A nota em que o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro Fernando Azevedo (Defesa) dizem que as Forças Armadas
não cumprirão "ordens absurdas" foi reprovada por setores da cúpula militar e pelo seu alvo, os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Na liminar, Fux respondia a um questionamento do PDT acerca da interpretação corrente no bolsonarismo de que o artigo permitiria às Forças Armadas intervir caso um Poder tentasse tolher o outro.
A visão vem sendo ventilada pelo presidente, pelo vice e outros membros do governo. A nota de sexta dizia também que as Forças não tolerariam "julgamentos políticos", uma referência nem tão velada à ação de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão que corre no Tribunal Superior Eleitoral.
A
Folha conversou com oficiais-generais da ativa dos três ramos armados. Enquanto
muitos consideram que o Judiciário tem exagerado em suas decisões, e todos ressaltem que os signatários da nota são seus superiores hierárquicos, o tom foi reprovado.
Não que haja aprovação às colocações de Fux, consideradas igualmente hiperbólicas nas conversas entre fardados.
Mas, para um almirante, a nota coloca as Forças Armadas como um poder moderador acima da lei. Ele disse que é óbvio que os militares têm de responder a decisões e que, se não concordarem, sempre caberá recurso dentro da Constituição.
Em grupos de WhatsApp de oficiais, a crítica mais comum era a de que as Forças foram colocadas como uma extensão do bolsonarismo militante, que tem no confronto com Poderes uma de suas características.
Já havia grande irritação pela entrevista que o
general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) havia concedido à revista Veja, no qual ele falou em tom ameaçador contra a oposição ao mesmo tempo em que se apresentava como representante das Forças.
Ramos, já no centro de insatisfações quando foi cogitado por Bolsonaro para substituir o comandante Edson Pujol, ao mesmo tempo cedeu a pressões e decidiu passar à reserva —irá deixar o interino da Saúde, Eduardo Pazuello, como último general da ativa com cargo de primeiro escalão.
A nota coroou uma
semana de ruídos entre a ativa e o governo Bolsonaro, como a
Folhamostrou. A tentativa de maquiagem de dados da Covid-19 na Saúde, a frustrada portaria para dar direito ao uso de aviões ao Exército e a revelação de negócio entre a Força e uma empresa americana de armas favorecida pelo filho presidencial Eduardo Bolsonaro não foram bem digeridos.
Há relatos divergentes acerca de uma consulta do Planalto aos comandantes de Forças sobre o tom da nota. A Folha questionou o general Azevedo sobre isso. Segundo sua assessoria, os chefes militares não participam de manifestações políticas.
Já entre ministros do Supremo, o tom variou de desânimo a irritação.
A principal sinalização foi dada acerca do
ministro Abraham Weintraub (Educação), que na reunião ministerial de 22 de abril disse que queria ver os integrantes do Supremo, a quem chamou de vagabundos, na cadeia.
Nas últimas semanas, emissários fizeram chegar a ministros da corte que o Planalto estaria disposto a rifar Weintraub como punição pela fala. Em vez disso, o ministro envolveu-se em nova polêmica, com a rejeitada medida provisória que previa nomeação de reitores de universidades federais nesta semana.
A esse empoderamento somou-se a nota de sexta. A liminar de Fux havia sido alvo de contentações internas por parte de alguns ministros, que viram nela um certo truísmo ao reafirmar o que já está na Constituição e pela vacuidade do objeto: é uma decisão retórica, na prática.
Mas há simbolismos inescapáveis, e aí entra a contrariedade geral. Fux será o próximo presidente da corte, a tomar posse em setembro, e em momentos de crise entre Poderes os 11 integrantes do Supremo costumam agir em bloco.
Assim, o ataque direto a Fux se tornou, por extensão, mais uma afronta à corte por parte de Bolsonaro, que já participa contumazmente de atos pedindo o fechamento do órgão máximo do Judiciário e do Congresso.
A assinatura conjunta com Mourão foi vista como um recibo de ambos pelo fato de serem objeto da ação no TSE. Já a presença de Azevedo reforçou um sentimento que vem se consolidando na classe política: Bolsonaro
tem usado as Forças Armadas como escudo por extrema fragilidade.
Assim, a banalização das ameaças, que assustam muitos devido ao passado intervencionista das Forças, tem sido vista pelo decrescente valor de face. Preocupa mais o Supremo a eventual perda de controle nas ruas, estimulada por Bolsonaro.
Situações de violência implicam o uso das polícias militares, consideradas muito próximas do espírito bolsonarista. O motim da PM do Ceará no começo do ano, apoiado veladamente pelo governo, é um exemplo sempre lembrado.
As consultas que começaram na noite de sexta prosseguem neste sábado no mundo político, dado que Bolsonaro conseguiu elevar ainda mais o patamar de suas provocações institucionais, mas por ora o clima é mais de observação de cenário do que de reações exacerbadas.
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