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terça-feira, 12 de novembro de 2024

A Rússia é culturalmente imperialista - Rodrigo da Silva

 Thread de Rodrigo da Silva

A Rússia é o maior país do mundo. 11% de toda a área terrestre do planeta pertence à Rússia – a mesma área da superfície de Plutão. Quando o sol nasce no leste da Rússia, se põe no oeste.

Mas este país nem sempre teve esse tamanho.

Nos seus primeiros séculos, a Rússia possuía um território de 1,3 milhão de km², o equivalente ao estado do Pará.

No auge da União Soviética, esse espaço chegou a atingir 22,4 milhões de km².

Como isso aconteceu? A resposta parece estar no solo desse lugar.

No passado distante, os primeiros eslavos que se estabeleceram na Rússia encontraram terra fértil para a agricultura, mas tiveram que enfrentar um problema bastante sério: as invasões.

A Rússia foi fundada numa região da Europa sem grandes rios, montanhas e desertos, em que a média de altitude é de míseros 170 metros. Nós chamamos essa região de Planície Europeia Oriental, e ela se estende da França até os Montes Urais.

. O leste deste continente é plano.

Justamente porque é muito fácil colocar grandes exércitos para invadir os países dessa região que, ao longo da história, a Rússia sofreu diferentes invasões – e não apenas de povos nômades, como os mogóis e os tártaros. Os poloneses invadiram a Rússia em 1610; seguidos pelos suecos, em 1707; os franceses, em 1812; e os alemães – duas vezes, em ambas as guerras mundiais – em 1914 e 1941.

Só que nenhum país abocanha o maior território da Terra apenas se defendendo de ameaças externas. Os russos não demoraram para entender que a melhor estratégia para se proteger contra invasões hipotéticas é invadindo outros países e aumentando o seu próprio território.

Foi exatamente o que eles fizeram. Por séculos, os czares dedicaram um esforço monumental para atingir esse objetivo. E essa demanda obsessiva por terra como proteção foi, com o tempo, criando na Rússia uma cultura política intrinsecamente imperialista.

Os soviéticos não romperam com essa tradição. Pelo contrário: eles se empenharam em construir uma zona tampão entre o coração da Rússia e as grandes potências europeias. Nós conhecemos esse espaço como Cortina de Ferro.

Para os líderes soviéticos, controlar essas extensões de terra ao redor das suas fronteiras dava à Rússia uma profundidade estratégica; um colchão geográfico entre potenciais invasores ocidentais e os centros de poder do país.

A União Soviética era composta por 15 repúblicas que, embora na teoria gozassem de alguma autonomia, na prática, estavam sob o controle centralizado de Moscou.

Dessas 15 repúblicas, além da própria Rússia, 6 estavam no leste da Europa, ajudando a construir uma zona tampão: Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia, Lituânia, Letônia e Estônia.

Mas a zona de influência russa não se limitava a esses países. Moscou também tinha os seus estados-satélites na Europa Oriental – Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária. Quando nós consideramos esses lugares, no auge da União Soviética, os russos exerciam controle e influência sobre um território de 23,3 milhões de km².

Foi exatamente para combater essa política de expansão da Rússia na Europa – num momento em que este era um continente devastado pela maior guerra de todos os tempos – que a OTAN foi fundada, em 1949.

No auge da União Soviética, no pós-guerra, enquanto Moscou controlava ou influenciava 23,3 milhões de km², os outros países da Europa, somados, tinham um território de míseros 3,5 milhões de km².

Através do Pacto de Varsóvia, Moscou exercia poder sobre 61% do território europeu – quase dois de cada três metros de terra do continente.

E esses não eram os únicos países controlados ou influenciados por Moscou.

Durante a sua existência, a União Soviética patrocinou diferentes revoluções no mundo, além de dezenas de movimentos e partidos políticos que, mesmo quando não conseguiram uma revolução, alteraram radicalmente o cenário político de seus países. Alguns deles estão no poder nesse exato momento.

É por isso que o fim da União Soviética (1989-91) não representou apenas a dissolução de um estado, mas a fragmentação de um bloco que havia projetado poder global e sustentado uma identidade política homogênea para milhões de pessoa.

Vladimir Putin chama esse episódio de “tragédia genuína” – “a maior catástrofe geopolítica do século vinte”.

Hoje, três décadas após o fim desse bloco, o território russo ainda é grande o suficiente para colocar a Rússia no topo dos maiores países do planeta (com quase o dobro do território do Canadá, o segundo maior país do mundo). Mas Putin entende que a queda da Cortina de Ferro foi “uma desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética”:

“Nós nos transformamos em um país completamente diferente. E o que foi construído ao longo de mil anos foi em grande parte perdido.”

O que o líder da Rússia planeja fazer para corrigir esta “catástrofe”? Aquilo que os russos passaram os últimos séculos fazendo: expandir o território do país. O objetivo é reconstruir a União Soviética/Império Russo.

Na Guerra na Ucrânia, os russos nem fazem questão de esconder isso.

Os Estados Unidos desempenharam um papel indispensável para o colapso da União Soviética.

