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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Meus livros podem ser vistos nas páginas da Amazon. Outras opiniões rápidas podem ser encontradas no Facebook ou no Threads. Grande parte de meus ensaios e artigos, inclusive livros inteiros, estão disponíveis em Academia.edu: https://unb.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida

Site pessoal: www.pralmeida.net.
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quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Livros História Diplomática: Visconde do Uruguai e o Direito das Gentes na América, 1849-1865 - Pedro Gustavo Aubert

Fazermo-nos fortes, importantes e conhecidos: o Visconde do Uruguai e o direito das gentes na América: 1849-1865

Descrição:

Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai, atuou fortemente no âmbito da política externa do Brasil Império no período compreendido entre 1849 e 1865. Apesar de já ter ocupado o Ministério dos Negócios Estrangeiros entre 1843 e 1844, é somente a partir de sua segunda gestão à frente da referida pasta que se pode vislumbrar a adoção de uma política exterior mais ativa. Grande parte da historiografia considera o ano de 1849 como um ponto de inflexão na política exterior do Império, que, se até então lidava com questões pontuais, passou a ter uma atuação mais ampla. Saindo do ministério em 1853, não deixou de ser figura central na área, sendo membro atuante da Seção de Justiça e Negócios Estrangeiros do Conselho de Estado, além do papel que cumpriu nas discussões acerca da abertura do rio Amazonas à navegação estrangeira. Ainda que a historiografia já tenha se dedicado a analisar as questões externas do governo imperial (mas dando preferência a tratamentos pontuais), e também a própria atuação política de Paulino de Souza, nenhum trabalho se debruçou especificamente sobre as concepções de política externa do futuro visconde, e tampouco sua importância singular para essa reconfiguração da atuação brasileira frente às nações estrangeiras, e que marcaram os rumos da política externa

nas décadas subsequentes (e nas quais se envolveu diretamente até 1865).


Detalhes
Autor(a)Pedro Gustavo Aubert
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoHistória – América, 1849-1865 | História política - Brasil - Século XIX | Paulino José Soares de Souza | Uruguai | Visconde de, 1807-1866
Ano2024

Edição1ª edição

Nº páginas340

IdiomaPortuguês
ISBN978-65-5209-070-6

 

Pedro Gustavo Aubert, nascido em São Paulo, em 15 de maio de 1984, é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (2017), mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (2011) e graduado em Ciências Sociais Bacharelado (2007) e Licenciatura (2011) pela Universidade de São Paulo. Integra o Grupo de Trabalho de História e Relações Internacionais da Associação Nacional de História – Seção São Paulo (ANPUH-SP), do qual foi coordenador entre 2020 e 2024. Pesquisador do Laboratório de História da Política Internacional Sul-Americana, sediado no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST-UFF). Atuou como professor substituto na UNESP de Franca em 2022. Atualmente, integra o quadro docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São José do Rio Pardo. É coautor do livro Hungria 1956: e o muro começa a cair (2006), organizado por Ladislao Pedro Szabo em parceria com Ângelo Segrillo

e Maria Aparecida de Aquino.

quinta-feira, 5 de junho de 2025

Diplomacia: tradições, mudanças e desafios - livro de Fernando de Mello Barreto (disponível na Biblioteca Digital da Funag)


Diplomacia: tradições, mudanças e desafios

Descrição:
Neste livro, o autor apresenta uma visão completa e atualizada sobre o mundo da diplomacia, desde os principais conceitos, seus fundamentos históricos até os desafios do presente e as perspectivas para o futuro. É um guia acessível tanto para aqueles que aspiram a carreira quanto para o público interessado em temas internacionais.
Disponível: 
https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/loc_pdf/1294/1/diplomacia:_tradicoes_mudancas_e_desafios

Detalhes
Autor(a)Fernando de Mello Barreto
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoBrasil - História diplomática | Brasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE) - história | Carreira pública | Diplomatas | Política Externa - Brasil | Relações Internacionais - Brasil
Ano2024

Edição1a. edição

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Sergio Florêncio: um livro como não há igual na diplomacia brasileira - resenha de Paulo Roberto de Almeida

Reprodução de postagem de 2022, resenha de livro: 

terça-feira, 26 de abril de 2022

Sergio Florêncio: um livro como não há igual na diplomacia brasileira - resenha de Paulo Roberto de Almeida

 Sergio Florêncio: um livro como não há igual na diplomacia brasileira


 
 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Resenha do livro: Sergio Abreu e Lima Florêncio, Diplomacia, Revolução e Afetos: de Vila Isabel a Teerã (Curitiba: Appris, 2022; ISBN: 978-65-250-2114-0)


  

Diplomatas costumam ser funcionários discretos, afáveis, mas reservados; são muito cordiais, mas algo distantes; também são bem-informados, mas geralmente calados; quando escrevem memórias, elas são invariavelmente politicamente corretas, contando largos trechos do itinerário pessoal, mas evitando de ofender quaisquer parceiros diplomáticos, amigos ou “inimigos” do Brasil. Não é o caso deste livro de memórias pessoais e diplomáticas, de um grande e velho amigo de décadas na carreira e que teve uma das trajetórias mais fascinantes, tanto no plano pessoal e familiar, quanto no campo da diplomacia. 

O embaixador Sergio Florência compôs um relato inédito nos anais da diplomacia brasileira, talvez até mundial, o que transparece, aliás, no subtítulo da obra, “de Vila Isabel a Teerã”, antes e depois da revolução dos aiatolás. O título já chama a atenção, não só pelos termos, mas sobretudo pela proporção, inversa, de seus componentes: as “memórias” começam por sete capítulos dedicados à “revolução”, mais exatamente pelo “filho da revolução”, o do próprio Sérgio e de Sonia, nascido na capital iraniana na turbulência dos anos em que ele se desempenhou como “encarregado de negócios” na embaixada do Brasil, depois que o embaixador, muito ligado à família do xá, foi retirado pelo Itamaraty. 

