Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida
Site pessoal: www.pralmeida.net.terça-feira, 28 de outubro de 2025
Noticias recentes da geopolítica mundial - Paulo Roberto de Almeida
segunda-feira, 13 de outubro de 2025
To Be or Not the Bric - Paulo Roberto de Almeida (Insight Inteligência)
Introdução: a caminho da briclândia
1. Radiografia dos Bric
2. Ficha corrida dos personagens
3. De onde vieram, para onde vão?
4. New kids in the block
5. Políticas domésticas
6. Políticas econômicas externas
7. Impacto dos Bric na economia mundial
8. Impacto da economia mundial sobre os Bric
9. Consequências geoestratégicas
10. O Brasil e os Bric
Alguma conclusão preventiva?
Resumo: Radiografia do conceito Bric, questionando a realidade subjacente a um exercício intelectual que levou em conta realidades puramente econômicas, sem maiores preocupações com as implicações político-diplomáticas do novo grupo. São analisadas suas políticas e posicionamentos diplomáticos, constatando-se uma grande diversidade de posições. Enfatiza a necessidade de uma agenda positiva dos Bric, não puramente defensiva ou de confronto com relação ao atual G7.
Palavras-chave: Bric. Brasil. Rússia. Índia. China. Relações econômicas internacionais.
In our paper, originally published in 2008, we explore the BRIC concept, critically examining its economic foundations while highlighting the diverse political and diplomatic realities that shape this group. We argue for a proactive agenda for BRIC nations, moving beyond mere defensive postures against the G7. This eesay was one of my first reflections over this important concept and diplomatic endeavor of the Brazilian diplomacy under Lula.
Disponível na plataforma Academia.edu:
https://www.academia.edu/144450047/1920_To_Be_or_Not_the_Bric_2008_
terça-feira, 9 de setembro de 2025
Restabelecendo a verdade histórica - Paulo Roberto de Almeida
Restabelecendo a verdade histórica
Paulo Roberto de Almeida
Duas “comemorações” totalmente equivocadas, pelos “80 anos de vitórias” contra a agressão fascista, derrotada em 1945, nos eventos organizados em Moscou, em maio, e em Beijing, em agosto, com a presença, na primeira, do presidente brasileiro, e, na segunda, do seu assesdor internacional.
A comemoração de maio “esquece” que a segunda guerra mundial começou justamente pela aliança entre a URSS e a Alemanha nazista desde 1939, que só terminou com a traição e invasão brutal da primeira por esta última em 1941.
A comemoração dos 80 anos em Beijing “esquece” que a RPC não existia em 1945 e que a vitória sobre o Japão foi obtida com ajuda feita pelo Reino Unido e pelos EUA à República da China e aos guerrilheiros do PCC.
Taiwan, diga-se de passagem, nunca pertenceu à soberania da RPC, tendo sido uma província do Império do Meio conquistada pelo Japão em 1870 e “devolvida” à RC em 1945.
Certos fatos históricos não deveriam ser esquecidos.
Paulo Roberto Almeida
Brasília, 9/09/2025
segunda-feira, 14 de julho de 2025
Três impérios, três destinos - Paulo Roberto de Almeida
Três impérios, três destinos
Existem hoje, temporariamente, três impérios e meio no mundo.
O império chinês é guiado pela racionalidade instrumental dos mandarins tecnocráticos do PCC.
O império russo é dominado pela obsessão expansionista de Putin.
O império americano está sendo diminuído pela ignorância avassaladora de Trump.
Isso explica as trajetórias diferentes de cada um deles: sucesso sustentável no primeiro caso; impasses e disfunções no segundo caso, podendo levar a uma profunda crise estrutural da Rússia; aceleração do declinio no terceiro caso, mas que atinge não só os EUA, mas o mundo todo, dada a magnitude do ainda hegemônico império americano.
De certa forma, o mundo econômico é uma vitima da extrema ignorância de um déspota eleito democraticamente.
O mundo político e geopolítico está sendo abalado pelo expansionismo obsessivo de um ditador totalitário.
O fabuloso Império do Meio do passado, que atraía comerciantes e aventureiros europeus da primeira globalização, a dos “descobrimentos”, está sendo pacientemente reconstruído pelos novos mandarins do PCC.
Em volta desses três impérios, e do meio império da UE, que não possui comando unificado no plano econômico ou militar, gira o destino de potências médias, como Índia e Brasil, assim como o de todos os demais países com alguma importância econômica ou política no mundo atual.
Alguns destes são guiados por estadistas inteligentes e racionais; outros, infelizmente, o são por lideres impulsivos ou mal assessorados, que reagem de forma tão irracional quanto o atual candidato a déspota dos EUA; de certa forma, este último está facilitando o itinerário bem sucedido do primeiro império.
CQD!
Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 14/07/2025
terça-feira, 24 de junho de 2025
O Brasil no ‘eixo dos hipócritas’ - Editorial do Estadão
O Brasil no ‘eixo dos hipócritas’
Posicionamento do governo no conflito entre Israel e Irã repete o padrão de críticas seletivas e condescendência com autocracias que conspurca a credibilidade diplomática do BrasilNotas & Informações,
Editorial do Estadão, 24/06/2025
https://www.estadao.com.br/opiniao/o-brasil-no-eixo-dos-hipocritas/
A nota do Itamaraty sobre a ofensiva dos EUA ao Irã, longe de defender princípios democráticos ou a estabilidade internacional, é mais uma demonstração de alinhamento do governo Lula da Silva ao bloco autocrático global. Essa posição, marcada por um duplo padrão diplomático, põe o Brasil em rota de colisão com a tradição histórica de equilíbrio e prudência que sempre orientou sua política externa.
No conflito entre Israel e Irã, o governo brasileiro formou com a Rússia o que se pode chamar de “eixo da hipocrisia”. A Rússia, que viola a soberania da Ucrânia numa guerra de agressão, condenou “com veemência” os ataques a alvos militares e instalações nucleares iranianas, reprovando-os como violações da soberania e do Direito Internacional. O Brasil, que jamais condenou “com veemência” a agressão russa na Ucrânia nem repudiou o bombardeio russo a uma das usinas nucleares ucranianas, também condenou o ataque americano ao Irã “com veemência”, salientando que “qualquer ataque armado a instalações nucleares representa flagrante transgressão da Carta das Nações Unidas”.
