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sábado, 6 de fevereiro de 2021

A esquizofrenia da atual política externa bolsolavista reflete a visão do mundo (se existe) de seus mandantes - Paulo Roberto de Almeida

A esquizofrenia da atual política externa bolsolavista reflete a visão do mundo (se existe) de seus mandantes

 

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

[Objetivocrítica à política externa bolsonaristafinalidadedenúncia]

 

 

Algumas coisas precisam ficar claras: JMB é, sempre foi, e nunca deixará de ser um inepto total, um ignorante crasso em matéria de política internacional, relações exteriores, de diplomacia brasileira. Seu mundo é o do oportunismo político e das práticas corriqueiras do baixo clero da já extremamente baixa política de fundo de quintal, com a defesa corporativa dos estratos inferiores das forças de defesa e de segurança, a que se acrescentaram negócio milicianos ao longo de uma carreira política também marcada por malversação de fundos públicos (prática usada nas “transações” imobiliárias de toda a família estendida).

Na falta de qualquer visão mais sofisticada do mundo, o pouco que “aprendeu” de política externa lhe veio de intermediações fugazes com aquele guru destrambelhado da Virgínia, outro inepto completo em matéria de relações internacionais, mas que por algum tempo posou de conselheiro informal das FFAA e de militares aqui e ali, por exibir um anticomunismo de fachada, por denunciar o Foro de S. Paulo e outras tiradas “geopolíticas” da direita extrema, que encontram aceitação no mundo binário dos uniformizados. 

O resto veio dessa pauta de “costumes” reacionária que também impregna esses meios em diversos países: anticomunismo, antiprogressismo, antiabortismo e, com grande destaque, o antimultilateralismo e as posturas anti-ONU (forte na Direita dos EUA), que se juntou a essas outras correntes conspiratórias do antiglobalismo.  

Esse é o caldo insosso, confuso, precário no plano conceitual (para não dizer tosco no substrato intelectual) que estão na base da falta de qualquer pensamento articulado  em matéria de relações exteriores do Brasil. O julgamento sumário é que o principal dirigente do país é um ignorante consumado em qualquer tema de política externa e um total despreparado para tratar de qualquer assunto nessa esfera. 

Na falta de qualquer pensamento próprio nessa área se apegou aos rudimentos que lhe foram sendo fornecidos por esses outros ignaros: o guru destrambelhado e seus seguidores familiares, conselheiros da tropa conspiratória, até que irrompeu, em 2016-17, o “modelo” americano que lhe serviu de guia “espiritual” nesse mundo para ele totalmente desconhecido, mas similar em estilo e objetivos: confrontar o “comunismo” (China), o globalismo, a ONU, as ONGs progressistas de DH e da pauta da sustentabilidade ambiental, enfim todo o progressismo do politicamente correto que pontifica nessas áreas. Trump foi a inspiração que lhe faltava para “conformar” essa “visão do mundo” precária, essa Weltanschauung tosca que JMB sempre exibiu nos temas externos. Quando não se tem nada na cabeça, qualquer coisa serve: instintos primitivos e raciocínio tosco passam na frente de qualquer elaboração mais sofisticada em assuntos internacionais.

 

Pois é esse o “mundo” primário, grotesco, antidiplomático, ao qual tinha de se moldar qualquer pretendente a mero executor servil dessas poucas “ideias” (todas elas equivocadas) que estivesse disposto a servir o capitão ignorante à frente do Itamaraty. Por acaso surgiu um...

 

Naquela onda de refluxo da esquerda, de ascensão precária de impulsos de uma direita grosseira, sem doutrina, sem ideias, com vários saudosistas da ditadura militar, que surgiu no Brasil no contexto da crise política e econômica e do impeachment de 2016, coube a um herdeiro daqueles tempos sombrios esse papel de operador fiel das concepções destrambelhadas dos novos donos do poder. Tinha de ser um operador confiável daquelas poucas ideias confusas sobre o papel do Brasil na Grande Aliança Conservadora que se desenhava na era Trump. Por acaso, não mais que por acaso, apareceu um artigo providencial “Trump e o Ocidente”, que JMB nunca leu — e que, se “lesse”, não compreenderia patavina — mas que serviu de catapulta oportunista e oportuna para que o guru expatriado, o Rasputin de Subúrbio designasse seu autor como o “homem certo no lugar certo” para executar o projeto trumpista desenhado pelos Bolsonaros para orientar a “nova política externa do povo brasileiro”. 

