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sábado, 23 de agosto de 2014

Os estragos da diplomacia amadora sobre a politica externa - Paulo Roberto de Almeida


Resultados negativos de uma diplomacia amadora para a política externa

Paulo Roberto de Almeida

            Os exemplos abaixo figuram apenas perfunctoriamente em meu livro Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), por isso me permito comentar mais livremente sobre os efeitos que uma diplomacia amadora, improvisada, mal instruída podem fazer de mal a uma política externa ponderada, como sempre foi a brasileira, até o advento da era do nunca antes...

Dou dois exemplos concretos sobre esse tipo de situação, embora um deles não envolva diretamente a diplomacia profissional: a nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia, com expropriação violenta e arbitrária dos ativos da Petrobras naquele país, e a não deportação do terrorista, condenado pela justiça italiana, Cesare Batista. O primeiro constituiu obviamente uma surpresa completa, e por mais incrível que pareça vinda justamente do grande aliado do presidente Lula, que o tinha apoiado durante sua campanha eleitoral à presidência da Bolívia, em total desrespeito, diga-se de passagem, ao nosso preceito constitucional, e princípio diplomático, de não interferência nos assuntos internos de qualquer outro país.
O Brasil estava vinculado à Bolívia por meio de um tratado bilateral relativo à exploração e aproveitamento desses recursos, que deveriam vir ao Brasil sob a forma de gás. O Estado boliviano formalmente estava vinculado, por acordos de governo a empresa, à Petrobras, que entrou legitimamente naquele mercado, como executora desse tratado, fez investimentos, de várias dezenas de milhões de dólares, e estava explorando esses recursos de forma totalmente legal e responsável. Pois bem, o que fez o governo do Sr. Evo Morales? Para ser mais preciso, no plano diplomático, ele rasgou um tratado internacional, no caso bilateral, ignorou completamente as cláusulas finais, que comportavam a possibilidade de denúncia dos compromissos e sua finalização, o que existe em todo e qualquer tratado, e também fez letra morta de acordos de governo, que regulavam as relações do Estado boliviano com uma empresa estrangeira estabelecida legalmente na Bolívia. Ele fez tudo isso de forma unilateral, sorrateira, em total desrespeito não só ao Brasil mas também aos grandes princípios do direito international, à convenção sobre o direito dos tratados, por exemplo, ou a simples regras de boa-fé, que se presumem devem regular as relações entre Estados e governos também.
E o que fez o governo Lula, orientado por uma diplomacia não profissional, ou na falta de qualquer tino diplomático, e na falta de qualquer sentido de defesa dos interesses nacionais? Esse governo aceitou passivamente as ações unilaterais e ilegais do governo brasileiro, sem sequer respeitar a sua própria diplomacia, que tinha o dever por velar pela observância dos tratados firmados pelo Brasil, não só quanto ao que o Brasil deve fazer, mas também os compromissos que os Estados parceiros devem respeitar nas suas relações com o Brasil. Se o governo argentino, por exemplo, adota medidas protecionistas contra produtos brasileiros, em total desrespeito às normas do Mercosul, o que deve fazer o governo brasileiro? Ora, deve denunciar o governo argentino junto ao mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, ou na falta desse, ao sistema da OMC. Essa é a obrigação de todo governo comprometido com os interesses nacionais.
E o que fez o governo brasileiro ante os gestos arbitrários do governo boliviano. Não só eximiu-se de condená-los, e de exigir cumprimento das obrigações – ou seja, pacta sunt servanda – mas emitiu um nota, felizmente não do Itamaraty, mas da Presidência em que tinha a inacreditável atitude de apoiar as medidas do governo boliviano. Nunca antes na história do país tínhamos assistido a tamanha renúncia de soberania. O Barão do Rio Branco jamais assinaria uma nota vergonhosa como a que foi expedida pelo governo Lula no dia seguinte à nacionalização com expropriação não negociada dos ativos do Petrobras, apoiando essas medidas ilegais e contrárias ao direito internacional e aos acordos bilaterais.
