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sábado, 23 de agosto de 2014

Existiria uma diplomacia liberal e outra menos liberal? - Paulo Roberto de Almeida


Existe alguma relação entre a diplomacia e o liberalismo?

Paulo Roberto de Almeida

            Ainda algumas reflexões a propósito de meu livro recentemente publicado Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), desta vez a respeito das relações que a política externa, ou o seu corpo profissional, possam ter com orientações mais ou menos liberais no mundo econômico.

Não creio, sinceramente, que a diplomacia brasileira, no seu sentido estrito, ou seja, enquanto corpo profissional dedicado a procedimentos de política externa, tenha de se guiar por ideias liberais, uma vez que estas são expressões do pensamento, ou posturas relativas aos temas de organização política e econômica que pertencem ao terreno das definições de políticas públicas. Sendo assim, a diplomacia executará aquelas opções de política que forem determinadas pelo governo de turno, tendo em vista as grandes definições constitucionais e os compromissos internacionais. Acredito que cabe ao diplomata avisar ao seu superior, cabe ao chanceler avisar ao presidente, quando determinada iniciativa política possuindo impacto externo venha a contrariar compromissos assumidos externamente pelo Brasil enquanto Estado, não enquanto governo (mas o governo deve se submeter ao Estado).
Dou um exemplo prático, que aliás deve ter ocorrido em outras instâncias (ou com os nosso vizinhos argentinos, por exemplo): por mais que sejam as dificuldades das nossas empresas industriais, com a falta de competitividade trazida pelo chamado custo Brasil e todo o horrível ambiente de negócios que prevalece entre nós, o governo brasileiro não pode, simplesmente, adotar medidas ultra-protecionistas, ou totalmente contrárias aos compromissos que assumimos sob o Gatt, a OMC e todos os demais acordos internacionais ou regionais contraídos pelo Estado brasileiro anteriormente, inclusive no âmbito do Mercosul. Se isto ocorresse, nossos parceiros no Mercosul, ou as partes contratantes ao Gatt teriam o direito, e não hesitariam em fazê-lo, de levar o Brasil ao sistema de solução de controvérsias do Mercosul ou da OMC para obrigá-lo, sob ameaça de retaliações, a revogar as medidas contrárias aos compromissos existentes. Seria impensável que o Brasil o fizesse, e seria impensável que o Brasil se eximisse de cumprir suas obrigações externas.
Nesse caso, as ideias por trás das obrigações podem até ser liberais, mas elas não têm nada a ver com isso. Pacta sunt servanda, isto é, os tratados devem ser cumpridos, por mais que nos desagradem. Temos, é verdade, o direto de denunciar um tratado, nos retirarmos de um organismo internacional, mas acredito que seja dever de qualquer diplomata, em primeiro lugar do chanceler, avisar ao presidente, e aos seus conselheiros mal avisados, das consequências práticas de tais gestos, que sempre virão em detrimento do país e de seus interesses práticos. O Gatt poderia ser até uma organização mercantilista e dedicada não ao livre comércio – o que aliás ele não, estando bem mais voltado para a liberalização do comércio, de modo geral – mas dedicada, por exemplo, ao comércio administrado, e totalmente equilibrado, como se pretendia fazer em outras épocas, mas caberia ao Brasil respeitar os compromissos assinados sob a sua égide.
Obviamente, para alguém que defende ideias liberais, para um governo que defende o livre comércio, seria muito mais interessante ter a sua diplomacia a serviço dessas ideias, pois a experiência histórica, e um modesto consenso econômico, ensinam que a liberalização mais ampla de todos os fluxos comerciais, financeiros e de serviços trazem uma melhor situação de bem estar, para todos, indistintamente, do que a situação prevalecente atualmente, quando você tem, basicamente, um mundo de fluxos regulados, não uma perfeita liberalização, mas um espaço mundial dividido em esquemas de liberalização mais amplos – como a OCDE, por exemplo – e outros países, ou grupos de países, ainda dominados pelas ideias mercantilistas do passado, como pode ser o próprio Brasil e muitos outros na região e fora dela. O socialismo já acabou, com duas ou três exceções, mas as ideias socialistas, e mercantilistas, ainda perduram.
Mas repare que isso não tem nada a ver com o fato de a diplomacia ser mais ou menos liberal, ou mais protecionista e introvertida. A diplomacia sempre fará o que os seus decisores assim o decidirem, o chanceler ou o próprio presidente. São as políticas formuladas nesse nível que determinam o conteúdo da diplomacia, não o seu envelope corporativo que é a diplomacia estrito senso.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

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