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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sábado, 23 de agosto de 2014

Nunca Antes na Diplomacia: comentários adicionais - Paulo Roberto de Almeida

Aproveitando a publicação de meu livro mais recente, Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais, continuei formulando comentários adicionais, de forma mais ou menos desorganizada, mas orientado por algumas questões que sempre aparecem no diálogo com colegas e amigos. Fiz isso em seis postagens anteriores, que consolido aqui, para facilidade dos eventuais interessados nessas questões.
Paulo Roberto de Almeida


Nunca Antes na Diplomacia 
comentários livres sobre qestões não consensuais
Hartford, 20 agosto 2014
1) Diplomacia e política externa: quão diferentes?

2) Nunca Antes na Diplomacia: ideias boas e menos boas

3) A diplomacia profissional e a engajada

4) Existiria uma diplomacia liberal e outra menos liberal?

5) Os estragos da diplomacia amadora sobre a política externa

6) Ruptura de padrões e deterioração institucional na era do Nunca Antes

Esclarecimento final:
Não me considero liberal no sentido teórico da expressão, ou pelo menos não professo nenhuma ideologia econômica ou política; tenho apenas a pretensão de ser tão somente um racionalista e um pragmático. Mais: costumo praticar o ceticismo sadio, em todas as questões relevantes.
Certamente não era liberal na juventude, quando ingressei na diplomacia, e sim socialista e estatizante-intervencionista, no molde de muitos outros jovens idealistas. 
Portanto, nem sempre fui um crítico contumaz da intervenção do governo na economia. Nos primeiros tempos, certamente, eu preconizava esse tipo de ação. 
Hoje sou bem mais "liberal" na economia, não por ter aderido a filosofias específicas -- nunca fui de muita teoria, e sim de leituras de história e observações práticas da vida real -- mas por ter viajado muito pelo mundo, conhecido todos os socialismos e todos os capitalismos, refletido profundamente sobre essas realidades, com base no estudo e na observação direta, e ter chegado à conclusão de que uma economia de mercados livres funciona, sim, muito melhor do que uma dominada por burocratas do Estado, como é o nosso caso.
Pronto, feito o último esclarecimento que se impunha. 
Paulo Roberto de Almeida 
Hartford, 23/08/2014 

Paginas Amarelas: Arminio Fraga sobre economia brasileira - revista Veja

Entrevista Armínio Fraga
Confiança e competição
Revista Veja, 23/08/2014

O ex-presidente do Banco Central e futuro ministro da Fazenda, no caso de uma vitória de Aécio Neves nas eleições, traça seu projeto para dar um novo ímpeto à economia brasileira.

Se o senador mineiro Aécio Neves conseguir vencer as próximas eleições para presidente da República, um integrante de peso de seu futuro governo já é certo. Será o ministro da Fazenda, o economista Armínio Fraga, que no comando do Banco Central foi o responsável por restabelecer a confiança na economia brasileira depois da desvalorização cambial de 1999. Aos 57 anos, Fraga coordena a área econômica do candidato do PSDB. Os eixos do programa se amparam em resgatar a previsibilidade e a transparência na condução da economia, combatendo a inflação e o inchaço do setor público, ao mesmo tempo em que as reformas estruturais serão promovidas. Diz Armínio Fraga: "O Brasil foi colocado em uma trajetória populista, com resultados desastrosos e previsíveis".

Quais são as evidências de que estamos entrando em uma tempestade na economia?

A opção feita no segundo mandato do Lula por um modelo com ênfase no incentivo ao consumo e na participação elevada do setor público na economia já se esgotou. Funcionou por algum tempo, graças em parte a um cenário externo favorável. Não houve, entretanto, sucesso em aumentar o investimento, que permanece baixo em relação ao tamanho da economia, nem a produtividade, que tem crescido pouco. O engajamento do governo com o setor privado consiste cada vez mais de soluções improvisadas que não dão conta do recado. Temos uma infraestrutura totalmente desgastada e inadequada. O sistema tributário é extremamente custoso para as empresas, cheio de problemas. A qualidade da educação não vem melhorando em ritmo adequado. Por fim, a macroeconomia também foi desajustada. A inflação está alta, mesmo com o represamento de preços, e a situação fiscal é opaca e vem se deteriorando.

Quais são os sintomas da ineficiência da atual política econômica?
O Brasil foi colocado em uma trajetória populista, com resultados desastrosos e previsíveis. Essa aposta errada parte de uma teoria antiquada, que tinha alguma importância até os anos 1970, mas que se mostrou equivocada. Os sintomas são diversos e tradicionais, com destaque para o crescimento cada vez mais baixo. Para termos um parâmetro, durante o governo Fernando Henrique o avanço do PIB brasileiro foi similar ao da América Latina. Nos anos Lula, o crescimento médio foi também parecido com o da América Latina. Agora, com Dilma, vamos crescer 2 pontos porcentuais por ano, abaixo do avanço médio até dos países vizinhos.

Alguns economistas acreditam que os países não devem se preocupar tanto com o crescimento, e sim tratar de focar sua atenção na qualidade de vida. Para o Brasil, por que ainda é necessário acelerar o ritmo da economia?
O crescimento nao é tudo, mas um país como o nosso precisa crescer, para melhorar o padrão de vida das pessoas. Além disso, os estudiosos mostram que o crescimento explica uma parte importante da queda na pobreza. É o principal fator. Mas é claro que a pobreza extrema foi atingida na veia com o Bolsa Família, que é um grande programa.

É possível impulsionar indefinidamente uma economia apenas pela oferta de crédito?
Uma economia moderna não funciona sem crédito, mas há que cuidar para não exagerar na dose, pois a poupança tem seu papel. O fundamental mesmo é fazer a produtividade crescer.

Como incentivar a produtividade?
Os trabalhadores ficam mais produtivos com uma educação melhor, quando contam com equipamentos modernos para trabalhar. É muito importante também a exposição à concorrência e a integração às melhores práticas internacionais. É impossível que um país isolado se beneficie daquilo que existe de melhor no mundo. No Brasil, infelizmente, os ganhos de produtividade da economia estão em queda. Precisamos investir mais, muito mais. Daí a proposta do senador Aécio Neves de elevar a taxa de investimento total da economia de 18% do PIB para 24% do PIB em quatro anos.