Mas isso não aconteceu porque os americanos têm um compromisso moral com a proteção da humanidade. Isso aconteceu porque os americanos – sobretudo os conservadores – sempre entenderam que o expansionismo russo desafia o American way of life. Os Estados Unidos não estão imunes ao que acontece no leste da Europa porque os americanos dependem visceralmente das instituições e do comércio internacional para sustentar os seus padrões de vida

Nesse momento, os Estados Unidos são a maior economia do mundo, com um produto interno bruto que ultrapassa os US$ 29 trilhões. Este é um país que nunca foi tão rico e poderoso.

Washington gasta anualmente uma fração disso, US$ 916 bilhões, nas suas forças armadas – um valor equivalente à soma dos gastos de China, Rússia, Índia, Arábia Saudita, Reino Unido, Alemanha, Ucrânia, França e Japão (os 9 países seguintes, dos 10 com os maiores gastos militares).

Os Estados Unidos são o lar de 4% da população mundial, mas 1/4 da riqueza mundial está sob controle americano.

Ao mesmo tempo, 3,4% da riqueza americana é gasta com as suas forças armadas, mas 37% do gasto mundial com forças armadas está concentrado nos Estados Unidos.

Ninguém gasta tanto com defesa quanto os Estados Unidos porque nenhum outro país tem a posição dos Estados Unidos no mundo. E o desenvolvimento dos Estados Unidos – o país mais poderoso e desenvolvido da Terra – está umbilicalmente ligado a esse poder.

Washington sustenta algo próximo de 750 bases militares em pelo menos 80 países. Todo esse poderio militar não caiu do céu. Ninguém forçou o Pentágono a construir essa estrutura.

Os Estados Unidos não gastam esse dinheiro todo porque desejam proteger o mundo da ação dos homens maus. Essa estrutura só é sustentada – com apoio bipartidário nas últimas 7 décadas – porque os ganhos que Washington alcança com essa posição são imensos.

É por isso que, nesse momento, só um cínico diria que os Estados Unidos não têm a obrigação de “proteger” a Ucrânia – como se os Washington alocasse dinheiro nessa região do mundo por altruísmo.

Não é o Ocidente quem está protegendo a Ucrânia da Rússia. É a Ucrânia quem está protegendo o Ocidente da Rússia. E quem ainda não entendeu isso, não entendeu nada sobre esse conflito.

Não é difícil prever o que acontecerá se a Ucrânia ceder um milímetro de terra para Moscou: a Rússia terá incentivos para continuar expandindo o seu território em direção ao Ocidente, mesmo que um “acordo de paz” gere uma falsa sensação momentânea de estabilidade.

Num primeiro momento, a Rússia não precisará atacar a Bielorrússia, a Geórgia e a Hungria para melhorar a sua posição porque esses países já sustentam governos fantoches, profundamente influenciados por Moscou (é verdade que a questão da Geórgia é um pouco mais sensível por conta das regiões de Ossétia do Sul e Abecásia, dois territórios disputados por Moscou).

Mas dá para prever os próximos alvos desse expansionismo: a Moldávia (provavelmente a próxima vítima russa, justificada pela proteção da população da Transnístria), a Estônia, a Letônia e a Lituânia, além da própria Ucrânia (ou o que terá sobrado dela).

A partir disso, a Rússia será uma ameaça constante para a Polônia – país que desempenha um papel crucial como ponto de trânsito para a ajuda militar e humanitária do Ocidente para a Ucrânia.

Também dá para dizer que a República Tcheca e a Eslováquia – que formavam a antiga Tchecoslováquia – viverão sob ameaça.

Para alcançar esses objetivos, a Rússia não usará apenas a carta da expansão militar. O Kremlin acelerará a sua guerra híbrida na região. Esses países continuarão sendo alvos da interferência política russa subterrânea – como vêm sendo, com sucesso para Moscou, desde 2014.

Os russos terão um papel cada vez maior:

- na política alemã, através da AfD (da direita radical) e da BSW (da esquerda radical);

- da política francesa, através do Rassemblement National;

- da política britânica, através do Reform UK;

- da política holandesa, através do PVV;

- da política austríaca, através do FPÖ;

- e da política italiana, através do Lega.

Essa ameaça contínua russa à segurança da Europa criará um ambiente de alta tensão no continente – e sem o apoio dos Estados Unidos, produzirá incentivos para que a União Europeia recorra ao pragmatismo chinês para controlar os ímpetos do imperialismo russo; o que melhorará o status da China no mundo (foi o que aconteceu entre 2017 e 2020, quando os chineses viraram os maiores parceiros comerciais da União Europeia – posição que os Estados Unidos só recuperaram sob o governo Biden, em 2022).

Essa reconstrução da ordem mundial impactará profundamente o desenvolvimento político do mundo – inclusive do Brasil, que até hoje vive as consequências da Guerra Fria: da forma como acessamos às redes sociais à maneira como compramos na internet.

O fortalecimento político da Rússia poderá aumentar o capital político e militar dos seus aliados no mundo – incluindo a China (o que ameaçará Taiwan), o Irã (o que ameaçará Israel), a Coreia do Norte (o que ameaçará a Coreia do Sul) e a Venezuela (o que ameaçará a Guiana).