A “diplomacia” aparece na segunda parte, dez densos capítulos, menos dedicados a temas de política internacional e bem mais a “personagens” da convivência profissional do autor, inclusive este que aqui escreve, homenageado duplamente, numa recepção em sua casa, quando de minha tardia promoção, e no segundo capítulo deste bloco, onde sou tratado como “o embaixador ombudsman”. Finalmente, a terceira parte, a mais emotiva e sensível, trata dos afetos, aparentemente apenas 26 deles, mas muito mais do que isso, como transparece em cada uma das linhas dedicadas a filhos, netos, à sua mulher, familiares, conhecidos, interações inesperadas, até animais. Finalmente, dois apêndices voltam a tratar da revolução iraniana e um final relata o refúgio na embaixada do Brasil em Quito, onde Sérgio era embaixador, do presidente do Equador, escapando de um golpe de Estado.

Quando digo que este livro de “memórias” não se parece em nada com outras memórias diplomáticas, fica transparente logo no primeiro capítulo da terceira parte, a dos afetos, quando Sérgio discorre de forma amorosa sobre o seu “meio século de flor amorosa” ao lado de Sonia, primeiro cercando aquela moça “muito linda, sabida e irreverente”, depois inventando uma desculpa qualquer para visitar a jovem revisora do Jornal do Brasil, para culminar no pedido de casamento, em 1971, e o que veio depois, como ele mesmo descreve numa mensagem ao filho, em 2021, sobre a lua de mel improvisada:

Cinquenta anos atrás eu partia com sua mãe, um Fusquinha branco, uma barraca, para uma aventura que gerou quatro filhos, oito netos, 27 mudanças de casa, sete países, uma Revolução Islâmica, um golpe de estado latino-americano e muitas coisas que as estatísticas não sabem contar. (p. 80)

 

A crônica seguinte, “A menina do Sacré-Coeur e o sertanejo do Seridó” vai no memo tom, relatando a miscigenação cultural entre uma estudante que falava francês e o migrante do sertão para a aventura no Rio de Janeiro dos anos 1930, que se encontraram alguns anos depois nos corredores do Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores do Estado Novo: 

Nesse ministério..., a Menina do Sacré-Coeur, que falava francês e tocava piano, apaixonou-se pelo Sertanejo do Seridó, que gostava de trovadores, repentistas e de baião. Em certo sentido era a elite que se encontrava com o povo. (p. 83)

 

Mas não só a parte dos “afetos” tem esse tipo de tratamento coloquial, uma narrativa sobretudo intimista, um Proust de Vila Isabel, onde o casal se instalou, mas as duas outras partes também tratam de assuntos “sérios” num linguajar coloquial, quase um Balzac do subúrbio do Rio. Impagável é o relato da “avó monarquista”, a atalhar os netos que pretendiam que a República era mais democrática: “E a Inglaterra? Você quer dizer que o Brasil, essa republicazinha, é mais é mais democrática que a Inglaterra? Ora bolas, vocês são uns bobos.” (p. 96). Impressionante também é o relato, bem mais dramático, sobre a retirada da família de Teerã durante a revolução e a guerra contra o Iraque, quando Sérgio contrariou as instruções de Brasilia e fez pessoalmente a viagem de carro até a fronteira da União Soviética, quanto o Itamaraty queria que os familiares saíssem pela Turquia, o que revela o espírito decidido do então jovem diplomata encarregado de negócios: 

Considerava uma irresponsabilidade colocar os brasileiros diante de graves riscos apenas para cumprir uma ordem que desconhecia a realidade. Tive um bate-boca com um diplomata que minha memória seletiva apagou do mapa. Só me lembro esbravejando um grito de independência: ‘Vocês têm poder para fazer o que quiserem. Mas fiquem sabendo de uma coisa: minha mulher e nossos três filhos não vão pela Turquia de jeito nenhum. Vão pela União Soviética. Nem com ordem do Presidente da República.” O bate-boca chegou aos ouvidos do então Chefe da Divisão de Comunicações, que depois vim a descobrir ser uma pessoa encantadora – Claudio Sotero Caio – e foi aprovada a rota via União Soviética. (p. 35)

 

O resto desse relato é eletrizante, como se fosse um roteiro de filme de Hollywood, com lances sempre inesperados, inclusive trafegar a toda velocidade, com faróis apagados, numa Teerã em pleno toque de recolher. Mas não só os capítulos “revolucionários” são absolutamente fascinantes, todo o livro transparece a maneira otimista, e divertida, de relatar casos os mais bizarros e inusitados num estilo próprios dos grandes mestres da escrita, como aliás confirma o prefaciador, sob a pena do embaixador Rubens Ricupero: 

Se o livro de Sergio Florêncio fosse uma composição musical, não seria uma sinfonia, mas sim um ciclo de canções ou de peças de piano como as de Robert Schumann, ligadas por um fio comum. Isto é, em lugar de uma peça única cheia de som e fúria para orquestra grandiosa, o que nos oferece o livro é a escala humana intimista, em surdina, da música de câmara, um conjunto de breves textos alados, transpirando graça, leveza, humor e harmonia, durando dois ou três minutos no máximo, como as Cenas de Infância ou o Carnaval de Schumann. (p. 11)

 

Tenho especial satisfação de fazer esta resenha, não pela generosa dedicatória que Sérgio me fez, ao entregar-me o livro na Biblioteca do Itamaraty – na qual ele reconhece meu “trabalho competente e corajoso de denunciar os graves equívocos (e acertos) de nossa política externa” – mas também por dedicar um capítulo inteiro a este diplomata contrarianista, chamado de “embaixador ombudsman”, como já referido. Já seu primeiro parágrafo me soa inteiramente elogioso, mas também correto no plano institucional: 

Toda instituição de excelência necessita, com certa regularidade, fazer autocrítica. Entretanto, entre seus integrantes, poucos são aqueles com vocação ou capacidade para exercer essa difícil função.