Da Rússia, é claro, não se pode esperar nada, mas o Brasil deveria ao menos levar em conta o contexto real do ataque americano: o Irã é a maior fonte de instabilidade no Oriente Médio, um país cuja liderança teocrática prega abertamente a aniquilação de Israel e mantém uma guerra por procuração por meio de milícias como Hamas, Hezbollah e Houthis. Nessa guerra antiga e complexa, Israel não apenas tem o direito, mas o dever de se defender, assim como os EUA têm razões de sobra para apoiar a campanha israelense.
O governo Lula opta por um silêncio cúmplice sobre a agressividade iraniana, enquanto faz questão de condenar as ações preventivas de Israel e dos EUA. Essa inversão de valores não é uma falha pontual, mas parte de um duplo padrão que marca a diplomacia lulopetista: criticar aliados democráticos e alinhados ao Ocidente, enquanto contemporiza com regimes autoritários, repressivos e fundamentalistas.
O alinhamento com o Irã é só uma faceta desse quadro mais amplo. Do ponto de vista do Direito Internacional, o ataque americano é, de fato, controverso. Mas ao menos pode ser defendido com argumentos razoáveis, como o direito à autodefesa coletiva em face da ameaça nuclear iraniana. Já a invasão russa à Ucrânia não tem qualquer sombra de justificativa legítima. O governo brasileiro, contudo, opta pela ambiguidade e a condescendência com os crimes de Moscou.
A hipocrisia é mais evidente à luz do histórico diplomático dos governos petistas. Em 2010, sob o comando de Lula, a diplomacia brasileira protagonizou uma desastrada mediação com o Irã de um acordo nuclear, ignorando alertas e fragilizando a posição brasileira no cenário internacional. A tentativa de protagonismo desmedido e voluntarismo diplomático expôs o País ao ridículo e aos riscos de alinhamento com um regime que ameaça a paz mundial.
Hoje, ao repetir o mesmo alinhamento, o governo reforça sua afinidade ideológica com regimes autoritários – Irã, Rússia, China e outros –, rompendo com a tradição de equilíbrio e prudência que sempre pautou a política externa brasileira.
Após a ofensiva dos EUA contra o Irã, as democracias sérias fizeram um apelo à moderação e ao resgate das vias diplomáticas, mas evitaram condenar o ataque e nem de longe legitimaram um regime beligerante e delinquente como o iraniano. Ao contrário: reconhecem o perigo concreto representado pela teocracia xiita, responsável por fomentar o terrorismo, desestabilizar o Oriente Médio e perseguir sistematicamente a fabricação de armas nucleares – uma ameaça que transcende fronteiras e atinge a segurança global.
O que o Brasil ganha com essa adesão à aliança de autocracias? Quais benefícios estratégicos ou diplomáticos justificam associar o País a regimes que promovem a instabilidade internacional, violam direitos humanos e desafiam o multilateralismo baseado em regras? As respostas são óbvias: tudo isso só serve para satisfazer a rançosa ideologia antiamericana e antiocidental do lulopetismo.
terça-feira, 10 de junho de 2025
Os bálticos, a OTAN e a Rússia
🧵1/4
Russia’s Deputy Foreign Minister recently stated that, in order to achieve peace, NATO must “withdraw” from the Baltic states. Many found this shocking—but the demand is not new.
As early as the 1990s, when it became clear that newly independent states from the former Warsaw Pact and the Soviet Union might join NATO, the Alliance sought to assuage Russian concerns by signing the NATO-Russia Founding Act in 1997. The document aimed to mitigate Russian objections to NATO’s enlargement.
One of its key political commitments was that NATO would refrain from deploying “substantial” permanent combat forces in the territory of new member states. In return, the Act reaffirmed core international principles, including respect for sovereignty, territorial integrity, and the UN Charter.
Russia has since repeatedly violated these very principles - most notably with its full-scale invasion of Ukraine in 2022.
🧵2/4
Just prior to that invasion, Russia issued a list of demands to Ukraine and the West. Its central demand to NATO: a rollback to the Alliance’s 1997 borders - effectively requiring the withdrawal of NATO forces and infrastructure from all countries that joined after that year.
While NATO declared the Founding Act “dead” in political terms following the invasion, it never formally repudiated or denounced it. So de jure, the document still stands. And one could argue it remains de facto in force as well, since there are still no substantial (i.e., larger than brigade-level) permanent NATO deployments in Eastern Europe. U.S. forces in Poland remain on a rotational basis, and the forthcoming German brigade, even if permanently stationed in Lithuania, is still presented as a non-substantial force, within agreed limits.
Eastern flank members have repeatedly called for the Act to be formally declared null and void, arguing that it creates a two-tiered NATO in which where some countries are less defended than others. Their calls have met stiff resistance from certain allies, and the Act still remains.
🧵3/4
Why is the dead agreement not being binned? Maybe because some Western policymakers still believe that maintaining the optics of restraint might help by avoiding escalation. The extension of the de-escalation doctrine seems to be that if NATO avoids provoking Russia, Moscow might be persuaded to limit its aggression to Ukraine and refrain from challenging NATO directly.
But Russia’s actions—and its own public declarations—show this conflict is not just about Ukraine. It is a broader imperial project aimed at resurrecting Russia’s sphere of influence and undermining the West. Moscow has said this explicitly and repeatedly - yet the West still acts surprised. And whenever the West gives ground - Russia just takes it and asks for more, calling it "justified grievances". And it will just continue like that until Russia is stopped.
During the Cold War, NATO stationed 400,000 troops along the border with the Warsaw Pact. Such numbers were considered essential to credible deterrence. Today, we cannot expect to deter Russia effectively while self-imposing limitations - especially when Moscow imposes none on itself.
🧵4/4
The only viable strategy toward Russia is one of deterrence and defense—not appeasement based on obsolete agreements. Germany’s intelligence chief has again warned that Russia may soon test NATO’s resolve—with some little green men.