Isso é factível em um período de quatro anos?
Não será fácil, mas é perfeitamente possível. Meta fácil não tem graça. O Brasil precisa arrumar a casa, reduzir as incertezas e, com isso, oferecer uma taxa de juros mais baixa para todo mundo, e não apenas para aqueles com acesso ao BNDES. O Orçamento precisa ser tratado com transparência. Primeiro, por uma questão de cidadania. E, segundo, para diminuir os juros de longo prazo. No fundo, o principal ponto é mobilizar capital privado. O governo não tem dinheiro para investir e, se tentar fazer isso, não vai fazer direito. Hoje há muita incerteza regulatória. Os leilões de concessões precisam ser mais bem planejados. Por fim, vejo a necessidade de cuidar com mais atenção dos recursos humanos. O governo precisa de gente capacitada para trabalhar, com foco na meritocracia e sem aparelhamento político.

A economia brasileira, depois de alguns anos bons no governo Lula, vem agora avançando ao ritmo de 2% ao ano. Em 2014 o crescimento deverá ser ainda menor. Quanto se pode crescer mais se aumentarmos a taxa de investimentos?
Acredito que o Brasil possa crescer 4,5% ao ano, de maneira sustentável. Para isso é preciso corrigir os desacertos atuais, investir mais e também acoplar a economia ao que há de melhor no mundo, com concorrência, para incentivar a inovação e a produtividade. Não creio em uma bala de prata. São várias medidas e iniciativas a ser tomadas de maneira complementar. Se não houver uma correção de rumo, a situação da economia tenderá a se agravar.
Uma das maiores derrotas de Dilma na área econômica foi a sua falha na tentativa de reduzir os juros. A taxa básica, a Selic, já está acima daquela herdada por ela, e o custo do crédito bancário também voltou a subir. Por que deu errado? Os juros foram reduzidos de maneira voluntarista, o que deu errado. Faltou base. A redução foi feita com expansão fiscal e aumento do crédito público ao mesmo tempo. Foi uma política esquizofrênica.

Dilma atendeu, uma a uma, às reivindicações do setor industrial: reduziu o custo da energia, acirrou a proteção comercial, diminuiu o custo da folha de pagamento. Ainda assim, a indústria foi o setor que mais patinou nos últimos anos. Por quê?
Na verdade, os pedidos da indústria não foram atendidos. Os juros continuam altos. Não houve nenhum avanço expressivo na área tributária. Houve uma tentativa de reduzir o preço da eletricidade à força, e deu tudo errado. A pressão agora é de alta, pois as distribuidoras estão se endividando muito e, por contrato, elas têm direito a aumentos. O governo empurrou essa conta para a frente, mas todo mundo já vê o custo em alta. Os desequilíbrios vão se acumulando. Pouco foi feito daquilo que se prometeu.

Todo governo promete fazer a tão aguardada reforma tributária, mas fracassa por não saber conciliar os interesses dos 27 estados da federação. O que faz crer que com Aécio será diferente?

Posso assegurar que uma reforma será apresentada nos primeiros dias de um eventual governo Aécio. Reconheço o desafio político. Mas acredito que, na vida, certas coisas dependem de seu tempo para acontecer. Creio que esse momento chegou. Há o consenso de que nosso sistema tributário é uma aberração. É caríssimo, cria uma série de distorções. É um sistema que onera os investimentos e as exportações, o que não se faz em lugar nenhum do mundo. É preciso haver uma consolidação dos impostos. O Brasil deve isso a si mesmo. Hoje, com a ajuda da tecnologia, como a nota fiscal eletrônica, ficou mais fácil fazer essa reforma. É o tipo de situação ganha-ganha, boa para todos. Ninguém imagina que se chegará a uma solução da noite para o dia. Vai dar trabalho, mas vai sair, tenho convicção.

A carga de impostos cairá?
Aécio expôs seu compromisso de limitar o aumento dos gastos a um ritmo inferior ao do crescimento da economia. Somente dessa forma seria possível diminuir a carga tributária.

Haverá um tarifaço no primeiro ano de governo?
Não. O governo atual congelou os preços de maneira artificial e agora a saída é dizer que a oposição defende o tarifaço. Isso é mentira. Os reajustes serão feitos pelas regras de mercado. O mercado pode ser imperfeito, mas é de longe a melhor maneira conhecida de organizar a economia.

Pode haver tolerância com uma inflação mais alta por algum tempo?
A inflação já está em um nível bastante elevado. Vamos reduzi-la nem tão rápido que o custo para a economia seja excessivo, nem tão devagar que não pareça uma trajetória crível. Isso aumentará a confiança e dará uma guinada positiva nas expectativas.

Qual é o efeito quando o governo brasileiro faz uma caça às bruxas a analistas de mercado que efetuam diagnósticos corretos sobre a economia?

Esse tipo de reação tende a criar canais privilegiados de comunicação e aumenta ainda mais as tensões de maneira desnecessária. Passa uma impressão de pouco apreço pela liberdade de expressão.

Nos últimos anos houve um aumento do papel do Estado na economia, com programas sociais, bolsas, financiamentos. Foi criada a percepção de que o Estado precisa prover cada vez mais?

Sem dúvida, há um sentimento de que o Estado pode tudo, e não é apenas no Brasil. Na prática não é bem assim. O Estado pode muito, mas não tudo. Não há nenhum caso de desenvolvimento sem um Estado eficiente, guiado pela meritocracia. Ter um Estado ocupado por interesses particulares ou partidários é muito ruim. É péssimo para todos quando os empresários precisam dedicar a maior parte do seu tempo a viagens a Brasília
do que inovando, investindo e administrando seu negócio.

O Brasil é uma das economias mais protecionistas do mundo e, mesmo assim, as barreiras foram aumentadas ainda mais no atual govemo. A indústria brasileira será capaz de prosperar se for exposta mais abertamente à competição internacional?

O plano é diminuir aos poucos essas barreiras e conectar o Brasil às cadeias de inovação. A retirada do país dessa UTI de subsídios e proteções precisa ser feita com muito cuidado. O governo deve fazer sua parte, promovendo reformas e desentubando o paciente aos poucos de modo que ele possa viver sem os meios artificiais de manutenção dos sinais vitais.

O paciente vai voltar a andar ou a correr?
Vai correr maratona.