O Itamaraty tem o privilégio de contar, em seus quadros, com um diplomata com esse perfil. Tem nas veias o sangue da contestação intelectual, o fascínio pelo debate de ideias e o respeito ao contraditório. Pessoas com essas virtudes têm, em geral, um percurso profissional marcado por incompreensão, crítica e injustiça. (p. 54)

 

Sou imensamente grato ao Sérgio Florêncio por ter reconhecido minhas tribulações profissionais, já pela segunda vez, durante a “tragédia” que foi a gestão do ex-chanceler acidental, como eu sempre me referi ao autor dos delírios diplomáticos durante a primeira metade do governo negacionista e antiglobalista: 

Nesse momento sombrio, Paulo tem sido o mais obstinado e contundente crítico da desastrosa política externa. Ele personifica o Ombudsman de uma instituição dilapidada em seus alicerces pela irresponsabilidade do presidente e do Chanceler. (p. 55; texto de 30 de janeiro de 2021, pouco antes da queda do desequilibrado gestor)

 

Mas ele também presta homenagem a um dos seus mais agradáveis chefes de posto, o romancista e acadêmico Josué Montello, que foi o titular da delegação do Brasil junto à Unesco, em Paris, quando Sérgio ali serviu com esse “Grande Contador de Histórias”, como se chama esse capítulo, no qual descreve o “método” de um escritor compulsivo que, acometido por insônia, encontrou a técnica para “enganar” a necessidade de dormir, com isso conseguindo produzir mais de cem livros:

Todas as madrugadas, por volta das três da manhã, ele despertava, sentava em frente a uma folha de papel em branco e não resistia. Era preciso preencher aquela ‘tabula rasa’ que nada continha. Mas que despertava irresistível encanto em meu Grande Contador de Histórias. (...)

Compreendi então sua máxima a respeito da irresistível atração que uma folha de papel em branco exerce sobre todo homem. Seria essa atração um movimento, uma inclinação de toda a humanidade? Seria o mero resultado de um metabolismo individual que passou a ser respeitado? Fica a pergunta no ar. (...)

Mas a atração da folha virgem alimentava uma criatividade exponencial, gerava frutos de uma mente que não parava de produzir histórias, de contar um conto sempre acrescentando um ponto. Tão grande era sua pulsão criativa, que nas manhãs de trabalho, como Embaixador do Brasil na Unesco, precisava contar a seu colaborador a arte de ocupar o espaço de uma folha de papel em branco. (p. 72)

 

Creio que eu e Sérgio padecemos do mesmo “mal”: não podemos ver uma folha de papel em branco, no meu caso prolongando a noite durante várias horas, madrugada adentro, nos velhos tempos preenchendo cadernos e mais cadernos de notas, de uns tempos para cá, contemplando uma desafiadora tela em branco no processador de textos. Assim concluo, pois, às 3hs da madrugada, a leitura deste fascinante livro de Sérgio Florêncio. Recomendo a todos que façam o mesmo, nos horários que julgarem mais convenientes. Comecem pelos afetos, depois enfrentem o roteiro da revolução e terminem pela diplomacia. Mas, em qualquer ordem, as crônicas desta autobiografia emotiva são absolutamente encantadoras.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4135: 26 abril 2022, 4 p.


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Permito-me incluir aqui, nesta postagem, o capítulo do livro que ele dedica a mim: 


 

2.2 PAULO ROBERTO, O EMBAIXADOR OMBUDSMAN 


     In: Sergio Abreu e Lima Florêncio: Diplomacia, Revolução e Afetos: de Vila Isabel a Teerã (Curitiba: Editora Appris, 2022; p. 54-55) 


 

Toda instituição de excelência necessita, com certa regularidade, fazer autocrítica. Entretanto, entre seus integrantes, poucos são aqueles com vocação ou capacidade para exercer essa difícil função. 

O Itamaraty tem o privilégio de contar, em seus quadros, com um diplomata com esse perfil. Tem nas veias o sangue da contestação intelectual, o fascínio pelo debate de ideias e o respeito ao contraditório. Pessoas com essas virtudes têm, em geral, um percurso profissional marcado por incompreensão, crítica e injustiça. Esse é o caso de Paulo Roberto de Almeida. 

Personifica a inteligência contestatária que, apesar dos pesares, a instituição teve a sabedoria de preservar. Entretanto, essa vertente iluminista foi esquecida ao longo de uma década e meia e, nos últimos dois anos, sepultada da forma mais devastadora e abjeta. 

Conheci Paulo no início do Mercosul, ele assessor do Rubens Barbosa, e eu, Chefe da primeira Divisão do Mercosul, junto a talentosos jovens diplomatas, como Eduardo Saboia, João Mendes, Haroldo Ribeiro e Raphael Azeredo. Já naquele tempo era visível sua obstinação pelo conhecimento multidisciplinar, pela pesquisa, pela rebeldia esclarecida, pela irreverência intelectual, pela destruição criadora shumpeteriana que estimula seus neurônios. 

Sempre admirei essa essência anímica do Paulo – essa junguiana “chama da alma”. Diversas vezes o aconselhei a arrefecer a chama, mas jamais extingui-la. Na verdade, meu receio maior não residia na sua essência anímica, mas nos Bombeiros de Farenheit 451, sempre prestes a inverter a direção das labaredas. 

Paulo deu relevante contribuição para a política externa do período de Fernando Henrique, em especial no momento-chave da criação do Mercosul. Soube reconhecer os méritos da diplomacia de Lula, ao mesmo tempo em que se revelou crítico contundente dos graves excessos e desvios, particularmente comprometedores na gestão ineficaz e equivocada de Dilma. 

Pela crítica corajosa à influência negativa do PT sobre a diplomacia brasileira, foi vítima de prolongada e injusta marginalização que estacionou sua carreira. Apenas no governo Temer, com o Chanceler Aloysio Nunes, teve o reconhecimento merecido, mas adiado de forma injustificável por uma década e meia. Foi então nomeado Diretor do IPRI – Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais. Ali estava o homem certo no lugar certo. Teve desempenho brilhante e altamente dinâmico. 

