Resultados negativos de uma diplomacia amadora para a política externa
Paulo
Roberto de Almeida
Os exemplos abaixo figuram apenas perfunctoriamente em meu livro Nunca Antes na Diplomacia (ver neste link: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/NuncaAntes2014.html), por isso me permito comentar mais livremente sobre os efeitos que uma diplomacia amadora, improvisada, mal instruída podem fazer de mal a uma política externa ponderada, como sempre foi a brasileira, até o advento da era do nunca antes...
Dou dois exemplos
concretos sobre esse tipo de situação, embora um deles não envolva diretamente
a diplomacia profissional: a nacionalização dos hidrocarburos na Bolívia, com
expropriação violenta e arbitrária dos ativos da Petrobras naquele país, e a
não deportação do terrorista, condenado pela justiça italiana, Cesare Batista. O
primeiro constituiu obviamente uma surpresa completa, e por mais incrível que
pareça vinda justamente do grande aliado do presidente Lula, que o tinha
apoiado durante sua campanha eleitoral à presidência da Bolívia, em total
desrespeito, diga-se de passagem, ao nosso preceito constitucional, e princípio
diplomático, de não interferência nos assuntos internos de qualquer outro país.
O Brasil
estava vinculado à Bolívia por meio de um tratado bilateral relativo à
exploração e aproveitamento desses recursos, que deveriam vir ao Brasil sob a
forma de gás. O Estado boliviano formalmente estava vinculado, por acordos de
governo a empresa, à Petrobras, que entrou legitimamente naquele mercado, como
executora desse tratado, fez investimentos, de várias dezenas de milhões de
dólares, e estava explorando esses recursos de forma totalmente legal e
responsável. Pois bem, o que fez o governo do Sr. Evo Morales? Para ser mais
preciso, no plano diplomático, ele rasgou um tratado internacional, no caso
bilateral, ignorou completamente as cláusulas finais, que comportavam a
possibilidade de denúncia dos compromissos e sua finalização, o que existe em
todo e qualquer tratado, e também fez letra morta de acordos de governo, que
regulavam as relações do Estado boliviano com uma empresa estrangeira
estabelecida legalmente na Bolívia. Ele fez tudo isso de forma unilateral,
sorrateira, em total desrespeito não só ao Brasil mas também aos grandes
princípios do direito international, à convenção sobre o direito dos tratados,
por exemplo, ou a simples regras de boa-fé, que se presumem devem regular as
relações entre Estados e governos também.
E o que
fez o governo Lula, orientado por uma diplomacia não profissional, ou na falta de
qualquer tino diplomático, e na falta de qualquer sentido de defesa dos
interesses nacionais? Esse governo aceitou passivamente as ações unilaterais e
ilegais do governo brasileiro, sem sequer respeitar a sua própria diplomacia,
que tinha o dever por velar pela observância dos tratados firmados pelo Brasil,
não só quanto ao que o Brasil deve fazer, mas também os compromissos que os
Estados parceiros devem respeitar nas suas relações com o Brasil. Se o governo
argentino, por exemplo, adota medidas protecionistas contra produtos
brasileiros, em total desrespeito às normas do Mercosul, o que deve fazer o
governo brasileiro? Ora, deve denunciar o governo argentino junto ao mecanismo
de solução de controvérsias do Mercosul, ou na falta desse, ao sistema da OMC.
Essa é a obrigação de todo governo comprometido com os interesses nacionais.
E o que
fez o governo brasileiro ante os gestos arbitrários do governo boliviano. Não
só eximiu-se de condená-los, e de exigir cumprimento das obrigações – ou seja,
pacta sunt servanda – mas emitiu um nota, felizmente não do Itamaraty, mas da
Presidência em que tinha a inacreditável atitude de apoiar as medidas do
governo boliviano. Nunca antes na história do país tínhamos assistido a tamanha
renúncia de soberania. O Barão do Rio Branco jamais assinaria uma nota
vergonhosa como a que foi expedida pelo governo Lula no dia seguinte à
nacionalização com expropriação não negociada dos ativos do Petrobras, apoiando
essas medidas ilegais e contrárias ao direito internacional e aos acordos
bilaterais.