That warning must be followed not with business as usual or slow deliberation, but with fast and decisive action that strengthens deterrence—not five or ten years from now, but immediately.
The NATO - Russia Founding act was a naive idea to begin with. Keeping it on life-support now is a dangerous choice, allowing Russia to push the narrative that the West is violating all the agreements it signed, not Russia. Russia’s demand that NATO must return to its 1997 borders is implying that the West has in some way violated the agreement of 1997, which it has not.
And by allowing this agreement to continue existing de jure we are giving this narrative credibility and life.
The NATO - Russia Founding act should be declared null and void. NATO defence should have never been two-tier and Vilnius should be defended as defiantly as Berlin or London.
sábado, 10 de maio de 2025
A URSS foi, a Rússia é antifascista? - Paulo Roberto de Almeida, Gustavo Bezerra
A URSS foi, a Rússia é antifascista?
É correta a comemoração de uma “vitória sobre o nazifascismo”?
Totalmente errado, como discute, abaixo, meu colega diplomata e amigo historiador Gustavo Bezerra. Antes, também alinho meus argumentos sobre essa mentira histórica:
PRA: Cabe não esquecer que a guerra só começou porque Stalin se uniu a Hitler na conquista da Polônia. E sendo muito preciso historicamente, a URSS nunca combateu o nazifascismo, inclusive porque os regimes possuíam amplas similitudes. Os 20 milhões de mortes russas nunca foram comtra o nazifascismo, e sim porque o país— não importa se bolchevique ou da democracia burguesa — foi brutalmente traído EM SUA ALIANÇA com o nazifascismo e invadido de modo devastador. Foi uma guerra de pura defesa da pátria e não ideológica. E metade das vítimas russas se deve às táticas brutais de Stalin, de avançar contra as metralhadoras nazistas sem qualquer possibilidade de recuo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 10/05/2025
Gustavo Bezerra:
“FAKE NEWS HISTÓRICA
A URSS NUNCA lutou contra o nazifascismo. Isso é uma mentira criada por Stálin e hoje replicada pela propaganda de Putin para justificar sua guerra de agressão imperialista contra a Ucrânia. É uma mentira deslavada, uma das maiores lorotas de todos os tempos, hoje a serviço de um ditador que repete os métodos e objetivos dos nazistas.
A URSS não lutou contra o nazifascismo, nem contra o Terceiro Reich: lutou contra os invasores alemães. Lutou porque Hitler rasgou o pacto de não-agressão firmado com Stálin em 1939 e atacou o país em 1941.
Não foi uma luta por democracia e liberdade, mas uma luta nacionalista, por território e poder.
Não por acaso, a II Guerra Mundial é chamada na Rússia, até hoje, de "Grande Guerra Patriótica". Não por acaso, os países "libertados" pelas forças soviéticas viraram todos ditaduras totalitárias comunistas após a guerra (a "Cortina de Ferro"), ao contrário dos países ocidentais liberados pelos Aliados, todos democracias.
Quem lutou contra o nazifascismo, pela democracia e pela liberdade na Europa não foi Stálin e os comunistas, cúmplices de Hitler até 1941, mas sim Churchill, Roosevelt, De Gaulle. Foram os combatentes da resistência nos países ocupados pelas forças do Eixo (menos os comunistas), foram os pracinhas da FEB na Itália. Não o Exército Vermelho, não os agentes da NKVD.”
9/05/2025
segunda-feira, 3 de março de 2025
A Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia de Vladimir Putin? - The Economist
A Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia de Vladimir Putin?
A Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia de Vladimir Putin?
Um exército independente, uma força aérea e uma bomba nuclear teriam um alto custo
The Economist, 03/03/2025
Poucas horas depois de seu partido vencer as eleições nacionais, Friedrich Merz, o provável próximo líder da Alemanha, soltou uma bomba. Donald Trump “não se importa muito com o destino da Europa”, disse ele. A prioridade era “passo a passo... alcançar a independência em relação aos EUA”. Este não era um objetivo distante. Ele não tinha certeza, disse ele, se a Otanainda existiria “em sua forma atual” em junho, quando os líderes devem se reunir nos Países Baixos, “ou se teremos que estabelecer uma capacidade de defesa europeia independente muito mais rapidamente do que isso”.
Quem pensou que Merz estava sendo alarmista foi rapidamente despertado para a realidade. Em 24 de fevereiro, em uma resolução da ONU que culpava a Rússia por invadir a Ucrânia, os Estados Unidos votaram contra seus aliados europeus, ficando ao lado da Rússia e da Coreia do Norte.
Merz não é o único “transatlanticista” convicto preocupado com o ataque de Donald Trump à Otan, a aliança que manteve a paz na Europa por quase oito décadas. “A arquitetura de segurança na qual a Europa confiou por gerações se foi, e não vai voltar”, escreve Anders Fogh Rasmussen, ex-secretário-geral da Otan, em um ensaio para a Economist. “A Europa deve aceitar o fato de que não somos apenas existencialmente vulneráveis, mas também estamos aparentemente sozinhos.”
Na verdade, pode levar uma década até que a Europa consiga se defender sem a ajuda dos Estados Unidos. A enormidade do desafio pode ser vista na Ucrânia. Os países europeus estão atualmente discutindo a perspectiva de uma mobilização militar ali para impor qualquer futuro acordo de paz. As negociações, lideradas pela França e pelo Reino Unido, preveem o envio de uma força relativamente modesta, de talvez dezenas de milhares de soldados. Eles não seriam mobilizados no leste na linha de frente, mas em cidades ucranianas, portos e outras infraestruturas importantes, de acordo com uma autoridade ocidental.
Qualquer implementação desse tipo, no entanto, exporia três fraquezas sérias. Uma delas é que isso sobrecarregaria as forças europeias. Há aproximadamente 230 brigadas russas e ucranianas na Ucrânia, embora a maioria esteja abaixo do efetivo previsto. Muitos países europeus teriam dificuldade para produzir uma única brigada com capacidade de combate cada. Segundo, isso abriria sérias lacunas nas próprias defesas da Europa.