Nessa época, os jovens diplomatas que, junto comigo, conheceram Paulo nos chamados tempos heroicos do Mercosul, haviam então galgado posições de direção e souberam fazer justiça a esse batalhador da nossa política externa. Além disso, Embaixadores de grande prestígio, como Rubens Ricúpero e Rubens Barbosa (seu chefe durante anos), defenderam Paulo e se empenharam por sua promoção a Embaixador. Foi nesse momento que organizei encontro em nossa casa para celebrar o tão adiado reconhecimento do mérito. Disse então que não estávamos festejando a promoção do Paulo, porque era o Itamaraty que estava sendo promovido. Promovido pelo resgate da justiça. 

Com a eleição de Bolsonaro, a política externa brasileira perdeu prin­cípios, valores e paradigmas que marcaram sua história. Nas áreas de meio ambiente, direitos humanos, multilateralismo, relações bilaterais, o Brasil tem hoje a diplomacia do delírio, da submissão e do prejuízo ao interesse nacional. É uma tragédia a gestão do Chanceler Ernesto Araújo. 

Paulo, uma das primeiras vítimas desse desvario, foi logo afastado da direção do IPRI. O motivo, de tão ridículo, vale aqui ser lembrado – autorizou a publicação de entrevistas de FHC, Rubens Ricúpero e do próprio nos Cadernos de Política Exterior da Funag. 

Nesse momento sombrio, Paulo tem sido o mais obstinado e contundente crítico da desastrosa política externa. Ele personifica o Ombudsman de uma instituição dilapidada em seus alicerces pela irresponsabilidade do Presidente e do Chanceler.

 

Brasília, 30 de janeiro de 2021.


domingo, 23 de fevereiro de 2025

Política externa, diplomacia, democracia, adequação aos interesses nacionais - Paulo Roberto de Almeida

Política externa, diplomacia, democracia, adequação aos interesses nacionais

Paulo Roberto de Almeida

        Durante toda a minha trajetória como diplomata de carreira, eu sempre fiz uma nítida distinção entre a política externa, ou seja, uma das políticas setoriais de Estado, a diplomacia, ou seja, a ferramenta do Estado para, não conduzir, mas para operar a política externa, e a adequação de ambas ao que eu mesmo concebia como sendo os interesses nacionais, ou seja, uma interpretação subjetiva, mas mais ou menos compatível com o que eu mesmo já tinha aprendido depois de longos anos passados nas bibliotecas e em intensas leituras e a partir de uma atenta observação da realidade, não apenas a do próprio Brasil, onde vivi até os 20 anos, e aquela que observei diretamente a partir dos 21 anos, e durante quase sete anos vivendo na Europa, mas viajando intensamente por vários lugares do mundo.

        Pois bem, voltei ao Brasil em 1977 e, em lugar de começar uma carreira universitária, como era minha vocação e vontade, ingressei mais ou menos por acaso na diplomacia, e servindo ao regime que eu, não apenas desprezava, mas que tinha combatido desde a adolescência, numa precoce politização de esquerda em meados dos anos 1960. Tendo aprendido o que era desenvolvimento, políticas econômicas e política internacional, durante uma nova graduação – eu tinha largado Ciências Sociais na USP depois que o AI-5 cassou meus professores mais admirados: Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e vários outros –, um mestrado em Economia e um começo de doutoramento em Sociologia Histórica, deixada no meio justamente pela volta ao Brasil. Fazer o concurso (direto, não o vestibular do IRBr) para o Itamaraty significava verificar se eu estava fichado ou não pela ditadura, depois de passar quase sete anos escrevendo contra o regime militar  – meu primeiro trabalho publicado foi este aqui, escrito em novembro de 1972: “L’Etat Brésilien”, Bruxelas, La Revue Nouvelle (Bruxelles, 29, LVIII, 11, spécial Amériques Latines, nov. 1973) – e, por incrível que pareça eu NÃO estava fichado, tanto por que sempre escrevi com nom de plume, e também porque mantive minha identidade não revelada nos contatos com a esquerda exilada. Mas fui fichado pelo SNI logo em 1978, como "diplomata subversivo", como soube muitos anos depois ao consultar o diretório do SNI no Arquivo Nacional de Brasília (tenho de agradecer ao pessoal por ter preservado meu primeiro trabalho de "diplomacia alternativa", que escrevi para o candidato de oposição, nas eleições indiretas que se desenrolavam então).

    A política externa do regime militar, com a esperada exceção dos temas tabu para a ditadura (comunismo, URSS, Cuba, China de Mao, guerrilhas na AL etc.), era praticamente toda ela moldada no Itamaraty, baseada na Política Externa Independente (sem essa designação, obviamente) e parecia se encaixar bastante bem no que se poderia considerar como os objetivos nacionais permanentes da nação: com exceção de um regime democrático, era o desenvolvimento econômico e social (em segundo lugar), a cooperação internacional, a transferência de tecnologia, a integração regional, o multilateralismo, o universalismo de nossas relações, ou seja, o menu tradicional de uma ideologia nacional do desenvolvimento que vinha da era Vargas, tinha sido aperfeiçoada na presidência JK e tinha tido continuidade no Itamaraty desde então (desenvolvimentismo, cepalianismo, uctadianismo etc.).

        Comecei a dissentir precocemente do conjunto de propostas diplomáticas, e de política externa, cabe dizer, quando constatei que, a despeito de todos os discursos (sempre grandiloquentes) e todas as políticas supostamente conducentes para o Santo Graal do desenvolvimento econômico e social, o Brasil continua um país teimosamente atrasado, ou pelo menos não atingia o objetivo ideal de transpor a barreira do desenvolvimento autônomo e sustentado. Isso com base em todos os meus estudos e observações externas, de países desenvolvidos e da imensa maioria de "países em desenvolvimento" (e muitos longe do ideal democrático, como era o nosso até o final da ditadura), de onde eu concluía que tínhamos de mudar de políticas, se desejássemos saltar a barreira, por dificuldades nossas, não de qualquer má vontade das grandes potências no cerceamento do acesso a tecnologias mais avançadas, ou de pouca cooperação na promoção do nosso próprio desenvolvimento. Tendo observado o que dava certo, e o que não dava certo nas políticas ativas manipuladas pelo Estado, comecei a desenhar o caminho alternativo da integração ao bloco dos países desenvolvidos pela via da educação e da produtividade. 

