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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 2 de setembro de 2018

Um possível discurso do PR na ONU, em 2003 - Paulo Roberto de Almeida

Ao final do mês de agosto de 2003, ainda em Washington, mas já trabalhando em função de meu futuro cargo de assessor de um dos membros da troika de aconselhamento presidencial, sabedor do comparecimento do presidente, pela primeira vez, à AGNU de setembro desse ano, resolvi propor um artigo a ser assinado por ele, e destinado a ser publicado na imprensa americana (NYT ou WP). Escrevi o trabalho de n. 1100 e mandei a Brasília, mas sem qualquer ilusão de que pudesse ser aproveitado. 

1100. “Uma certa ideia do Brasil, e do mundo…”, Washington, 23 agosto 2003, 3 p. Proposta de artigo para ser publicado na imprensa americana quando da presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Assembleia da ONU, em 23 de setembro de 2003. Encaminhado ao Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica. 

Transcrevo, em primeiro lugar, minha mensagem particular ao futuro chefe, e depois o artigo que escrevi, na frágil esperança de que pudesse ser aproveitado.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 2/09/2018
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Encaminhado em 24.08.03, com a nota abaixo:

Senhor Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica,
    Há algum tempo eu propus ao Embaixador Rubens Barbosa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinasse um artigo destinado a ser publicado na imprensa americana quando de sua presença na Assembleia da ONU, em 23 de setembro de 2003. 
    Faltando agora um mês para o evento, submeti-lhe o texto anexo, intitulado “Uma certa ideia do Brasil, e do mundo…”, que está sendo encaminhado ao Itamaraty nesta segunda-feira 25.
    Duas coisas vão ocorrer com o texto, porém: (a) ele vai cair no buraco negro do Itamaraty, onde dezenas de expedientes circulam por dia, e sua lenta caminhada em direção a uma aprovação, ministerial ou presidencial, pode portanto nos levar até as vésperas da abertura da Assembleia da ONU; (b) ele vai ser devidamente esquartejado e reempalhado, com um bocado de bullshit diplomático dentro dele: Conselho de Segurança para cá, Iraque para lá, Mercosul de um lado, Alca de outro, OMC para cima e comércio justo por baixo. Enfim, o menu prato feito no qual somos mestres...
    Eu concebi o texto como uma singela peça de natureza pessoal para "conversa" direta com o público americano, não como um manifesto de diplomacia universal para consumo de outros governos. 
    Por isso resolvi mandar o texto em sua forma original para seu exame e apreciação, antes que ele vire um espantalho cheio de diplomatices.
    Com os melhores cumprimentos do
Paulo Roberto de Almeida

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Uma certa ideia do Brasil, e do mundo…

Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente do Brasil
(proposta de artigo para a imprensa americana:
setembro de 2003, Assembleia da ONU)
(1ª versão: 23 de agosto de 2003)