Uma implantação britânica na Ucrânia, por exemplo, provavelmente engoliria unidades já destinadas à Otan, deixando buracos nos planos de guerra da aliança. Acima de tudo, os europeus reconhecem que qualquer implantação precisaria de apoio americano significativo, não apenas na forma de “facilitadores” específicos, como inteligência e equipamento de defesa aérea, mas também a promessa de apoio, caso a Rússia atacasse.
O fato de que a Europa teria dificuldade para gerar uma força independente do tamanho de uma divisão para a Ucrânia expõe a dimensão da tarefa prevista na visão de Merz. Atender aos planos de guerra existentes da Otan — com a presença dos Estados Unidos — exigiria que a Europa gastasse 3% do PIB em defesa, muito acima dos níveis existentes para a maioria dos países.
O Reino Unido deu um passo nessa direção em 25 de fevereiro, anunciando um plano para gastar 2,5% do PIB até 2027, mas mesmo isso pode ser insuficiente. Dizem que Mark Rutte, o secretário-geral da Otan, está propondo uma meta de 3,7%. No entanto, compensar os déficits americanos exigiria um valor bem acima de 4%.
Pagar por isso já seria difícil o suficiente. Traduzir dinheiro em capacidade também é mais difícil do que parece. A Europa precisaria formar 50 novas brigadas, calcula o centro de estudos estratégicos Bruegel, sediado em Bruxelas, muitas delas unidades “pesadas” com blindagem, para substituir as 300.000 tropas americanas que, estima-se, que seriam enviadas ao continente no caso de uma guerra. Os requisitos de mão de obra seriam proibitivos.
Fileiras de tanques
Esses números são estimativas. A sugestão do Bruegel de que a Europa precisaria de 1.400 tanques para impedir um avanço russo nos estados bálticos reflete suposições de planejamento tradicionais e provavelmente ;é um pouco exagerada. Em todo caso, esse tipo de contagem mostra apenas metade da história.
A Europa tem forças aéreas impressionantes, com muitos jatos modernos. Mas esses jatos não têm um estoque significativo de munições capazes de destruir as defesas aéreas inimigas ou atingir alvos distantes em terra ou no ar, explica Justin Bronk do Royal United Services Institute (RUSI), um centro de estudos estratégicos em Londres, em um artigo a ser publicado futuramente.
Apenas algumas forças aéreas, como a da Suécia, têm treinamento suficiente para guerra aérea de alta intensidade. Além disso, guerra eletrônica aerotransportada e inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento (ISTAR), ou a capacidade de encontrar e avaliar alvos, “são quase exclusivamente fornecidos pelos EUA”, observa Bronk.
Outro problema gritante é de comando e controle, ou as instituições e indivíduos que coordenam e lideram grandes formações militares na guerra. A Otan tem um amplo conjunto de quartéis-generais por toda a Europa, com o Quartel-General Supremo das Potências Aliadas da Europa em Mons, Bélgica, no topo da hierarquia, liderado pelo general Chris Cavoli que, como todos os Comandantes Aliados Supremos da Europa antes dele, é americano. “A coordenação da Otan é frequentemente um eufemismo para oficiais do estado-maior dos EUA”, diz Matthew Savill, um ex-oficial de defesa britânico agora no RUSI.
A experiência europeia na gestão de grandes formações é esmagadoramente concentrada em oficiais britânicos e franceses — ambos os países supervisionam dois “corpos” de reserva, que são quartéis-generais de altíssimo nível. Mas o Reino Unido provavelmente seria incapaz de executar uma operação aérea complexa na escala e intensidade da guerra aérea de Israel em Gaza e no Líbano. “Que eu saiba, não há nada que a Europa tenha que realmente se aproxime da escala do que os israelenses supostamente fizeram”, diz Savill.
Se os europeus forem capazes de gerar e comandar suas próprias forças, a próxima questão é se seria possível mantê-las alimentadas com munição. A produção de artilharia da Europa disparou nos três anos mais recentes, embora a Rússia, auxiliada pela Coreia do Norte, continue à frente. A Europa também tem fabricantes de mísseis: a MBDA, uma empresa pan-europeia com sede na França, fabrica um dos melhores mísseis ar-ar do mundo, o Meteor. França, Noruega e Alemanha fabricam excelentes sistemas de defesa aérea. A Turquia está se tornando uma séria potência industrial de defesa.
Entre fevereiro de 2022 e setembro de 2024, os estados europeus da Otan adquiriram 52% dos novos sistemas dentro da Europa e compraram apenas 34% dos EUA, de acordo com um artigo recente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), outro centro de estudos estratégicos. Mas esses 34% costumam ser vitais. A Europa precisa dos EUA para artilharia de foguetes, defesa aérea de longo alcance e aeronaves furtivas. Mesmo para armas mais simples, a demanda supera em muito a capacidade, uma das razões pelas quais os países europeus se voltaram para o Brasil, Israel e Coreia do Sul.
O nível de dependência em relação aos EUA não é uniforme em todo o continente. O Reino Unido, por exemplo, está unicamente interligada às forças armadas, máquinas de inteligência e indústria dos Estados Unidos. Se os Estados Unidos cortassem o acesso a imagens de satélite e outras informações geoespaciais, como mapas de terreno, as consequências seriam profundas.
Talvez a principal razão pela qual o Reino Unido exigiu o consentimento dos Estados Unidos para deixar a Ucrânia disparar mísseis de cruzeiro britânicos Storm Shadow contra a Rússia no ano passado é que os mísseis dependiam de dados geoespaciais americanos para direcionamento eficaz. A Grã-Bretanha teria que gastar bilhões para comprar imagens de substituição, diz Savill, ou recorrer à França. Por outro lado, o envolvimento britânico com os Estados Unidos também pode fornecer uma forma de pressão. Cerca de 15% dos componentes do jato F-35 usado pelos Estados Unidos são feitos na Grã-Bretanha, incluindo peças difíceis de substituir, como o assento ejetor.
Como se a tarefa de construir forças convencionais independentes não fosse assustadora o suficiente, a Europa enfrenta outro desafio. Por 80 anos, ela se abrigou sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos. Se a Europa estiver realmente “sozinha”, como Rasmussen afirma, então a questão não é apenas que as forças americanas não lutariam por ela, mas também que não sew poderia contar com as armas nucleares americanas.
