O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador desigualdade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador desigualdade. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Revista Interesse Nacional n. 56: pobreza e desigualdade

 Caros leitores, 

 

A questão da desigualdade social no Brasil, tida como crucial na atual conjuntura, foi tema escolhido pelo Conselho Editorial da Revista para merecer abordagem nesta edição. Mais do que a pobreza em si, o Brasil enfrenta um cenário de fome aguda que leva seres humanos a vasculharem o lixo e correrem atrás de calangos para comer. Como tratar essa dramática realidade, foi a tarefa assumida por articulistas convidados que destacaram dois pontos: a questão dos investimentos em educação desde a mais tenra idade nas periferias e o reconhecimento de que atravessamos mais uma linha da demarcação social do País, onde a favela já não é o limite.

 

No final do ano passado, o debate global em torno dos desafios relacionados às questões ambientais reverberavam depois da Cúpula do Clima em Glasgow, na Escócia, e, aqui na edição, alguns aspectos correlatos à preocupação de salvar o planeta ganham destaque. Um diz respeito à efetivação da regulamentação dos instrumentos de mercado do Acordo de Paris, que vão exigir equacionamento de metodologias. Ao Brasil, caberá criar governança interna para participar do comércio no mercado do Artigo 6. Outro ponto relevante e quase despercebido seria a necessária restauração do Bioma da Mata Atlântica, que já perdeu 88% de sua área original, e não escandaliza a opinião pública tanto quantoà devastação da Amazônia.

 

Da pauta internacional, tratamos da continuidade ou mudança da condução da política e da economia pelos dirigentes chineses, que mexem com as relações comerciais dos quatros cantos do planeta; assim como o advento de outra guerra civil nos EUA, como decorrência do grau de polarização na sua política interna. Ambas as questões merecem reflexões atentas na edição da Revista.

 

E, por fim, mas não menos relevante, ao se considerar desenhar perspectivas possíveis, surge o candente tema da Inteligência Artificial. Como avaliam os articulistas, “quando o assunto é IA, o futuro nunca esteve tão perto”. O uso da tecnologia cognitiva busca solucionar problemas que até hoje não puderam ser resolvidos pela mente humana, ou para potencializar o alcance de soluções que hoje têm escopo limitado. Os tais algoritmos mensurados pela IA estão mediando a vida do cidadão do século XXI e trazem consigo um problema: seu uso intensivo revela inúmeras violações de direitos humanos. Como estabelecer arcabouços regulatórios é a questão.

 

Que o ano de 2022 seja palco de produtivos debates para a Nação. A Revista Interesse Nacional segue sua trajetória de abrir espaço para a saudável troca de ideias.

 

Então, boa leitura:

 

Link:   http://interessenacional.com.br/

 

Feliz novo ano, os editores

 


sábado, 4 de dezembro de 2021

Os Estados Unidos se tornando um país do Terceiro Mundo? Assim argumenta Victor Davis Hanson, que denota o desrespeito à lei e a miséria crescente...

 Em lugar do chamado Terceiro Mundo (um conceito que já não faz muito sentido depois que a Ásia Pacífico decolou) se aproximar dos Estados Unidos, parece que são os EUA que estão ficando mais parecidos com o Terceiro Mundo.

Não sou eu quem está dizendo: é a direita americana, como refletido nesta postagem da Heritage Foundation, um dos mais conservadores think tanks americanos:

COMMENTARY
By Victor Davis Hanson
The Heritage Foundation, December 4, 2021

In my travels, I observed some common characteristics of a so-called Third World society. All of them might feel increasingly familiar to contemporary Americans.

Alguns trechos do seu artigo:
"After traveling the last 45 years in the Middle East, southern Europe, Mexico, and Asia Minor, I observed some common characteristics of a so-called Third World society. And all of them might feel increasingly familiar to contemporary Americans.

Whether in Cairo or Naples, theft was commonplace. Yet property crimes were almost never seriously prosecuted.

In a medieval-type society of two rather than three classes, the rich in walled estates rarely worry that much about thievery. Crime is written off as an intramural problem of the poor, especially when the middle class is in decline or nonexistent.

Violent crime is now soaring in America. But two things are different about America’s new criminality.

One is the virtual impunity of it. Thieves now brazenly swarm a store, ransack, steal, and flee with the merchandise without worry of arrest.

Second, the left often justifies crime as a sort of righteous payback against a supposedly exploitative system. So, the architect of the so-called 1619 Project, Nikole Hannah-Jones, preened of the riotous destruction of property during the summer of 2020: “Destroying property, which can be replaced, is not violence.”

Third Worldization reflects the asymmetry of law enforcement. Ideology and money, not the law, adjudicate who gets arrested and tried, and who does not."

Mais alguns trechos:

"In the Third World, basic services like power, fuel, transportation, and water are characteristically unreliable. In other words, much like a frequent California brownout.

I’ve been on five flights in my life where it was announced there was not enough fuel to continue to the scheduled destination. The plane was required either to turn around or land somewhere on the way. One such aborted flight took off from Cairo, another from southern Mexico. The other three were this spring and summer inside the United States.

One of the most memorable scenes that I remember of Ankara, Old Cairo, or Algiers of the early 1970s were legions of beggars and the impoverished sleeping on sidewalks.

