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sábado, 23 de novembro de 2024

Marc Bloch será homenageado no Panteão francês, anuncia Macron - Bruno Leal (Café História)

Mais do que merecido, acaba de me dizer Carmen Lícia Palazzo, quando lhe li a notícia. 


Marc Bloch será homenageado no Panteão francês, anuncia Macron

Neste sábado (23), durante as celebrações do 80º aniversário da libertação de Estrasburgo, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que Marc Bloch, renomado historiador e membro ativo da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, será trasladado para o Panteão de Paris. “Pelo seu trabalho, pelo seu ensinamento e pela sua coragem, decidimos que Marc Bloch entrará no Panteão”, disse o Macron. Confira aqui. (abaixo)


Café História, 23 novembro 2024

A agência AFP, conta o Le Monde teve acesso a uma carta enviada pela família de Bloch a Marcon, na qual solicita que “a extrema-direita, em todas as suas formas, seja excluída de qualquer participação na cerimônia” de entrada no Panteão. “A obra deste patriota convicto é profundamente antinacionalista, construída contra o romance nacional e a redução da história francesa às fronteiras nacionais”, escrevem a sua neta Suzette Bloch e o seu bisneto Matis Bloch. A família também quer que a homenagem seja “puramente civil”, como Marc Bloch solicitou em seu testamento.

Marc Bloch será homenageado no Panteão francês, anuncia Macron

Historiador e membro da resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial, Bloch terá lugar de honra entre os grandes nomes da França.


Neste sábado (23), durante as celebrações do 80º aniversário da libertação de Estrasburgo, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que Marc Bloch, renomado historiador e membro ativo da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial, será trasladado para o Panteão de Paris.“Pelo seu trabalho, pelo seu ensinamento e pela sua coragem, decidimos que Marc Bloch entrará no Panteão”, disse o Macron.

A cerimônia, ainda sem data oficial, simboliza o reconhecimento da nação à contribuição de Bloch tanto para a história quanto para a luta contra o nazismo. No evento deste sábado, o presidente francês disse ainda que Bloch, no início da carreira professor na Universidade de Estrasburgo, foi “o homem do Iluminismo no exército das sombras”.

Morto pelos nazistas

Bloch, cofundador da Escola dos Annales e autor de obras fundamentais como A Sociedade Feudal, destacou-se por sua abordagem inovadora na historiografia e por sua dedicação patriótica. Durante a ocupação alemã, foi afastado da Sorbonne pelo regime de Vichy devido às leis antissemitas, unindo-se posteriormente à Resistência. Capturado pela Gestapo, foi torturado e executado em 1944 junto a outros resistentes, poucos meses antes da libertação da França.

A decisão de incluir Bloch no Panteão reflete uma homenagem ao papel dos intelectuais na luta contra o fascismo. Ex-combatente na Primeira Guerra Mundial e autor de obras fundamentais como “Apologia da História” e “A Estranha Derrota”, ele analisou as causas do colapso francês em 1940, denunciando a complacência das elites frente à ascensão do nazismo. Segundo historiadores, sua entrada no Panteão destaca o compromisso da França em preservar a memória da resistência intelectual e militar contra a ocupação.

Família pede que extrema-direita não participe de cerimônia

Segundo o jornal francês Le Monde, a família de Marc Bloch acolheu com satisfação a sua panteonização do historiador, 80 anos após a sua morte, pela qual os líderes políticos e historiadores há muito requisitavam. 
“É uma grande emoção e orgulho. Ele se entregou de corpo e alma pela liberdade e contra o nazismo”, disse sua neta Suzette Bloch.

A agência AFP, conta o Le Monde teve acesso a uma carta enviada pela família de Bloch a Marcon, na qual solicita que “a extrema-direita, em todas as suas formas, seja excluída de qualquer participação na cerimônia” de entrada no Panteão. “A obra deste patriota convicto é profundamente antinacionalista, construída contra o romance nacional e a redução da história francesa às fronteiras nacionais”, escrevem a sua neta Suzette Bloch e o seu bisneto Matis Bloch. A família também quer que a homenagem seja “puramente civil”, como Marc Bloch solicitou em seu testamento.

Le Monde lembra que o pedido da família ocorre depois que, em 19 de fevereiro, a presença de Marine Le Pen na panteonização de Missak Manouchian, contra o conselho dos seus descendentes e do presidente, causou polêmica. Alguns dias antes, porém, ela havia desistido de ir ao tributo nacional a Robert Badinter.

Historiador brasileiro comenta

O Café História conversou neste sábado com o historiador Jougi Guimarães Yamashita, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com uma tese intitulada As guerras de Marc Bloch: nacionalismo, memória e construção da subjetividade.