A encomenda excedeu as expectativas: nunca se viu sabujo tão obediente à frente do Itamaraty, cujo corpo profissional ficou estupefato com a escolha e designação. As surpresas desabaram sobre a Casa, como uma espécie de intervenção externa num ministério normalmente cioso de sua competência e até mesmo excelência na condução de praticamente todos os assuntos das relações exteriores do país.

E as “realizações” revelaram-se muito piores do que quaisquer antecipações nessas áreas: o Itamaraty foi descendo na escala dos horrores e o Brasil despencando na sua imagem e reconhecimento externo.

De fracasso em fracasso, as apostas foram sendo dobradas, sempre com o olhar satisfeito do chefão despreparado: afinal de contas, ele tinha vindo para destruir, não para construir qualquer nova concepção de uma “política externa para o povo”, como não cansava de repetir o fiel escudeiro da falta de ideias do capitão.

Uma constatação se impõe quanto à chefia do Itamaraty: EA vive num mundo paralelo que teve de criar para ser aceito pelos tresloucados do antiglobalismo, e foi, ao longo do exercício, aceitando e reforçando as loucuras e obsessões do capitão ignorante para se conformar a um molde artificial, o que aprofundou seu desequilíbrio emocional. Em algum momento entrou em parafuso, como transpareceu em certas tiradas feitas para agradar a seus amos e encantar a plateia de beócios que o aplaudem nas redes sociais. Os devotos do bolsonarismo são tão ignorantes quanto seu suposto líder, sem o cálculo político que anima o capitão em seu projeto de poder. O chanceler acidental é outra coisa: possui leituras, como o sofista da Virgínia, mas coloca tudo isso a serviço de chefes ignorantes, aos quais precisa se nivelar de forma medíocre e subordinada para se manter no cargo. 

Imagino que deva ser difícil encaixar-se na extrema precariedade das diretrizes que lhe oferecem ou são sugeridas para se manter na posição que ocupa de modo muito precário (mas conveniente para is que mandam nele).

 

O resultado final, em termos práticos, é que o Brasil deixou de existir como interlocutor fiável para os principais parceiros que o país mantinha até 2018 no plano internacional, na região e fora dela. As perdas concretas ainda não foram todas contabilizadas — embora as que resultaram da extrema subserviência a Trump possam ser calculadas —, mas as perdas potenciais começam a se acumular e a se precipitar, em especial no tocante ao meio ambiente. 

O fato é que JMB, EA e os demais “formuladores” e executores de uma política externa e de uma diplomacia miseráveis encolheram o Brasil no mundo. 

A recuperação será muito dura e incerta. 

Este é o legado de um bando de ignaros na condução das relações exteriores do país: um cenário de devastação e de fracassos.

 

Meu papel, nessa questão, é apenas o de, como diplomata profissional, apontar as imensas distorções que reduziram a pó a credibilidade do nosso serviço exterior. Não possuo, na condição de servidor graduado lotado no Arquivo, nenhuma condição para mudar o que quer que seja nesse cenário de terra devastada: apenas denunciar e esperar que o quadro de horrores tenha fim o mais pronto possível.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3852, 6 de fevereiro de 2021

 

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Perspectivas para as relações internacionais do Brasil: desafios de uma diplomacia ideológica - palestra de Paulo Roberto de Almeida

Recebi um convite, do Instituto Brasileiro de Debates, para fazer uma palestra a estudantes de Relações internacionais e de outras disciplinas da USP, nesta quarta-feira dia 28 de outubro às 20hs, como abaixo: 

Elaborei um esquema elencando todos os pontos sobre os quais eu poderia meu pronunciar, se houver tempo para tal, o que duvido. Em todo caso, os alunos poderão me interrogar sobre estes e outros temas relativos à política externa brasileira numa era de diplomacia ideológica e esquizofrênica.