But such impoverishment pales in comparison to the encampments of present-day Fresno, Los Angeles, Sacramento, or San Francisco. Tens of thousands live on sidewalks and in open view use them to defecate, urinate, inject drugs, and dispose of refuse.

In the old Third World, extreme wealth and poverty existed in close proximity. It was common to see peasants on horse-drawn wagons a few miles from coastal villas. But there is now far more contiguous wealth and poverty in Silicon Valley. In Redwood City and East Palo Alto, multiple families cram into tiny bungalows and garages, often a few blocks from tony Atherton.

On the main streets outside of Stanford University and the Google campus, the helot classes sleep in decrepit trailers and buses parked on the streets. "

Para ler a integra, clicar no título...

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Crise, transição, oportunidade - Marcilio Marques Moreira

Crise, transição, oportunidade 
Marcilio Marques Moreira
Rio de Janeiro, agosto de 2020.

As crises sanitária e econômica escancararam o legado insepulto de duas manchas de nossa história: a escravidão e o patrimonialismo, isto é, a captura de políticas públicas de interesse geral, por grupos que privilegiam interesses próprios. Esse desequilíbrio acentua-se, ainda, pelo federalismo crescentemente assimétrico e incompleto da estrutura patrimonial do Estado brasileiro, apesar da sua solidez institucional.
São fatores que contribuem para alimentar brutal desigualdade, não só em termos de renda, se não também de acesso à infraestrutura que as modernas sociedades costumam oferecer aos cidadãos: saneamento, educação, saúde, segurança e transporte público.
O Brasil, apesar dos incompreensíveis desgoverno, falta de rumo e de empatia das autoridades que deveriam orientar, pelo exemplo e conduta inspiradora, as veredas a seguir, tanto nas áreas da saúde pública, quanto da economia, saiu-se melhor no enfrentamento à COVID-19, do que inicialmente temido: colapso do sistema hospitalar, fome generalizada, desemprego empurrando milhões de pessoas à pobreza absoluta. Mas deixou muito a desejar – a realidade de mais de 100 mil óbitos, em larga escala devidos à ineficaz coordenação entre os setores responsáveis – não nos deixa calar.
O SUS, embora mal gerido e há décadas saqueado por elementos sem escrúpulo, exerceu papel crítico, dada a resiliência e a dedicação de médicos, enfermeiros e assistentes - homens e mulheres que, mesmo correndo o risco de contaminação, lutaram bravamente. O programa econômico, por sua vez, assegurou renda emergencial de 600 reais por mês, ou mais, a milhões de cidadãos e famílias, apesar da frágil situação fiscal da União, Estados e Municípios. O montante repassado, até aos “invisíveis”, representou considerável alívio e, superando pessimismo às vezes doentio, permitiu a manutenção de um mínimo de emprego e consumo, contribuindo para a sobrevivência de inúmeros empreendimentos, formais alguns, informais a maioria, e o sustento de milhões que, sem essa ajuda sofreriam mais ainda.
Levantamento do IBRE/FGV, divulgado recentemente, mostra que, ao contrário do esperado, a pobreza absoluta (US $1,9 mensais) caiu em junho deste ano a 3,3% da população, comparado com os 4,2% em maio, o que levou também ao aumento da taxa de poupança. Outra pesquisa, esta do IBGE, revelou que o número de maio já fora o melhor desde a década dos 80, só igualado em maio de 2014, às vésperas da brutal recessão que se seguiu. Enfrentamos, agora, o que parece ser incipiente reversão da pandemia. Estamos mais perto de período de transição, sempre semeado de incertezas e, portanto, de difícil navegação. O novo, para nascer, exige esforço consistente e esperança de um futuro melhor, além de comedimento na formulação de demandas legítimas, naturais em períodos de crise, mas inviáveis no caminho íngreme da recuperação. O velho, por sua vez, sejam cinzas da crise ou problemas estruturais por ela evidenciados, exige abordagem racional e alvo consensuado, além de bússola de como lá chegar. Estamos iniciando período em que a cautela é essencial. Imperdoável seria retrocesso, volta ao velho, tergiversação quanto ao caminho a trilhar.
Para viabilizar tal objetivo, será crucial construir ideia clara da obra a realizar e do fio condutor a perseguir. O Brasil do Amanhã exige Ética do Futuro, conduzida com rigor e perseverança, virtudes cívicas capazes de aquecer a esperança e evitar ilusões de efêmera viabilidade.
Para transformar a crise em preciosa oportunidade de consertar crassos erros passados e ainda captar as transformações positivas que o mundo está vivenciando hoje, e prevendo para o amanhã, há que preparar, com senso de urgência, mas sem precipitação, melhoras prioritárias na saúde, educação, desigualdade, pobreza, saneamento, transporte público, cultura, e sustentabilidade ambiental. Há de ser esforço denodado para superar polarização política “desruptiva”, recuperar saúde fiscal, e o respeito internacional, condições sine qua non da capacidade estratégica e operacional do Estado. Temos de nos dedicar aos setores em situação mais grave, o que além de aportes fiscais, exige mais bem focada alocação das verbas orçamentárias, eficaz gestão e repúdio radical a qualquer forma de desperdício e corrupção.
É indispensável resistir a pressões descabidas e a tentações fora da realidade que, no passado, se revelaram contraproducentes. A fragilidade fiscal é de natureza quase inédita e não permite gastos exagerados. Não deve, entretanto, desviar-nos de prioridades que não podem mais ser ignoradas. Refiro-me ao combate à pobreza, que pressupõe trocar, por respeito e empatia, o prevalecente preconceito contra a pobreza, a informalidade e as favelas. Estas foram construídas pelos pobres por falta de opções e representam, hoje, significativo patrimônio acumulado. Na pandemia, demonstraram insuspeita resiliência e capacidade de mobilização, que lhes pouparam desastre ainda maior. Felizmente, encontraram eco em inesperado surto de solidariedade e filantropia, boa novidade reveladora do surgimento, entre nós, de uma cultura de doação, inclusive por parte de grupos e famílias de maior potencial patrimonial. Não faz mais sentido querer erradicá-las, urge reinventá-las.
É chegado o momento de nos preocuparmos com o período de transição. Não será possível eternizar a concessão de benefícios extraordinários e a flexibilização de controles fiscais, indispensáveis em ocasiões de crise, mas incompatíveis com restrições orçamentárias incontornáveis em momentos de busca de retorno à normalidade. É da essência, retomar a trajetória das reformas estruturais e de medidas regulatórias infraconstitucionais, que nos assegurem ambiente de negócio atrativo e atividade econômica retomada, inclusive, com segurança jurídica. Não podemos tergiversar nessa busca inadiável, mesmo sabendo que o caminho não será fácil, as medidas a tomar, complexas e os resultados, incertos.
Em artigo no início deste ano, o casal de professores do MIT e ganhadores conjuntos do prêmio Nobel de Economia no ano passado, Abhijit Banerjee e Esther Duflo, autores do aclamado livro, também de 2019, Uma Boa Economia para Tempos Difíceis, concluíram que inexistindo uma poção mágica para acelerar o desenvolvimento, o melhor é logo “enfocar diretamente aquilo que o crescimento é suposto melhorar, o bem estar dos pobres” 
De fato, é imperioso redesenhar nosso sistema de proteção social, constituído por conjunto de programas dispersos e mal focados. Há que concentrá-los em um programa só, mais focado nos mais pobres e nas crianças de 0 a 6 anos. Ao mesmo tempo, há que eliminar amplo painel de subsídios e benefícios capturados em favor dos mais aquinhoados, o que liberará recursos para cobrir os custos de novo sistema, mais justo, que teria como chave a agregação de muitos e dispersas formas de proteção social em torno de renda básica universal. É desafio instigante, a ser implementado gradualmente, tanto em cobertura, foco e montante. É importante dissociar, por sua vez, a iniciativa de pressões corporativas e ambições eleitorais, quer dos que a propõem, quer dos que a criticam. O tema vem sendo estudado em muitos países e instituições independentes, sem conotações ideológicas, de esquerda, centro ou direita. Muito  embora possa vir a ter consequências eleitorais, tal sistema não se resume, nem se justifica por elas. É, sim, consistente passo em direção ao Bem Comum, como tem sido crescentemente defendido aqui e no exterior por reconhecidos conhecedores das melhores práticas de construção de políticas públicas de proteção social.
O que importa neste momento de definição de rumos a trilhar é não desperdiçar a preciosa oportunidade de criar um Brasil renovado, como legítimo legado das cruéis crises que castigaram o povo. Ele, merece um país mais justo e generoso, menos cruel e medíocre, que saiba compatibilizar o nacional com o universal, os valores tradicionais com os inovadores, enfim o Brasil com que todos sonhamos.
Rio de Janeiro, agosto de 2020.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Relatório da Oxfam sobre a Desigualdade: uma fraude sem tamanho

A Oxfam envergonha os estatísticos do planeta, os economistas também (menos os do PT e do PSOL).

Classificar o "Relatório da Desigualdade" da Oxfam de farsa seria pouco

Geanluca Lorenzon
Mises, 20/01/2020

No início desta semana, fomos brindados com um relatório da ONG britânica Oxfam, afirmando, entre outras coisas, que 62 pessoas do mundo possuem a mesma riqueza que metade da população mundial — além de outras afirmações sensacionalistas, e já rotineiras, feitas pelo referido Instituto.
Nosso amigo Leandro Narloch fez um bom resumo acerca dos principais mitos e omissões da Oxfam em relação ao referido relatório.
Com afirmações como "o 1% mais rico possuirá mais fortuna que todo o resto da população em 2016", não é difícil imaginar como um cidadão médio reagiria a tal notícia: provavelmente condenando a chamada desigualdade, sem entender ou diferenciar os diversos fatores que contribuem para a mesma, ou sequer se perguntar se ela é algo relevante para qualquer aspecto de sua qualidade de vida. 
A Diretora Executiva da Oxfam International, Winnie Byanyima, chegou a afirmar que a desigualdade econômica atrapalha o próprio crescimento econômico. A senhora Byanyima provavelmente tem saudade das altas taxas de crescimento que a União Soviética registrava todos os anos... 
As sugestões da ONG são repetitivas já: 
  • Taxar os ricos (essa até o PT já abraçou; give me more!);
  • Investir em sistemas universais e "gratuitos" de saúde e educação (Mussolini teria orgulho); 
  • Buscar um objetivo global para combater isso. 
Como isso poderia dar errado? Afinal, Brasil, Venezuela e Argentina (pré-Macri) foram um retumbante sucesso econômico na mobilidade social dos mais pobres... 
Enquanto isso, no mundo real, estamos perto de erradicar a pobreza mundial pela primeira vez na história da humanidade.  Walter Williams nos recorda que a pobreza é fácil de ser explicada; difícil (mas não para um austríaco) é entender as causas da prosperidade e como o ser humano, ao agir positivamente em busca de seus próprios objetivos, beneficia todos os outros.
Por que punir aqueles que conseguiram fazer suas fortunas pelo trabalho de suas próprias mãos? Como mostra este hilário infográfico do site pop 9gag(baseado em dados da Bloomberg), nada menos que 73 das 100 pessoas mais ricas do mundo são "self-made billionaires" — ou seja, somente 27 dos mais ricos do mundo assim o são porque herdaram uma fortuna. Os demais trabalharam por conta própria para chegar onde chegaram. 
Ainda mais interessante: 36 deles eram filhos de pais que viviam na pobreza, e 18 sequer tiveram um diploma na Universidade. 
Você realmente acredita que existe uma fórmula certa para ter um "sucesso de renda"? Para a Oxfam existe. Para todos os planejadores centrais — dos positivistas aos comunistas, nazistas, socialistas e ambientalistas — existe sempre uma fórmula única de acordo com a qual a sociedade deve ser desenhada.  E o melhor: tal fórmula dará certo, mesmo que tenha que ser implantada à força. Como alguém consegue ficar sequer em dúvida ao descobrir que todos os regimes socialistas inevitavelmente têm de ser totalitários?
Entretanto, ainda que para um analista na tradição da Escola Austríaca as sugestões e as conclusões da Oxfam pareçam tão economicamente incoerentes, resolvi conversar com um economista com foco em — preparem-se — econometria.  
Troquei alguns e-mails com Carlos Góes, mestre em Economia Internacional pela conceituada John Hopkins University, pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular, e analista de instituições financeiras internacionais em Washington, DC. Apesar de tudo, ele me garante ser um fã de Hayek. Vamos ao bate-papo:
A: É consenso entre economistas liberais que o estudo da Oxfam possui diversas falhas e um ar de sensacionalismo. Qual das falhas do estudo divulgado nesta semana você considera a mais grave?
Carlos Góes: Independentemente de economistas serem liberais, keynesianos ou marxistas, clareza metodológica é fundamental para entender o que significam as respostas que os dados proveem para a gente. E é preciso reconhecer as limitações dos dados quando essas existem. 
Há dois problemas fundamentais com os dados produzidos pela Credit Suisse que foram utilizados pela Oxfam. 
O primeiro é de ordem técnica. Ao contrário de dados sobre a renda, a grande maioria dos países não tem dados sobre os estoques de riqueza, uma vez que o que se taxa normalmente é a renda e não a riqueza. Esse fato limita a confiabilidade das estatísticas sobre a riqueza. 
Segundo o relatório da Credit Suisse, somente 17 países têm estimativas completas de riqueza do setor privado (conhecidas como "household balance sheets"). Outros 31 países têm dados parciais, detalhando a riqueza financeira, mas não a riqueza não-financeira do setor privado — nos EUA, a riqueza não-financeira (imóveis, maquinários etc.) é de cerca de 1/3 da riqueza total, o que significa que ignorar a parte não financeira é ignorar boa parte da realidade. 
Para os outros 150 países do estudo, os economistas da Credit Suisse fizeram extrapolações — que não são inúteis, mas têm suas limitações, já que não trazem informações completas.
