanto por diplomatas como por militares, como derivando de quadros agudos de instabilidade político-social em países vizinhos, ou então de conflitos localizados e remanescentes de fronteiras – como no caso Peru-Equador – para o que se requer um conjunto de ações de consulta e coordenação com as partes interessadas e eventual apelo aos órgãos de manutenção da paz e da segurança (OEA e ONU). Nesse caso, percebendo que seus interesses podem vir a ser afetados, direta ou indiretamente, tanto os diplomatas como os militares não têm hesitado em propor a participação do Brasil em operações de manutenção da paz, o que pode alcançar inclusive situações fora do âmbito regional (África, por exemplo). São inúmeros os exemplos de participação do Brasil em operações típicas de peace-keeping (nenhuma de peace-making até o momento), culminando com a chefia da Minustah (Haiti). Mas, também existem exemplos de mediação e bons ofícios, como aquela exercida oficialmente no quadro do processo de paz entre o Peru e o Equador (1996-98).

2. Que postura tem sido adotada em relação a essa percepção de ameaças? Há ações concretas em andamento? Quais?
PRA: Como as ameaças supostas contra o próprio Brasil são difusas, suponho que as respostas envolvam uma combinação de cenários estratégicos e táticos de preparação para a defesa. Ou seja, manutenção de algumas forças no Sul do País, inclusive por razões históricas e no caso de alguma mudança no cenário político sub-regional; deslocamento de forças e equipamentos para o Norte, nas fronteiras amazônicas, com treinamento de combate na selva, mais para efeitos dissuasórios do que propriamente para a hipótese de grandes enfrentamentos militares; preparação tecnológica e adestramento nos novos ambientes de conflitos possíveis. Deve-se ressaltar que essas ações são tipicamente militares, cabendo ao MRE tão somente o acompanhamento dos temas nos planos regional e multilateral.
Mais recentemente, o MRE envolveu-se com a preparação da proposta de constituição de um Conselho Sul-Americano de Defesa, a ser criado como instância de consulta e coordenação no âmbito da Unasul, a União das Nações Sul-Americanas, criada em Brasília, em 23 de maio de 2008. O Itamaraty também acompanha a discussão dos temas de segurança e estabilidade internacional nos âmbitos hemisférico (OEA e Junta de Defesa) e multilateral (ONU, CSNU e órgãos especialmente criados por resolução do CSNU para atuar em casos tópicos).
No âmbito mais geral, o Brasil tem se envolvido em operações autorizadas pela ONU, nas quais a coordenação entre militares e diplomatas é de regra. Existe um observador militar permanente na Missão do Brasil junto à ONU em Nova York.

3. Em que medida essa percepção é compartilhada com o Ministério da Defesa?
PRA: Existem consultas freqüentes entre os dois ministérios, embora isso deva ocorrer mais de forma ad hoc, do que de maneira institucionalizada. Nesses encontros são intercambiadas idéias, opiniões, informações e feitas consultas sobre possíveis linhas de ação conjunta, ou seja, ação diplomática respaldada por atuação militar ou vice-versa. Supõe-se que, com a formalização do Conselho Sul-Americano de Defesa, em algum momento no futuro próximo, essas consultas venham a se tornar oficiais, regulares e institucionais.
No plano das percepções, terá de haver alguma adaptação de ambos os lados à nova doutrina brasileira de defesa, em curso de elaboração pelo Ministério da Defesa com a participação do Ministro de Assuntos Estratégicos. Possivelmente, a nova doutrina vai gerar novos insumos para reflexão e atuação conjunta.

4. Há alguma ameaça que possa vir a demandar o emprego das Forças Armadas do Brasil?
PRA: Nenhuma ameaça de ataque direto ao Brasil em grande escala, em minha visão pessoal, mas podem surgir situações de crises, e até escaramuças, nas proximidades do Brasil, derivadas de quadro político-institucional de instabilidade em países vizinhos, que exijam alguma preparação das FFAA no terreno.
Não vejo nenhuma outra ameaça potencial significativa, mas a percepção dos militares é obviamente diferente, pois eles partem da suposição que sempre podem surgir focos de ameaça à soberania e à segurança do Brasil. Eles estariam localizados, primordialmente, na região Amazônica e na franja costeira marítima, mas hesito seriamente em designar qualquer possível fonte de ameaça concreta. Não vejo nenhuma possibilidade de contestação das fronteiras nacionais por algum vizinho regional, assim como não antevejo nenhum motivo realista para algum processo ofensivo de qualquer potência militar de primeira grandeza contra o Brasil.
Não obstante, a preparação adequada das FFAA armadas sempre será uma exigência incontornável, segundo as percepções dos próprios militares. Ou seja, o Brasil continuará a manter o aparato completo – ainda que subequipado e fracamente treinado – de FFAA, para um emprego em situações ditas “clássicas” de defesa.
Pessoalmente, considero remota qualquer hipótese de emprego das FFAA em situações “clássicas” de defesa do território brasileiro, cabendo então a hipótese do seu emprego em operações de “imposição da paz” sob cobertura de resolução do CSNU. Nessa hipótese, talvez a preparação e os equipamentos das FFAA tenham de ser adaptados e adequados às situações possíveis em conflitos fora do território brasileiro, o que exigiria outro tipo de adestramento e concepção de cenários de conflito.