Qual o desafio maior ter assumido a presidência do BC em meio a uma crise cambial ou tomar posse no Ministério da Fazenda em 2015?
Agora é pior. Em 1999, havia uma ideia clara do que precisava ser feito. Era necessário fazer um ajuste orçamentário e um ajuste cambial, além de ancorar as expectativas de inflação. O receio era a reindexação da economia. Hoje não temos uma crise aguda, mas o quadro geral é preocupante. O trabalho a ser feito é profundo, em diversas frentes.

O senhor é sócio de uma empresa de investimentos. O que fará caso seja indicado para assumir o Ministério da Fazenda?
Com certeza me desvincularia completamente da Gávea. Venderia minhas cotas na empresa. Meus investimentos pessoais seriam colocados em uma conta de investimento cega, ou seja, a cujo conteúdo não teria acesso antes de deixar o governo. Minha única exigência seria que a carteira fosse concentrada em investimentos no Brasil.

Se Aécio não for para o segundo turno, o senhor trabalharia com uma das candidatas?
Não. Estou cem por cento com o Aécio.

Arminio Fraga: o caminho correto na economia - via Rodrigo Constantino


Rodirgo Constantino, 23/08/2014

A lucidez de Armínio Fraga. Ou: Não trocar Mantega por Armínio seria suicídio!

Se o ministro da Fazenda de Dilma, Guido Mantega, vive no mundo da lua, o futuro ministro da Fazenda de Aécio Neves, Armínio Fraga, tem os dois pés no chão e uma compreensão exata de nossos problemas. Sua lucidez é louvável, e basta lembrar de seu imenso sucesso profissional como gestor de recursos para saber que o economista, ao contrário de Mantega, entende das coisas.
Colocaria da seguinte forma, para deixar claro o abismo que os separa: eu não teria Mantega nem como meu estagiário, mas eu me esforçaria bastante para trabalhar para Armínio, ainda que como estagiário. É assim que enxergo a discrepância entre a capacidade de ambos. E basta ver a entrevista nas páginas amarelas de Veja esta semana, com Armínio, para perceber a diferença. Seguem alguns trechos:
Arminio Fraga
Ou seja, há um diagnóstico perfeito do quadro a ser enfrentado, uma noção cristalina dos principais equívocos que nos trouxeram até aqui, nessa estagflação terrível que só tende a piorar, se o curso não for revertido com urgência. E o que Mantega faz? Mais do mesmo, insiste no veneno, acha que está tudo ótimo, quer estimular mais crédito sem lastro, produzir mais medidas populistas. Alguém fica espantado de o Brasil ser o lanterninha até na América Latina em crescimento?
PIB na América Latina
Apenas lembrando que esses 2% até aqui vão piorar com a inclusão do último ano de mandato de Dilma, no qual nossa economia sequer crescerá 0,8%! Mas vamos deixar a crise para trás e abordar as soluções de fato, em vez de as tentativas de o governo mascarar os problemas. Sigamos com a entrevista de Armínio:
Arminio Fraga 2
Só há uma saída: aumentar a produtividade. E para tanto, só há uma forma: soltar as amarras burocráticas do estado, reduzir carga tributária e deixar a economia funcionar com mais liberdade. Ou seja, desfazer as bombas-relógios armadas pelo governo Dilma, segurar gastos públicos para incentivar maior poupança doméstica, atrair o capital privado para a economia. Em suma, ser o inverso do PT, intervencionista ao extremo e populista nos gastos.
Arminio Fraga 3
Armínio tenta mostrar o caminho das pedras sem truques, sem ilusões, sem fantasias. E o que faz o PT? Terrorismo eleitoral! A própria presidente Dilma fica repetindo que vem “tarifaço” por aí, enquanto durante seu próprio governo as tarifas de luz estão tendo de subir mais de 20% em vários lugares, por causa de seu populismo anterior.
Acusa Aécio de “arrocho salarial”, mas o verdadeiro arrocho está acontecendo agora, com essa inflação alta que corrói nossos salários. Diz que é impossível cortar gastos públicos sem retirar benefícios sociais, o que é uma mentira, por ignorar a enorme ineficiência desses gastos, seu destino muitas vezes equivocado, as “boquinhas” dos companheiros, as ONGs engajadas, os bilionários subsídios e privilégios distribuídos com nosso dinheiro para fins partidários apenas.
Enfim, um país que tem a oportunidade de colocar Guido Mantega no olho da rua e substitui-lo por alguém da envergadura técnica de Armínio Fraga, e não o faz, é porque deseja mesmo se afundar na lama e enaltecer a mediocridade. Não trocar Mantega por Armínio seria demonstrar uma vocação um tanto suicida.
Seria como ter a chance de usar a seleção campeã de futebol da Alemanha, mas escolher o time reserva de Várzea. Desejamos ser a próxima Argentina, a próxima Venezuela? Então é melhor pensar bem antes de votar, e ajudar aqueles que não têm a mesma compreensão do quadro econômico a fazer o mesmo.
Rodrigo Constantino

Corrupcao companheira: a ponta do iceberg da mafia na Petrobras

O que se sabe, provavelmente, é uma parte mínima de toda a corrupção, montantes reduzidos em relação aos valores efetivos. Por isso os companheiros demonstram tanto empenho em continuar isolando a sua principal caixa-forte, a vaca petrolífera da Petrobras e os negócios escusos associados, assim como também tentam preservar a caixa-preta do BNDES, outra vaca corrupta e corruptora.
Volto a afirmar: nunca antes no Brasil, tinhamos tido uma máfia no poder.
Paulo Roberto de Almeida 
Não vai ter eleição?
Coluna de Merval Pereira, no jornal O Globo, diz que há um fato novo que pode interferir nas eleições de outubro. Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, ameaça: se abrir a boca, "não vai ter eleição".


Diz-se em política que somente dois fatos são importantes: o fato novo e o fato consumado. O fato consumado da morte trágica do ex-governador Eduardo Campos produziu o fato novo da candidatura de Marina Silva, que mudou a eleição. Agora, outro fato novo pode interferir nas eleições de outubro. Atribui-se ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, a ameaça de que, se abrir a boca, não vai ter eleição . Seria uma maneira de mandar um recado para seus muitos amigos políticos para que o tratassem bem, e à sua família.