O relatório original da Credit Suisse tem vários problemas além do mencionado acima. Entre eles: 
(a) não inclui riqueza informal (as casas nas favelas e bairros pobres brasileiros, por exemplo, que muitas vezes valem dezenas de milhares de reais apesar de não serem formalizados com um título estatal), riqueza esta que o economista Hernando de Soto estima em cerca de 10 trilhões de dólares; 
e (b) não inclui riqueza implícita — como aquela prevista por sistemas de seguridade social dos países ricos, que se fossem administrados privadamente seriam parte de poupança dos cidadãos. 
O próprio relatório da Credit Suisse diz que o estudo sobre a riqueza global está "em sua infância". Na melhor das hipóteses, essas estimativas são pouco confiáveis e devem ser tomadas com bastante cuidado.
O segundo problema é de ordem conceitual. Eles utilizam o conceito de riqueza "líquida" (ou seja: patrimônio menos dívidas). Segundo essa metodologia, se você tirar um real do bolso e der para seu sobrinho de dez anos, ele vai ter uma riqueza maior do que "2 bilhões de pessoas somadas". Sim, seu sobrinho instantaneamente passa a ser um magnata com mais riqueza que bilhões de pessoas juntas. 
Como isso é possível? Porque a metodologia considera a riqueza "líquida" (ou seja: patrimônio menos dívidas) das pessoas. E 2 bilhões de pessoas, tendo dívida, têm riqueza negativa.
Alguém que se formou em Harvard, vive num apartamento de cobertura em Nova York e ganha 100 mil dólares por ano mas tem 250 mil dólares em dívidas estudantis é mais pobre do que um camponês indiano que tem uma bicicleta, vive com um dólar por dia e não tem dívida. 
Não importa se o cara de Harvard gasta centenas de dólares tomando McCallahan's 18 anos todas as vezes em que sai pra balada. Pra Oxfam, ele é mais pobre que o camponês indiano.
Ainda segundo essa metodologia, quando você compra um jatinho você se torna imediatamente mais pobre. Como? Você acaba de assumir uma dívida de 25 milhões de dólares (incluindo juros) e adquiriu um patrimônio de valor de mercado de uns 20 milhões de dólares. Logo, você está 5 milhões de dólares mais pobre.
Para a Oxfam, quem viaja de jatinho usando financiamento é mais pobre do que quem viaja de ônibus pagando à vista." 
Isso faz sentido pra definir quem é pobre e quem é rico?
A: Você acredita que o estado causa desigualdade de renda? 
O estado pode aumentar ou reduzir a desigualdade, a depender do desenho da política pública. No Brasil, a estrutura tributária, por ser excessivamente prevalente em impostos sobre o consumo (que incidem desproporcionalmente sobre os mais pobres, já que estes em geral consomem uma parte maior de sua renda), contribui para aumentar a desigualdade. Além disso, diversas políticas específicas beneficiam diretamente os mais ricos.
O BNDES concede empréstimos a juros subsidiados e, em seu portfólio, a imensa maioria de seus beneficiários são aquelas empresas com faturamento maior que 300 milhões de reais por ano. Além disso, políticas como universidades estatais financiadas por impostos funcionam como transferência de renda para os mais ricos e ajudam a perpetuar as desigualdades. Historicamente, não é muito difícil ver como o governo em diversas instâncias transferiu dinheiro de pobres para ricos. É só pensar no caso mais explícito desse comportamento, quando o governo, em plena Grande Depressão, comprou café dos grandes agricultores e queimou os grãos manter o preço do café alto nos mercados internacionais. Neste caso (como nos dois anteriores), o governo estava tirando dinheiro do contribuinte pobre e dando ele para a elite. Por outro lado, políticas focalizadas que beneficiam diretamente os mais pobres (como o Bolsa Família), podem ajudar a reduzir a desigualdade.
É interessante que pessoas com diferentes ideologias concordariam com a noção de que o governo não deveria transferir renda de pobres para ricos. Por isso, é possível alcançar um consenso político que ajude a reduzir as desigualdades. Para tanto, é importante que a sejam cortados subsídios de cima para baixo (começando por aqueles que transferem dinheiro de pobres para ricos) e seja desburocratizada a economia de baixo para cima (porque, em geral os mais ricos, armados com exércitos de advogados e contadores, têm mais capacidade para contornar as regulações que dificultam o empreendedorismo do que o Manuel da Padaria e a Dona Maria, que têm um ateliê de costura).
A:  A desigualdade de renda causada pelo processo de mercado é algo ruim? Isso afeta a questão de incentivos em uma economia? Alguns teóricos, por exemplo, alegam que a grande falha do socialismo seria a questão dos incentivos. 
CG: A primeira coisa a se entender é que nem todas as desigualdades são iguais. Às vezes, quando o ponto de partida é muito ruim, a desigualdade é simplesmente fruto da melhoria de vida de algumas pessoas. Angus Deaton, que ganhou o Nobel de Economia ano passado, traz um exemplo interessante em seu livro mais recente: imagine que, dentre 100 judeus em um campo de concentração, dez conseguem fugir. Isso causou uma desigualdade, já que agora alguns estão em liberdade e outros não. Mas isso não seria uma situação inerentemente pior à situação de plena igualdade em que todos estavam no campo de concentração? Talvez essa desigualdade inicial dê esperança para os que lá ficaram e faça com que eles fujam. 