        Desde o início da Rodada Uruguai (estou falando de 1987, portanto), comecei a desconfiar daquela política de "tratamento preferencial e mais favorável para países em desenvolvimento", o que nos deixava no mínimo denominador comum dos países mais atrasados (inclusive não necessariamente democráticos). O governo Collor já representou uma ruptura com a política externa e a diplomacia conduzidas desde os anos 1950, que atravessou o regime militar e adentrou na redemocratização. Depois das hesitações do governo de transição de Itamar – contra as privatizações, a abertura comercial etc. –, os dois mandatos de FHC representaram uma mudança moderada nas políticas desenvolvimentistas do passado, com uma inclinação favorável à globalização e aos países social-democratas daquele momento. As crises financeiras dos anos 1990, assim como os próprios ajustes que cabia fazer no Plano Real, dificultaram um pouco essa transição (incompleta) para um novo conteúdo de política externa e um novo estilo de diplomacia, menos desenvolvimentista, e mais inclusiva no "clube dos ricos"(OCDE), mais interdependente. Minha resposta ia nessa direção, e por isso era visto com desconfiança pela ortodoxia diplomática. 

        A partir dos anos 2000, adentramos no novo mundo do desenvolvimentismo ativo e altivo, ou seja, o alinhamento com um mal definido Sul Global, a preferência por uma "diplomacia Sul-Sul", a conformação de alianças mais ou menos opostas ao mundo dos "hegemônicos", vale dizer, dos ex-colonialistas europeus e dos americanos imperialistas. Era a política externa da "nova geografia da economia mundial" e a diplomacia anti-hegemônica, que se tornou especialmente dinâmica e visível quando saímos do ambiente limitado da Unasul (anti-OEA, cabe registrar) e do IBAS (Índia e África do Sul apenas) para a grande janela do BRIC, com duas grandes potências, o que aumentava exponencialmente nossa presença no mundo. Eu talvez tenha sido o único diplomata – pelo menos que expressou seu pensamento de maneira aberta – que expressou divergência com tal projeto de aliança política (teoricamente apenas econômica ao início) com duas grandes potências claramente orientadas para um mundo bastante diferente do ambiente em que sempre se movimentou a diplomacia brasileira e a política externa. A questão central em minha oposição ao BRIC – depois expandido a BRICS, pelas mãos da China – era justamente o fato de juntar o Brasil, um país razoavelmente democrático (com deficiências) a duas grandes potências claramente autoritárias, com prioridades de política externa (e até de políticas domésticas) bastante diferentes de nossos interesses gerais na área econômica, política e na política internacional.

        O BRIC-BRICS conheceu um grande sucesso de imagem internacional, pelo menos até o início da guerra da Ucrânia, que coincidiu com a confirmação de uma espécie de consolidação da aliança China-Rússia numa postura claramente antiocidental e antiamericana. Normalmente, a política externa do Brasil, seguida por sua ferramenta diplomática, adotaria uma política de cauteloso distanciamento das grandes divisões geopolíticas de escopo mundial, para nos concentrarmos em nossos interesses tradicionais e imediatos: o desenvolvimento do país, por meio de uma política de relacionamento correto, autônomo com todos os países e grandes potências, independente dessa divisão geopolítica de âmbito mundial, cujas disputas não atendem a esses interesses nacionais. 

        Mas, foi exatamente o que Lula fez, aliás, desde o primeiro mandato, e com muita ênfase, neste terceiro mandato (de fato, desde a campanha eleitoral de 2022): declarar preferência pelo projeto absolutamente vago e indefinido de uma "nova ordem global multipolar", sendo que tal orientação não foi jamais discutida com a sociedade (embora apoiada com entusiasmo pela maior do establishment acadêmico).

        Não tenho nenhuma dificuldade em ser um contrarianista em face dessa orientação que me parece não apenas negativa, mas prejudicial ao Brasil, como Estado, como nação, como democracia, como país promotor da integração regional – que é nossa circunstância geográfica – e como sociedade dotada de princípios e valores que estão diametralmente opostos aos que orientam as políticas estatais das duas grandes potência aliadas no BRICS (e que agora estão ampliando de forma exacerbada o grupo, já identificada com uma agenda antiocidental).

        Esta seria a nossa política externa e a nossa diplomacia pelos dois anos à frente, talvez mais? Tenho dúvidas de que seja razoável ou desejável.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 23/02.2025


quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O Brasil e sua política externa e sua diplomacia (2020) - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e sua política externa e sua diplomacia: um exercicio de planejamento diplomático feito em 2020

Paulo Roberto de Almeida

O texto abaixo foi escrito em 2020, sob o impacto das deformações introduzidas em nossa política externa pelo chamado “bolsolavismo diplomático” dos dois primeiros anos do desgoverno dos amadores e ignorantes que converteram o Brasil em “pária internacional”. Eu fiz então um exercicio de reconstrução e de planejamento diplomático.
Nota introdutória feita em janeiro de 2025, já sob o domínio do “lulopetismo diplomático”, que certamente introduziu outras “peculiaridades” em nossa política externa, afetando o trabalho da diplomacia profissional.