“A escolha de Macron, em comemoração aos 80 anos da libertação de Estrasburgo, parece inconteste. Ainda que a escolha de Bloch seja óbvia, uma vez que é considerado um dos maiores historiadores do século XX, tendo passado boa parte da vida profissional em Estrasburgo, exercendo um papel fundamental na Resistência Francesa a partir de Lyon, chama muito a atenção a polêmica subjacente ao anúncio de Macron”.

Guimarães também destacou o pedido da família de Bloch quanto à interdição da extrema-direita na cerimônia que irá acontecer:

“A família Bloch deixou claro ao presidente que não deseja que a extrema-direita francesa participe da cerimônia no Panteão. O reclame não surpreende, se lembrarmos que a família Le Pen já tentou por diversas vezes tirar proveito político da memória de Marc Bloch em seus discursos xenófobos e racistas. Lembremos que Macron, há pouco, precisou mobilizar uma coalizão de partidos para tentar frear o avanço da extrema-direita no país – e na Europa”.

Bruno Leal

Fundador e editor do Café História. É professor adjunto de História Contemporânea do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB). Doutor em História Social. Tem pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pesquisa História Pública, História Digital e Divulgação Científica. Também desenvolve pesquisas sobre crimes nazistas e justiça no pós-guerra.


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Os insubmissos: Husserl, Bloch, Orwell - Mario Vargas Llosa