Por outro lado, talvez os guardas punam os que ficaram para desestimular fugas futuras. De todo modo, não há nada óbvio em relação à desigualdade. Ela pode ser boa ou ruim: sempre depende.
Desigualdade é como colesterol: há uma boa e outra ruim. A boa é aquela que deriva dos talentos, esforços e inventividade das pessoas e gera bons incentivos. Quando alguém cria valor para os outros ela deve ser recompensada por isso — porque isso gera dinamismo econômico, inovação e menos pobreza (pense no arquétipo do Steve Jobs). Se ela não for recompensada, ela não vai ter incentivo pra continuar inovando. 
A ruim é aquela de uma sociedade estamental — de comando e controle —, onde as pessoas não enriquecem por causa de sua inventividade ou pelo valor que geram para à sociedade, mas pelos privilégios que têm junto aos poderosos (pense no arquétipo de Eike Batista). 
Temos de corrigir as desigualdades injustas que existem no mundo — e elas existem em demasia. Mas para isso precisamos de análise séria. E não retóricas travestidas de números.
A:  Um estudo sensacionalista como esse pode gerar uma grande repercussão política. Mises sempre defendeu que as ideias são a chave para a evolução de uma sociedade. Como explicar para o público de forma mais simples que esse estudo não reflete a realidade da sociedade mundial?
CG: O primeiro passo é reconhecer que, pra imensa maioria das pessoas, desigualdade naturalmente incomoda. Por exemplo, há evidências de experimentos em psicologia social que mostram que crianças preferem ficar sem doces a ver a outra criança na sala arbitrariamente ganhar uma quantidade desproporcionalmente maior de doces. Por isso, se as pessoas acreditarem que a elas está sendo negada a oportunidade de conseguir vencer na vida por motivos injustos (por exemplo, por causa de elites que compram o apoio de políticos com doações eleitorais ou que proíbem que negros tenham acesso a boas escolas de brancos), elas vão se sentir revoltadas. Isso é natural.
O ponto mais importante, portanto, é mostrar que a melhor maneira para evitar que elites políticas e econômicas cooperem para manter seus privilégios é retirando o poder político das mãos delas — e descentralizando as decisões nas mãos da sociedade por meio do sistema de preços. Sempre que políticos tiverem muito poder, os ricos terão incentivos para comprá-los. E, na medida em que tivermos uma economia descentralizada e dinâmica, as eventuais desigualdades de resultados provavelmente não serão percebidas como injustas pela maioria da população — pois seria a tal desigualdade "boa" mencionada anteriormente.
Durante toda a década de 1990 a desigualdade aumentou nos EUA, mas pouco se falava sobre isso. Por quê? Porque a maioria das pessoas via suas vidas melhorarem: elas tinham maior renda e consumiam mais. Elas não se sentiam injustiçadas pelo processo político e pela falta de oportunidades econômicas. 
Hoje, como uma boa parte das pessoas viu sua renda estagnar e percebe que todos os ganhos têm sido apropriados por uma parcela pequena da população, elas se revoltam.
O debate, portanto, não reside necessariamente em negar a existência de desigualdades (em diversos países ela de fato está aumentando), mas em como caminhar na direção de um modelo que evite desigualdades injustas.
A: Vivemos o melhor momento da humanidade em qualidade de vida. Porém, ONGs como a Oxfam, entre outras, tendem a projetar uma catástrofe, agitando por uma mudança no sistema. Você acredita que o sistema econômico geral internacional precisa mudar? E em caso positivo, para qual direção?
CG: Certamente vivemos numa era sensacional. As perspectivas é que testemunhemos o fim da pobreza absoluta no decurso das nossas vidas. Além disso, a mortalidade infantil está caindo, a expectativa de vida está aumentando e a escolaridade média de meninos e meninas está subindo — dentre muitos outros indicadores sociais — na imensa maioria dos países. Bilhões de pessoas saíram da pobreza e, como o aumento na renda delas foi maior do que nos países ricos, a desigualdade total no mundo tem caído.
Muitas dessas mudanças se intensificaram nos últimos 40 anos, quando partes antes remotas do mundo — como diversas partes da Índia e da China — foram integradas à economia global. A mudança necessária é uma expansão dessa integração para áreas que ainda estão no gérmen desse processo — como a África Subsaariana.
Existem diversos problemas recentes de exacerbação das desigualdades nos países desenvolvidos — e é por isso que estudos como os da Oxfam têm tanta repercussão. Mas, numa perspectiva global, não há dúvidas: o mundo está se tornando mais rico, mais justo e mais igual.
(fim da entrevista)
Ao saber que não eram só os austríacos que consideravam o relatório um disparate, fui dormir tranquilo. Afinal de contas, amanhã posso enriquecer uma criança doando a ela apenar um dólar. 
A esquerda conseguiu seu objetivo: nunca ser um salvador da humanidade foi tão fácil.