A política externa e a diplomacia são coetâneas à própria construção da nação, aliás desde antes mesmo que ela assumisse o formato político de um Estado independente, como brilhantemente demonstrado pela obra que já nasceu clássica do embaixador Rubens Ricupero: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (2017). A primeira fase da existência da nação foi dedicada à construção do próprio Estado, em meio a grandes comoções políticas, guerra no Prata e rebeliões internas, que exigiram um constante sentido de unidade nacional da parte dos dirigentes políticos, seja no turbulento primeiro Reinado, seja na ainda mais desafiada década das regências. Infelizmente, esses dirigentes não atenderam aos conselhos de Bonifácio e Hipólito, no sentido de se lograr uma rápida extinção do tráfico escravo e a liberação progressiva do recurso à escravatura, o que gerou uma grave deformação na formação da nova nação, que prolongou seus efeitos pelo resto do século XIX, durante todo o século XX e que ainda hoje projeta seus efeitos nefastos sob a forma de iniquidades sociais pouco compatíveis com a relativa sofisticação do desenvolvimento material do país.
A lenta construção de uma sociedade inclusiva vem sendo, durante todo o período recente, dificultada por um sistema político extremamente fragmentado, por uma democracia de muito baixa qualidade – porque marcada pelo mau funcionamento do Estado e pelo grau elevado de corrupção política –, o que vinha sendo parcialmente compensado por uma diplomacia particularmente exitosa, de grande qualidade e muito ativa. Infelizmente, essa trajetória parece temporariamente interrompida [EM 2020] por uma grande ruptura com padrões aceitáveis de uma governança responsável, ao ser guindado no comando do país um político de tendências autocráticas, particularmente inepto em matéria de políticas públicas e excepcionalmente medíocre no tocante a uma política externa, já não se diga de qualidade, mas meramente aceitável, segundo alguns padrões a que se estava minimamente acostumado nas décadas anteriores. O resultado tem sido, nos dois anos e meio do presente mandato de Bolsonaro, uma governança caótica, improvisada, e uma diplomacia que logrou provocar o isolamento total do Brasil na região e na maior parte do mundo, sendo que o chanceler parece satisfeito com a condição de “pária internacional”.
O Brasil tem sido um fornecedor altamente competitivo de produtos que se inserem plenamente em suas vantagens ricardianas permanentes, ou seja, os bens derivados das atividades de exploração de seus recursos naturais abundantes, o que promete continuar pelo futuro indefinido. De fato, o Brasil é um grande ofertante de todos os produtos que correspondem à sua matriz secular de economia extrativa e de base agrícola, mas tem enormes dificuldades para se inserir nos mercados de produtos de maior valor agregado, como os da eletrônica avançada, os da química fina e, de forma geral, produtos intangíveis, ou da inteligência.
Vantagens comparativas, justamente, constituem a base sobre a qual se assentam os duplos fluxos, in e out, que todo país mantém com todos os demais, à base das assimetrias naturais que são as que sustentam as interações de todos os tipos. O Brasil tem inúmeras vantagens comparativas, absolutas e relativas, e uma análise prospectiva pode revelar em quais direções o país deve dirigir os seus esforços de investimento nos próximos anos, o que exige, obviamente, um governo que escape do jogo mesquinho da política corrente [isto é, em 2020] para visualizar os cenários futuros abertos ao engenho e à arte do povo brasileiro, dos seus agentes econômicos, dos seus artistas, músicos e esportistas. O mapa diplomático brasileiro é um dos mais extensos do mundo, o que deveria facilitar um esforço de identificação de tendências de consumo e de desenvolvimento em cada um dos países nos quais temos representação. Por uma vez, caberia, sem descurar nossas vantagens baseadas em recursos naturais dos últimos 500 anos, explorar as futuras vantagens, com base na projeção do que podemos fazer no quadro da economia do conhecimento e da sustentabilidade.
É certo que o Brasil se encontra, às vésperas do segundo centenário de sua independência, numa situação miserável, o resultado de erros monumentais da condução de sua política econômica nos 15 anos anteriores, da inércia governamental decorrente de uma corrupção política também mastodôntica, de uma incapacidade geral de suas elites políticas e econômicas em realizar um diagnóstico correto dos problemas existentes e, a partir daí, traçar um roteiro de reformas estruturais para superar a “estagnação secular” que nos atinge desde os anos 1980. É certo também que o governo atual [de Bolsonaro] se apresenta como um dos mais medíocres de toda a história do Brasil, não apenas por não conseguir estabelecer qualquer programa de governança racional, mas igualmente e sobretudo por ter elevado, de maneira extraordinária, a ignorância aos pináculos do poder. A olhar a história passada não se consegue identificar um governo que tenha consagrado o preconceito e o despreparo como credenciais para a ocupação de postos no governo, desde que identificados os candidatos com as “ideias” bizarras dos titulares do poder. O Itamaraty, infelizmente, não ficou imune a essa tendência.
Uma alternância no poder, que virá no momento oportuno, deveria encontrar um Itamaraty renovado, aliviado da depressão atual, com uma nova geração devotada justamente a um outro tipo de política externa e de diplomacia, adequada a um mundo sensivelmente diferente do que tivemos até aqui. Os mais jovens, que subirão a postos de mando nos próximos anos, terão de se organizar de forma autônoma, dado o virtual esgotamento de ideias, não exatamente entre os diplomatas, mas entre aqueles políticos que poderiam liderá-los na concepção e implementação de uma nova política externa, a partir, igualmente, de uma nova diplomacia.
Diplomacia, em qualquer tempo, em qualquer lugar do mundo, para todos os tipos de situações, inclusive em caso de guerras, significa, antes de tudo e principalmente, capital humano. Muito antigamente, a diplomacia era uma função episódica, reservada aos enviados dos soberanos, que para isso mesmo escolhiam os seus melhores assessores, ou nobres de fino trato, conhecimento de línguas e algumas posses, pois também era preciso exibir alguma pompa. Nas burocracias modernas, os diplomatas também se distinguem por sua educação refinada, domínio perfeito de outros idiomas e uma real vocação para a missão, que não é, justamente, simplesmente burocrática.