Vejam bem:
o governo boliviano tinha todo o direito, como tem todo governo, de decretar
soberania sobre os seus recursos naturais, e de expropriar particulares,
nacionais ou estrangeiros, de quaisquer ativos que ele julgue necessários aos
objetivos nacionais, desde que ele atue legalmente, no marco de sua própria
Constituição e dos tratados internacionais. O Brasil não procede de outra
maneira, quando expropria terras para fins de reforma agrária, por exemplo,
tudo dentro dos marcos da lei e do direito; essas terras podem pertencer a
nacionais ou a residentes estrangeiros, mas tudo será feito sempre de acordo
com o que a lei e a Constituição determinam.
O que o
governo boliviano deveria fazer era muito simples: enviar uma nota diplomática
ao governo brasileiro declarando sua intenção de denunciar o acordo do gás, de
expropriar os ativos da Petrobras, e assim teria início um processo, não
exatamente de negociação quanto ao tratado, pois é direito soberano da Bolívia
de denunciá-lo, obedecidas as cláusulas a respeito, notadamente quanto a prazos
e outras obrigações assumidas por cada uma das partes. Essa denúncia procederia
exatamente como diz o tratado, que foi rasgado unilateralmente pela Bolívia. Da
mesma forma, a Bolívia não tinha o direito, pois nem o governo brasileiro nem a
Petrobras eram agressores da soberania da Bolívia, de mandar tropas ocupar
militarmente as instalações da Petrobras naquele país: se tratou de uma
agressão gratuita, totalmente indevida, e que deveria ter sido rechaçada pelo
governo brasileiro, mais não fosse que por simples respeito aos ativos de uma
empresa brasileira naquele país.
O que fez
o governo Lula? Nada, ou pior do que nada, apoiou o governo do Sr. Morales. A
Petrobras estava na Bolívia ao abrigo de sua holding holandesa, uma vez que a
Holanda possuiu um tratado bilateral de proteção dos investimentos
estrangeiros, coisa que o Brasil não possui, com nenhum país, e isso também por
oposição do PT, o partido que pretende defender a soberania do país e só a
maltrata em casos como esse. Pois bem, nesse caso, também, a despeito da
intenção inicial da Petrobras, que pretendia lutar pelas cláusulas
indenizatórias, como previstas nos acordos de governo a empresa, o governo de
Lula simplesmente impediu a Petrobras de adotar esse procedimento, que teria
obviamente dado ganho de causa à Petrobras, pois ela estava do lado do direito,
ao passo que o governo da Bolívia estada do lado do esbulho, da invasão, do
rompimento ilegal de contratos e de compromissos. O governo boliviano teria
sido certamente condenado no sistema do ICSID, o centro de solução de
controvérsias do Banco Mundial, do qual o Brasil não é parte, mas eram partes a
Bolívia e a Holanda.
Esse é um
caso exemplar, histórico, a merecer estudo por todas as gerações de diplomatas,
de condução totalmente errônea de um caso de política externa pelo governo
Lula, por sua conduta não diplomática, alias totalmente partidária, ideológica,
num caso que nunca foi examinado exaustivamente pelos diplomatas ou pelos
estudiosos da academia, sobretudos os especialistas em direito internacional.
Considero essa renúncia da academia brasileira em examinar esse caso mais um
exemplo vergonhoso da renúncia, não à soberana, mas da simples renúncia a
pensar.
O outro
caso, sobre o qual ainda persistem as brumas do desentendimento entre especialistas,
mas que é suficientemente claro, é o da não repatriação à Itália do criminoso
Cesare Batista, cujo ingresso no Brasil foi irregular, a quem foi negado o
asilo pelo Conselho Nacional de Refugiados, de quem foi decretada a expatriação
pelo Supremo Tribunal Federal, mas que permanece no Brasil, leve, livre e
solto, como se fosse um residente qualquer, não um terrorista condenado por
crimes comuns pela Justiça de um país com o qual o Brasil tem um tratado de
extradição. Houve um claro desrespeito à diplomacia e ao direito internacional
pelo governo Lula, e esse é o resultado do que pode fazer uma diplomacia não
profissional, na verdade o contrário de qualquer diplomacia, por parte de um
governo totalmente dominado por um partido.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 20 de agosto de 2014
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