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Desigualdade no Brasil: um problema histórico, macroestrutural e político - Pedro H. G. Ferreira de Souza

Concordo em que a questão da desigualdade é uma das mais graves características do Brasil, desde sempre, e assim continuará sendo durante muito tempo ainda.
Não concordo, porém, em que os governos devam focar na desigualdade, e passar a redistribuir o estoque existente de riqueza – grande parte dela nas mãos, nos cofres, bolsos, patrimônio e contas externas dos muito ricos, disso estou consciente – pois isto não me parece sustentável e pode até diminuir o crescimento medíocre que já temos desde os anos 1980.
Acredito que o governo, qualquer governo, em qualquer época e regime político, deve se fixar nos ganhos de produtividade, que é o que faz a diferença no longo prazo, e é a única coisa sustentável, desde que atuando nos focos corretos da produtividade: formação de capital humano, infraestrutura e ambiente de negócios, num ambiente de máxima liberdade econômica.
Políticas distributivas "vingativas" não são sustentáveis e como mostra o exemplo da China, a desigualdade pode até aumentar desde que a taxa de crescimento mantenha um aumento constante da renda absoluta – não a relativa – dos mais pobres, trazendo-os para patamares maiores e melhores de bem-estar. Com esse crescimento, que é absolutamente necessário, os mais pobres deixarão de ser mais pobres, e sua progressão na escala de renda permitirá, e até impulsionará o aumento da produtividade, base da melhoria na distribuição de renda.
O livro pode registrar um retrato dramático, e realista, de nossa desigualdade, e até pode concordar com os dados de Piketty, mas não acredito que as prescrições desse economista francês, estritamente distributivas, sejam a melhor fórmula para corrigir estruturalmente o problema.
Resumindo: a despeito de toda a comoção nacional – basicamente política – em torno da questão, certamente dramática, da desigualdade no Brasil, mantenho minha convicção que antes da solução do problema social da desigualdade está o problema macroestrutural das bases efetivas de um processo de crescimento sustentado da economia, com transformação tecnológica e distribuição social dos seus resultados via mercados, não via Estado, que é no Brasil um dos principais fatores de desigualdade distributiva. Isso significa focar numa agenda da produtividade (sobretudo capital humano, infraestrutura e ambiente de negócios), antes do que numa agenda distributiva.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de julho de 2019