A primeira academia diplomática nasceu em Viena, entre os Habsburgos, e depois disso a maior parte das diplomacias modernas criou instâncias de formação e treinamento de seu pessoal diplomático e consular (ainda duas carreiras separadas em alguns serviços). A despeito de ser relativamente recente, criado em 1945, o Instituto Rio Branco ganhou bastante prestígio, talvez nem tanto pelo que se estuda ali, mas pela preparação prévia que os candidatos já precisam ter para serem selecionados para a carreira. Em todo caso, o IRBr e o IPRI deveriam servir para a formação constante, o treinamento e o aperfeiçoamento dos diplomatas, que já são excelentes, mas que podem ficar ainda melhores se constantemente levados a continuar nos estudos, dentro e fora da própria Casa. Muitos deles hoje exibem mestrados e doutorados, no Brasil e no exterior, mas nem sempre uma visão puramente acadêmica é o que se requer no trabalho ativo, e sim a própria experiência adquirida nas frentes negociadoras, e na observação atenta de como são, como funcionam (ou não) outros países, por vezes os mais exóticos.
O capital humano do Itamaraty já é bom, de ingresso, mas pode ficar ainda melhor, se adequadamente estimulado, incentivado, cobrado a incrementar seus estudos e experiências com base num programa integrado das unidades de ensino, pesquisa e debate da Casa, com publicações constantes, até em áreas da cultura e da literatura em geral, não diretamente funcionais para o trabalho burocrático modorrento.
Um planejamento estratégico para a diplomacia brasileira deveria partir de um diagnóstico dos desafios principais do país, para a partir daí começar a traçar as grandes linhas de ação da política externa e da atuação da Casa naquelas áreas e espaços nos quais se requer a ação da diplomacia para subsidiar os esforços de desenvolvimento nacional (sim, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido, não tanto pelas insuficiências de sua indústria ou agricultura, mas pela pobreza do seu povo e pela desigualdade vergonhosa que caracteriza nosso perfil distributivo). Um exercício de planejamento estratégico, como em vários outros esforços de ganhos de produtividade, pode até fazer com que o Itamaraty continue fazendo muito do que já faz atualmente, ou o que sempre fez: informação, representação, negociação.
Mas ganho de produtividade significa fazer o mesmo com menos custos, ou fazer mais com os mesmos custos, o que me parece mais interessante. Isso depende basicamente do capital humano, que deve ser treinado a fazer algo mais do que simplesmente informar a Secretaria de Estado sobre o que se passa no seu posto e pedir instruções sobre como proceder para dar cumprimento à sua agenda de trabalho. Um planejamento estratégico para a diplomacia brasileira deveria partir de um diagnóstico dos desafios principais do país, para a partir daí começar a traçar as grandes linhas de ação da política externa e da atuação da Casa naquelas áreas e espaços nos quais se requer a ação da diplomacia para subsidiar os esforços de desenvolvimento nacional (sim, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido, não tanto pelas insuficiências de sua indústria ou agricultura, mas pela pobreza do seu povo e pela desigualdade vergonhosa que caracteriza nosso perfil distributivo).
Um exercício de planejamento estratégico, como em vários outros esforços de ganhos de produtividade, pode até fazer com que o Itamaraty continue fazendo muito do que já faz atualmente, ou o que sempre fez: informação, representação, negociação. Mas ganho de produtividade significa fazer o mesmo com menos custos, ou fazer mais com os mesmos custos, o que me parece mais interessante. Isso depende basicamente do capital humano, que deve ser treinado a fazer algo mais do que simplesmente informar a Secretaria de Estado sobre o que se passa no seu posto e pedir instruções sobre como proceder para dar cumprimento à sua agenda de trabalho. O planejamento estratégico da diplomacia brasileira deveria oferecer aos diplomatas os grandes temas relevantes do seu trabalho. Este não necessariamente será sobre a agenda diplomática do país ou do órgão em questão, pois esse é o lugar comum e o pão diário de todo diplomata, mas poderá ser a vida interna do país, seus êxitos e fracassos no tratamento e encaminhamento dos seus principais problemas nas questões econômicas, sociais, culturais, educacionais, e questões conexas.
Digo isso porque quer me parecer que o Brasil não possui nenhum problema internacional digno de nota, em todo caso algum que derive de suas posturas diplomáticas, que sempre me pareceram bastante corretas (menos as atuais, que são horrorosas, mas essa é outra questão [isto é, 2020]). O que o Brasil exibe ao mundo, e que precisa ser corrigido urgentemente, são, precisamente, sua situação calamitosa no plano social, a ineficiência de seu Estado, com seus mandarins privilegiados, a falta de segurança pública, a pobreza andrajosa das ruas, o desempenho calamitoso de seus estabelecimentos de ensino de massa, a corrupção nas altas esferas públicas, a violência contra os mais humildes e minorias, a falta de um Estado de Direito, o que também tem a ver com o lado perdulário e pouco produtivo do Judiciário. O Brasil possui inúmeras “jabuticabas”, que não existem em outros países, e que não teriam por que subsistir aqui; uma boa observação a partir do exterior, com base naquilo que já se conhece do Brasil, pode permitir detectar tudo isso.
Ou seja, os diplomatas podem continuar fazendo aquilo que sempre fizeram, mas um outro olhar de fora do Brasil para dentro poderia ajudar bastante a corrigir nossas deformações mais gritantes. O Brasil será um país melhor para o mundo quando ele for melhor para si mesmo, para os seus filhos, em especial os mais humildes. Não sei se esse seria um bom exercício de planejamento diplomático, mas a mim parece suficientemente gratificante como para justificar algumas horas a mais a estudar o Brasil no Instituto Rio Branco e no IPRI, e algumas horas a mais, no exterior, a estudar o país em seus aspectos internos, e não apenas a sua diplomacia e suas posturas negociadoras. Tais são, parece-me, as bases para o estabelecimento de um verdadeiro e completo planejamento estratégico para o serviço diplomático brasileiro.