“Precisamos ter discussões com os britânicos e os franceses — as duas potências nucleares europeias”, disse Merz em 21 de fevereiro, “e saber se o compartilhamento nuclear, ou pelo menos a segurança nuclear... também poderia se aplicar a nós”. Na prática, o Reino Unido e a França não podem replicar o escudo nuclear americano sobre a Europa com seus arsenais relativamente pequenos — cerca de 400 ogivas no total, em comparação com mais de 1.700 ogivas russas mobilizadas.
Os insiders americanos torcem o nariz para a ideia de que isso seja adequado para uma dissuasão, pois acreditam que a Rússia seria capaz de limitar os danos a si mesma (não importa a possibilidade de Moscou ter desaparecido) enquanto infligiria um estrago pior à Europa. Dobrar ou triplicar o tamanho dos arsenais anglo-franceses provavelmente levaria anos e canibalizaria o dinheiro necessário para construir forças convencionais; a dissuasão britânica já consome um quinto dos gastos com defesa.
Pensamento estratégico
Outro problema é que, embora a França tenha armas nucleares a bordo de submarinos e aviões, o Reino Unido tem apenas as primeiras, o que limita sua capacidade de se envolver em “sinalização” nuclear em uma crise, por exemplo, usando armas nucleares de baixo poder de destruição, pois isso arriscaria expor a posição de seus submarinos e, portanto, colocaria sua capacidade de dissuasão estratégica em risco.
Além disso, embora o Reino Unido possa disparar suas armas nucleares sem a permissão americana, ela aluga os mísseis dos EUA — aqueles que não estão a bordo de submarinos são mantidos em um pool conjunto no estado da Geórgia — e depende da cooperação americana para componentes-chave.
Esses problemas não são necessariamente insuperáveis. Conversas silenciosas a respeito da dissuasão nuclear europeia entre ministros da defesa europeus se intensificaram nos meses mais recentes. “O debate alemão está amadurecendo em alta velocidade”, observa Bruno Tertrais, um dos principais pensadores da Europa em questões nucleares. “Os britânicos e os franceses precisarão enfrentar o desafio.”
A dissuasão nuclear não é apenas um jogo de números, ele diz, mas uma questão de vontade. Putin pode levar mais a sério as ameaças nucleares vindas do Reino Unido ou da França, que têm mais em jogo do que os EUA. Essas são as questões que preocuparam os pensadores europeus durante a Guerra Fria; seu retorno marca um novo e sombrio período para o continente. “Agora”, pronunciou Merz em 24 de fevereiro, “é como se realmente faltassem cinco minutos para a meia-noite para a Europa”.
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
terça-feira, 12 de novembro de 2024
A Rússia é culturalmente imperialista - Rodrigo da Silva
Thread de Rodrigo da Silva
A Rússia é o maior país do mundo. 11% de toda a área terrestre do planeta pertence à Rússia – a mesma área da superfície de Plutão. Quando o sol nasce no leste da Rússia, se põe no oeste.
Mas este país nem sempre teve esse tamanho.
Nos seus primeiros séculos, a Rússia possuía um território de 1,3 milhão de km², o equivalente ao estado do Pará.
No auge da União Soviética, esse espaço chegou a atingir 22,4 milhões de km².
Como isso aconteceu? A resposta parece estar no solo desse lugar.
No passado distante, os primeiros eslavos que se estabeleceram na Rússia encontraram terra fértil para a agricultura, mas tiveram que enfrentar um problema bastante sério: as invasões.
A Rússia foi fundada numa região da Europa sem grandes rios, montanhas e desertos, em que a média de altitude é de míseros 170 metros. Nós chamamos essa região de Planície Europeia Oriental, e ela se estende da França até os Montes Urais.
. O leste deste continente é plano.
Justamente porque é muito fácil colocar grandes exércitos para invadir os países dessa região que, ao longo da história, a Rússia sofreu diferentes invasões – e não apenas de povos nômades, como os mogóis e os tártaros. Os poloneses invadiram a Rússia em 1610; seguidos pelos suecos, em 1707; os franceses, em 1812; e os alemães – duas vezes, em ambas as guerras mundiais – em 1914 e 1941.
Só que nenhum país abocanha o maior território da Terra apenas se defendendo de ameaças externas. Os russos não demoraram para entender que a melhor estratégia para se proteger contra invasões hipotéticas é invadindo outros países e aumentando o seu próprio território.
Foi exatamente o que eles fizeram. Por séculos, os czares dedicaram um esforço monumental para atingir esse objetivo. E essa demanda obsessiva por terra como proteção foi, com o tempo, criando na Rússia uma cultura política intrinsecamente imperialista.
Os soviéticos não romperam com essa tradição. Pelo contrário: eles se empenharam em construir uma zona tampão entre o coração da Rússia e as grandes potências europeias. Nós conhecemos esse espaço como Cortina de Ferro.
Para os líderes soviéticos, controlar essas extensões de terra ao redor das suas fronteiras dava à Rússia uma profundidade estratégica; um colchão geográfico entre potenciais invasores ocidentais e os centros de poder do país.
A União Soviética era composta por 15 repúblicas que, embora na teoria gozassem de alguma autonomia, na prática, estavam sob o controle centralizado de Moscou.
Dessas 15 repúblicas, além da própria Rússia, 6 estavam no leste da Europa, ajudando a construir uma zona tampão: Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia, Lituânia, Letônia e Estônia.
Mas a zona de influência russa não se limitava a esses países. Moscou também tinha os seus estados-satélites na Europa Oriental – Polônia, Alemanha Oriental, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária. Quando nós consideramos esses lugares, no auge da União Soviética, os russos exerciam controle e influência sobre um território de 23,3 milhões de km².
Foi exatamente para combater essa política de expansão da Rússia na Europa – num momento em que este era um continente devastado pela maior guerra de todos os tempos – que a OTAN foi fundada, em 1949.
No auge da União Soviética, no pós-guerra, enquanto Moscou controlava ou influenciava 23,3 milhões de km², os outros países da Europa, somados, tinham um território de míseros 3,5 milhões de km².