Como nos melhores filmes da máfia, ao ver que não tem chance de se livrar da prisão, e de que empresas de seus filhos começaram a ser investigadas ontem pela PF, Paulinho , como Lula o chamava, resolveu negociar com a Justiça delação premiada, incentivado pela mulher, Marici - que há tempos vinha se desentendendo com o advogado Nélio Machado, ontem trocado pela advogada paulista Beatriz Catta Preta, especialista em delações premiadas.

O depoimento de Costa será para o juiz Sergio Moro, especialista em processos de lavagem de dinheiro que assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão. Com fama de rigoroso, Moro não soltou imediatamente os doleiros e pediu mais esclarecimentos ao Supremo tribunal Federal quando o ministro Teori Zavascki deu uma liminar soltando todos os acusados pela Operação Lava-Jato.

Deu tempo, assim, para que Zavascki recuasse da decisão inicial, mantendo todos presos por oferecerem perigo de fugir do país. Tudo indica que Costa vai falar o que sabe, o que pode, sim, influenciar as eleições de outubro, não a ponto de inviabilizá-las, mas de atingir políticos importantes em diversos partidos.

Costa é fruto de um dos mais perversos efeitos colaterais do presidencialismo de coalizão, distorcido na era Lula. Indicado por consórcio partidário composto por PP, PMDB e PT, esteve à frente da Diretoria de Abastecimento da Petrobras de 2004 a 2012, saindo de uma espécie de geladeira em que fora colocado por sucessivas diretorias anteriores ao lulismo. Entre outros negócios da estatal, ele estava na diretoria que concretizou a compra da refinaria de Pasadena, nos EUA, contestada pelo Tribunal de Contas da União.

Nos documentos encontrados em sua casa e em empresas pela PF, há muitas indicações de negociatas envolvendo empreiteiras e políticos, tudo junto e misturado com a ajuda do doleiro Alberto Youssef, também preso.

Um deles é o deputado federal André Vargas (sem partido), que está tendo sua cassação pedida pelo Conselho de Ética da Câmara por ter usado jatinho fretado por Youssef para um passeio com a família. Outro, o secretário nacional de Finanças do PT e tesoureiro da campanha de 2010 da presidente Dilma, João Vaccari Neto, acusado de ser um dos contatos de fundos de pensão com a CSA Project Finance Consultoria e Intermediação de Negócios Empresariais, empresa que Youssef usou para lavar R$ 1,16 milhão do mensalão, segundo a PF.

O ex-deputado José Janene, um dos 40 réus no processo do mensalão no STF, morto em 2010, era acusado de ter se apropriado indevidamente de R$ 4,1 milhões, usando como laranja o advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, também preso e que fez as acusações a Vaccari Neto dentro de uma negociação de delação premiada.

Ele é réu em duas ações penais: uma sobre supostas remessas fraudulentas para o exterior do laboratório Labogen, de propriedade de Youssef e que pode causar mais danos ao candidato do PT ao governo de SP, Alexandre Padilha; outra de lavagem de dinheiro de Janene por investimentos em uma empresa paranaense. Padilha foi acusado de, como ministro da Saúde, ter aprovado o Labogen, que servia de fachada para o doleiro enviar dinheiro para o exterior.

Documentos apreendidos com Costa, e que ele tentou destruir, mostram uma contabilidade detalhada sobre repasses de empreiteiras para campanhas políticas. Anotações do ex-diretor registram, por exemplo, o repasse, em 2010, de R$ 28,5 milhões ao PP, partido da base aliada cujo líder à época do mensalão era Janene, um dos responsáveis pela indicação de Costa ao cargo.

As empreiteiras citadas no documento são Mendes Júnior, UTC, Constran, Engevix, Iesa, Toyo Setal e Andrade Gutierrez. Mesmo que fale tudo o que sabe, vai haver eleição, assim como houve a Copa. Resta saber com que candidatos.

Eleicoes 2014: a natureza do escorpiao e o partido totalitario

Partido Totalitário quer pautar a imprensa

O PT convive mal com o Estado de Direito, com a democracia e com as liberdades em geral, particularmente a liberdade de imprensa, que Lula considera "uma sacanagem". Editorial do Estadão, 23/08/2014


A direção do Partido dos Trabalhadores (PT) entrou na Justiça Eleitoral para obrigar a Rede Globo a ampliar a cobertura das atividades de campanha de Alexandre Padilha, candidato do partido ao governo do Estado de São Paulo. Ao pretender determinar o que uma emissora de TV deve mostrar a seus telespectadores, os petistas reafirmam sua visão autoritária a respeito do trabalho da imprensa e seu desprezo pelo jornalismo independente.

A tarefa de informar bem seus leitores, ouvintes e telespectadores obriga as empresas jornalísticas a estabelecer critérios de seleção de informações, para entregar a seu público as notícias que terão relevância em sua vida, deixando de lado as que, a seu juízo, têm menor importância. Assim, cada redação define quais acontecimentos serão dignos de cobertura extensiva e quais merecerão espaço menor. Tais parâmetros, que integram o bê-á-bá do jornalismo, podem mudar de veículo para veículo, mas há algo que, em democracias, não mudará nunca: o princípio de que as empresas jornalísticas devem ter ampla liberdade para adotar os padrões de seleção de informações que melhor atendam seu público.

É justamente nessa liberdade, central para o exercício do jornalismo independente, que o PT pretende interferir, em defesa de uma suposta "isonomia" de tratamento para todos os candidatos ao governo paulista. Tal exigência de igualdade, da maneira como está sendo enunciada pelos petistas, serve apenas para ferir a autonomia que um veículo deve ter para determinar o que é digno de ser publicado e o que não é.

A Rede Globo entendeu que deveria dar mais espaço em seus telejornais aos candidatos ao governo paulista com mais de 6% de intenções de voto. Com isso, recebem destaque diário apenas os dois primeiros colocados, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e Paulo Skaf (PMDB). Na última pesquisa do Ibope, Padilha, o candidato petista, surge em terceiro lugar, com 5% das menções. É o mais bem colocado entre os "nanicos" - está à frente de outros três candidatos que dispõem de 1% cada - e por isso aparece com frequência menor no noticiário da emissora.