Vejam bem: o governo boliviano tinha todo o direito, como tem todo governo, de decretar soberania sobre os seus recursos naturais, e de expropriar particulares, nacionais ou estrangeiros, de quaisquer ativos que ele julgue necessários aos objetivos nacionais, desde que ele atue legalmente, no marco de sua própria Constituição e dos tratados internacionais. O Brasil não procede de outra maneira, quando expropria terras para fins de reforma agrária, por exemplo, tudo dentro dos marcos da lei e do direito; essas terras podem pertencer a nacionais ou a residentes estrangeiros, mas tudo será feito sempre de acordo com o que a lei e a Constituição determinam.
O que o governo boliviano deveria fazer era muito simples: enviar uma nota diplomática ao governo brasileiro declarando sua intenção de denunciar o acordo do gás, de expropriar os ativos da Petrobras, e assim teria início um processo, não exatamente de negociação quanto ao tratado, pois é direito soberano da Bolívia de denunciá-lo, obedecidas as cláusulas a respeito, notadamente quanto a prazos e outras obrigações assumidas por cada uma das partes. Essa denúncia procederia exatamente como diz o tratado, que foi rasgado unilateralmente pela Bolívia. Da mesma forma, a Bolívia não tinha o direito, pois nem o governo brasileiro nem a Petrobras eram agressores da soberania da Bolívia, de mandar tropas ocupar militarmente as instalações da Petrobras naquele país: se tratou de uma agressão gratuita, totalmente indevida, e que deveria ter sido rechaçada pelo governo brasileiro, mais não fosse que por simples respeito aos ativos de uma empresa brasileira naquele país.
O que fez o governo Lula? Nada, ou pior do que nada, apoiou o governo do Sr. Morales. A Petrobras estava na Bolívia ao abrigo de sua holding holandesa, uma vez que a Holanda possuiu um tratado bilateral de proteção dos investimentos estrangeiros, coisa que o Brasil não possui, com nenhum país, e isso também por oposição do PT, o partido que pretende defender a soberania do país e só a maltrata em casos como esse. Pois bem, nesse caso, também, a despeito da intenção inicial da Petrobras, que pretendia lutar pelas cláusulas indenizatórias, como previstas nos acordos de governo a empresa, o governo de Lula simplesmente impediu a Petrobras de adotar esse procedimento, que teria obviamente dado ganho de causa à Petrobras, pois ela estava do lado do direito, ao passo que o governo da Bolívia estada do lado do esbulho, da invasão, do rompimento ilegal de contratos e de compromissos. O governo boliviano teria sido certamente condenado no sistema do ICSID, o centro de solução de controvérsias do Banco Mundial, do qual o Brasil não é parte, mas eram partes a Bolívia e a Holanda.
Esse é um caso exemplar, histórico, a merecer estudo por todas as gerações de diplomatas, de condução totalmente errônea de um caso de política externa pelo governo Lula, por sua conduta não diplomática, alias totalmente partidária, ideológica, num caso que nunca foi examinado exaustivamente pelos diplomatas ou pelos estudiosos da academia, sobretudos os especialistas em direito internacional. Considero essa renúncia da academia brasileira em examinar esse caso mais um exemplo vergonhoso da renúncia, não à soberana, mas da simples renúncia a pensar.
O outro caso, sobre o qual ainda persistem as brumas do desentendimento entre especialistas, mas que é suficientemente claro, é o da não repatriação à Itália do criminoso Cesare Batista, cujo ingresso no Brasil foi irregular, a quem foi negado o asilo pelo Conselho Nacional de Refugiados, de quem foi decretada a expatriação pelo Supremo Tribunal Federal, mas que permanece no Brasil, leve, livre e solto, como se fosse um residente qualquer, não um terrorista condenado por crimes comuns pela Justiça de um país com o qual o Brasil tem um tratado de extradição. Houve um claro desrespeito à diplomacia e ao direito internacional pelo governo Lula, e esse é o resultado do que pode fazer uma diplomacia não profissional, na verdade o contrário de qualquer diplomacia, por parte de um governo totalmente dominado por um partido.


Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014

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