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sábado, 19 de fevereiro de 2011
Villafane e a construcao do Brasil: um "founding academic"?
Ele simplesmente começa a revisar um dos nossos maiores mitos, já que figura no Panteão virtual da pátria, junto com Tiradentes e alguns poucos mais.
Até 2012, quando comemoraremos os cem anos da morte do barão, no Carnaval justamente, teremos oportunidade de voltar ao assunto. Louve-se, em todo caso, o início deste debate na obra de Villafane, que poderia ser designado, desde já, como nosso "founding academic".
Cheers!
Paulo Roberto de Almeida
Como Rio Branco inventou o Brasil
MARCOS GUTERMAN
O Estado de S.Paulo, 19 de fevereiro de 2011
Em tempos de ufanismo revisitado, que a propaganda estatal reduz ao "orgulho de ser brasileiro" em relação ao resto do mundo, o livro recém-lançado O Dia em Que Adiaram o Carnaval (Unesp), do diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, revela-se um ensaio precioso, ao reconstituir a invenção da nacionalidade brasileira.
O título da obra diz respeito à curiosa ordem do governo republicano de adiar o carnaval em respeito à morte de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, em 10 de fevereiro de 1912. Rio Branco tinha status de astro, porque lhe era atribuído o feito de ter desenhado as fronteiras do País - isto é, de ter dado um "corpo" à pátria que estava sendo criada.
Villafañe faz uma reflexão sobre o mito do Barão como construtor da nacionalidade e sua identificação com uma "certa ideia de Brasil" quase um século depois da independência. Trata-se de uma "paralisadora herança", como comentou o embaixador Rubens Ricupero a propósito da persistente imagem de um país que atua no exterior tendo como lastro o genoma da "tolerância natural do brasileiro", descrito por Stefan Zweig em Brasil, País do Futuro (1941).
O modo como o Brasil se enxerga no mundo, traduzido em sua política externa, é portanto o eixo em torno do qual Villafañe trabalha. A construção política dessa entidade, mostra o autor, começa como afirmação antilusitana e, ao mesmo tempo, como contraponto monárquico "ordeiro" ao "caos" republicano dos vizinhos latino-americanos. A "nação brasileira" que surge daí é formada por brancos europeus ricos. A escravidão criará o desconforto de uma imensa massa de pessoas que estão em toda parte, mas não integram a nação.
O sentido nacional só se completará no período republicano, mas a desigualdade social dificultou drasticamente a legitimidade do Estado. A "invenção" do Brasil, naquela oportunidade, dividia-se entre o passado português e a afirmação do mundo americano, sem lugar, contudo, para os brasileiros comuns.
Mesmo a república, porém, não ofereceu à massa, de imediato, um lugar na construção da identidade nacional brasileira. Foi preciso que houvesse a difusão das culturas ditas "subalternas", contaminando a atmosfera da elite com o carnaval e o futebol como elos da nacionalidade. Foi necessário ainda criar "heróis" para representar o evangelho republicano - e Tiradentes foi o primeiro deles, embora tenha sido representante de um movimento que nem de longe era nacionalista; mas o alferes (ou a imagem que foi criada para ele) era alguém construído para simbolizar a união dos cidadãos, a participação popular e a luta autêntica pela independência.
A identidade internacional do Brasil, diz o autor, tem como referência fundamental, desde seu início como país independente, a América - entendida primeiramente como os EUA e depois como as repúblicas latino-americanas. O Brasil foi o único país americano que, em sua independência, não desenvolveu proximidade com a ideia de ruptura com o modo de vida europeu. Com a república, o antiamericanismo monárquico foi substituído pela defesa do "espírito americano". É justamente com Rio Branco que a aliança com os EUA se consolida, sob a perspectiva de domínio geral estadunidense nas Américas e na hegemonia brasileira no nível sul-americano.
A partir de Getúlio Vargas, e desde então com esporádicos intervalos, a política externa brasileira se fundaria na dimensão do desenvolvimento econômico nacional em contraponto ao Hemisfério Norte, num apenas aparente afastamento do evangelho de Rio Branco. No início da Guerra Fria, o Brasil viu-se em condições de invocar o americanismo do Barão para cobrar tratamento preferencial dos EUA. A frustração com a resposta vaga de Washington a esse pleito - e também à promessa de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, feita pelo presidente Franklin Roosevelt a Vargas - empurrou o Brasil para uma aproximação maior com os demais países latino-americanos e para a ideia de que havia um bloco regional de subdesenvolvidos, entre os quais os brasileiros passaram a se incluir, que precisavam ser ouvidos.
