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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Across the Empire, 2014 (17): De Missoula, MT, ao Mount Rushmore, SD, via Little Big Horn


Across the Empire, 2014 (17): De Missoula, Montana, ao Mount Rushmore, South Dakota, via Little Big Horn

Paulo Roberto de Almeida

Dois dias memoráveis de viagens e visitas, que resumo numa única postagem por absoluta falta de tempo e cansaço de viagem: depois de viajar 600 milhas, de Vancouver a Missoula, no Montana, deixando para trás os estados de Washington e um pedacinho norte do Idaho, continuamos nosso périplo, agora num ziguezague maluco subindo e descendo num itinerário tendencialmente apontado para o leste. Na sexta-feira, adiantados três dias sobre o planejamento original – nós sempre exageramos nas distâncias, nas visitas, no adensamento das viagens – viajamos mais de 600 milhas para chegar a Missoula, sem qualquer parada pelo caminho, a não ser as normais para descanso e reabastecimento, e a chateação da espera na fronteira americana. Reproduzo aqui, todo o trajeto percorrido neste sábado e domingo, 13 e 14 de setembro (o Google maps informa que de carro são 752 milhas, que poderiam ser percorridas em 12h21mns, se percorridas de modo contínuo).
No sábado, 13 de setembro, foram “só” 390 milhas (ou 624km), de Missoula até Billings, ainda em Montana, mas subindo até Great Falls, para depois baixar outra vez, e isso por estradas nacionais, de duas vias, e não as tradicionais inter-states que costumam facilitar a vida, com suas duas ou três faixas para cada lado. O objetivo era mesmo Great Falls, onde pretendíamos – e conseguimos – visitar com vagar o Lewis & Clark Interpretive Center, um museu histórico dedicado à exploração do Missouri e da região noroeste dos EUA, por dois exploradores em missão presidencial, no caso Thomas Jefferson, em 1804. 


Ele decidiu a missão ainda antes dos EUA “comprarem” o território da Louisiana, uma imensa faixa de território, central na América do Norte, terminando por um funil muito pequeno na Nouvelle Orleans, que Napoleão vendeu por uma barganha aos americanos, por um lado porque precisava de dinheiro para continuar sua guerra contra os britânicos, por outro lado por saber que não conseguiria defender esse território, se os mesmos britânicos decidissem dele se apossar (já que tinham arrancado dos franceses, alguns anos antes, o que era a Nouvelle France do Quebéc e Labrador).

Esse território do alto Missouri, chegando até a costa oeste (no Pacífico), não era inteiramente desconhecido dos europeus, pois navegadores espanhóis, a partir do México, já tinham subido a costa da Califórnia, até onde está o estado de Washington atualmente, e ingleses e franceses mercadores de peles de animais – que compravam dos indígenas caçadores para a Hudson Bay Company – já tinha percorrido aleatoriamente a região. Mas, a constituição do Corps of Discovery, pelo presidente Thomas Jefferson foi um gesto de estadista, aliás premonitória, pois ele tomou a decisão sem saber se as negociações com a França – uma aliada dos EUA na luta contra a velha Albion, que ainda incendiaria Washington na guerra de 1812, aliás queimando os livros que Jefferson tinha vendido à Library of Congress – dariam certo. Deram. E lá foram os dois destemidos exploradores, Merewith Lewis e William Clark, acompanhados por três dezenas de outros homens (vários militares), a partir de Saint Louis, no Missouri, justamente. Eles subiram o rio, depois tiveram de trocar suas embarcações mais pesadas por pirogas cavadas em troncos de madeira, e sempre negociando com os índios, que praticavam uma espécie de diplomacia, como ensina este cartaz que foi a primeira foto que tirei no museu. 
Aliás não só os índios praticavam diplomacia, como também se dedicavam ao comércio internacional, como demonstra esse outro painel devidamente fotografado por um outro estudioso do comércio internacional que sou eu mesmo. Obviamente os índios estavam interessados não só nas bugigangas – espelhinhos e miçangas que eram trazidas pelos europeus – mas também em suas armas: machados, facas, sobretudo armas de fogo, talvez até alguma bebida mais forte, e muitos deles não conheciam o tabaco, que vinha da região atlântica. 

Não tenho ideia se eles se baseavam em alguma teoria das vantagens comparativas, mas suponho que fizessem um cálculo aproximado da utilidade dos novos objetos e também estimassem o custo-oportunidade de comerciar com aqueles brancos barbudos que apareciam por lá, em lugar de se dedicar àquela vidinha de caçar búfalos, guerrear contra as tribos vizinhas, explorar novas fontes de recursos.
O museu foi uma das melhores visitas que fizemos até agora, saindo do cenário déjà vu dos museus de arte (estamos por aqui de impressionistas, que me perdoem os próprios) e daquelas coisinhas arrumadas do oeste americano, mais para Hollywood do que para a dura realidade da conquista, exploração, conflito entre povos diferentes. O museu tem tudo isso e muito mais: um documentário excelente de meia hora sobre todo o percurso dos dois exploradores, com mapas, fotos, imagens e até re-encenação por atores de certos episódios da missão (que durou muito mais do que o previsto e não cumpriu o objetivo inicial, que era o de encontrar uma passagem do Atlântico ao Pacífico pelos rios do noroeste), completado depois por um African-American de Nova York que tentou nos convencer a fazer pelo menos uma parte do trajeto em bicicleta. Perguntei ao final se ele já tinha feito, e com um sorriso amarelo ele me disse que tinha feito uns pedaços (deduzi que não tinha feito praticamente nada, e que era um bicicleteiro urbano, ainda mais vindo de Nova York).