Através do Pacto de Varsóvia, Moscou exercia poder sobre 61% do território europeu – quase dois de cada três metros de terra do continente.
E esses não eram os únicos países controlados ou influenciados por Moscou.
Durante a sua existência, a União Soviética patrocinou diferentes revoluções no mundo, além de dezenas de movimentos e partidos políticos que, mesmo quando não conseguiram uma revolução, alteraram radicalmente o cenário político de seus países. Alguns deles estão no poder nesse exato momento.
É por isso que o fim da União Soviética (1989-91) não representou apenas a dissolução de um estado, mas a fragmentação de um bloco que havia projetado poder global e sustentado uma identidade política homogênea para milhões de pessoa.
Vladimir Putin chama esse episódio de “tragédia genuína” – “a maior catástrofe geopolítica do século vinte”.
Hoje, três décadas após o fim desse bloco, o território russo ainda é grande o suficiente para colocar a Rússia no topo dos maiores países do planeta (com quase o dobro do território do Canadá, o segundo maior país do mundo). Mas Putin entende que a queda da Cortina de Ferro foi “uma desintegração da Rússia histórica sob o nome de União Soviética”:
“Nós nos transformamos em um país completamente diferente. E o que foi construído ao longo de mil anos foi em grande parte perdido.”
O que o líder da Rússia planeja fazer para corrigir esta “catástrofe”? Aquilo que os russos passaram os últimos séculos fazendo: expandir o território do país. O objetivo é reconstruir a União Soviética/Império Russo.
Na Guerra na Ucrânia, os russos nem fazem questão de esconder isso.
Os Estados Unidos desempenharam um papel indispensável para o colapso da União Soviética.
Mas isso não aconteceu porque os americanos têm um compromisso moral com a proteção da humanidade. Isso aconteceu porque os americanos – sobretudo os conservadores – sempre entenderam que o expansionismo russo desafia o American way of life. Os Estados Unidos não estão imunes ao que acontece no leste da Europa porque os americanos dependem visceralmente das instituições e do comércio internacional para sustentar os seus padrões de vida
Nesse momento, os Estados Unidos são a maior economia do mundo, com um produto interno bruto que ultrapassa os US$ 29 trilhões. Este é um país que nunca foi tão rico e poderoso.
Washington gasta anualmente uma fração disso, US$ 916 bilhões, nas suas forças armadas – um valor equivalente à soma dos gastos de China, Rússia, Índia, Arábia Saudita, Reino Unido, Alemanha, Ucrânia, França e Japão (os 9 países seguintes, dos 10 com os maiores gastos militares).
Os Estados Unidos são o lar de 4% da população mundial, mas 1/4 da riqueza mundial está sob controle americano.
Ao mesmo tempo, 3,4% da riqueza americana é gasta com as suas forças armadas, mas 37% do gasto mundial com forças armadas está concentrado nos Estados Unidos.
Ninguém gasta tanto com defesa quanto os Estados Unidos porque nenhum outro país tem a posição dos Estados Unidos no mundo. E o desenvolvimento dos Estados Unidos – o país mais poderoso e desenvolvido da Terra – está umbilicalmente ligado a esse poder.
Washington sustenta algo próximo de 750 bases militares em pelo menos 80 países. Todo esse poderio militar não caiu do céu. Ninguém forçou o Pentágono a construir essa estrutura.
Os Estados Unidos não gastam esse dinheiro todo porque desejam proteger o mundo da ação dos homens maus. Essa estrutura só é sustentada – com apoio bipartidário nas últimas 7 décadas – porque os ganhos que Washington alcança com essa posição são imensos.
É por isso que, nesse momento, só um cínico diria que os Estados Unidos não têm a obrigação de “proteger” a Ucrânia – como se os Washington alocasse dinheiro nessa região do mundo por altruísmo.
Não é o Ocidente quem está protegendo a Ucrânia da Rússia. É a Ucrânia quem está protegendo o Ocidente da Rússia. E quem ainda não entendeu isso, não entendeu nada sobre esse conflito.
Não é difícil prever o que acontecerá se a Ucrânia ceder um milímetro de terra para Moscou: a Rússia terá incentivos para continuar expandindo o seu território em direção ao Ocidente, mesmo que um “acordo de paz” gere uma falsa sensação momentânea de estabilidade.
Num primeiro momento, a Rússia não precisará atacar a Bielorrússia, a Geórgia e a Hungria para melhorar a sua posição porque esses países já sustentam governos fantoches, profundamente influenciados por Moscou (é verdade que a questão da Geórgia é um pouco mais sensível por conta das regiões de Ossétia do Sul e Abecásia, dois territórios disputados por Moscou).
Mas dá para prever os próximos alvos desse expansionismo: a Moldávia (provavelmente a próxima vítima russa, justificada pela proteção da população da Transnístria), a Estônia, a Letônia e a Lituânia, além da própria Ucrânia (ou o que terá sobrado dela).
A partir disso, a Rússia será uma ameaça constante para a Polônia – país que desempenha um papel crucial como ponto de trânsito para a ajuda militar e humanitária do Ocidente para a Ucrânia.
Também dá para dizer que a República Tcheca e a Eslováquia – que formavam a antiga Tchecoslováquia – viverão sob ameaça.
Para alcançar esses objetivos, a Rússia não usará apenas a carta da expansão militar. O Kremlin acelerará a sua guerra híbrida na região. Esses países continuarão sendo alvos da interferência política russa subterrânea – como vêm sendo, com sucesso para Moscou, desde 2014.
Os russos terão um papel cada vez maior:
- na política alemã, através da AfD (da direita radical) e da BSW (da esquerda radical);
- da política francesa, através do Rassemblement National;
- da política britânica, através do Reform UK;
- da política holandesa, através do PVV;
- da política austríaca, através do FPÖ;
- e da política italiana, através do Lega.
Essa ameaça contínua russa à segurança da Europa criará um ambiente de alta tensão no continente – e sem o apoio dos Estados Unidos, produzirá incentivos para que a União Europeia recorra ao pragmatismo chinês para controlar os ímpetos do imperialismo russo; o que melhorará o status da China no mundo (foi o que aconteceu entre 2017 e 2020, quando os chineses viraram os maiores parceiros comerciais da União Europeia – posição que os Estados Unidos só recuperaram sob o governo Biden, em 2022).