No entender dos petistas, porém, a Globo estabeleceu parâmetros sob medida para, deliberadamente, sonegar de seus telespectadores o noticiário sobre a campanha de Padilha. Em carta à emissora, o presidente estadual do PT e coordenador da campanha petista, Emidio de Souza, disse que "não cabe a um veículo de comunicação definir critérios" para a veiculação de informações sobre a eleição. Para questionar as escolhas da Globo, Emidio diz que, pela margem de erro da pesquisa, de três pontos porcentuais, Padilha pode estar com 8% - acima, portanto, do piso estabelecido pela emissora. Por essa lógica, porém, o petista pode estar com 2%, em empate técnico com os outros "nanicos".

O aspecto relevante nessa polêmica, no entanto, não são alguns pontos porcentuais para mais ou para menos, e sim a reafirmação da vocação autoritária do PT e de sua hostilidade contra a imprensa livre. Em nota sobre sua petição à Justiça Eleitoral, o partido chega a exigir que a Globo "abra espaço diariamente em sua programação normal para todos os candidatos" ou então "que se abstenha de cobrir a agenda de qualquer um deles". Trata-se de uma tentativa grosseira de pautar uma emissora de TV.

Ainda que arrogante, no entanto, a manifestação petista não se compara às grosserias do ex-presidente Lula, que qualificou como "sacanagem" os critérios da Globo para a cobertura eleitoral em São Paulo. "Já fui vítima de todas as sacanagens que vocês possam imaginar, mas tem coisa que vai ficando insuportável", disse Lula num evento de campanha no início de agosto. "Em São Paulo, a sacanagem é tamanha que eles decidiram que só vão colocar os candidatos acima de 10% (sic) para tirar o Padilha da televisão. Cada jogo, em cada eleição, é uma sacanagem."

Como aquele que jamais se constrangeu ao fazer propaganda eleitoral fora de hora nem a colocar a máquina do Estado a serviço de seus candidatos, Lula deveria saber o que, de fato, é "sacanagem".

PT corrupto: a mafia em acao

Por Andreza Matais e Fabio Fabrini, no Estadão, 22/08/2014

Num depoimento prestado à Polícia Federal, um dos integrantes do esquema investigado na Operação Lava Jato afirmou que o secretário nacional de finanças do PT, João Vaccari Neto, ligado ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, era um dos contatos de fundos de pensão com a CSA Project Finance Consultoria e Intermediação de Negócios Empresariais, empresa que o doleiro Alberto Youssef usou para lavar R$ 1,16 milhão do Mensalão, segundo a PF.

“João Vaccari esteve várias vezes na sede da CSA, possivelmente a fim de tratar de operações com fundos de pensão com Cláudio Mente”, relatou o advogado Carlos Alberto Pereira da Costa, apontado como laranja de Youssef e do ex-deputado José Janene (moto em 2010).
Preso desde março pela Lava Jato, ex-sócio da CSA Project, situada em São Paulo, decidiu colaborar espontaneamente com as investigações em troca de eventual benefício judicial. Ele é réu em duas ações penais, uma sobre supostas remessas fraudulentas do laboratório Labogen para o exterior, outra de lavagem de dinheiro de Janene por investimentos em uma empresa paranaense.
Carlos Alberto foi ouvido no dia 15 na Superintendência Regional da PF no Paraná. A PF, em outro documento, diz haver indício de que Vaccari estaria intermediando negócios de fundos de pensão com a CSA e uma outra empresa ligada ao doleiro, a GFD Investimentos.
Vaccari é réu em ação criminal sobre suposto desvio de R$ 70 milhões da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop). O Ministério Público o denunciou por formação de quadrilha, estelionato e lavagem de dinheiro. O colaborador disse que dirigentes da Petros, fundo de pensão da Petrobrás, receberam propina para que o fundo fizesse um investimento de interesse do grupo de Youssef, acusado de chefiar esquema bilionário de lavagem de dinheiro.
Segundo ele, o ex-gerente de Novos Negócios do Petros Humberto Pires Grault foi um dos beneficiários de R$ 500 mil, que teriam sido pagos como “comissão” para que o fundo de pensão adquirisse, entre 2005 e 2006, uma cédula de crédito bancário de R$ 13 milhões. Grault é ligado ao PT, partido que o teria indicado ao cargo.
A CSA Project, segundo disse, foi responsável pelo contrato com a Petros. A cédula adquirida pelo fundo de pensão referia-se a créditos que a Indústria Metais do Vale (IMV) teria a receber de outra empresa, a Siderúrgica de Barra Mansa (SBM), por um projeto de ferro-gusa. Carlos Alberto disse que um saque de R$ 500 mil da IMV foi usado para fazer pagamentos em espécie aos que participaram do negócio. Além de Grault, teriam recebido parte desse dinheiro Cláudio Mente, da CSA, além de funcionários da Petros.
Ele contou ter sido informado por Mente que, no fundo de pensão, “seriam beneficiados Humberto Grault e o diretor que estaria acima dele na estrutura da empresa”. Disse que não se recorda do nome do outro suposto beneficiário.

Escandalo Petrobras: acumulacao primitiva de capital pelos companheiros

As doações de Graça 

Editorial O Estado de S.Paulo, 22/08/2014


Em 20 de março passado, um dia depois de  o Estado divulgar a nota de próprio punho que lhe encaminhou a presidente Dilma Rousseff, sobre o seu papel na compra da primeira metade da Refinaria de Pasadena em 2006, a atual presidente da Petrobrás, Graça Foster, à época diretora de Gás e Energia, doou aos filhos Flávia e Colin, com cláusula de usufruto, uma casa na Ilha do Governador e um apartamento no centro do Rio de Janeiro. Dilma alegou que, na chefia do Conselho de Administração da empresa, aprovara o fechamento do negócio com base, apenas, em um resumo executivo "técnica e juridicamente falho".

Três semanas depois, em 9 de abril, Graça pôs no nome do filho um terceiro imóvel, em Búzios. Em 10 de junho, por sua vez, o ex-diretor da estatal Nestor Cerveró - o autor do parecer verberado por Dilma - cedeu aos herdeiros três propriedades no bairro de Ipanema. Ele tinha sido demitido de uma diretoria da BR Distribuidora dois dias depois da divulgação da nota da presidente da República. A revelação das transferências no site do jornal O Globo, na tarde de terça-feira, produziu um efeito imediato: travou mais uma vez a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que então estava para ser tomada sobre a eventual inclusão de ambos entre os 11 executivos e ex-diretores da Petrobrás cujos bens foram bloqueados em julho último por iniciativa do relator da matéria, ministro José Jorge.