Os insubmissos

Mario Vargas Llosa 
O Estado de S.Paulo, 8/09/2013

Vim à Normandia com a intenção de reler Flaubert, visitar o pavilhão de Croisset e os lugares que ele descreveu em Madame Bovary. Contudo, numa livraria do pitoresco e confuso porto de Honfleur, deparei com um pequeno livro de Jorge Semprún, recém-publicado na França, que me manteve toda a semana pensando na explosão do nazismo no continente europeu, na 2ª Guerra, nas suas sequelas e na conduta de alguns intelectuais naqueles anos cruciais.
O livro chama-se Le Métier d'Homme ("O ofício do homem") e contém três conferências que o escritor proferiu na Biblioteca Nacional de Paris, nos dias 11, 13 e 15 de março de 2002. Provavelmente, o encontro foi gravado e o que foi publicado é uma transcrição das gravações, pois o texto está repleto de repetições e vacilações típicas de uma exposição falada, não lida.
No entanto, ainda assim essas páginas são abundantes em sugestões e ideias fascinantes que, longe de se contentarem com reminiscências históricas ou curiosidades, gravitam com força em torno da crise europeia dos anos 40 e de nossos dias.
O livro é também uma homenagem a um filósofo, Edmund Husserl, a um historiador, Marc Bloch, e ao escritor e jornalista George Orwell. Intelectuais que, em momentos de grande confusão e turbulência ideológicas e políticas, tiveram a coragem de assumir posições refratárias às dos governos e da opinião pública de seus países e conseguiram, usando de uma razão crítica e uma moral heroica, estabelecer alguns objetivos cívicos e defender valores que, ao longo do tempo, acabaram vencendo o obscurantismo, o fanatismo e o totalitarismo desencadeados pela segunda conflagração mundial.
Edmund Husserl, pai da fenomenologia e mestre de Heidegger, que dedicou a ele sua obra capital, Sein und Zeit ("Ser e Tempo"), tendo se retratado depois quando começou a colaborar com o regime nazista, proferiu uma conferência em Viena, em 7 de maio de 1935, na qual exortou seus colegas intelectuais a enfrentarem a "barbárie" e a manter viva a grande tradição europeia do espírito crítico e da racionalidade, se sobrepondo às paixões e à conduta instintiva.
Na sua conferência, Semprún destaca, sobretudo, o que chama de "patriotismo democrático" do filósofo, que afirmou categoricamente que o inimigo da Europa civilizada não era o povo alemão, mas Hitler, e, mais cedo do que se esperava, a Alemanha, graças ao federalismo, optaria pela via democrática e se reintegraria numa Europa que teria superado também o nacionalismo e se unificado num regime político e econômico de caráter federal. Afirmações e previsões de uma lucidez visionária que, meio século mais tarde, a história europeia confirmaria.
No entanto, quando proferiu sua conferência, Husserl tinha 76 anos. Como era judeu, de acordo com as ordens antissemitas do nazismo, já havia sido despojado de todos os seus direitos acadêmicos. Logo, foi obrigado a se refugiar no priorado beneditino de Sainte Lioba, onde morreria três anos depois daquela conferência. De lá, um sacerdote franciscano, o padre Herman Leo van Breda, resgataria as 40 mil páginas inéditas do filósofo e encarregou-se de faze-las chegar, sãs e salvas, à Universidade de Louvain, na Bélgica.
Semprún, em páginas de grande sutileza, destaca como naqueles anos houve intelectuais católicos, entre eles Jacques Maritain, que contrariamente à extrema prudência com que o Vaticano encarava a problemática nazista, atacaram o totalitarismo fascista e stalinista, denunciando suas semelhanças ocultas por baixo de suas diferenças aparentes, uma verdade escandalosa que se confirmaria logo depois com o pacto firmado entre Molotov e Von Ribbentrop e o trauma que o acordo causaria na intelectualidade progressista e comunista.
O segundo homenageado por Semprún é o historiador Marc Bloch, fundador, com Lucien Febvre, da Escola dos Annales, movimento que renovaria e daria um impulso criativo notável à investigação histórica na França. Marc Bloch, que lutou na 1ª Guerra, começou como soldado raso e terminou como capitão. Alistou-se também na 2ª Guerra e foi um resistente ativo, até ser capturado pela Gestapo e fuzilado em 1944.
Depois da derrota do Exército francês, Bloch escreveu em apenas dois meses L'Étrange Défaite ("A Estranha Derrota"), entre julho e setembro de 1940, um livro impublicável na época, que permaneceria oculto até depois da libertação. No livro, ele analisa com uma extraordinária serenidade e profundidade as razões pelas quais a França desmoronou tão facilmente diante da investida do Exército nazista. Ele foi implacável na sua denúncia da corrupção que corroía a classe dirigente, os partidos políticos, os sindicatos e cegava os intelectuais.
Contudo, apesar da crítica virulenta, o ensaio não sucumbiu ao pessimismo. Pelo contrário, ele destacou os sólidos recursos institucionais e culturais que sustentam a tradição democrática francesa, exortou a nação a não se render à barbárie totalitária e a lutar não só para derrotar o nazismo, mas também para reconstruir a sociedade francesa sobre bases mais decentes e mais justas do que as que provocaram a catástrofe. Jorge Semprún ressalta, como fez com Husserl, a posição de Bloch, seu rechaço ao nacionalismo, sua vocação europeísta e a defesa da racionalidade e do espírito crítico.
Orwell. George Orwell é o terceiro exemplo de intelectual comprometido com a justiça e a verdade, que não temeu enfrentar o descrédito e a impopularidade, homenageado por Semprún. Ele refere-se, claro, ao jornalista que lutou como voluntário em defesa da república na guerra civil espanhola, ingressando nas fileiras do POUM, que, em homenagem à Catalunha, foi um dos primeiros a denunciar o extermínio de trotskistas e de anarquistas ordenado por Stalin no seio das forças republicanas.
Semprún destaca, sobretudo, sua defesa do "patriotismo democrático" com que exortou seus compatriotas a enfrentarem Hitler e o nazismo, ao mesmo tempo em que criticou com dureza o colonialismo britânico, exigindo que Londres assegurasse a independência da Índia e das demais colônias do império uma vez terminada a guerra.
Semprún estuda em detalhes um ensaio pouco conhecido de Orwell, The Lion and the Unicorn ("O Leão e o Unicórnio"), onde se encontra sua célebre frase: "A Inglaterra é um país de gente boa com figuras equivocadas no controle". Ele lembra que, apesar da utilização que a direita sempre fez das suas críticas à União Soviética e ao comunismo, principalmente em obras como Animal Farm ("A Revolução dos Bichos") e 1984, Orwell sempre se considerou um homem de esquerda, um socialista convencido de que o verdadeiro socialismo tem uma essência democrática, defensor do espírito crítico e da liberdade intelectual, que considerava valores inseparáveis da luta pela justiça social.
É impossível não ler esse pequeno e estupendo livro sem pensar que Jorge Semprún pertenceu a essa mesma tradição de pensadores e de escritores que se opuseram ao conformismo e à complacência e aos quais dedicou essas três conferências. Ele também sempre achou que o trabalho intelectual - e neste ponto confessa que sua verdadeira vocação era ser um "filósofo profissional", embora a guerra e sua militância o tenham levado para outro caminho - era inseparável da ação cívica e teve a coragem de criticar e se afastar do Partido Comunista, no qual havia militado durante toda sua vida, quando se convenceu de que aquela militância era incompatível com o espírito crítico e com o patriotismo democrático personificados por intelectuais como Husserl, Bloch e Orwell.
A ruptura, porém, não o afastou dos ideais da sua juventude. Por ser leal a esses ideais, participou da Resistência, esteve preso no campo de concentração de Buchenwald, lutou como clandestino na Espanha franquista e foi o intelectual insubmisso com a mesma coerência e integridade moral que enaltece nos três mestres aos quais dedicou esse livro estimulante. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO   * É ESCRITOR PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA