Rato de Biblioteca: memórias intelectuais de um diplomata não convencional
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nova redação do trabalho n. 5126, com aportes dos trabalhos 5062 e 5072, para avançar na redação das minhas memórias entre a academia e a diplomacia.
Vamos começar primeiro por uma exposição em torno dos três conceitos duplos inscritos no título deste trabalho. “Rato de Biblioteca” nada mais representa senão minha natureza mais profunda, minha condição mais estável e durável ao longo de mais de meio século, provavelmente três quartos, desde a segunda metade do século XX e o primeiro quarto do atual. Devo ter passado mais da metade da minha vida entre livros, seja em bibliotecas públicas ou universitárias, seja em minhas próprias bibliotecas, agora divididas em três lugares diferentes, com diferentes graus de organização e acesso.
“Memórias intelectuais” é, provavelmente, o que. mais define o presente escrito, assim como dezenas de outros escritos, em diferentes formatos e finalidades variadas, mas todos convergindo para o mesmo objetivo: retraçar minha trajetória de vida, sempre focado na leitura, no estudo, na escrita, na produção de artigos, ensaios, livros, que todos trazem a marca da leitura atenta, da reflexão ponderada e inovadora, expressando elaborações próprias a partir do que li e do que observei na vida real, e, por fim, desprovida de objetivos literários, mas buscando, justamente, sintetizar e apresentar um roteiro de vida que se fez nos livros, entre livros e para os livros.
“Diplomata não convencional”, finalmente, é o que talvez me defina profissionalmente, o que fui durante mais de quatro décadas a serviço das relações exteriores do Brasil, mas nunca muito bem ajustado aos padrões convencionais da carreira, ou totalmente aderente aos ritos e convenções típicas de um ofício de Estado, e vista, justamente, de uma disposição precoce a expressar minhas próprias ideias e defender posturas não exatamente conformes ao que se espera de um funcionário obediente de uma respeitável máquina estatal. Já fui chamado de accident-prone diplomat, eu mesmo achei que poderia ser chamado de anarco-diplomata, em função de uma baixíssima disposição em acatar ordens superiores sem que eu mesmo estivesse convencido de sua adequação, justeza, racionalidade e em conformidade com minha própria interpretação dos interesses nacionais do Brasil, não exclusivamente em sua estrita dimensão diplomática.
Pois será em torno desses três conceitos duplos que procurarei organizar minhas lembranças de uma dupla carreira mantida em paralelo, a academia (bem mais longa) e a diplomática (agora já fora da ativa), assim como as memórias pessoais, familiares, afetivas, de uma vida que pode ser considerada pouco típica, nessas três dimensões: o estudo, a trajetória acadêmico-diplomática e a vivência com meus entes queridos, Carmen Lícia, meus dois filhos, Pedro e Maira, e os quatro netos até aqui: Gabriel, Rafael, Yasmin e Theodora, convivência compartilhada por meio século, com a Carmen Lícia (infinitamente mais leitora e mais inteligente do que eu), e em durações decrescentes com os demais integrantes da família próxima. As três dimensões receberão, em meus registros seguintes, um tratamento de “memórias intelectuais” cobrindo, em primeiro lugar, as leituras e escritos que percorrem praticamente toda a vida, desde que aprendi a ler e começar a rabiscar os papeis à disposição, a dupla profissão de professor e de burocrata das relações exteriores do Brasil, que se completam intimamente – a atividade acadêmica subsidiando boa parte do trabalho diplomático e vice-versa –, e, também, a vida pessoal, feita de viagens, experiências enriquecedoras, gratificantes na maior parte das vezes, desafiadoras em certas ocasiões, em todo caso muito ricas.
Eu já havia preparado um roteiro de “memórias”, com o mesmo título inicial, mas diferente subtítulo, que foi formulado pouco tempo atrás, ao qual retorno para adaptá-lo às novas intenções do presente. Reproduzo esse roteiro in fine, como forma de aproveitar algumas ideias e sugestões, e de começar, finalmente, a concretizar, um antigo desejo pessoal – planejado de maneira intermitente ao longo das duas últimas décadas, mas nunca avançado – e, também, sob a discreta pressão de alguns amigos, que consideram que minha trajetória pode conter alguns ensinamentos aos mais jovens da atualidade e do futuro, estudantes, acadêmicos ou diplomatas. Deixo aqui esta primeira reflexão e reproduzo abaixo um esquema vai provavelmente sofrer muitas mudanças no decorrer das noites de escrita e de rememoração.
Digo, desde já, que não me considero um escritor, apenas um escrevinhador aplicado, ou seja, alguém que escreve segundo seus próprios critérios, reproduzindo aquilo que o mais célebre escritor e humorista Millor Fernandes, dizia, sob o pseudônimo de Vão Gogo: “enfim, um escritor sem estilo”. “Meu caminho pela vida, eu mesmo traço”, já disse um poeta-compositor; assim será com meu estilo e abordagem dos temas que vão entrar nestas memórias, um pouco do que vai abaixo, e outras coisas que acabarão sendo escrevinhadas ao sabor das lembranças e dos cadernos de notas, que também fazem parte – junto com o computador, para as últimas três décadas – das minhas “fontes primárias”.
Não cabe nenhuma conclusão, pois este é o começo, e também um Rubicão, daqui para a frente cabe apenas avançar e oferecer algo razoável aos meus poucos leitores. Vale!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5144, 12 dezembro 2025, 2 p.
Postado no blog Diplomatizzando (link: ).
Anexo:
Rato de Biblioteca: uma trajetória nas relações internacionais do Brasil
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Projeto de novo livro autobiográfico
Prefácio
Apresentação: da academia para a diplomacia, numa breve linha do tempo
1. Das origens: na esteira dos imigrantes que vieram ao Brasil
2. Uma eterna fascinação pelas bibliotecas: livros a perder de vista
3. O aprendizado da política imposto pela ditadura militar
4. A formação universitária, construída fora do Brasil, mas voltada ao Brasil
5. No retorno, uma incursão não planejada em direção à diplomacia
6. Da sociologia política para as relações internacionais e a política externa
7. Um olhar para o Brasil, visto desde fora: comparações inevitáveis
8. Uma longa estada produtiva na biblioteca do Itamaraty
9. As últimas janelas diplomáticas em postos do exterior
10. Divertimentos ecléticos na diplomacia acadêmica
11. Uma descida aos arquivos do Itamaraty e uma literatura de combate
12. O legado intelectual, com plena liberdade de expressão
Livros publicados pelo autor
Livros editados pelo autor
Colaborações em obras coletivas
Uma linha do tempo dos meus muitos exílios
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5126: 30 de novembro de 2025.
Roteiro preliminar já esquematizado nos trabalhos n. 5072 (“Memória Diplomática: Linha do tempo de PRA” (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/09/memoria-diplomatica-linha-do-tempo-de.html).) e n. 5062 (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2025/09/memoria-diplomatica-paulo-roberto-de.html), contendo roteiro cronológico sobre as principais etapas da vida pessoal e da carreira diplomática.
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