Esse bloco se considerava moralmente superior às potências globais, porque seria vítima da corrida armamentista e das guerras imperialistas. Tal movimento rompeu a bipolaridade Leste-Oeste da Guerra Fria e estabeleceu a complexidade do debate Norte-Sul, com a defesa de um modelo de desenvolvimento fortemente estatal, em contraponto à doutrina democrático-liberal que se consideraria vitoriosa na queda do Muro de Berlim e que se fazia representar pelos EUA, justamente o "outro" na relação com a América Latina ao longo do século 20.
A identificação latino-americana, de tão importante para a nova etapa da ideia de nação brasileira, foi inscrita na Constituição de 1988. O discurso do Brasil hoje, sobre seu lugar no mundo, é fincado essencialmente na afirmação da liderança continental, ainda tendo como referência os EUA, numa inequívoca demonstração da resistência, mesmo controversa, da herança do Barão do Rio Branco - o nosso "Founding Father".
domingo, 31 de outubro de 2010
O Dia em que Adiaram o Carnaval: Barao do Rio Branco - livro de Luiz Claudio Villafane Gomes Santos
Agora posso fazer um reparo: também estive associado ao trabalho de elaboração da capa, e fui eu quem forneci a foto do Barão (não fui eu quem fiz, mas eu possuía o clichê), que vem da Catedral de Washington, num vitral que tem outras figuras da América Latina, Bolívar, San Martin, esses "founding fathers" dos países da região, aos quais o Barão se encontra, assim (tardiamente), associado.
Agora, se vocês repararem bem, pela imagem do Barão, quase moçoilo, apesar da calvície já adentrando na cabeça, constataram que "esse barão" não poderia ser "o Barão", status que obteve já de cabelos brancos. Se trata de um barão back to the future. Mais passons sur cette bevue.
O que importa é que o Juca Paranhos, barão ou não, é um dos "santos protetores" na catedral ecumênica de Washington. Grande figura, sem dúvida, ainda que eu seja totalmente contrário a esse culto mítico, quse litúrgico, que existe na diplomacia brasileira. O que não diminui em nada, diga-se de passagem, o valor do Barão como historiador, negociador, diplomata e ministro. Um grande homem e um grande estudioso, o que para mim é o que importa. Como ministro, era um realista e não um ideólogo, e não ficava fazendo bravatas entre os impérios daquela conjuntura. Tinha uma percepção aguda do interesse nacional, que colocava acima dos partidos e das lutas políticas da sua época.
LUÍS CLÁUDIO VILLAFAÑE G. SANTOS
(São Paulo: Editora Unesp, 2010, 278 p.; ISBN-13: 978-85-393-0060-0; ISBN-10: 85-393-0060-5)
A utilização da figura do Barão como gancho retórico para isso pareceu-me extremamente adequada, pois nós temos um caso único de um “founding father” da nacionalidade deslocado no tempo. Enfim, espero que possa despertar sua curiosidade para um livro que, quem tiver o tempo e paciência, verá que, ainda por cima, acaba em samba…
A Profa. Doutora Maria Lígia Coelho Prado teve a gentileza de escrever uma belíssima apresentação que conclui, com generosidade, com o seguinte parágrafo:
“Concordando ou discordando das premissas e das teses esposadas – muitas delas controversas – não há dúvidas sobre a competência e sofisticação do autor. Este livro, sem dúvida, se constitui em leitura fundamental para todos aqueles que desejam entender as intrincadas mediações entre relações exteriores, identidade e nacionalismo no Brasil contemporâneo”.
Sumário:
Apresentação – Maria Lígia Coelho Prado
O Barão, santo no altar da nacionalidade
Brasil ou Brasis?
Um Império tropical
Somos da América e queremos ser americanos
O Barão e outros santos
A consciência do atraso
Rompendo com o Barão?
Conclusão