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domingo, 11 de setembro de 2011

A frase (contestavel) da semana: protecao contra concorrencia "desleal" (presidente DR)

A frase é da presidente, nem por isso menos incerta, duvidosa, contestável:


"Meu governo não vai permitir ataque às nossas indústrias e aos nossos empregos. Não vai permitir, jamais, que artigos estrangeiros venham concorrer, de forma desleal, com nossos produtos".


Presidente Dilma Rousseff, falando em rede nacional, na véspera do 7 de Setembro de 2011.


Bem, como eu sou um contestador nato, mais exatamente um contrarianista, vou me permitir um exercício de desconstrução verbal e -- ainda que eu seja contrário a certos modismos filosóficos franceses --  vou examinar, conceito por conceito, as palavras da presidente na frase acima transcrita.


1) "Meu governo...":
PRA: Imagino que a presidente tenha sentimentos possessivos, e que considere, realmente, o governo que aí está como seu, isto é, dela. Bem, considerando que metade, ou mais, dos membros de "seu" governo -- desculpem, não contei; é que o governo tem realmente muita gente, e não podemos nos lembrar de todos os ministros, sobretudo alguns ainda desconhecidos --  foi herdada do governo anterior, ministros colocados, mantidos, solicitados pelo seu predecessor -- que a História o tenha. Nessas condicões, seria mais indicado, na verdade, uma frase deste tipo: "Metade do governo que é meu não vai permitir..." Acho que ficaria mais correto e mais conforme à natureza das coisas...


2) "...não vai permitir..."
PRA: Acho que essa expressão revela certa mentalidade autoritária, típica de alguns partidos, sobretudo aqueles de inspiração totalitária, que acham que tudo deve vir de alguma autoridade superior, que se permitem conceder (ou não) determinadas liberdades aos comuns dos mortais. Isso está mais para Gengis Khan do que para uma democracia vibrante; geralmente, nas democracias, governantes democráticos costumam dizer: "Vamos debater no parlamento (ou na sociedade), o que seria mais indicado fazer, etc e tal; depois, segundo o que desejar a maioria, vamos implementar pelas vias institucionais, legais...."
De nada, pela lição de democracia...