5. Há convergência na construção das políticas externa e de defesa? Há integração entre as duas políticas ou influência de uma sobre a outra? Em que medida consultas são feitas um ao outro?
PRA: Minha percepção pessoal é a de que essa interação é tênue e no máximo de deferência recíproca, com muita pouca convergência real de percepções comuns quanto às ameaças credíveis. Nessas condições, o espaço para a construção de políticas comuns de defesa ou de relações exteriores é muito limitado, havendo sempre o cuidado de “não-ingerência” nos assuntos do outro ministério.
Os dois ministérios parecem seguir mais em vias paralelas, com algumas pequenas sinuosidades de parte ou outra, mais do que por um caminho comum. As consultas existem, podem até ser freqüentes, mas concepções comuns podem estar ainda distantes, o que não é uma característica unicamente brasileira.
Os acordos e convergências entre os dois órgãos tendem a ser mais freqüentes em torno de assuntos concretos, como podem ser as operações de manutenção da paz nas quais o Brasil decide participar. O entendimento, nesse caso, passa a ser obrigatório, do contrário o exercício poderia redundar em fracasso. Ainda aqui, podem surgir divergências, presumivelmente quanto ao espaço de ações propriamente militares e outras de cunho civil (segurança pública, reconstrução, etc.).

6. Há alguma área no MRE responsável pela interlocução com os militares (MD e Forças Armadas)? Qual? Por meio de que outros canais esse diálogo é realizado?
PRA: Sim, existe uma Assessoria Especial na Secretaria-Geral, (...). Ademais, existe no organograma do MRE, uma Secretaria de Planejamento Diplomático (SPD), (...). Acredito que um dos dois pode responder melhor do que eu às indagações feitas neste questionário.
Os demais canais existente são ao nível das chefias (ministro de Estado e SG, quando se impõe a necessidade de consultas políticas) e, no plano técnico-operacional, com as áreas encarregadas de temas específicos (DNU, para o CSNU, e áreas geográficas, para o tratamento de problemas de âmbito regional ou operações de paz em outros continentes).

7. Qual o papel do MRE na Defesa Nacional?
PRA: Subsidiário, mais preventivo e apaziguador, do que propriamente operacional. Em todo caso, países importantes no cenário estratégico mundial devem, supostamente manter perfeita coordenação entre os dois serviços para assegurar plena defesa nacional. O papel clássico do MRE é, primariamente, o da informação, ou seja, subsidiar o presidente e os demais ministros com dados relevantes do cenário internacional e no plano bilateral afetos às responsabilidades desses ministérios.No caso da defesa, se pode ir além da informação, no sentido da elaboração de análises fundamentadas sobre grandes questões estratégicas do cenário internacional e de segurança e a interação entre FFAA nacionais, ademais de observações sobre alianças militares e evolução tecnológica nesse terreno.

8. De que forma as Forças Armadas podem auxiliar a diplomacia e contribuir para respaldar a posição internacional do Brasil?
PRA: Nos temas que envolvem defesa da soberania nacional – fronteiras, preservação dos recursos naturais, abastecimento energético e segurança das linhas de comunicação – as FFAA sempre constituem o respaldo implícito da ação diplomática. Não se espera que elas sejam chamadas a agir, pois isto representaria, precisamente, o fracasso da diplomacia, mas elas devem estar presentes, por suposição, em qualquer negociação envolvendo aquele tipo de tema sensível. Elas também podem recomendar cursos de ação diplomática que tenham implícita alguma ação militar possível, indicando como e em que condições elas poderiam ser chamadas (ou não) a atuar em relação a um determinado dossiê. Em outros termos, a ameaça – que precisa ser credível – do uso eventual da força também pode ser um recurso diplomático, a ser usado de forma discricionário no curso de uma negociação.

9. Nos fóruns em que o Brasil se faz representar por seu chanceler, há congruência de posições da diplomacia e das Forças Armadas (neste caso, quais fóruns?) ou é a expressão apenas do pensamento do MRE?
PRA: Esta questão é muito dependente do caso em questão. Ou seja, não há uma resposta teórica a esse tipo de problema. Se o Brasil está representado pelo chanceler é porque a ação requerida possui um cunho essencialmente diplomático, do contrário estariam sendo conduzidas consultas envolvendo diplomatas e militares, para depois se tomar a decisão, pelo presidente, de como encaminhar determinado dossiê. Fóruns de caráter consultivo no plano da segurança deveriam envolver, em princípio, a presença conjunta do chanceler e do titular da Defesa, como poderá ser o caso do Conselho Sul-Americano de Defesa. Aliás, o projeto de Estatuto do CSAD prevê tão somente a participação dos ministros de Defesa, o que me parece restritivo, uma vez que questões de defesa não são apenas necessariamente militares.

10. Há algum texto - discurso, palestra, artigo - ou publicação referente ao assunto em tela a que eu pudesse ter acesso?
PRA: Não tenho registro, por não acompanhar o tema diretamente, da existência desse tipo de material, que certamente deve existir. Seria o caso de efetuar uma consulta às publicações oficiais do MRE e consultar os responsáveis pela área, acima indicados.

11. Há alguma outra autoridade que o senhor indicaria para essas entrevistas?
PRA: Assessorias internacionais, de cooperação e de estudos do Ministério da Defesa e das forças singulares. Não disponho, todavia, dos nomes correspondentes.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de setembro de 2008

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