Vim a Nova York para falar na ONU. Trata-se de uma tradição: a cada ano, o Brasil abre o debate na Assembléia Geral. Já estive outras vezes em Nova York e nos Estados Unidos, inclusive visitei duas vezes, a seu convite, o presidente Bush, em Washington, mas ainda não tinha estado em Nova York investido da responsabilidade de dirigir e de representar o meu país.
Trata-se de uma dura responsabilidade: o Brasil é o quinto maior país do mundo em território e população, é a décima economia mundial, mas ele também é, infelizmente, um país pequeno nos indicadores de felicidade humana. O índice de desenvolvimento humano do Brasil é modesto, se comparado à pujança de nossa economia, e as taxas de distribuição da renda, iníquas e inaceitáveis, nos colocam, vergonhosamente, atrás de vários países africanos e latino-americanos. Eu fui eleito para mudar isso. Pretendo fazê-lo. Vou mudar a face social do Brasil. 
Minha idéia do Brasil é a de um país no qual as realizações mais modernas da indústria, da agricultura e da ciência – e o Brasil também as tem – possam contemplar igualmente imensos estratos da população hoje afastados de seus benefícios. Minha idéia do Brasil é a de um país no qual muito mais crianças saídas de lares modestos, quando não paupérrimos, como era o da minha infância, muito mais crianças nascidas em regiões pobres, como era, e ainda é, o meu Nordeste, possam ter a chance de também galgar os degraus da realização profissional e os da ascensão social e aspirar um dia, quem sabe?, a dirigir um país tão complexo e contraditório como é o Brasil. 
Nós temos de tudo: extremos de riqueza e de pobreza, os avanços da tecnologia e ainda muitos bolsões de miséria, um cultura totalmente integrada nacionalmente, mas também marcada regionalmente, absoluta tolerância de crenças e a mais ampla liberdade e diversidade religiosas, um verdadeiro cadinho (melting-pot) de raças, mas ainda muitas promessas não cumpridas para nossas minorias negras e indígenas.
Eu pretendo preservar o que o Brasil tem de bom e ajudar a corrigir o que ele tem de ruim. Fui eleito para isso e por causa disso. Os milhões de brasileiros esperançosos que me escolheram queriam isso: mudança, para melhor. Pela primeira vez em nossa história alguém saído do povo mais sofrido consegue chegar ao comando do país e pode pretender transformar, finalmente, uma grande economia e um grande povo numa grande nação, menos desigual e mais aberta às aspirações dos mais pobres. 
Essa é a minha idéia do Brasil: pretendo realizá-la. Vou precisar do concurso de todos os brasileiros, e também dos investidores estrangeiros. Os brasileiros já me conhecem, mas aos investidores quero dizer que o meu governo não pretende fazer nenhum tipo de discriminação contrária aos seus interesses legítimos e que a nossa economia está aberta ao concurso dos capitais de fora: eles serão tratados como os nacionais, e talvez até um pouco melhor, pois que podem entrar e sair quando desejarem. 
Não faremos imposições indevidas nem estabeleceremos regras inadequadas: esses capitais podem vir e também participar da grande tarefa de transformação do Brasil numa grande economia não só avançada, mas socialmente desenvolvida e bem mais equilibrada do que hoje. Contrariamente a muitos nos países em desenvolvimento, eu não acredito que os interesses de lucro dos investidores estrangeiros se oponham aos nossos interesses de desenvolvimento social, ou aos interesses de quaisquer outros países em desenvolvimento. Uma empresa estrangeira bem sucedida no Brasil é também um motivo de sucesso para seus trabalhadores e o seu povo. Esta é a minha idéia do Brasil e desejo realizá-la com a ajuda de todos. 
O Brasil também é um país aberto ao mundo e participante da construção de uma comunidade internacional mais solidária e pacífica. Em toda nossa história independente, o Brasil jamais moveu uma guerra de conquista, nunca provocou conflitos com os seus vizinhos e sempre atuou, mesmo nos momentos de maior tensão em nossa região, em prol da paz e da concórdia entre os povos. O Mercosul, antes mesmo de ser uma zona de livre comércio, um espaço econômico unificado, é uma área de paz, uma região de segurança.
A minha idéia do mundo é a de um planeta bem mais integrado do que hoje: eu quero a globalização do bem-estar, da prosperidade, da felicidade humana. O Brasil deseja e vai participar dessa globalização necessária: a dos avanços e das realizações da civilização humana em coisas materiais e espirituais, da mesma forma como pretendo fazer no plano doméstico.
O mundo precisa de paz para alcançar esses objetivos, precisa da afirmação dos princípios do direito internacional, da autoridade inquestionável da ONU como fonte de toda a legitimidade. A luta contra a intolerância e o terrorismo é um dever de todos e uma tarefa que deve unir a comunidade internacional. O Brasil está disposto a assumir sua parte de responsabilidade no processo de soerguimento moral e material da humanidade, dentro e fora do sistema das Nações Unidas.
O mundo e o Brasil se parecem um pouco: os mais modernos avanços da ciência e da tecnologia, indústrias pujantes e competitivas, inovações culturais e artísticas, mas também muita miséria residual e muito sofrimento humano. Felizmente, não temos entre nós conflitos civis ou religiosos, o estigma do terrorismo ou guerras cruéis, como as que dividem ainda vários países em outras regiões do globo. O aspecto mais paradoxal do mundo contemporâneo é que, superado o colonialismo de um passado remoto, dominação e exploração de muitos já não são mais funcionais para o progresso e o desenvolvimento material de alguns poucos. Todos podem e vão poder alcançar maior grau de bem estar e de segurança através da promoção da liberdade e da prosperidade para todos. Esta é a minha visão da globalização.
Acho sinceramente que o Brasil tem muito a ensinar ao mundo em matéria de tolerância religiosa e de boa convivência étnica, mas ele também tem muito a aprender do mundo em matéria de distribuição eqüitativa dos benefícios do progresso material e dos avanços educacionais. Eu fui eleito justamente para isso. Desejo e vou cumprir o que prometi ao povo brasileiro. E nós brasileiros, vamos também, na medida de nossas possibilidades, ajudar o mundo a ficar um lugar melhor do que ele é hoje. Esta é a minha visão do Brasil e do mundo. 

Luiz Inácio Lula da Silva.

(3 p., 1080 palavras, 6.500 caracteres com espaço)


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