3) "...ataque às nossas indústrias..."
PRA: Vejamos: quem estaria interessado em atacar "nossas" indústrias"?
Antes de responder, uma dúvida, porém: "nossas" de quem, ou por que? A presidente por acaso pensa que as indústrias -- com exceção das refinarias da Petrobrás -- são "nossas", ou seja, coletivas, do povo, do Estado, da nação? Acho que ela se engana: as indústrias, em geral, são privadas, e assim, ela poderia no máximo dizer "indústrias brasileiras", o que incluiria, também (salvo no conceito de alguns nacionalistas atrasados) as estrangeiras instaladas legalmente no Brasil; ou, então, ela poderia dizer: "indústrias nacionais" (o que reduziria o universo àquelas assim discriminadas como sendo de "capital nacional", como naquilo artigo restritivo da Constituição de 1988, felizmente abolido por ser idiota e contrário ao que se faz no resto do mundo). Mas, deixemos de lado esse recaída no coletivismo, que pode querer significar apenas um conceito geográfico de "indústrias operando no Brasil" (independente de estatuto legal, do regime de propriedade ou de sua nacionalidade).
Vejamos então o conceito de "ataque".
Quem seriam os malvados interessados em "atacar" as "nossas" indústrias? Seriam alienígenas? Improvável! Seriam estrangeiros? Talvez, e acredito que o entendimento subjacente ao conceito seria esse mesmo, o que aliás combina com a noção possessiva expressa no "nossas".
E por que estrangeiros malvados desejariam "atacar" as indústrias aqui instaladas (vamos lá: tanto brasileiras, quanto estrangeiras já existentes)?
Suposta e provavelmente para "roubar-lhes" mercados, ou pelo menos nichos de mercado. 
E para quê o fariam? Ora bolas, para ter mais lucros e ficarem ricos, o que provavelmente todo capitalista industrial deseja fazer. Isso é da natureza das coisas, digamos assim, e todo mundo (pelo menos aqueles que aceitam que o mundo é feito de empresas privadas legitimas) concorda com esse tipo de raciocínio elementar. Todo mundo (pelo menos os normais) deseja ficar rico, acho.
E como fariam, as empresas "atacantes", para realizar seu malévolo intento?
Obrigariam os brasileiros comuns a comprar seus produtos, mesmo contra a vontade, mesmo sendo de empresas estrangeiras "atacantes"? Será que os brasileiros ignaros, consumidores ingênuos consentiriam em ser sócios de estrangeiros malévolos que se dedicam a atacar concorrentes "nossos"?
Ou será que os brasileiros, ciosos e preocupados apenas em maximizar a sua renda -- como ensina todo manual de economia -- compram esses produtos "atacantes" porque, simplesmente, eles são mais baratos e/ou de melhor qualidade?
Eu acho, por experiência própria, que é uma combinação das duas coisas, eventualmente também o desejo de consumir uma marca de prestígio internacional, mesmo sendo mais caro. Por exemplo, queijos e vinhos franceses, em lugar dos seus equivalentes brasileiros; isso significaria um ataque à indústrias lácteas e viti-vinícolas brasileiras, ou nacionais? Minhas preferências de consumidor não valem nada? Vou ser acusado de impatriótico, de atacar as indústrias nacionais se ousar comprar equivalentes estrangeiros, mesmo mais caros? Eu não tenho direito de escolher?
Mas, e se formos às origens do "ataque" e descobrirmos que o que está, de verdade, atacando as indústrias "nossas" não são malévolos industriais estrangeiros e sim os bondosos burocratas e políticos nacionais?
E se descobrirmos que os malévolos capitalistas estrangeiros só entregam aos seus governos ingênuos e despreparados, neoliberais (digamos assim), 20% do seu faturamento bruto, sob forma de impostos, taxas, contribuições e outras prebendas generosas, ao passo que os nossos atacados capitalistas nacionais são obrigados a despejar nos cofres da Receita cerca de 40% do faturamento total (além de outras despesas que são obrigados a realizar por não disporem de externalidades "nacionais", como mão-de-obra treinada, por exemplo)?
E se descobrirmos que os verdadeiros "atacantes" fazem parte do governo, e não são, nem de longe os intrusos vindos de fora?
Como é que ficamos?
O que a presidente tem a dizer sobre isso?
Bem, se ela desejar, pode pedir a seus técnicos e burocratas qual a verdadeira origem dos ataques, e aí descobrir por que estrangeiros conseguem colocar produtos mais baratos aqui, mesmo pagando frete, tarifas de importação, gastos com representação local (obrigatória pelo Código do Consumidor), novos rótulos em Português, redes de distribuição, de marketing, de contabilidade, etc., etc., etc.?
Proponho que a presidente determine "cientificamente" a origem e a natureza dos "ataques".


4) "...ataque (...) aos nossos empregos."
PRA: Acho que muito do que foi dito acima vale também para os empregos. Por isso vou encurtar o longuíssimo comentário feito acima.
Sugiro, proponho, recomendo, que a presidente pergunte a seus técnicos qual é o custo total do "nosso" trabalhador, e quanto o capitalista estrangeiro paga pelos "seus", fora da folha de pagamento estrito senso. Ou seja, quais são os custos laborais, previdenciários e outros (ou seja, indiretos, como treinar ou formar mão-de-obra, por exemplo), que incidem sobre os "nossos" capitalistas, e quais, e quanto disso, estão a cargos dos "atacantes" estrangeiros. Acho que ela vai ter uma surpresa, se já não souber ou desconfiar do resultado.
Foram-se os tempos em que o Brasil podia vangloriar-se (se era o caso) de ter uma "mão-de-obra barata". Foram-se os tempos em que ganhávamos dos países avançados porque tínhamos custos mais baixos e os outros países em desenvolvimento ainda não tinham indústrias (estrangeiras) modernas instaladas em seus territórios.
Foram-se os tempos em que o diferencial de custo de mão-de-obra era o elemento diferenciador principal em nossas vantagens comparativas. Depois disso entraram outros elementos, como infraestrutura, mão-de-obra mais educada e, sobretudo, menores custos governamentais incidindo sobre a força de trabalho.
Acho que a presidente merece saber disso.


5)  "Não vai permitir, jamais,... "
PRA: Uau! Isso vale para toda a eternidade (! ou ?). Ou seja, uma vez por todas, a presidente mandona (desculpem, mas é assim que entendo a frase, autoritária, perempetória, quase dona do pedaço) diz que o Brasil jamais faria isso ou aquilo, independente da dinâmica econômica, que está sempre mudando tudo o que é sólido, deslocando competidores, transformando vantagens comparativas.
Nunca se deve ser definitivo com frases definitivas, pois isso apenas significa que a pessoa não sabe se adaptar a circunstâncias mutáveis, a cenários que se transformam, etc.
Imaginem se algum dirigente do Brasil imperial dissesse algo do gênero: 
"O nosso governo monárquico jamais vai permitir que insidiosos fabricantes de lâmpadas estrangeiras venham destruir as nossas fábricas de velas nacionais, isso nunca..."
Pois é: nunca se deve ser definitivo nessas coisas de economia e isso o economista francês Jean-Baptiste Say já tinha dito desde meados do século XIX em sua "petição dos fabricantes de velas", preocupados com a concorrência da luz solar...


6) "...que artigos estrangeiros ..."
PRA: Uau! (bis). Então o princípio do tratamento nacional, solenemente reconhecido pelo Brasil ao aceitar o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio), desde 1947, não vale mais? Vamos passar a discriminar produtos estrangeiros agora? E como vamos explicar isso aos nossos parceiros do GATT-OMC? Eles não vão reclamar do Brasil?
Sugiro aos assessores da presidente que leiam para ela os artigos pertinentes do GATT.
Enfim, isso para não passar vergonha em Genebra depois, para que os nossos diplomatas não tenham de se explicar sobre o que seria inexplicável...


7) "...venham concorrer..."
PRA: Uau! (tris). Então concorrência ficou feio, agora? Que problema para o regime econômico e o sistema constitucional brasileiro (que asseguram que concorrência e iniciativa privada fazem parte do cenário habitual do Brasil).
Curioso que no resto do mundo, desde os albores da humanidade, aliás, não se descobriu nada melhor para estimular a inovação, a redução de preços, a satisfação do consumidor do que a concorrência, quanto mais ampliada melhor. 
Regimes fechados, monopólios, cartéis e ententes de fabricantes sempre resultaram em preços altos, espoliação dos consumidores e, mais que tudo, em produtos rústicos e pouco diversificados, enfim, em diminuição do que os economistas chamam de ganhos de bem-estar. Não foi por outra razão que os regimes socialistas deram dois suspiros e desapareceram: eles nunca foram atacados pelo capitalismo, que era mantido convenientemente fora de suas fronteiras. Eles simplesmente implodiram porque não conseguiam atender aos desejos dos consumidores.
A presidente, por acaso, quer diminuir a concorrência no Brasil?
E como é que fica o seu querido "regime de metas", como fica a inflação?
Não importa que a concorrência menor se traduza em maiores preços?
Acho que ela deveria se informar melhor com os seus conselheiros, ou pelo menos com aqueles que escrevem seus discursos...


8) "...de forma desleal..."
PRA: O que significaria "de forma desleal"?
Enganando o consumidor quanto à qualidade dos produtos?
Mas o consumidor é tão ingênuo assim, ou tão néscio, que pode preferir comprar um produto mal acabado, defeituoso, apenas porque ele é mais barato que o nacional? 
Concedamos que ele pode fazer isso uma vez, mas, constatado o engano, e a fraude, ele não cairia duas vezes no mesmo golpe. E os produtos "desleais" ficariam, portanto, sem compradores, e o nosso consumidor novamente, patrioticamente, voltaria a consumir os leais produtos nacionais, ou "nossos".
Ou seria "desleal" apenas por que é mais barato?
Mas aí o Brasil estaria dando um tiro no próprio pé, uma vez que os industrias brasileiros colocam seus produtos em mercados estrangeiros não porque os consumidores estrangeiros queiram fazer bondade para os capitalistas nacionais, ou porque eles acham os brasileiros simpáticos, calorosos, acolhedores, folgazões, mas apenas porque eles constataram que nossos produtos são melhores, ou iguais, aos deles, e ainda assim mais baratos. Não creio que a presidente queira fechar nossos mercados e decretar que só vale agora o mercado interno, desprezando os imensos mercados estrangeiros, que são, por definição, sempre maiores do que o interno.
Ou seria desleal por que é vendido a um custo menor do que o de fabricação?
Desconfio que é isso a que a presidente se refere, e ela está então puxando a orelha da autoridade de defesa comercial que estaria deixando entrar produtos "atacantes" a preços de dumping.
Seria isso verdade?
Pode ser, em certas circunstâncias, geralmente produtos vindos de fábricas estatais (que podem aguentar perdas porque contam com subsídios públicos, como certas indústrias siderúrgicas), mas é menos verdade de produtos de consumo amplo.
Podemos até imaginar que um industria "atacante" do estrangeiro resolva descarregar produtos em excesso  a um preço abaixo do seu custo por que já realizou seu lucro no mercado interno ou em outros mercados mais sofisticados. Isso existe, e deve ser combatido.
Mas é um pouco difícil que fabricantes privados, ao visar mercados tão amplos como o brasileiro, façam isso sistematicamente, continuamente, impunemente para suas contas empresariais. 
As contabilidades de empresas, sobretudo em países de grande dinamismo e concorrência como a China, são sempre obscuras e difíceis de serem interpretadas, mas parece duro de acreditar que todas as fábricas chinesas estejam fazendo dumping no Brasil, ou seja, se dando ao trabalho de exportar para um mercado tão distante, relativamente aberto, apenas apostando em conquistar esse mercado, afastar concorrentes (nacionais ou outros estrangeiros), para depois realizar lucros extraordinários "nestepaiz". Será que depois de todo esse esforço de dumping, algum outro concorrente  (nacional ou estrangeiro) não virá, justamente, para aproveitar um nicho de mercado de pouca concorrência para oferecer produtos a preços igualmente imbatíveis, a partir do momento em que o "desleal" passar a aumentar os seus preços?
Alguém acredita que o mundo sempre funciona com base em teorias conspiratórias?
OK, admitamos que a FIESP pensa assim, mas será que todo mundo acredita nisso?


10) "...com nossos produtos."
PRA: Bem, mais uma vez chamo a atenção para o possessivo "nossos", o denota, sempre, esse sentimento de nacionalismo tão comum em certos políticos, que os faz levantar bandeiras patrióticas em defesa da nação, mesmo que isso signifique que vamos pagar mais caro pelo patriotismo deles.
Eu já ouvi dizer que a presidente estava encantada com os iPads -- c0mprou aqui? pagou preços brasileiros? -- e que ela queria (por que queria) que eles fossem fabricados no Brasil (desde que tivessem 80% de componentes fabricados localmente, claro).
Para isso ela até está fazendo aprovar uma legislação especial, setorial, que vai reduzir alguns impostos na importação de componentes, e no uso de insumos locais, e talvez outros impostos incidindo sobre a fabricação local -- mas, atenção!: apenas para tablets, não para outros eletrônicos -- o que pode fazer com que, graças à magnanimidade e carinho da presidente, nós, brasileiros comuns, vamos pagar só 70% a mais do preço dos tablets nos mercados estrangeiros, e não mais 100% a mais, como ocorre hoje. Não é bonito.
A presidente sabe que, ao fazer esse tipo de política ultra-setorial ela pode estar infringindo determinadas disposições constitucionais que impediriam, salvo melhor juízo, discriminação entre atividades de um mesmo ramo econômico?
E mesmo que isso tudo não fosse inconstitucional, a presidente não desconfia que, ao criar regimes especiais para isso e mais aquilo, ela está distorcendo as regras do jogo, desequilibrando as condições de concorrência entre ramos e setores da indústria, incitando os "desvalidos" a também reclamar favores especiais -- "se eles, por que não eu, também, que emprego tantos milhares de trabalhadores?" -- que isso cria uma selva de mini-legislações ad hoc, que torna o trabalho da Receita muito mais difícil - até mesmo impossível, pois é evidente que vão surgir as fraudes na classificação dos insumos "protegidos" -- e que tudo isso é muito pior do que criar condições isonômicas para todo e qualquer ramo industrial, aliás, para toda e qualquer atividade empresarial???


Bem, desculpem eu ter desmantelado criticamente a frase da semana -- selecionada por uma grande revista informativa e de opinião -- mas é que eu não consigo deixar de pensar no significado real, e nas implicações de fato, de certas frases, sobretudo aquelas ditas por nossos dirigentes, pois isso certamente tem incidência sobre a minha vida, as "nossas" vidas.
Como eu  sou um incorrigível leitor e examinador de discursos, frases, escritos, não consigo deixar passar em branco uma frase dessas, que pode significar uma extorsão ainda maior na minha renda, que já anda diminuída em pelo menos 45% por obra e graça do Estado (e seria ainda maior se dependesse de certos membros desse governo). 
Bem, espero não ter esgotado a paciência de vocês, e constrangido a presidente (ou pelo menos o seu fazedor de discursos), mas só posso prometer que vou continuar examinando frases e discursos para saber o que, por trás das palavras inocentes (e algumas até simpáticas a certos setores da "opinião pública"), pode vir a significar como impacto real em minha vida. Sinto muito, mas sou assim: um iconoclasta virtual...
Até a próxima frase...
Paulo Roberto de Almeida