Perspectivas para as relações internacionais do Brasil:

desafios de uma diplomacia ideológica

 

Paulo Roberto de Almeida

Notas para palestra no quadro do Instituto Brasileiro de Debates

dia 28/10 às 20h, via YouTube .

 

Questões preferenciais para exposição e debate: 

1) O sistema global: multilateralismo, direito internacional, política de poder

     Como a diplomacia brasileira vê o mundo e o papel dos principais atores

2) As Nações Unidas: reforma da Carta e conquista de cadeira no CSNU

     Uma velha aspiração, por vezes uma obsessão, o G-4 e as ilusões diplomáticas

3) A OMC e o esgotamento das negociações comerciais multilaterais 

     Brasil: ator diplomático relevante, a despeito da pequena participação nos fluxos

4) As relações bilaterais, em especial com países em desenvolvimento 

     A lenta construção de uma liderança, nem sempre bem orientada ou bem-sucedida

5) OCDE, G7; OTAN e os dilemas dos emergentes; como quebrar barreiras?

     Penetrar no inner circle, sem necessariamente entrar no clube; dupla personalidade?

6) Brasil, membro do BRICS: divergências, assimetrias, novas ilusões

     O peso de uma herança diplomática: o que fazer com cúpulas e com um banco? 

7) Mercosul: a escolha estratégica desde os anos 1990, necessitando reformas

     De um projeto de mercado comum às realidades da desintegração: o que fazer?

8) Relações com a Argentina: a mais importante relação, no mais baixo ponto

     Compromissos e não-soluções: fuga para a frente, em lugar de enfrentar os problemas

9) Relações com a China: a dimensão mais crucial do presente e do futuro do país 

     Objetivos múltiplos, estratégias diferentes para cada carência percebida do Brasil

10) Relações com a União Europeia: quais são as prioridades?

     A grande ilusão de um acordo comercial generoso: enfrentando as duras realidades

11) Relações com os Estados Unidos: da negligência benigna ao servilismo? 

Ups and downs de uma relação não muito especial: distância e proximidade

12) A ferramenta diplomática do Brasil: existe coerência na política externa?

     O processo de tomada de decisões: atores, iniciativas, orientações subjacentes. 

 

[Brasília, 9 de outubro de 2020]




sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O chanceler está nu - Jamil Chade (UOL)

 O grau de anomalias presentes na Casa de Rio Branco desde a posse dos aloprados no governo e de um desequilibrado na chancelaria arrastou o Itamaraty para o fundo do poço em matéria de desprestígio internacional. Pode ser que o chanceler acidental escape de uma justa punição pelo trabalho de destruição que conduziu no Itamaraty ao longo de 22 meses, mas não escapará de um registro histórico de "indiciamento político", pelo nefando afundamento da sua instituição, e certamente não de meu julgamento analítico extremamente rigoroso. 

Paulo Roberto de Almeida

Jamil Chade

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/

O chanceler está nu

UOL notícias, 23/10/2020

Ernesto Araújo não esconde mais o óbvio. Somos um país pária. Em seu discurso na formatura dos novos diplomatas brasileiros nesta semana, o chanceler usou manobras de retórica e meias verdades para confirmar nosso status internacional.

"É bom ser pária", declarou.

A frase me lembrou de um encontro entre Steve Bannon e a extrema-direita francesa em 2018. "Se lhes chamarem de racistas, usem a acusação como uma medalha", disse o americano ao grupo que tem o ódio como instrumento de política.

Desde ontem, somos oficialmente um país pária. Mas pária com orgulho. Com medalha. Araújo sabe do que fala. Há um objetivo e um método. No palco internacional, as posições adotadas pelo governo o afastaram de tradicionais parceiros e romperam consensos internacionais sobre temas que, por décadas, tinham se estabelecido como base.

Mas era isso que o governo queria: romper pilares para, então, construir um novo mundo, com base em valores ultraconservadores.

Enquanto Araújo discursava no Itamaraty, o Brasil assinava com o governo americano um pacto exatamente no sentido de consolidar uma postura internacional com fortes características ideológicas.

Mas o projeto mostrou o tamanho do isolamento. Apesar de uma forte campanha para atrair outros governos para a aliança, o Brasil foi o único sul-americano a embarcar na cruzada ultraconservadora. Na América Latina, o Haiti - completamente dependente da ajuda de Washington - foi o outro que colocou seu nome na lista.

