O Brasil é um país perfeito no papel. Sua constituição, mais do que um livro de regras, é uma carta de boas intenções. Até tabelar os juros tabelamos. No entanto, a sociedade brasileira, principalmente suas elites, convivem bem com a ideia de que o que está escrito não é o que realmente vale na vida real, ideia esta incompreensível para alemães ou japoneses, por exemplo. Trata-se de um arranjo conveniente: os legisladores respondem aos anseios purificadores da sociedade e, ao mesmo tempo, sabem que aquilo que escrevem não será implementado na realidade.
Os supersalários do serviço público encaixam-se nesse modus operandi que caracteriza a alma nacional. Já existe um teto remuneratório do funcionalismo público inscrito na Constituição. Portanto, essa questão sobre supersalários, a rigor, nem deveria estar sendo discutida. R$ 46 mil mensais são insuficientes? Então, que se aumente o teto de maneira transparente para a sociedade.
Ao invés disso, para não passar pelo desgaste junto à opinião pública, preferimos fazer puxadinhos. São vários, sendo que os penduricalhos do judiciário são apenas a ponta do iceberg. No Legislativo, aqueles que não conseguem sinecuras em estatais patrocinam rachadinhas em seus gabinetes. No Executivo, cargos em Conselhos de empresas complementam os salários, e advogados da AGU, por exemplo, participam dos honorários de sucumbência. E isso é o que vem a público, certamente há muito mais jeitinhos de complementar o salário.
Discutir se são 8, 32 ou 1.500 penduricalhos permitidos é dessas perdas de tempo a que se dedicam os nossos legisladores quando a tampa da panela de pressão da opinião pública começa a apitar. Cabe questionar, afinal, porque este novo “extra-teto” seria cumprido se o anterior, igualmente inscrito na Constituição, não o foi. Somos o país em que a regra escrita não vale de fato, mas quando exageramos na esculhambação, rasgamos as vestes e corremos a escrever uma nova regra que torna legal a esculhambação. Esse é o Brasil.