LIVRO SOBRE DESIGUALDADE É O MELHOR EM ANOS, DIZ CELSO ROCHA DE BARROS!

(Celso Rocha de Barros - Ilustríssima - Folha de S.Paulo, 30/06/2019) “Uma História de Desigualdade” é o melhor trabalho produzido pelas ciências sociais no país nos últimos anos. Caso seja sinal de uma tendência de conciliar rigor quantitativo com discussões teóricas historicamente relevantes, talvez estejamos prestes a assistir a uma grande era na reflexão sobre a sociedade brasileira.

O livro é fruto de tese de doutorado em sociologia defendida na Universidade de Brasília. O autor, Pedro H. G. Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea, venceu com essa pesquisa prêmios conferidos pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Por isso o livro é, fundamentalmente, uma tese. Tem gráfico, tem tabela —e grande parte de seu atrativo vem disso. Para quem estuda sociedade brasileira, trata-se de uma leitura obrigatória, embora a discussão sobre dados possa afastar alguns leitores.

O Brasil é um caso de grande interesse para os estudos sobre desigualdade. Já fomos o país mais desigual do mundo e continuamos no pelotão da frente em todas as medidas nesse quesito. Ao nosso lado nessa nada honrosa lista estão outros países da América Latina e países africanos extremamente pobres e/ou afetados por guerras civis.

Quando a desigualdade russa disparou nos anos 1990, lembro-me de pessoas dizendo: “se continuar assim, vai ficar igual ao Brasil”. Quando um pesquisador estrangeiro fala de “brasilianização”, o mais provável é que esteja se referindo a algum cenário de desigualdade crescente.

Nada disso é novidade, mas é raro o assunto ser tratado com dados novos e procedimentos estatísticos rigorosos.

O trabalho de Souza e de seu orientador Marcelo Medeiros (também pesquisador do Ipea) ganhou notoriedade, inicialmente, como contestação da reivindicação petista de que a desigualdade havia despencado na era Lula. A tese mostra uma notável estabilidade na fração da renda controlada pelo 1% da população mais rica.

Sem a utilização dos dados obtidos por Souza, o quadro anterior indicava grande queda da desigualdade, causada pela redução (aí sim, bem grande) da distância entre os pobres e a classe média, ou entre os pobres e os não tão pobres.

Na verdade, é possível resumir o lulismo em um gráfico com os dois resultados. Os pobres conseguiram se aproximar do meio da distribuição da renda, mas os governos petistas não encostaram na renda dos mais ricos. É a redistribuição sem conflito, bem descrita nos trabalhos de André Singer.

Se Souza e Medeiros tivessem só ajudado a compor metade desse quadro, já seria uma bela contribuição. Mas o livro é bem mais que isso.

Sob um certo aspecto, é a história de uma proporção: a parte da renda nacional que está nas mãos dos ricos. Souza foi atrás de dados de tabelas do Imposto de Renda que refletem melhor a renda dos ricos que as pesquisas domiciliares por amostragem, base dos estudos anteriores. Os ricos —e, em especial, os muito ricos— aparecem pouco nessas pesquisas, que, portanto, tendem a subestimar a desigualdade total.

De posse dos dados e após reconstruir a história da taxação da renda no Brasil, Souza reconta a evolução da proporção da renda dos brasileiros controlada pelos ricos, com atenção especial ao 1% mais rico, de 1926 a 2013.

A despeito dessa façanha, o livro é bem mais do que um bom trabalho de sistematização de dados. O que os números revelam é interessantíssimo. Não há espaço aqui para discutir todos os resultados, nem mesmo os mais interessantes, mas vale a pena citar ao menos um, com seus desdobramentos.

A desigualdade brasileira caiu nos períodos democráticos (tanto no período de 1945 a 1964 quanto na fase atual) e subiu durante as ditaduras (tanto no Estado Novo quanto no regime militar). Souza é o primeiro a dizer que não se deve interpretar esse fato apressadamente.

É possível que a democracia tenha reduzido a desigualdade, dando voz aos pobres que exigiram redistribuição; também é possível que as ditaduras tenham levado a um crescimento da desigualdade, pois reprimiram movimentos sociais pró-redistribuição, como os sindicatos. Mas em cada uma das conjunturas-chave (as transições para a democracia e para regimes autoritários), vários outros fatos também podem ter sido decisivos.

