Eleitores para Elites: Você me vê agora?
Por David Brooks, New York Times – 06/11/2024
Entramos em uma nova era política. Nos últimos 40 anos, mais ou menos, vivemos na era da informação. Nós, da classe educada, decidimos, com alguma justificativa, que a economia pós-industrial seria construída por pessoas como nós, então adaptamos as políticas sociais para atender às nossas necessidades.
Nossa política educacional empurrou as pessoas para o curso que seguimos — faculdades de quatro anos para que elas se qualificassem para os “empregos do futuro”. Enquanto isso, o treinamento vocacional murchou. Adotamos uma política de livre comércio que transferiu empregos industriais para países de salário baixos no exterior para que pudéssemos concentrar nossas energias em empresas de economia do conhecimento administradas por pessoas com diplomas avançados. O setor financeiro e de consultoria cresceu rapidamente, enquanto o emprego na indústria encolheu.
A geografia não tinha importância — se o capital e a mão de obra altamente qualificada quisessem se aglomerar em Austin, São Francisco e Washington, não importava realmente o que acontecesse com todas as outras comunidades deixadas para trás. As políticas de imigração deram às pessoas altamente educadas acesso a mão de obra barata, enquanto os trabalhadores menos qualificados enfrentavam uma nova competição. Mudamos para tecnologias verdes favorecidas por pessoas que trabalham em pixels, e desfavorecemos pessoas na indústria e no transporte cujos meios de subsistência dependem de combustíveis fósseis.
Aquele grande barulho de sucção que a eleição fez foi o da redistribuição de respeito. Pessoas que subiram na escada acadêmica foram homenageadas com elogios, enquanto aquelas que não subiram foram tornadas invisíveis. A situação era particularmente difícil para os meninos. No ensino médio, dois terços dos 10% melhores da classe são meninas, enquanto cerca de dois terços dos alunos no decil inferior são meninos. As escolas não são criadas para o sucesso masculino; isso tem consequências pessoais e nacionais ao longo da vida.
A sociedade funcionava como um vasto sistema de segregação, elevando os academicamente talentosos acima de todos os outros. Em pouco tempo, a divisão de diplomas se tornou o abismo mais importante na vida americana. Graduados do ensino médio morrem nove anos antes das pessoas com ensino superior. Eles morrem de overdoses de opioides em uma taxa seis vezes maior. Eles se casam menos e se divorciam mais e são mais propensos a ter um filho fora do casamento. Eles são mais propensos a serem obesos.
Um estudo recente do American Enterprise Institute descobriu que 24% das pessoas que se formaram no ensino médio, no máximo, não têm amigos próximos. Eles são menos propensos do que graduados da faculdade a visitar espaços públicos ou se juntar a grupos comunitários e ligas esportivas. Eles não falam no jargão correto de justiça social ou mantêm o tipo de crenças de luxo que são marcas registradas de virtude pública.
Esses abismos levaram à perda de fé, à perda de confiança, a uma sensação de traição. Nove dias antes das eleições, visitei uma igreja cristã no Tennessee. O culto foi iluminado por uma fé genuína, é verdade, mas também por uma atmosfera corrosiva de amargura, agressão e traição. Enquanto o pastor falava sobre os Judas que buscam nos destruir, a frase “mundo sombrio” surgiu na minha cabeça — uma imagem de um povo que se sente vivendo sob constante ameaça e em uma cultura de extrema desconfiança. Essas pessoas, e muitos outros americanos, não estavam interessados na política de alegria que Kamala Harris e os outros formandos em direito estavam oferecendo.
O Partido Democrata tem uma função: combater a desigualdade. Mas havia um grande abismo de desigualdade bem diante de seus narizes e, de alguma forma, muitos democratas não o viam. Muitos na esquerda se concentraram na desigualdade racial, desigualdade de gênero e desigualdade L.G.B.T.Q. Acho que é difícil focar na desigualdade de classes quando você foi para uma faculdade multibilionária e faz seminários sobre greenwashing ambiental e diversidade para grandes corporações. Donald Trump é um narcisista monstruoso, mas há algo estranho em uma classe educada que olha no espelho da sociedade e vê apenas a si mesma.
Enquanto a esquerda se voltava para a arte performática identitária, Donald Trump entrou na guerra de classes ate o pescoço. Seu ressentimento de homem nascido no Queens pelas elites de Manhattan se encaixou magicamente com a animosidade de classe sentida pela população rural em todo o país. Sua mensagem era simples: essas pessoas traíram você, e elas são idiotas para começar.
Em 2024, ele construiu exatamente o que o Partido Democrata tentou construir — uma maioria multirracial da classe trabalhadora. Seu apoio aumentou entre trabalhadores negros e hispânicos. Ele registrou ganhos surpreendentes em lugares como Nova Jersey, Bronx, Chicago, Dallas e Houston. De acordo com as pesquisas de boca de urna da NBC, ele conquistou um terço dos eleitores de cor. Ele é o primeiro republicano a ganhar a maioria dos votos em 20 anos.
Os democratas obviamente precisam repensar bastante. O governo Biden tentou cortejar a classe trabalhadora com subsídios e estímulos, mas não há solução econômica para o que é principalmente uma crise de respeito. Haverá alguns na esquerda que dirão que Trump venceu por causa do racismo, sexismo e autoritarismo inerentes ao povo americano. Aparentemente, essas pessoas adoram perder e querem fazer isso de novo e de novo e de novo. O resto de nós precisa olhar para esse resultado com humildade.
Os eleitores americanos nem sempre são sábios, mas geralmente são sensatos e têm algo a nos ensinar. Meu pensamento inicial é que preciso reexaminar meus próprios antecedentes. Sou moderado. Gosto quando os candidatos democratas correm para o centro. Mas tenho que confessar que Harris fez isso de forma bastante eficaz e não funcionou. Talvez os democratas tenham que adotar uma disrupção no estilo Bernie Sanders — algo que deixará pessoas como eu desconfortáveis.
O Partido Democrata pode fazer isso? O partido das universidades, dos subúrbios ricos e dos núcleos urbanos hipsters pode fazer isso? Bem, Donald Trump sequestrou um partido corporativo, que dificilmente parecia um veículo para a revolta proletária, e fez exatamente isso. Aqueles de nós que condescendem com Trump devem ter humildade — ele fez algo que nenhum de nós poderia fazer.
Mas estamos entrando em um período de corredeiras. Trump é um semeador de caos, não de fascismo. Nos próximos anos, uma praga de desordem descerá sobre a América, e talvez o mundo, sacudindo tudo. Se você odeia polarização, espere até experimentarmos a desordem global. Mas no caos há oportunidade para uma nova sociedade e uma nova resposta ao ataque político, econômico e psicológico de Trump. Estes são os tempos que testam as almas das pessoas, e veremos do que somos feitos.