No final de 2011, durante uma reunião em Nova Déli na qual participaram Shashi Tharoor, ex-Ministro de Estado das Relações Exteriores da Índia, e vários outros diplomatas indianos, um dos palestrantes agradeceu a Tharoor por ter ajudado o Ministério das Relações Exteriores da Índia a “começar a entender como se pode usar as mídias sociais para engajar a sociedade civil”. Ele admitiu que o número de seguidores da conta do Ministério no Twitterainda era baixo; atualmente está em 79.800. A conta pessoal da Shashi Tharoor, por sua vez, tinha 22 vezes mais seguidores, e está, no momento, em 1.75 milhões, o que faz dele um dos políticos mais populares de nossos tempos. O que parecia certo para os diplomatas ali presentes é que o establishment da política externa indiana precisava fazer mais para engajar a sociedade civil, através de uma estratégia astuta dirigida às mídias sociais, de uma estrutura organizacional transparente, e de uma equipe profissional de funcionários de relações públicas. Se não fosse assim, como poderia o governo indiano angariar apoio público para suas estratégias complexas de política externa, como, por exemplo, para a construção de sua presença militar no Oceano Índico, para o fortalecimento dos laços com a ex-inimiga China, e para criar apoio global para a reforma do Conselho de Segurança da ONU?
Um debate semelhante acontece no Brasil, outra potência emergente que busca desempenhar um papel maior no cenário internacional. Da mesma forma de que na Índia, os formuladores de política externa do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, lutam para convencer a sociedade civil de que o Brasil deve se tornar um ator global com uma forte atuação em diversas áreas ao redor do mundo. Porém, a política externa desempenha apenas um papel marginal no acalorado debate público brasileiro. Os maiores projetos do Itamaraty são frequentemente recebidos com uma mistura de desinteresse e de rejeição, tanto por parte da mídia quanto pela opinião pública.
Em 2010, quando o Presidente Lula viajou para o Irã para negociar um acordo nuclear com o Presidente Ahmadinejad, a maioria dos formuladores de opinião pública fez duras críticas à decisão, e vários amigos e colegas desaprovaram meu artigo em defesa da viagem. A estratégia brasileira de fortalecer os laços com a África e com o Sul Global é equivocadamente caracterizada, muitas vezes, como uma empreitada puramente ideológica, embora seja lentamente aceita pelo mainstream político. Como escrevi recentemente, a maior parte da sociedade civil, da mídia e da área acadêmica do Brasil permanece cética quanto ao conceito dos BRICS, que é uma das estratégias mais inovadoras do governo para diversificar suas parceiras e pressionar pela reforma da governança global. Por fim, um dos projetos mais ambiciosos do Brasil para o longo prazo, a reforma do Conselho de Segurança da ONU (e a inclusão do país como membro permanente), costuma ser visto pelos cidadãos brasileiros como um projeto de elite quixotesco e amorfo.
Até certo ponto, isso é natural. O Brasil não tem tradição de desempenhar um grande papel na arena internacional. Há apenas algumas décadas, o número de embaixadas brasileiras ao redor do mundo era relativamente pequeno comparado com as 139 embaixadas atualmente mantidas pelo país. A ideia de que o Brasil pudesse ter um papel importante a desempenhar no Oriente Médio teria soado esquisita na década de 90, quando o Brasil apenas começava a se consolidar econômica e politicamente. Estudantes universitários brasileiros e jovens profissionais são a primeira geração que se sente à vontade com um Brasil internacionalmente ativo, profundamente envolvido em regiões distantes que não parecem ter virtualmente nenhum impacto discernível sobre a vida do dia a dia no país.
Portanto, parece ser apenas uma questão de tempo até que a opinião pública no Brasil se acostume a estratégias de política externa cada vez mais ambiciosas. Nas universidades, isso já está acontecendo. Existem mais de 100 cursos de graduação em relações internacionais. Mas o Ministério das Relações Exteriores do Brasil pode, certamente, fazer mais de que ficar parado e esperar que a nova geração tome o controle. Isso é o que argumenta Matias Spektor em um editorialperspicaz publicado pela Folha de São Paulo. Ele coloca parte da culpa pela superficialidade e pela relativa ausência da política externa no debate público brasileiro sobre a falta de vontade do Itamaraty de engajar e tentar ativamente moldar a opinião pública. Segundo Spektor, ao invés de interagir com a imprensa, os embaixadores brasileiros são instruídos a manter um perfil discreto, o que facilita a circulação de falsos rumores e más interpretações por parte de jornalistas frequentemente desinformados. Ele nota, com razão, que escritores muitas vezes se referem à mídia internacional ao invés de contatar o Ministério das Relações Exteriores. No passado, isso causou problemas. Quando o Brasil negociou com o Irã, o Itamaraty não forneceu informações suficientes à mídia nacional, o que permitiu que uma narrativa com influência americana se estabelecesse, segundo a qual o Brasil estava se comportando de maneira perigosa.
Sob o Ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, o Itamaraty tem feito tentativas sem precedentes para engajar a sociedade civil, com diversos convites estendidos a representantes de ONGs e acadêmicos para que participem em seminários. Patriota, que passa 40% de seu tempo viajando pelo exterior, frequentemente dá palestras em universidades e participa em discussões sobre política em think tanks, tais como aquela realizada na FGV do Rio de Janeiro no ano passado sobre a “Responsabilidade ao Proteger”.
Contudo, Spektor também enfatiza que o Itamaraty precisa empregar o Twitter e o YouTube de maneira mais engajadora. É interessante notar que a conta no Twitter do Itamaraty tem quase o mesmo número de seguidores de que a do Ministério das Relações Exteriores da Índia, uma realização bastante impressionante quando se considera que a população do Brasil é cinco vezes menor do que a da Índia.
Mesmo assim, a sociedade civil indiana parece dar maior apoio às aspirações globais da Índia do que a sociedade brasileira dá a seu próprio governo. Há fatores estruturais que podem explicar isso, como a complexidade da vizinhança, as guerras relativamente recentes com o Paquistão e a China, e uma elite anglófona que estabelece laços e redes ao redor do mundo com maior facilidade. A Índia também se beneficia de uma cultura de think tanks que produz uma avalanche anual de artigos e livros contendo pareceres sobre política externa, o que fortalece o debate público. E os formuladores de política externa da Índia também fazem sua parte. O próprio Shashi Tharoor simboliza o crescente engajamento global indiano. Com seu mais recente livro, “Pax Indica”, ele conseguiu engajar leitores que pouco se importavam, antes, com política externa. A palestra do TED de Tharoor sobre a ascensão de seu país foi vista mais de 600.000 vezes no mundo todo e fortaleceu o debate doméstico sobre o papel da Índia em assuntos globais; acredita-se, inclusive, que tenha inspirado muitos jovens indianos a tentarem entrar para o serviço diplomático do país. O Itamaraty certamente tem um número suficiente de diplomatas talentosos para seguir o exemplo de Tharoor.
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