Essa reconstrução da ordem mundial impactará profundamente o desenvolvimento político do mundo – inclusive do Brasil, que até hoje vive as consequências da Guerra Fria: da forma como acessamos às redes sociais à maneira como compramos na internet.
O fortalecimento político da Rússia poderá aumentar o capital político e militar dos seus aliados no mundo – incluindo a China (o que ameaçará Taiwan), o Irã (o que ameaçará Israel), a Coreia do Norte (o que ameaçará a Coreia do Sul) e a Venezuela (o que ameaçará a Guiana).
Este não é um mundo mais estável e pacífico. Apaziguamento não é paz. Neville Chamberlain, ex-primeiro-ministro do Reino Unido, não era um pacifista porque assinou o Acordo de Munique, em 1938, cedendo a região dos Sudetos da Tchecoslováquia à Alemanha Nazista. Negociar com Adolf Hitler em busca de uma paz hipotética e estratégica não colaborou para tornar o mundo mais seguro – pelo contrário: tornou o mundo mais violento, instável e inseguro.
Esse cenário poderia levar 5, 10 ou 15 anos até ser deflagrado. Por um tempo, os atores políticos do Ocidente poderiam até se convencer de que um apaziguamento temporário significaria um controle da situação. Os líderes desse acordo poderiam até concorrer ao Nobel da Paz por tamanha benevolência. Mas isso seria apenas ingenuidade.
Não há um único serviço de inteligência ocidental que não aponte para o mesmo cenário. A Rússia está em expansão e não tem pressa. Qualquer metro de território ucraniano conquistado será uma vitória para Putin. Essa é a estratégia russa. Como dizia Andrei Gromiko – Ministro das Relações Exteriores da União Soviética, e uma das figuras centrais da política russa no século 20 – Moscou utiliza três regras básicas para negociar com o Ocidente:
“Primeiro, exija o máximo, não peça humildemente, mas exija. Segundo, apresente ultimatos. E, terceiro, não ceda um centímetro de terreno porque sempre haverá alguém no Ocidente que lhe oferecerá algo, talvez metade do que você não tinha antes.
É assim que nasce aquela expressão que a direita tantas vezes usou nas últimas décadas – uma nova ordem mundial.
É dessa forma que você perde a Guerra Fria.
Não será por falta de aviso.
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Comentários;
Mestre:
Gostei! De fato, a história é cíclica e o ocidente começa a entender um pouco mais sobre o imperialismo real.
A China, por exemplo, não ostenta suas ligações e parcerias estratégicas, nem age de maneira linear para alcançar seus objetivos, como fazem os ocidentais, que olham apenas para o futuro e por isso nunca sabe para onde vai, nem quem são os seus inimigos, muito menos como eles agem.
Observar a história da China é crucial para entender como ela avança, sempre com cercos duradouros, algo absorvido dos antigos mongóis. Outro ponto a se entender olhando o passado da China é a sua tendência para a boa diplomacia com povos expansionistas sanguinários, visto que mantinham grande parceria com o Império Sassanida, chegando a abrigar dezenas de embaixadas em seu território, que geograficamente eram distente na época.
E ambos se fortaleciam com métodos e estratégias de guerra que vemos até hoje, por exemplo, usando a propaganda para demonizar seus inimigos e justificar suas ações, bem como a diplomacia com inimigos estratégicos. Tanto a China quanto a Dinastia Sassanida ofereciam presentes e vantagens aos países que lhes ofereciam resistência, ou os que possuiam riquezas naturais, como bom solo, acessos ao mar, enfim. Sempre aqueles que estavam no caminho para os seus objetivos.
Entrar nesses países tinha método: eles buscavam, principalmente, homens poderosos e corruptíveis, potenciais traidores de suas pátrias e/ou aqueles com grande ambição de poder,.
Porém, por trás dessa linda amizade, o que de fato acontecia era o início do plano tático de infiltração. Pois a partir dos acordos de intercâmbio, tanto os Sassanidas quanto os Chines, ou ambos, empregavam nesses países um grande número de espiões e agentes, que agiam para abastecer a rede de informação e, o mais crucial para eles, esses exércitos invisíveis garantiam muitas vezes aos generais uma vitória a necessidade da guerra.
Como faziam isso? Gerando caos com desinformação, estimulando conspirações, assassinatos sem explicação e tudo o que podiam fazer para drenar a força dos alvos, incluindo colocar esses alvos em guerras diversas e, durante as campanhas, iniciavam uma escala de sabotagem em tantas áreas dispersas que o Rei, Governador Susserano caia em desgraça.
Puxa, ainda poderia falar mais, como a perseguição religiosa é a opressão, mas acho que deu para entender mais um pouco da China, do Iran e sobre quem abastece os imperialistas sanguinários no mundo... a saber: o comunismo e os seus idiotas úteis, adeptos da ideologia ou da religião baseada no zoroatrismo reformado.
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Bruno Souza:
Rodrigo, bons pontos, mas acho que faltou um importante: pro Putin se aventurar um pouco mais a oeste, forçosamente entraria em choque direto com um país-membro da OTAN, e aí o cenário é bem diferente. Que há uma intenção expansionista é claro - mas daí a presumir que qualquer perda na Ucrânia significa carte blanche pra festa do caqui do Putin eu considero um salto. Parte central da discussão aqui na Europa é justamente o risco de escalada incontrolável em torno do Ucrânia que leve a um conflito direto da OTAN com a Rússia, e é o que todos querem evitar. Pragmaticamente: preferem entregar um pedaço da Ucrânia pra evitar um risco de conflito nuclear agora.
sábado, 9 de novembro de 2024
A decisão geopolítica mais relevante deste século - Paulo Roberto de Almeida
A decisão geopolítica mais relevante para o resto deste século é a decisão de Trump se ele forçará, ou não, a Ucrânia a capitular em face de Putin. Se o fizer, estaremos de volta aos anos 1930. No comércio internacional já é o caso, aliás direto ao mercantilismo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9/11/3024
Rússia: “Vamos fazer Ciência, não a guerra” - Glauco Arbix
From: Glauco Arbix (Linkedin)
Putin conseguiu degradar uma ciência outrora pujante. Vigiados e amordaçados, pesquisadores de todas as áreas procuram outros países e ambientes para gerar conhecimento. Fora do complexo militar, que concentra o interesse do governo, os laboratórios se degradam e manifestações críticas à guerra são duramente reprimidas. A revista Science trouxe uma sequência de depoimentos de cientistas que, ainda na Rússia, mas protegidos pelo anonimato, relataram a censura e a vigilância sobre as universidades e a pesquisa. Cientistas, ainda na Rússia, na condição de anonimato, falaram da mordaça e do controle que constrange hoje a ciência russa. Mesmo assim, contra o medo, uma carta aberta com mais de 4 mil assinaturas de cientistas e estudantes contra a guerra conseguiu circular. E foi reprimida com milhares de prisões. Essa resistência é exemplo para quem acha que a ciência é neutra e nada tem a ver com a política. Ciência não floresce em torres de marfim. Precisa de liberdade e da troca de conhecimento. Seria oportuno que, no G20, a ciência brasileira se manifestasse contra a guerra da Ucrânia e repetisse a exclamação dos cientistas russos gravada na carta aberta: ‘Vamos fazer ciência e não a guerra!'.
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Certas quedas são extremamente bem-vindas... - Lula ausente da reunião do Brics - Igor Gielow (FSP)
domingo, 6 de outubro de 2024
Pessoas cometem erros, países cometem erros: uma análise histórica - Paulo Roberto de Almeida
segunda-feira, 23 de setembro de 2024
ONU adota 'Pacto para o Futuro' com 56 medidas para enfrentar desafios da atualidade (Oposição da Rússia da Venezuela e Nicarágua)
ONU adota 'Pacto para o Futuro' com 56 medidas para enfrentar desafios da atualidade
Críticos alegam que, apesar de conter boas ideias, documento fica aquém das necessidades para mudanças reais.
Em um mundo ameaçado por "riscos catastróficos crescentes" como guerras, mudanças climáticas e pobreza, os líderes dos 193 países da ONU adotaram neste domingo um "Pacto para o Futuro" da Humanidade, apesar da oposição de alguns países como Rússia, Venezuela e Nicarágua. A iniciativa foi lançada na Cúpula para o Futuro, evento paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas, que se desenrola na próxima semana em Nova York.
— Convoquei esta cúpula porque os desafios do século XXI devem ser resolvidos com soluções do século XXI — firmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, após a adoção deste texto com 56 medidas para enfrentar os "maiores desafios do nosso tempo".
Estes desafios vão desde a reforma do Conselho de Segurança da ONU, a arquitetura financeira global, a manutenção da paz e as mudanças climáticas, até questões mais inovadoras, como a Inteligência Artificial.
Guterres lançou a ideia da chamada Cúpula do Futuro em 2021, mas nos últimos dias não escondeu sua frustração diante das dificuldades de chegar a um consenso para um texto ambicioso, para o qual pediu aos Estados que mostrassem "visão", "coragem " e "ambição".
"Acreditamos que existe um caminho para um futuro melhor para toda a Humanidade, incluindo para aqueles que vivem na pobreza e na exclusão", diz o texto, ao qual se opuseram Rússia, Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte e Bielorrússia.
Apesar da oposição dos países liderados pela Rússia, o pacto e os seus anexos (Pacto Global Digital e Declaração para Gerações Futuras) foram adotados por consenso, mas não são vinculantes.
Esta nova "caixa de ferramentas" define novos compromissos, abre "novos caminhos para novas possibilidades e oportunidades”, lembrou Guterres, que prometeu trabalhar "para sua concretização até ao último dia" de seu mandato.
— Abrimos a porta, agora todos nós devemos passar por ela, pois não se trata apenas de nos entender, mas de agir. E hoje os desafio a agir — disse Guterres.
Presente na cúpula, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, na manhã deste domingo, o maior engajamento dos líderes mundiais em termas da agenda global considerados críticos. Ao discursar na sessão de abertura da Cúpula do Futuro, Lula afirmou que "faltam ambição e ousadia" no cenário atual.
— Vamos recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial — afirmou, reconhecendo que houve alguns avanços, como as negociações para um Pacto Digital.
— Todos esses avanços serão louváveis e significativos. Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia.
Lula criticou a falta de dinheiro dos países desenvolvidos para mitigar os efeitos do aquecimento global. Disse que os recursos para financiar projetos ambientais são insuficientes e alertou que os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) podem se transformar em um grande fracasso coletivo.
As críticas também foram feitas por outros participantes e observadores. Embora existam algumas "boas ideias", "não é o tipo de documento revolucionário" para reformar o multilateralismo que Guterres gostaria, disse à AFP Richard Gowan, pesquisador do International Crisis Group, um dos mais importantes centros de estudos internacionais e avaliação de riscos.
A opinião é compartilhada entre diplomatas dos Estados-Membros: "morno", "o menor denominador comum", "decepcionante" são os adjetivos mais frequentes.
O combate ao aquecimento global foi um dos pontos mais sensíveis da negociação, em particular a "transição" das energias fósseis para as mais limpas. Os países em desenvolvimento exigem compromissos concretos relacionados às instituições financeiras internacionais, para facilitar o acesso preferencial ao financiamento de medidas para enfrentar as mudanças climáticas.
Para a ONG Human Rights Watch, o projeto inclui alguns "compromissos importantes" nessa área, e também acolhe os elementos importantes sobre "direitos humanos". Mas "os líderes mundiais devem demonstrar que estão dispostos a agir para garantir o respeito pelos direitos humanos", insiste Louis Charbonneau, especialista da ONG na ONU.
— Este é um sinal positivo para o caminho a seguir, mas o verdadeiro trabalho está na implementação, e os líderes políticos devem transformar esta promessa em ação — reagiu o diretor-executivo do Greenpeace Internacional, Mads Christensen.
— Este pacto deve realmente oferecer um futuro que as pessoas desejam: livre de combustíveis fósseis e um clima seguro.