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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 19 de julho de 2014

O Senador e o professor: confronto de ideias? - Fernando Tiburcio


O professor e o senador
FERNANDO TIBÚRCIO PEÑA
O Globo, 15/07/2014
 
É um convite à reflexão a recente troca de farpas entre Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, e Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado. Provavelmente incomodado com a natural repercussão que teve a entrevista do senador Ferraço nas páginas amarelas da revista de maior circulação no país, o professor aposentado da Unicamp partiu para o contra-ataque usando a condenável estratégia de desqualificar academicamente o seu opositor. A meu ver, não surtiu efeito. Li o seu artigo-resposta e fiquei com a sensação de que o professor estava schopenhauerianamente tentando vencer o debate sem ter razão.
A certa altura, Marco Aurélio Garcia — a quem Ferraço chamou de “chanceler de fato” — acusa o senador de recorrer a velhos chavões da direita. Na ótica do professor, como o “comunismo” está virando um assunto restrito aos livros de história, o senador teria encontrado um novo “espantalho” para subsidiar um discurso supostamente conservador: o “bolivarianismo”. Marco Aurélio Garcia enfatiza que o senador não explicou que bicho é esse, embora ele também não o tenha explicado. Foi aí que percebi que eu próprio, quem sabe por uma deficiência acadêmica, não era capaz de traçar com precisão o conceito de “bolivarianismo”.

Quando vi a presidente Dilma Rousseff assinar o decreto que disciplina a criação dos conselhos populares, tive a impressão de que houve sim, muito diferente do que diz o professor Marco Aurélio, uma certa influência bolivariana. Sei que o diabo andou por ali, mas não saberia dizer com segurança que cara tem o diabo.
Para o meu alívio, depois de muito pesquisar, descobri que são incipientes as tentativas de encontrar uma definição para o termo e que, na maioria das vezes, há uma compreensível confusão entre “bolivarianismo” e “chavismo”. O que achei na doutrina não vai além do óbvio vínculo que tem o movimento sociopolítico com a sua fonte inspiradora, Simón Bolívar. Então, decidi sistematizar as características que moldam o bolivarianismo, como parte de uma atrevida experimentação com o fim de estabelecer as bases para um futuro conceito. As mais evidentes talvez sejam a dificuldade dos seus líderes para se desapegarem do poder e a formação de uma nova elite nos seus respectivos países.
Basta ver que o próprio Simón Bolívar se autodenominou “ditador e libertador das Províncias Ocidentais da Venezuela”. Bolívar se rodeou de pompa própria de uma corte, deixando os assuntos importantes nas mãos de favoritos, que acabaram por arruinar as finanças públicas, levando-os a recorrer a meios odiosos para reorganizá-las. Não sou eu que estou dizendo isso. O juízo de valor, que um século e meio mais tarde serve para contextualizar a atual elite chavista venezuelana, foi feito por um dos maiores ícones da esquerda, senão o maior: Karl Marx.
Hoje, além do presidente venezuelano Nicolás Maduro, discípulo de Hugo Chávez, outros três presidentes latino-americanos se autoproclamam bolivarianos: Evo Morales, Rafael Correa e Daniel Ortega. Manuel Zelaya, o caudilho hondurenho que o Brasil acolheu em sua embaixada em Tegucigalpa, outro bolivariano confesso, não é mais presidente (em que pese o intento frustrado de sua mulher, Xiomara, para tentar ressuscitar o zelaísmo). Foi apeado do poder por um golpe de Estado que teve como estopim as suas manobras para alcançar um segundo mandato, uma iniciativa tão aterradora para a Constituição de seu país, a ponto de sujeitar Zelaya a perder a cidadania hondurenha.
Evo Morales obteve num Tribunal Constitucional Plurinacional totalmente manipulado pelo governo o direito de concorrer a um terceiro mandato, não obstante o fato de a Constituição boliviana proibir expressamente mais de uma reeleição imediata.
Rafael Correa, que também sonha em se eternizar no poder, deixou para trás Evo Morales. Inspirador da virada de mesa do líder cocaleiro, Correa já está no terceiro mandato, um estado de coisas que afronta a Constituição. A solução para permanecer por mais tempo no Palácio de Carondelet foi apelar para reeleições indefinidas. Sem a menor vontade de largar o osso, Correa decidiu apoiar uma emenda constitucional que poderá reconduzi-lo uma ou mais vezes à Presidência do Equador.
Maduro, por obra de seu mentor, e Ortega, por obra dele mesmo, não têm motivos para se preocupar: as regras do jogo foram mudadas enquanto o jogo era jogado e agora a reeleição indefinida faz parte dos sistemas eleitorais da Venezuela e da Nicarágua.
Personagens de uma América Latina populista. Companheiros dos convescotes do Foro de São Paulo. Amigos do professor.

sábado, 20 de julho de 2013

Hotel Brasil, La Paz, e a declaracao do Mercosul sobre asilo diplomatico - Fernando Tibúrcio Peña (Blog Augusto Nunes)

De vez em quando, a solidariedade tropeça nas contradições, como lembra o advogado do Senador boliviano "hospedado" na embaixada do Brasil em La Paz:

Blog de Augusto Nunes, 19/07/2013

Advogado do senador boliviano Roger Pinto Molina, enclausurado na embaixada brasileira em La Paz desde 28 de maio de 2012, Fernando Tibúrcio enviou à coluna uma carta que escancara a arrogância afrontosa do tiranete Evo Morales. Enquanto exige que as nações possam conceder asilo a quem desejarem, o Lhama-de-Franja (com o apoio dos comparsas) continua impedindo que o parlamentar oposicionista viaje para o Brasil, que o contemplou com o status de asilado.
Integrante da Associação Bolivariana Cucaracha (ABC), o governo lulopetista faz o que determinam os mandamentos da entidade. Um deles avisa que só merece ser tratado como perseguido político quem contraria os interesses dos Estados Unidos e seus aliados. Figuram nessa categoria, por exemplo, Julian Assange e Edward Snowden. Políticos que se opõem aos estadistas de hospício agrupados na ABC nunca são perseguidos. Não passam de inimigos da pátria que viraram criminosos comuns. Nada merecem além de cadeia.
Leia o que escreveu Fernando Tibúrcio e os documentos que complementam o texto. São peças com vaga assegurada no acervo do museu que mostrará o que foi a política externa da cafajestagem:
Caro Augusto Nunes,
Quem lhe escreve é o advogado do senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado há treze meses na Embaixada do Brasil em La Paz. Excelente a cobertura que VEJA e seus colunistas vêm dando ao tema.
No último domingo, o articulista Mac Margolis, do Estadão, revelou o paradoxo que existia em Evo Morales apoiar o asilo a Julian Assange e negar a concessão de um salvo-conduto ao senador Roger Pinto Molina, algo que o meu amigo Tuto Quiroga, ex-presidente da Bolívia, qualifica de “dupla moral”. Hoje foi a vez da BBC e do El País falarem de paradoxos. É paradoxo que não acaba mais.
Na sexta-feira, na reunião de cúpula do Mercosul, em Montevidéu, os mandatários ali presentes aprovaram uma declaração que, em seu ponto 9, fala o seguinte:
“Las Presidentas de la República Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, y de la República Federativa del Brasil, Dilma Rousseff, el Presidente del Estado Plurinacional de Bolivia, Evo Morales, el Presidente de la República Oriental del Uruguay, José Mujica Cordano, y el Presidente de la República Bolivariana de Venezuela, Nicolás Maduro Moros, reunidos en Montevideo, el día 12 de julio de 2013, en ocasión de la XLV Reunión Ordinaria del Consejo del Mercado Común:
9. Repudiaron las acciones que puedan menoscabar la potestad de los Estados de conceder e implementar de forma plena el Derecho de Asilo, y en ese sentido rechazar todo intento de presión, hostigamiento o criminalización de un Estado o de terceros sobre la decisión soberana de cualquier nación de conceder asilo.”
O problema é que essa bem-vinda declaração foi feita pensando em Edward Snowden. Ninguém se lembrou, ou era incômodo lembrar-se, de Roger Pinto Molina.
Também no domingo Cláudio Humberto publicou uma notícia bombástica. Evo teria mandado revistar o avião da Força Aérea Brasileira que levou o então e agora ministro da Defesa Celso Amorim à Bolívia no fim do ano passado, à procura do senador Roger Pinto. Ou seja, Evo teria usado o mesmo condenável expediente que o embaixador espanhol em Viena tentou usar contra ele. Essa história eu já tinha ouvido de uma fonte respeitável na Bolívia (uma fonte, no jargão jornalístico, tipo 1). Tal fonte não tinha a certeza se a busca no avião da FAB fora mesmo a mando de Evo e também se o objetivo era pegar no pulo o senador. Mas considerava as duas premissas possíveis.
Na terça o Ministério da Defesa confirmou, em nota, que a inspeção de fato aconteceu, mas que teria sido em 2011, antes do senador Roger Pinto Molina buscar proteção na Embaixada do Brasil em La Paz. Escrevi no mesmo dia uma “nota da nota”, comentando as explicações do ministro Amorim, que tenta, dentre outras coisas, explicar por que mesmo em 2011 era possível que as autoridades bolivianas já estivessem à caça do senador (sem contar o fato de que, mais tarde, o próprio ministro reconheceu que outras inspeções ocorreram).
Gostaria que você tomasse conhecimento do teor do habeas corpus extraterritorial que impetrei em favor do senador e que tem como precedente uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em favor de Lakhdar Boumediene, um ex-prisioneiro de Guantánamo (veja aqui a petição inicial). O habeas corpus deve ser julgado agora no mês de agosto pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.
A título de curiosidade, comento que a arrogância boliviana – ou melhor, bolivariana – foi tal que acabou virando assunto de família. Minhas filhas, estudantes de direito da UnB e também estupefatas com o que está acontecendo com o senador – mais do que eu, já que elas têm ainda aquela energia da juventude – decidiram em sinal de protesto (protestar está na moda!) enviar em 17 de junho uma carta ao presidente Jimmy Carter. É preciso ressaltar que Jimmy Carter foi convidado por Evo Morales para mediar a questão do acesso ao mar da Bolívia. A carta não obteve resposta e aí está outra contradição. Carter, um notório defensor dos direitos humanos, fez também vista grossa a um notório caso de violação de direitos humanos. Um abraço.
Fernando Tibúrcio Peña