Carmen Lícia ainda me fez duas fotos: uma com um búfalo psicodélico, pintado por uma artista (mas não descobri a função daquela placa bem embaixo da ferramenta do búfalo),  e outra junto a uma pequena embarcação, feita de pele de búfalo, justamente, que os índios do alto Missouri usavam para atravessar o rio, e quem sabe para pescar de vez em quando. Não deviam usar essas iscas de minhoca viva, que encontramos em vários trading posts pelo caminho, uma até com uma propaganda genial de uma minhoca fortona, carregando um baita peixe (desses de história de pescador), e dizendo que a pesca era garantida, ou então ela morreria na tarefa...

De Missoula a Great Falls foram aproximadamente 173 milhas, percorridas em cerca de 3hs. Depois ainda fizemos mais 213 milhas até Billings, sempre por estradas nacionais, onde dormimos num Holiday Inn Express, nossa outra rede preferida para etapas de viagem. Foi cansativa esta etapa, mas uma das melhores que fizemos, não só pelas paisagens de Montana, sempre magníficas – e Carmen Lícia vai fazendo dezenas de fotos ao longo do caminho, mas perdeu um ou outro animal que nos contemplava beatamente à margem da estrada, e não teria como, eu estava andando a mais de 120kms por hora, na média – mas sobretudo pelas lições de história da colonização do território americano que estamos tendo em diversas passagens do noroeste americano.

O domingo, 14 de setembro, foi ainda mais cansativo, mas igualmente rico: saímos de Billings direto a Little Big Horn, na extremidade de Montana, o território de encontros e desencontros entre vários tribos de índios das planície e dos colonizadores pioneiros (e os homens do gold rush), apoiados pela cavalaria. O lugar está identificado com o “last stand” do tenente-coronel Custer, mas o verdadeiro herói é este aqui.
Junto de sua foto, no centro de informação do campo de batalha (que é também um dos dois únicos cemitérios do soldado desconhecido existente nos EUA, o outro sendo em Washington), está a foto do então presidente, Ulysses Grant, ex-herói da guerra civil, que comandou a política de tratar os índios recalcitrantes – ou seja, os que que não se resignavam a viver confinados em reservas criadas pelo Congresso – como “tribos hostis”, e nessa condição podendo ser reprimidos (suprimidos seria a palavra mais exata) pelos corpos da cavalaria do Exército (numa tarefa pouco gloriosa para todos os padrões de civilização conhecidos). Não reproduzo a foto do presidente, mas sim os seus dizeres, ao lado dos de Touro Sentado.


Carmen Lícia fez uma foto minha em frente ao “last stand”, a pedra comemorativa da colina final que assistiu à morte de parte dos mais de 200 soldados da tropa de Custer (outros pereceram em outros combates nas cercanias). Eu também fiz várias, mas deixo de postar, pois não encontro glória nenhuma na missão dos soldados. 

Abaixo, um dos quadros que retrata epicamente esse final, que mereceria uma reinterpretação pelo outro lado. Na verdade, o filme a que assisti no centro de informações de Little Big Horn é bastante equilibrado, com vários depoimentos de descendentes dos indígenas que foram de toda forma massacrados em batalhas posteriores e depois confinados em reservas. 


Aliás, saindo do Little Big Horn, que fica na reserva Crow, ainda atravessamos uma imensa reserva cheyenne, provavelmente mais pobre do que os negros americanos consolidados nos food stamps em zonas urbanas. Mas, também cruzamos com vários cassinos, alguns até precários, talvez porque os índios desta região não sejam tão capitalistas quanto os da costa leste.
De Billings a Little Big Horn foram apenas 53 milhas, quase todo por auto-estrada. Mas de Little Big Horn até o Mount Rushmore foram 280 milhas, numa estrada desolada. Só tivemos uma parada um pouco melhor em Broadus, ainda em Montana, mas já fora da reserva cheyenne.
Chegamos ao Mount Rushmore ainda hesitando se deveríamos ir para o hotel em Rapid City descansar, e deixar a visita para o dia seguinte, segunda-feira dia 15, mas resolvemos esticar as 25 milhas até a montanha, já no final da tarde. Foi bom: não somos muito de natureza, nem de patriotadas, e o monumento esculpido na montanha de South Dakota por Gutzon Borglum durante mais de uma década, entre 1927 e 1941, é tudo o quê os americanos patriotas gostam: o panegírico dos pais da pátria, os grandes homens que construíram este país de fato magnífico, mas com muita mistificação histórica também. Carmen Lícia conseguiu uma foto mais clara, da estrada, do que eu, em face do monumento, mas já com o sol ponente. Reproduzo as duas abaixo.


Voltamos a Rapid City, onde decidimos nos alojar num confortável Sleep Inn Suites, quase de volta à inter-state 90, que devemos retomar amanhã (ou melhor, hoje, segunda-feira). Ainda vamos decidir que caminho tomar na continuidade das visitas mais a leste. Temos Minneapolis como objetivo, mas talvez façamos algum detour antes da cidade-irmã com St.Paul, no Minnesota. Até a próxima

Paulo Roberto de Almeida
Rapid City, 14-15 de setembro de 2014