A intenção foi assegurar à empresa a recuperação de pelo menos parte do rombo de US$ 792 milhões que sofreu em Pasadena, caso se comprove a responsabilidade dos envolvidos. Graça é citada por ter prejudicado a Petrobrás, ao retardar o cumprimento da decisão arbitral nos Estados Unidos favorável ao grupo belga a que se associara. O adiamento custou à petroleira US$ 92,3 milhões. Estranho participante das sessões do TCU - como se entre as suas atribuições estivesse a de defender funcionários de uma companhia controlada pelo governo -, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, parecia seguro de que a maioria do colegiado rejeitaria o pedido do relator no caso de Graça. Tanto que insistiu no prosseguimento dos trabalhos mesmo depois do impacto provocado pela notícia das doações, que levou o relator a suspender a votação de seu parecer até a averiguação dos fatos.

Segundo Jorge, confirmadas as transferências, terá ocorrido uma "burla gravíssima do processo de apuração de irregularidade". A rigor, o que há a averiguar, em relação a Graça, não são as doações - que ela reconhece -, mas quando e por que tomou a decisão de fazê-las. Ou imediatamente em seguida à confissão de Dilma, em março último, ou ainda em junho do ano passado, conforme nota da Petrobrás. Na primeira hipótese, pode-se supor que ela tenha pressentido que a manifestação da presidente aceleraria as investigações do TCU, iniciadas em março de 2013, com riscos até então não vislumbrados para si e, quem sabe, para o seu patrimônio.

Na segunda hipótese, a motivação de Graça poderia ser atribuída à abertura do processo no TCU - cerca de três meses antes que ela começasse a providenciar, de acordo com a empresa, "a documentação necessária", por sinal descrita na nota, para formalizar em cartório as doações. O texto nega "veementemente" que Graça "tenha feito qualquer movimentação patrimonial com intuito de burlar a decisão do TCU" do bloqueio de bens e assinala que "doações de bens são atos legítimos, previstos em lei e objetivam evitar futuros conflitos entre herdeiros". De todo modo, o fato é que a sua revelação devolve o escândalo de Pasadena ao centro das atenções - desta vez com a campanha eleitoral em andamento.

Ecoando o ministro José Jorge, o senador petebista Gim Argello, que preside a CPI mista da Petrobrás, considerou o caso "gravíssimo". A oposição quer verificar se as doações foram aquelas mesmas e se configuram fraude. Já para o advogado-geral Adams, não houve "fuga patrimonial" porque Graça não pôs os seus bens em nome de laranjas, para impedir que venham a ser recuperados. Mas não deixou de admitir que, se ficasse provado que a presidente da Petrobrás tentou se desfazer de bens por motivos escusos, as doações poderiam ser revertidas.

Ruptura de padroes e deterioracao institucional na era do Nunca Antes - Paulo Roberto de Almeida


As roupas novas da diplomacia brasileira (depende dos costureiros)

Paulo Roberto de Almeida

            Concluo aqui meus comentários adicionais a propósito da publicação do meu livro mais recente Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), tratando da ruptura de padrões de trabalho e de procedimento que eram tradicionalmente seguidos pelo Itamaraty, o que aliás reflete uma deterioração geral das instituições brasileiras sob o lulo-petismo.

Infelizmente há que se reconhecer que o governo do PT, não apenas em relação ao Itamaraty, mas com respeito a várias outras instituições do Estado igualmente, contribuiu para deteriorar gravemente a qualidade e o funcionamento dessas instituições. Existem vários exemplos de como isso se fez, alguns aliás até desconhecidos, pois não se sabe exatamente como foram tomadas determinadas decisões, e como elas foram conduzidas por meios não registrados, com respeito a determinados episódios envolvendo nossas relações externas. Menciono apenas dois, mas eles são muitos, e deverão um dia ser objeto de uma avaliação ponderada. Refiro-me, por exemplo, a dois obscuros episódios envolvendo embaixadas em países latino-americanos: a hospedagem política do presidente derrocado de Honduras na nossa embaixada em Tegucigalpa, e o envolvimento direto do Brasil com a política interna naquele país – o que é não apenas inconstitucional, como anti-diplomático – e a hospedagem, sob a forma de asilo diplomático, do Senador boliviano Roger Pinto Molina, em nossa embaixada em La Paz. 
Os dois casos violaram profundamente nossas tradições diplomáticas e representaram, precisamente, exemplos totalmente negativos de tratamento não diplomático a duas questões de política externa, no primeiro caso, aliás, nem era um problema bilateral, e acabou sendo devido ao envolvimento de militantes brasileiros com seus amigos bolivarianos de outros países. Um dia esses episódios mereceriam um esclarecimento completo, se, por acaso, existirem documentos a respeito. Pode ser que os arquivos do Itamaraty estejam incompletos nos dois casos, tendo em vista comunicações que provavelmente foram feitas por outros canais, não oficiais, ou seja pela partidarização indevida da política externa.
Existe também o caso, já mencionado dos obscuros acordos concluídos com a ditadura cubana no quadro do programa Mais Médicos, o que tem permitido, ao que parece sem todo o exame congressual, a remessa de vários milhões de dólares para aquela ilha, em condições certamente bizarras para os padrões de nossas relações financeiras externas. Este é mais um exemplo no qual a boa diplomacia, e as boas práticas em matéria de políticas públicas nunca prevaleceram, mas foram submetidas a injunções partidárias de péssimas consequências para a nossa diplomacia.
O Itamaraty vem sendo submetido, desde 2003, a esse tipo de constrangimento, que deve marcar profundamente as mentalidades dos jovens que ingressaram nesses anos do nunca antes. Eles podem estar considerando como normais procedimentos que violam e contrariam profundamente os métodos de trabalho do Itamaraty, assim como muitos já foram constrangidos, desde o ingresso na carreira, a uma série de leituras especialmente escolhidas e que combinam com a mentalidade dominante no partido atualmente hegemônico, caracterizada por um esquerdismo anacrônico, um anti-imperialismo démodé, e todas essas viseiras mentais que consideram o reducionismo geográfico do Sul-Sul como válido e positivo para a nossa diplomacia. Atitudes como essas devem marcar por algum tempo o trabalho diplomático, em detrimento das boas práticas, do exame isento das questões da agenda internacional, de um tratamento não partidário de importantes questões de nossas relações exteriores. Infelizmente, esses são os tempos, talvez dominantes, mas é sempre útil ter consciência do que se passa, e ter plena consciência do que a diplomacia brasileira, e o próprio Brasil, estão perdendo com isso: credibilidade, seriedade, legitimidade na ação externa.

            Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Os estragos da diplomacia amadora sobre a politica externa - Paulo Roberto de Almeida


Resultados negativos de uma diplomacia amadora para a política externa

Paulo Roberto de Almeida

            Os exemplos abaixo figuram apenas perfunctoriamente em meu livro Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), por isso me permito comentar mais livremente sobre os efeitos que uma diplomacia amadora, improvisada, mal instruída podem fazer de mal a uma política externa ponderada, como sempre foi a brasileira, até o advento da era do nunca antes...

Dou dois exemplos concretos sobre esse tipo de situação, embora um deles não envolva diretamente a diplomacia profissional: a nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia, com expropriação violenta e arbitrária dos ativos da Petrobras naquele país, e a não deportação do terrorista, condenado pela justiça italiana, Cesare Batista. O primeiro constituiu obviamente uma surpresa completa, e por mais incrível que pareça vinda justamente do grande aliado do presidente Lula, que o tinha apoiado durante sua campanha eleitoral à presidência da Bolívia, em total desrespeito, diga-se de passagem, ao nosso preceito constitucional, e princípio diplomático, de não interferência nos assuntos internos de qualquer outro país.
O Brasil estava vinculado à Bolívia por meio de um tratado bilateral relativo à exploração e aproveitamento desses recursos, que deveriam vir ao Brasil sob a forma de gás. O Estado boliviano formalmente estava vinculado, por acordos de governo a empresa, à Petrobras, que entrou legitimamente naquele mercado, como executora desse tratado, fez investimentos, de várias dezenas de milhões de dólares, e estava explorando esses recursos de forma totalmente legal e responsável. Pois bem, o que fez o governo do Sr. Evo Morales? Para ser mais preciso, no plano diplomático, ele rasgou um tratado internacional, no caso bilateral, ignorou completamente as cláusulas finais, que comportavam a possibilidade de denúncia dos compromissos e sua finalização, o que existe em todo e qualquer tratado, e também fez letra morta de acordos de governo, que regulavam as relações do Estado boliviano com uma empresa estrangeira estabelecida legalmente na Bolívia. Ele fez tudo isso de forma unilateral, sorrateira, em total desrespeito não só ao Brasil mas também aos grandes princípios do direito international, à convenção sobre o direito dos tratados, por exemplo, ou a simples regras de boa-fé, que se presumem devem regular as relações entre Estados e governos também.
E o que fez o governo Lula, orientado por uma diplomacia não profissional, ou na falta de qualquer tino diplomático, e na falta de qualquer sentido de defesa dos interesses nacionais? Esse governo aceitou passivamente as ações unilaterais e ilegais do governo brasileiro, sem sequer respeitar a sua própria diplomacia, que tinha o dever por velar pela observância dos tratados firmados pelo Brasil, não só quanto ao que o Brasil deve fazer, mas também os compromissos que os Estados parceiros devem respeitar nas suas relações com o Brasil. Se o governo argentino, por exemplo, adota medidas protecionistas contra produtos brasileiros, em total desrespeito às normas do Mercosul, o que deve fazer o governo brasileiro? Ora, deve denunciar o governo argentino junto ao mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, ou na falta desse, ao sistema da OMC. Essa é a obrigação de todo governo comprometido com os interesses nacionais.
E o que fez o governo brasileiro ante os gestos arbitrários do governo boliviano. Não só eximiu-se de condená-los, e de exigir cumprimento das obrigações – ou seja, pacta sunt servanda – mas emitiu um nota, felizmente não do Itamaraty, mas da Presidência em que tinha a inacreditável atitude de apoiar as medidas do governo boliviano. Nunca antes na história do país tínhamos assistido a tamanha renúncia de soberania. O Barão do Rio Branco jamais assinaria uma nota vergonhosa como a que foi expedida pelo governo Lula no dia seguinte à nacionalização com expropriação não negociada dos ativos do Petrobras, apoiando essas medidas ilegais e contrárias ao direito internacional e aos acordos bilaterais.
Vejam bem: o governo boliviano tinha todo o direito, como tem todo governo, de decretar soberania sobre os seus recursos naturais, e de expropriar particulares, nacionais ou estrangeiros, de quaisquer ativos que ele julgue necessários aos objetivos nacionais, desde que ele atue legalmente, no marco de sua própria Constituição e dos tratados internacionais. O Brasil não procede de outra maneira, quando expropria terras para fins de reforma agrária, por exemplo, tudo dentro dos marcos da lei e do direito; essas terras podem pertencer a nacionais ou a residentes estrangeiros, mas tudo será feito sempre de acordo com o que a lei e a Constituição determinam.
O que o governo boliviano deveria fazer era muito simples: enviar uma nota diplomática ao governo brasileiro declarando sua intenção de denunciar o acordo do gás, de expropriar os ativos da Petrobras, e assim teria início um processo, não exatamente de negociação quanto ao tratado, pois é direito soberano da Bolívia de denunciá-lo, obedecidas as cláusulas a respeito, notadamente quanto a prazos e outras obrigações assumidas por cada uma das partes. Essa denúncia procederia exatamente como diz o tratado, que foi rasgado unilateralmente pela Bolívia. Da mesma forma, a Bolívia não tinha o direito, pois nem o governo brasileiro nem a Petrobras eram agressores da soberania da Bolívia, de mandar tropas ocupar militarmente as instalações da Petrobras naquele país: se tratou de uma agressão gratuita, totalmente indevida, e que deveria ter sido rechaçada pelo governo brasileiro, mais não fosse que por simples respeito aos ativos de uma empresa brasileira naquele país.
O que fez o governo Lula? Nada, ou pior do que nada, apoiou o governo do Sr. Morales. A Petrobras estava na Bolívia ao abrigo de sua holding holandesa, uma vez que a Holanda possuiu um tratado bilateral de proteção dos investimentos estrangeiros, coisa que o Brasil não possui, com nenhum país, e isso também por oposição do PT, o partido que pretende defender a soberania do país e só a maltrata em casos como esse. Pois bem, nesse caso, também, a despeito da intenção inicial da Petrobras, que pretendia lutar pelas cláusulas indenizatórias, como previstas nos acordos de governo a empresa, o governo de Lula simplesmente impediu a Petrobras de adotar esse procedimento, que teria obviamente dado ganho de causa à Petrobras, pois ela estava do lado do direito, ao passo que o governo da Bolívia estada do lado do esbulho, da invasão, do rompimento ilegal de contratos e de compromissos. O governo boliviano teria sido certamente condenado no sistema do ICSID, o centro de solução de controvérsias do Banco Mundial, do qual o Brasil não é parte, mas eram partes a Bolívia e a Holanda.
Esse é um caso exemplar, histórico, a merecer estudo por todas as gerações de diplomatas, de condução totalmente errônea de um caso de política externa pelo governo Lula, por sua conduta não diplomática, alias totalmente partidária, ideológica, num caso que nunca foi examinado exaustivamente pelos diplomatas ou pelos estudiosos da academia, sobretudos os especialistas em direito internacional. Considero essa renúncia da academia brasileira em examinar esse caso mais um exemplo vergonhoso da renúncia, não à soberana, mas da simples renúncia a pensar.
O outro caso, sobre o qual ainda persistem as brumas do desentendimento entre especialistas, mas que é suficientemente claro, é o da não repatriação à Itália do criminoso Cesare Batista, cujo ingresso no Brasil foi irregular, a quem foi negado o asilo pelo Conselho Nacional de Refugiados, de quem foi decretada a expatriação pelo Supremo Tribunal Federal, mas que permanece no Brasil, leve, livre e solto, como se fosse um residente qualquer, não um terrorista condenado por crimes comuns pela Justiça de um país com o qual o Brasil tem um tratado de extradição. Houve um claro desrespeito à diplomacia e ao direito internacional pelo governo Lula, e esse é o resultado do que pode fazer uma diplomacia não profissional, na verdade o contrário de qualquer diplomacia, por parte de um governo totalmente dominado por um partido.


Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

Existiria uma diplomacia liberal e outra menos liberal? - Paulo Roberto de Almeida


Existe alguma relação entre a diplomacia e o liberalismo?

Paulo Roberto de Almeida

            Ainda algumas reflexões a propósito de meu livro recentemente publicado Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), desta vez a respeito das relações que a política externa, ou o seu corpo profissional, possam ter com orientações mais ou menos liberais no mundo econômico.

Não creio, sinceramente, que a diplomacia brasileira, no seu sentido estrito, ou seja, enquanto corpo profissional dedicado a procedimentos de política externa, tenha de se guiar por ideias liberais, uma vez que estas são expressões do pensamento, ou posturas relativas aos temas de organização política e econômica que pertencem ao terreno das definições de políticas públicas. Sendo assim, a diplomacia executará aquelas opções de política que forem determinadas pelo governo de turno, tendo em vista as grandes definições constitucionais e os compromissos internacionais. Acredito que cabe ao diplomata avisar ao seu superior, cabe ao chanceler avisar ao presidente, quando determinada iniciativa política possuindo impacto externo venha a contrariar compromissos assumidos externamente pelo Brasil enquanto Estado, não enquanto governo (mas o governo deve se submeter ao Estado).
Dou um exemplo prático, que aliás deve ter ocorrido em outras instâncias (ou com os nosso vizinhos argentinos, por exemplo): por mais que sejam as dificuldades das nossas empresas industriais, com a falta de competitividade trazida pelo chamado custo Brasil e todo o horrível ambiente de negócios que prevalece entre nós, o governo brasileiro não pode, simplesmente, adotar medidas ultra-protecionistas, ou totalmente contrárias aos compromissos que assumimos sob o Gatt, a OMC e todos os demais acordos internacionais ou regionais contraídos pelo Estado brasileiro anteriormente, inclusive no âmbito do Mercosul. Se isto ocorresse, nossos parceiros no Mercosul, ou as partes contratantes ao Gatt teriam o direito, e não hesitariam em fazê-lo, de levar o Brasil ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul ou da OMC para obrigá-lo, sob ameaça de retaliações, a revogar as medidas contrárias aos compromissos existentes. Seria impensável que o Brasil o fizesse, e seria impensável que o Brasil se eximisse de cumprir suas obrigações externas.
Nesse caso, as ideias por trás das obrigações podem até ser liberais, mas elas não têm nada a ver com isso. Pacta sunt servanda, isto é, os tratados devem ser cumpridos, por mais que nos desagradem. Temos, é verdade, o direto de denunciar um tratado, nos retirarmos de um organismo internacional, mas acredito que seja dever de qualquer diplomata, em primeiro lugar do chanceler, avisar ao presidente, e aos seus conselheiros mal avisados, das consequências práticas de tais gestos, que sempre virão em detrimento do país e de seus interesses práticos. O Gatt poderia ser até uma organização mercantilista e dedicada não ao livre comércio – o que aliás ele não, estando bem mais voltado para a liberalização do comércio, de modo geral – mas dedicada, por exemplo, ao comércio administrado, e totalmente equilibrado, como se pretendia fazer em outras épocas, mas caberia ao Brasil respeitar os compromissos assinados sob a sua égide.
Obviamente, para alguém que defende ideias liberais, para um governo que defende o livre comércio, seria muito mais interessante ter a sua diplomacia a serviço dessas ideias, pois a experiência histórica, e um modesto consenso econômico, ensinam que a liberalização mais ampla de todos os fluxos comerciais, financeiros e de serviços trazem uma melhor situação de bem estar, para todos, indistintamente, do que a situação prevalecente atualmente, quando você tem, basicamente, um mundo de fluxos regulados, não uma perfeita liberalização, mas um espaço mundial dividido em esquemas de liberalização mais amplos – como a OCDE, por exemplo – e outros países, ou grupos de países, ainda dominados pelas ideias mercantilistas do passado, como pode ser o próprio Brasil e muitos outros na região e fora dela. O socialismo já acabou, com duas ou três exceções, mas as ideias socialistas, e mercantilistas, ainda perduram.
Mas repare que isso não tem nada a ver com o fato de a diplomacia ser mais ou menos liberal, ou mais protecionista e introvertida. A diplomacia sempre fará o que os seus decisores assim o decidirem, o chanceler ou o próprio presidente. São as políticas formuladas nesse nível que determinam o conteúdo da diplomacia, não o seu envelope corporativo que é a diplomacia estrito senso.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014