Este não é um mundo mais estável e pacífico. Apaziguamento não é paz. Neville Chamberlain, ex-primeiro-ministro do Reino Unido, não era um pacifista porque assinou o Acordo de Munique, em 1938, cedendo a região dos Sudetos da Tchecoslováquia à Alemanha Nazista. Negociar com Adolf Hitler em busca de uma paz hipotética e estratégica não colaborou para tornar o mundo mais seguro – pelo contrário: tornou o mundo mais violento, instável e inseguro.

Esse cenário poderia levar 5, 10 ou 15 anos até ser deflagrado. Por um tempo, os atores políticos do Ocidente poderiam até se convencer de que um apaziguamento temporário significaria um controle da situação. Os líderes desse acordo poderiam até concorrer ao Nobel da Paz por tamanha benevolência. Mas isso seria apenas ingenuidade.

Não há um único serviço de inteligência ocidental que não aponte para o mesmo cenário. A Rússia está em expansão e não tem pressa. Qualquer metro de território ucraniano conquistado será uma vitória para Putin. Essa é a estratégia russa. Como dizia Andrei Gromiko – Ministro das Relações Exteriores da União Soviética, e uma das figuras centrais da política russa no século 20 – Moscou utiliza três regras básicas para negociar com o Ocidente:

“Primeiro, exija o máximo, não peça humildemente, mas exija. Segundo, apresente ultimatos. E, terceiro, não ceda um centímetro de terreno porque sempre haverá alguém no Ocidente que lhe oferecerá algo, talvez metade do que você não tinha antes.

É assim que nasce aquela expressão que a direita tantas vezes usou nas últimas décadas – uma nova ordem mundial.

É dessa forma que você perde a Guerra Fria.

Não será por falta de aviso.


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Comentários;

Mestre:

Gostei! De fato, a história é cíclica e o ocidente começa a entender um pouco mais sobre o imperialismo real.

A China, por exemplo, não ostenta suas ligações e parcerias estratégicas, nem age de maneira linear para alcançar seus objetivos, como fazem os ocidentais, que olham apenas para o futuro e por isso nunca sabe para onde vai, nem quem são os seus inimigos, muito menos como eles agem.

Observar a história da China é crucial para entender como ela avança, sempre com cercos duradouros, algo absorvido dos antigos mongóis. Outro ponto a se entender olhando o passado da China é a sua tendência para a boa diplomacia com povos expansionistas sanguinários, visto que mantinham grande parceria com o Império Sassanida, chegando a abrigar dezenas de embaixadas em seu território, que geograficamente eram distente na época.

E ambos se fortaleciam com métodos e estratégias de guerra que vemos até hoje, por exemplo, usando a propaganda para demonizar seus inimigos e justificar suas ações, bem como a diplomacia com inimigos estratégicos. Tanto a China quanto a Dinastia Sassanida ofereciam presentes e vantagens aos países que lhes ofereciam resistência, ou os que possuiam riquezas naturais, como bom solo, acessos ao mar, enfim. Sempre aqueles que estavam no caminho para os seus objetivos. 

Entrar nesses países tinha método: eles buscavam, principalmente, homens poderosos e corruptíveis, potenciais traidores de suas pátrias e/ou aqueles com grande ambição de poder,.

Porém, por trás dessa linda amizade, o que de fato acontecia era o início do plano tático de infiltração. Pois a partir dos acordos de intercâmbio, tanto os Sassanidas quanto os Chines, ou ambos, empregavam nesses países um grande número de espiões e agentes, que agiam para abastecer a rede de informação e, o mais crucial para eles, esses exércitos invisíveis garantiam muitas vezes aos generais uma vitória a necessidade da guerra.

Como faziam isso? Gerando caos com desinformação, estimulando conspirações, assassinatos sem explicação e tudo o que podiam fazer para drenar a força dos alvos, incluindo colocar esses alvos em guerras diversas e, durante as campanhas, iniciavam uma escala de sabotagem em tantas áreas dispersas que o Rei, Governador Susserano caia em desgraça.

Puxa, ainda poderia falar mais, como a perseguição religiosa é a opressão, mas acho que deu para entender mais um pouco da China, do Iran e sobre quem abastece os imperialistas sanguinários no mundo... a saber: o comunismo e os seus idiotas úteis, adeptos da ideologia ou da religião baseada no zoroatrismo reformado.

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Bruno Souza:

Rodrigo, bons pontos, mas acho que faltou um importante: pro Putin se aventurar um pouco mais a oeste, forçosamente entraria em choque direto com um país-membro da OTAN, e aí o cenário é bem diferente. Que há uma intenção expansionista é claro - mas daí a presumir que qualquer perda na Ucrânia significa carte blanche pra festa do caqui do Putin eu considero um salto. Parte central da discussão aqui na Europa é justamente o risco de escalada incontrolável em torno do Ucrânia que leve a um conflito direto da OTAN com a Rússia, e é o que todos querem evitar. Pragmaticamente: preferem entregar um pedaço da Ucrânia pra evitar um risco de conflito nuclear agora.