Paulo Roberto de Almeida
(2020)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Diplomacia: tradições, mudanças e desafios: livro de Fernando de Mello Barreto (2024) - disponível na Biblioteca Digital da Funag


 

Diplomacia: tradições, mudanças e desafios

Descrição:
Neste livro, o autor apresenta uma visão completa e atualizada sobre o mundo da diplomacia, desde os principais conceitos, seus fundamentos históricos até os desafios do presente e as perspectivas para o futuro. É um guia acessível tanto para aqueles que aspiram a carreira quanto para o público interessado em temas internacionais.


Detalhes
Autor(a)Fernando de Mello Barreto
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoBrasil - História diplomática | Brasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE) - história | Carreira pública | Diplomatas | Política Externa - Brasil | Relações Internacionais - Brasil
Ano2024

Edição1a. edição

Nº páginas293

IdiomaPortuguês
ISBN978-65-5209-067-6

Link: 

https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1294

terça-feira, 26 de novembro de 2024

A questão da Hierarquia e da Disciplina, nas Forças Armadas e na Diplomacia (1a parte) - Paulo Roberto de Almeida

A questão da Hierarquia e da Disciplina, nas Forças Armadas e na Diplomacia (1a parte)

Paulo Roberto de Almeida


Ao retornar, em março de 1977, de um autoexílio na Europa, iniciado no final de 1970, a partir do recrudescimento da máquina repressora do regime militar contra os opositores da ditadura, entre os quais eu me incluía ativamente, retorno decidido depois que o então general-presidente Ernesto Geisel anunciou uma “abertura gradual e flexível”, eu me engajei imediatamente no movimento político pela redemocratização e pela anistia dos exilados. Durante todo o tempo passado na Europa, dedicado, ao lado dos estudos, ao trabalho informativo e analítico de resistência à ditadura, preservei minha identidade, escrevendo e me reunindo sob o disfarce de pseudônimos, preservando assim meu passaporte.

Ao me reintegrar a atividades docentes em faculdades privadas de São Paulo, eu visava iniciar uma típica carreira acadêmica numa das grandes universidades públicas do Brasil, o que só seria possível por concurso. Poucos meses depois, o único concurso anunciado, lido numa curta nota da FSP, foi o de um concurso direto para a carreira diplomática, aberta — à diferença dos vestibulares para o curso de formação de diplomatas pelo Instituto Rio Branco, que exigia somente dois anos de qualquer curso superior — a titulados completos, ou seja, graduados do terceiro ciclo. Eu já tinha graduação e mestrado completos, e estava em meio a um doutoramento em Sociologia Histórica, deixado interrompido ao decidir retornar ao Brasil.

Não pretendia voltar a ser aluno de algum curso de graduação, mas tampouco tinha conhecimento de minha situação junto aos órgãos de segurança e de investigação, bastante ativos inclusive no exterior. O concurso seria, portanto, uma maneira indireta de “testar minha ficha”. Fiz o concurso, entre julho e outubro de 1977 — na terceira e última fase eu me encontrava em Brasília, quando o ministro do Exército, general Sylvio Frota, tentou derrubar Geisel da presidência da República — e, para minha “tranquilidade política” (num ambiente ainda tenso no Brasil) fui chamado para a posse, em 1o. de dezembro, sem qualquer objeção aparente do SNI ou de outros serviços do regime. 

O que não se confirmou em 1977, acabou acontecendo em 1978: fui fichado pelo SNI como “diplomata subversivo”, mas isso só vim a saber bem depois. Minha maior surpresa, ao ingressar no Itamaraty, foi ter sido apresentado a dois conceitos que eu imaginava ter vigência unicamente nos meios militares: Hierarquia e Disciplina. Em praticamente todas as palestras e discursos que ouvíamos nessa fase já agônica do regime militar, eles figuravam de forma recorrente, sobretudo em direção e em intenção dos alunos do IRBr e dos jovens diplomatas, entre os quais eu me incluía. 

Meu horror ao regime militar só era maior do que minha objeção ao autoritarismo implícito a esse tipo de imposição vinda do alto, pois que meu anarquismo sempre foi maior do que o meu marxismo, ambos aprendidos e exercidos precocemente, quando me iniciei nas leituras políticas logo depois do golpe militar de 1964.

(a continuar)

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 26/11/2024


Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty - Zairo Borges Cheibub (Biblioteca Digital Funag)

Diplomacia, diplomatas e política externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty


A Fundação Alexandre de Gusmão publica o livro Diplomacia, Diplomatas e Política Externa: aspectos do processo de institucionalização do Itamaraty, do professor pesquisador Zairo Borges Cheibub 

O objetivo do autor é demonstrar que o Ministério das Relações Exteriores atingiu um nível elevado de institucionalização devido a um processo gradual de burocratização e racionalização da carreira diplomática, resultando em um grau de autonomia da estrutura organizacional. Essas características conferem ao Itamaraty, na visão do autor, interesses próprios e a estabilidade necessária para manter a continuidade na política externa.  

O autor apresenta uma análise histórica da trajetória do MRE desde a Independência até os anos 1980, destacando os principais pontos de mudança na evolução da instituição e da carreira diplomática.  

O livro está disponível gratuitamente na biblioteca digital da FUNAG e para compra na nossa loja virtual 




Descrição:
O objetivo do autor deste livro é demonstrar que o Ministério das Relações Exteriores atingiu um nível elevado de institucionalização devido a um processo gradual de burocratização e racionalização da carreira diplomática, resultando em um grau de autonomia da estrutura organizacional. Essas características conferem ao Itamaraty, na visão do autor, interesses próprios e a estabilidade necessária para manter a continuidade na política externa.   O autor apresenta uma análise histórica da trajetória do MRE desde a Independência até os anos 1980, destacando os principais pontos de mudança na evolução da instituição e da carreira diplomática.
Detalhes
Autor(a)Zairo Borges Cheibub
EditoraFUNAG - Fundação Alexandre de Gusmão
AssuntoBrasil. Ministério das Relações Exteriores (MRE) - história | Carreira pública | Diplomatas | Elite burocrática | História Diplomática - Brasil | Política externa - Brasil | Relações Internacionais - Brasil
Ano2024

Edição1a. edição

Nº páginas119

IdiomaPortuguês
ISBN978-65-5209-072-0