A aliança conta com sauditas, paquistaneses, líbios, iraquianos e outros governos com fortes acusações de violações de direitos humanos e onde a liberdade é apenas um sonho para milhões de mulheres. Dos 194 países da ONU, apenas 32 aderiram ao "consenso".

No resto do mundo, praticamente os demais aliados democráticos dos EUA se recusaram a se aliar ao projeto. Restaram apenas os governos da Hungria e Polônia, ambos duramente questionados por desmontar pilares da democracia em seus países.

Na América do Sul, a situação tampouco é de liderança. A ingerência na eleição argentina, as trapalhadas na Bolívia, a utilização do território nacional para promover os interesses americanos e a perda de espaço no debate ambiental para Ivan Duque, na Colômbia, são apenas peças de um caleidoscópio.

Na Europa, a imagem é de um país que não respeita seus engajamentos internacionais e que, de forma descarada, mente. O acordo comercial com a UE que Araújo citou em seu discurso dificilmente será aprovado pelos parlamentos nacionais, enquanto uma opinião pública hostil a tudo que vier de Bolsonaro cobrará um preço caro de seus representantes que ousem chancelar o governo.

Na OCDE, a avaliação é de um país que mina o combate à corrupção. Na ONU, pela primeira em sua era democrática, o Brasil foi alvo de uma recomendação de um relator para que um inquérito internacional seja aberto contra o país. Na OIT, denúncias se acumulam. Nos fundos soberanos, pressões são cada vez mais nítidas para que o Brasil seja evitado.

Com a China, Araújo sabe que pode elevar o tom contra Pequim. Mas uma coisa é fazer isso ao lado da maior potência nuclear do mundo. Outra é ser pária sem o apoio da Casa Branca. E, se o cenário político americano mudar nas próximas semanas, dúvidas pairam nos corredores do Itamaraty se o chanceler terá a capacidade de se reinventar.

Não por acaso, o chefe da diplomacia entrega elementos centrais do interesse nacional brasileiro, cede em tarifas e abre mão de reivindicações do setor produtivo para tentar ajudar Donald Trump ser reeleito. O que está em jogo é sua sobrevivência.

Ontem mesmo, nem bem terminado o discurso em Brasília, já surgiram comentários ácidos de que ele poderia mergulhar na carreira de poeta como opção. Afinal, em sua intervenção, ele declarou: "Modestamente, considero-me também as duas coisas, diplomata e poeta".

De fato, o status de pária de Araújo também começa a ganhar força dentro dos muros do palácio do Itamaraty.

Por meses, não foram poucos os diplomatas que buscaram postos irrelevantes no exterior que os fizessem "desaparecer" do radar do gabinete do ministro. A ideia é de aguardar o fim desse pesadelo para, então, retornar à busca de uma carreira. Já outros optaram por "black label". A bebida...

Ex-chanceleres de diferentes partidos e visões de mundo se aliaram para pensar o futuro e ampla rede de contatos foi montada para salvar, nos bastidores, a credibilidade do futuro do país.

Mas um dos maiores atos de resistência foi feito por jovens diplomatas nesta semana. Ao escolher batizar a turma de João Cabral de Melo Neto, mandaram um recado de que a visão de mundo que impera hoje na chancelaria não será a que os guiará.

"Esta nova turma, quero crer, já nasce com os olhos abertos", disse Araújo. Sim, e o que enxergam é um chanceler nu, dentro e fora do palácio. E não foi nem por zoom.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Com passagens por mais de 70 países, o jornalista paulistano também faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção da entidade Transparência Internacional, foi presidente da Associação da Imprensa Estrangeira na Suíça e contribui regularmente com veículos internacionais como BBC, CNN, CCTV, Al Jazeera, France24, La Sexta e outros. Vivendo na Suíça desde o ano 2000, Chade é autor de cinco livros, dois dos quais foram finalistas do Prêmio Jabuti. Entre os prêmios recebidos, o jornalista foi eleito duas vezes como o melhor correspondente brasileiro no exterior pela entidade Comunique-se.