Enquanto lia, ocorreu-me uma hipótese bem mais pessimista: talvez a democracia brasileira só tenha sido capaz de se sustentar enquanto foi possível redistribuir renda. Espero que as descobertas de Souza inaugurem um bom debate sobre o tema.

O livro oferece ainda apoio parcial às teses do economista Jeffrey Williamson, que mostrou que a desigualdade na América Latina não era tão mais alta do que a europeia, no final do século 19. Nossa excepcionalidade está no fato de que perdemos a “grande equalização” que ocorreu nos países ricos durante o século 20. As comparações internacionais, a propósito, são um dos pontos fortes do livro.

Os resultados de Souza nos fazem pensar sobre o quanto a falta de democracia nos fez perder a grande equalização. Está claro, porém, que não se trata apenas disso. Afinal, a Europa passou por grandes calamidades no século 20 que acabaram por reduzir a desigualdade. As guerras mundiais, as crises econômicas e a inflação destruíram uma quantidade imensa de riqueza.

Souza chama de “Jencks-Piketty” a hipótese de que a desigualdade só cai bruscamente pela ação de grandes reviravoltas históricas (em geral, desastres). O nome é uma homenagem aos pesquisadores Christopher Jencks e Thomas Piketty.

Souza, por sinal, parece inclinado a interpretar seus resultados à luz de Jencks e Piketty, relacionando os grandes movimentos da desigualdade às grandes crises brasileiras que causaram sucessivas mudanças de regime político.

Faz sentido e é consistente com os dados, mas ainda acho que se deva dar mais uma chance à hipótese de que a democracia foi crucial para derrubar a desigualdade, tanto aqui quanto nos países ricos.

O século 20 foi uma era de calamidades, mas também dos espetaculares ganhos sociais obtidos pela social-democracia e suas variantes onde ela teve chance de se desenvolver. As duas coisas aconteceram ao mesmo tempo. É difícil isolar os efeitos da democracia e os das calamidades, mas vale a pena continuar tentando.

De qualquer forma, parece claro que precisaremos levar a sério a ideia de Mangabeira Unger de que “a imaginação antecipa o trabalho da crise” e começar a pensar em soluções para o problema da desigualdade que sejam compatíveis com alguma estabilidade institucional.

Supondo, é claro, que ainda estejamos, enquanto país, interessados em reduzir nossas desigualdades. Isso já foi mais certo.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Oxfam volta a insistir na tese equivocada da desigualdade como impedimento ao progresso

Não tenho nenhum problema em contradizer frontalmente a matéria e dizer que 88% dos brasileiros estão totalmente equivocados, assim como a Oxfam, que sempre faz esse tipo de "análise" totalmente enviesada e sem fundamento numa sólida política econômica, centrada basicamente em investimentos, acumulação, transformações estruturais e distribuição de renda bem mais pelas vias do mercado do que pelas mãos (e pés) do Estado, que é justamente o principal responsável pela concentração de renda.
Se a Oxfam não consegue ver essa evidência cristalina, de que o Estado é o principal responsável pelo não desenvolvimento e pela má distribuição de renda, ela não merece crédito de economistas responsáveis.

O problema do Brasil é aparentemente a desigualdade, mas esta é apenas o reflexo do não crescimento, da não educação, das políticas regressivas do Estado, em favor de quem já é rico. O Estado é o principal obstrutor do crescimento econômico e o principal concentrador de renda.
Os brasileiros, com a OXFAM, estão equivocados, e taxar mais os ricos não vai trazer nada de bom para os pobres, pois essa tributação a mais será dirigida aos mesmos responsáveis pelas "espertezas adquiridas" em favor dos mandarins da República.
Acho que vai demorar mais algumas décadas para o Brasil se tornar um país desenvolvido.
Infelizmente, com a ajuda dessas ONGs humanitárias absolutamente equivocadas.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de março de 2019

Progresso do país depende de menos desigualdade, dizem 88% dos brasileiros

Pesquisa foi encomendada pela organização Oxfam Brasil ao Datafolha

Progresso do país depende de menos desigualdade, dizem 88% dos brasileiros
Oxfam: Brasil é o nono país mais desigual do mundo (Fonte: Reprodução/Agência Brasil)
Ouça este conteúdo0:00100%
Uma pesquisa encomendada pela organização independente Oxfam Brasil ao Datafolha revelou que 88% dos brasileiros acreditam que o progresso do país está diretamente ligado à redução da desigualdade entre ricos e pobres.
Ainda de acordo com a pesquisa, divulgada nesta segunda-feira, 8, 94% dos entrevistados acham que os impostos pagos pela população devem ser usados em benefício dos mais pobres. 
Em relação à tributação, 77% defenderam o aumento dos impostos cobrados das pessoas muito ricas para financiar políticas sociais. Em 2017, ano da primeira pesquisa, eram 71%. 
A pesquisa revelou também que 64% dos brasileiros acreditam que as mulheres ganham menos só pelo fato de serem mulheres. Em 2017, o índice era de 57%. A taxa de entrevistados que acham que a cor da pele interfere no nível de rendimentos subiu de 46%, em 2017, para 52%, na pesquisa atual.