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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

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domingo, 10 de agosto de 2025

Mangabeira por Muniz Sodré (FSP)

Um diagnóstico com brilho de pirita

 Muniz Sodré

FOLHA DE S PAULO , 09.ago.2025 às 14h35


Nem tudo que reluz é ouro, nem tudo que brilha em Harvard deve ser levado, acriticamente, a sério. 

É o que vem à mente após a leitura de um texto do renomado professor de filosofia e teoria social daquela universidade, Roberto Mangabeira Unger, brasileiro-americano. 

Ele compartilha o bom senso já generalizado de que o Brasil precisa deslocar-se do fornecimento de commodities físicas para o de serviços de conhecimento. Nisso é fundamental universidade de alto nível.

Até aí, reluz o argumento. 

Em seguida, porém, sustenta que entrave para o nível desejado é a dificuldade brasileira na contratação de professores estrangeiros. 

Ninguém duvida da importância da diversidade de cérebros, nem minimiza os desestímulos paralisantes de verbas e burocracia. 

Mas, para quem chefiou por duas vezes uma Secretaria de Assuntos Estratégicos, é surpreendente desconhecer a excelência das instituições nacionais que combinam ensino, pesquisa e extensão. Cabe especular se, no exercício daquelas funções, alguma vez se cogitou definir universidade como recurso estratégico.

Ninguém é titular em Harvard à toa. Ainda mais quando referendado por pensadores como Jürgen Habermas e Richard Rorty, luminares da elite acadêmica internacional. Entre nós, Unger pertence à linhagem baiana dos Mangabeira, berço de políticos e juristas importantes. A seu avô, Otávio Mangabeira, então governador da Bahia, atribui-se a boutade jurídico-política "o povo é uma massa falida".

Autor complexo, Unger presta-se mais à compreensão nos escritos programáticos, fonte provável de suas intervenções e relacionamentos ao longo de décadas com políticos brasileiros. Centraliza a discussão de alternativas às formas institucionais que regem a sociedade, sempre guiado pelo pressuposto filosófico de um "infinito corporificado no finito humano". 

Ou seja, o homem como algo mais do que o fechamento societário lhe permite ser.

Presume-se que esse tipo de discurso, atrativo a iniciados em filosofia, possa render discussões sedutoras na távola redonda dos scholars e, mesmo, de artistas. 

Deriva de uma linha dos "studia humanitatis" oitocentistas, em que se valorizavam a civilidade iluminista e o homem de letras, entendido como sujeito de uma autoridade ideológica análoga a do sábio ou a do herói cívico. Era a perspectiva do escocês Thomas Carlyle, expoente da reacionária historiografia romântica na Inglaterra.

O pensamento programático de Unger persegue a busca política de um herói, um homem de qualidades. Seria o caminho para elevar o nível universitário, rumo à competitividade em serviços. 

Mas ele é taxativo: Lula não é líder sério, ideal seria alguém parecido a Prudente de Morais: histórico ponto de ascensão das oligarquias agrárias, o exterminador de Canudos. 

Diagnóstico estranho, coincidente com a agressão americana, para quem aceitou posições nos governos de Lula e Dilma, numa espécie de ministério de ideias fora do lugar.

O diagnóstico mais se ofusca ao esquecer que a política de chantagem/humilhação de Trump, incubadora de antiuniversidades, não poupa a instituição do professor Unger. 

Filosoficamente preocupado com a abstrata libertação do homem, ele não enxerga o momento de resistência ao milicianismo imperial. 

Diz, porém, José Sócrates, ex-premiê português: "A Europa aceitou a humilhação, o Brasil enfrentou-a". E o New York Times: "Talvez não exista um líder mundial desafiando o presidente Trump com tanta veemência quanto Lula".


domingo, 27 de novembro de 2022

O barato do absurdo - Muniz Sodré (FSP)

 O barato do absurdo

Mark Twain tem algo a dizer aos perplexos com o embotamento das faculdades mentais de extremistas. 

Muniz Sodré

Folha de SP,  26/11/22


"É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas". Assim, "nunca discuta com pessoas estúpidas, porque vão lhe arrastar para o nível delas e acabar vencendo por experiência". Estas duas boutades ferinas de Mark Twain podem servir de guia para os perplexos com o embotamento das faculdades mentais de extremistas.


De fato, é tarefa inglória argumentar sobre o grau de realidade de um fato, quando o interlocutor foi emocionalmente capturado por outra certeza, absurda. O fato: TSE, STF, militares, observadores internacionais, governantes à esquerda e à direita no mundo reconhecem a lisura das eleições brasileiras. Mas um empresário retruca: "Creio que é fraude. Mandei caminhões para protestar".

"Creio porque é absurdo" é frase derivada de Tertuliano, teólogo cristão do século três, que queria assim afirmar a fé como transcendental à razão. Só que extremismo nada tem a ver com teologia, e sim com basbaquice, imbecilidade ou estupidez legítima, que é uma forma deliberada de idiotia. Às vezes, o que se diz não coincide com o que se pensa, isso pode ser corriqueiro. Preocupante é o abismo entre um e outro, ocupado pelas ilusões de onipotência do estado de autoexaltação, em que o imbecil veste uma fantasia pretensamente capaz de resgatá-lo de sua miséria existencial. Por insólito que pareça, o absurdo banal é uma droga do extremismo.

Têm se multiplicado na mídia interpretações de natureza psi sobre o fenômeno. Em geral, numa bela língua, mas talvez seja um esforço excessivo. O estúpido, o imbecil, o cretino, o basbaque, o mané não comporta profundidade, é grosseiramente linear. Daí a dificuldade de apreendê-lo pela via da racionalidade culta: busca-se um sentido oculto na cabeça da ovelha, enquanto o comportamento é regido pela mecânica irreflexa do rebanho.

Por mais incômodo e ridículo que seja o despautério nas redes, em frente a quartéis ou sob um céu de ovnis, seria de bom aviso pautar a verve de Mark Twain, uma reflexão prática sobre os impasses do diálogo. Na verdade, isso pode estar ocorrendo, quando até mesmo militares começam a se preocupar mais com o lixo acumulado pelas "livres expressões democráticas" nas portas de suas unidades do que com aquele que enche cabeças "patrióticas" às voltas com picanha e linguiça, ao som de música sertaneja.

Mas estupidez não tem agenda, pode durar. Nesse meio tempo, recomenda-se aos sãos de espírito meditar sobre uma canção ("Le Roi des Cons") do genial Georges Brassens, em que ele diz ser possível rolar por terra a Coroa da Inglaterra, mas "não se destrona o rei dos imbecis". É empresa árdua, certo, porém factível: bem avisadas, as urnas democráticas dão conta do recado.

Folha de SP.  26/11/22