Comentário preliminar de Maurício David, economista, ex-funcionário do BNDES:
Citação do dia sobre a proposta (demagógica e utilizada oportunisticamente pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad como cortina de fumaça pelas críticas dentro do próprio PT e até pelo ex-candidato presidencial e Vice-presidente do PDT Ciro Gomes sobre a política econômica do governo Lula) :
“Não tem a mais remota possibilidade de prosperar”.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel foi taxativo com relação à proposta apresentada pelo economista francês Gabriel Zucman e endossada pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad usando de certa demagogia como forma de atenuar as críticas que êle Haddad vem recebendo de setores da esquerda do próprio PT : “Não tem a mais remota possibilidade de prosperar”.
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segunda-feira, 4 de março de 2024
Entrevista | Gabriel Zucman: Taxar ricos pode funcionar mesmo sem consenso
Por Marcelo Osakabe / Valor Econômico
Cobrança de 2% sobre fortunas pode render R$ 250 bilhões, estima economista francês
Um imposto global sobre os bilionários pode ser efetivo mesmo que não exista consenso global sobre o tema. Essa é a aposta do economista francês Gabriel Zucman, diretor do Observatório Fiscal da União Europeia, para quem mesmo a ausência dos Estados Unidos, país que abriga perto de um terço dos cerca de 2,7 mil bilionários do mundo, não impede que o novo tributo seja eficiente.
Convidado pelo governo brasileiro para apresentar sua proposta de taxar as grandes fortunas globais em 2% aos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais do G20, na semana passada, Zucman estima que a medida pode render US$ 250 bilhões por ano, metade do que se estima que as nações desenvolvidas precisarão para enfrentar mudanças climáticas.
A proposta chega ao G20 em um momento em que os “dois pilares” propostos pela OCDE para combater a evasão tributária global, que envolvem o imposto corporativo mínimo sobre multinacionais de 15% e o imposto sobre serviços e produtos digitais, sofrem revezes e questionamentos. O economista não vê perigo em sobrepor as agendas e argumenta não ser necessário que a grande maioria adote o imposto para que ele seja efetivo. “Basta que um número suficiente de países implemente a regra, e acredito que já chegamos a ele”, diz, em entrevista ao Valor.
Aos 37 anos, o francês se firmou como uma das vozes que advogam contra a crescente concentração de riqueza global — em sua avaliação, um dos fatores por trás não apenas de crises econômicas, mas também do enfraquecimento dos regimes democráticos. Protegido de Thomas Piketty, com quem colaborou em alguns trabalhos, inclusive o famoso “O Capital no Século XXI”, ele também ganhou fama por usar uma vasta gama de dados, incluindo vazamentos como os “Panama Papers”, para elucidar os caminhos pelos quais grandes corporações transnacionais e bilionários se esquivam dos fiscos.
Com dados, ele mostra, por exemplo, que a adoção de mecanismos de compartilhamento automático de informações bancárias entre países reduziu a evasão tributária de grandes em empresas a um terço do que era dez anos atrás. Apesar disso, a perda de receita tributária devido a essas práticas apenas deixou de crescer, estagnando em cerca de 10% do total declarado em imposto corporativo no mundo todo.
Sobre os 2.756 bilionários encontrados em sua pesquisa — dos quais 105 habitam a América Latina —, Zucman mostrou que o planejamento tributário permite que a imposto efetivo pago por essa elite caia a uma faixa entre zero e 0,5%. É sobre esse grupo que o imposto global pretende cair, ao menos num primeiro momento, diz.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Como foi a abordagem do governo brasileiro para que participasse do G20?
Gabriel Zucman: Ao assumir a presidência do G20, o Brasil queria tornar a desigualdade e a progressividade fiscal prioridades na agenda. Nos contactaram para saber se estaríamos interessados em trabalhar em conjunto para avançar com ideias ambiciosas, olhando o futuro da cooperação tributária internacional e a luta comum contra a desigualdade.
Depois dessa apresentação, continuarão a trabalhar juntos?
Zucman: Sim. A presidência do G20 nos encarregou de elaborar um relatório sobre aspectos práticos de imposto mínimo coordenado sobre super-ricos, bem como resumir estudos existentes e simular diferentes planos possíveis para esse tributo. Vamos começar a trabalhar nesse relatório imediatamente e a ideia é entregar o resultado nos próximos meses, durante a chefia do Brasil no G20.
Como foi a aceitação da proposta no encontro?
Zucman: Duas coisas me chamaram a atenção. Uma é o número de países — alguns muito importantes — que disseram apoiar fortemente a proposta, como Brasil e França. A [secretária do Tesouro dos EUA, Janet] Yellen afirmou que existe algo parecido, embora não tenha sido aprovado. A segunda é que muitos outros países expressaram apoio à proposta de criar novos acordos internacionais focados na questão da progressividade fiscal, tributação dos ricos e combate à desigualdade. O Brasil foi especialmente elogiado por colocar essas questões na agenda do G20. É preciso deixar claro também que as discussões estão em um estágio muito inicial, começaram, literalmente, esta semana [passada]. Há necessidade de uma discussão internacional inclusiva, para aprofundar detalhes.
Por que 2%?
Zucman: Decidimos por propor 2% apenas para ter um ponto de partida para o debate. Ele pode ser considerado baixo, já que muitos países cobram mais de seus ricos. Ao mesmo tempo, o fato é que o planejamento tributário faz com que a carga efetiva seja menor em muitos casos. Por isso, uma taxa de 2% já faria diferença se levarmos em consideração a regressividade efetiva dos nossos sistemas tributários atuais. Com 2%, você pode compensar muito ou, em alguns países, toda essa regressividade. Claro, não é suficiente para tornar o sistema tributário global progressivo. Mas isto também é algo a debater. Existem bons argumentos para adotar taxas mais altas.
Que outros aspectos importantes precisam ser definidos?
Zucman: O destino das receitas é algo em aberto. É preciso uma necessidade discussão internacional e inclusiva. Basicamente, há duas maneiras de abordar isso. Uma é pensar que uma determinada pessoa que construiu uma enorme fortuna vivendo em um país por 60, 70 anos, se beneficiou dos e serviços públicos desse país. Por isso, seria legítimo que ao menos parte dessa arrecadação fique nesse mesmo país. Outra linha argumenta que bilionários acumulam riqueza na forma de participações em empresas que tem negócios em todo o mundo, emitem carbono e contribuem para a mudança climática. Sob essa perspectiva, você pode favorecer uma distribuição muito mais ampla das receitas entre os países. Mesmo a barra sobre os cerca de 3 mil bilionários pode ser baixada. Em um primeiro estágio, é conveniente focar nesse grupo porque ele é pequeno e sua riqueza é relativamente fácil de mensurar.
Os dois pilares do tributo mínimo global estão sob forte desconfiança. Não existe risco de perder o foco e acabar prejudicando outras medidas em implementação?
Zucman: Houve um progresso importante nos últimos anos. O Pilar 2 está sendo implementado em cerca de 35 países neste ano e poderá alcançar muitos dos 140 países que assinaram o acordo da OCDE adiante. Talvez alguns deles não ratifiquem o acordo, como é o caso dos EUA no momento. Mas isto não é problema. Você não precisa, necessariamente, de implementação global para o imposto mínimo. O texto do imposto contém um princípio muito importante, o de que países participantes terão direito de tributar multinacionais localizadas em nações que não ratificaram o acordo, para assegurar que a tributação alcance esses 15%. Basta que um número suficiente de países implemente a regra, e acredito que já chegamos a ele. A mesma lógica pode ser aplicada aos super-ricos.
Os mecanismos em implementação têm tido problemas também, como o fato de que empresas continuam migrando seus lucros para pagarem menos impostos e também de que estão sendo criados novas brechas, às vezes dentro da própria sistema tributário doméstico. Como combater essa tendência?
Zucman: O que acredito que está faltando é, na essência, uma debate mais aberto sobre essas políticas. São detalhes que vêm sendo discutidos em fóruns altamente técnicos, pouco inclusivos, e isso abriu as portas para brechas e isenções aparecerem. Mas é possível corrigir isso e vejo alguns caminhos. A alíquota de 15%, é claramente muito baixa. A maioria dos países tem alíquotas bastante baixas, mas é difícil argumentar por que empresas multinacionais deveriam ser autorizadas a pagar muito menos que firmas pequenas ou médias. Existe um problema com isenções concedidas, que muitas vezes fazem com que a taxa efetiva acabe menor que 15%. Outro problema diz respeito ao tratamento dos créditos tributários para a pesquisa e desenvolvimento. Algumas vezes isto não é entendido como redução da carga tributária, mesmo que economicamente seja algo equivalente.
Me parece que está advogando por uma espécie de governança global sobre o tema.
Zucman: Eu acredito, de fato, que é precisamos de novos acordos tributários em âmbito multilateral. A forma como a globalização foi regulada na década de 1980 simplesmente não funcionou. Muito se falou sobre mobilidade de capitais e de comércio, mas houve silêncio em relação ao tratamento ou a necessidade de progressividade tributária. E digo que não funcionou porque ajudou a fomentar a desigualdade global.
O retrocesso da globalização, uma fragmentação maior do mundo, não torna a implementação destas propostas mais difícil?
Zucman: Não acredito que este ambiente seja mais desafiador que no passado. O que realmente importa é ter vontade política de alguns países, uma “coalizão de dispostos”. A razão pela qual acredito que isto é possível é que existe uma demanda popular avassaladora por tais políticas praticamente em quase todos os países. No Brasil, nos Estados Unidos ou na França, se você perguntar se as pessoas acreditam que seus ricos pagam impostos o suficiente, a grande maioria dirá que não. Vejo apoio maciço nesta direção, e o fato de que não é preciso unanimidade joga nessa direção. Nem EUA nem China ratificaram o imposto mínimo sobre multinacionais, mas ainda assim ele está caminhando. Claro que a política pode interferir. O governo de Joe Biden é mais simpático à proposta. Se Trump ganhar, claramente isso mudará. Mas, novamente, a ausência dos EUA não é motivo para inação.
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