Esta postagem tem o objetivo precípuo de comentar, ou de responder, se assim é o caso, à postura do jornalista Reinaldo Azevedo, tal como transcrita aqui nesta postagem precedente:
http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/08/eleicoes-2014-anti-politica-de-reinaldo.html
Creio que não disse tudo o que penso, pois me ative tão somente a suas palavras, devidamente reproduzidas seletivamente aqui abaixo. Pretendo voltar ao assunto assim que possível.
Paulo Roberto de Almeida
Eleições 2014: contra a
anti-política
Comentários a postagem de
Reinaldo Azevedo
Paulo Roberto de Almeida
Como é meu hábito, destaco
as frases que me parecem carecer de rigor analítico, ou que contradizem as
próprias posturas do analista, e acrescento meus comentários logo em seguida.
Desculpo-me, em todo caso, com os poucos leitores deste blog, em especial com
aqueles que o frequentam para temas de relações internacionais e de política
externa do Brasil, por afastar-me, uma vez mais, do interesse central do blog.
É que antes de ser um diplomata, ou um estudioso desses temas, sou um cidadão
consciente do que está em jogo na política brasileira, que interessa a todos,
direta e indiretamente, e que nos afeta a todos. Minhas preocupações não têm
absolutamente nada a ver com meu trabalho profissional ou acadêmico, mas elas
têm tudo a ver com os destinos do Brasil.
RA: “Também é impossível
[votar nos petistas]. Os petistas me incluíram numa lista negra de jornalistas.”
PRA: Não se deve tomar
questões políticas em bases pessoais, mas o fato descrito apenas corrobora, na
prática, uma das impossibilidades de se votar nos petistas. Eles são
inerentemente, geneticamente, totalitários. Portanto, estão descartados
absolutamente, e fim de papo.
RA: “Mas, reitero, nem
tudo o que não é PT me serve — e Marina não me serve.”
PRA: Pode ser, mas em
política existem poucos absolutos e nem sempre se pode seguir a lógica. Em todo
caso, já que a recusa aparece num par, nem um, nem outro, então é preciso
examinar as razões para recusar um e outro, e ver se, entre os dois – já que
fatalmente um dos dois candidatos assumirá o cargo – haveria um mal menor.
Minha posição é aqui de pura “economia” de meios: a economia é a arte de tentar
fazer o máximo com o mínimo, ou seja, de atender desejos infinitos com meios
finitos. Só posso compreender a postura de Reinaldo Azevedo se nenhuma das duas
possibilidades consegue atender qualquer critério de governança.
RA: “Marina Silva não é
candidata a presidente da República, mas a papisa de uma seita herética — e
suas heresias são praticadas contra a democracia representativa.”
PRA: Isso é absolutamente
ridículo, e se trata apenas de uma figura de estilo do jornalista. O que quer
que pense Marina, ela está obrigada a seguir as regras da legislação eleitoral:
se for eleita, tomará posse e governará com as instituições que existem. Se
tentar dar golpe branco, ou contornar a Constituição, pode ser objeto de um
processo político e ser impedida, como aliás já foi feito com um presidente.
RA: “Marina... pretende
governar com o apoio de Lula e de FHC. Ninguém... perguntou — e não sei se vão
perguntar — por que não se fez antes se é tão fácil.”
PRA: Se trata de uma
pretensão; se vai conseguir ou não é outra questão. Mas é uma pretensão tão
legítima quanto governar apenas com a extrema esquerda e a extrema direita. Qual
é o problema? O Congresso dirá o que é ou não possível na governança da
presidente Marina. De todo modo, ela aparece na política justamente para se
colocar numa posição independente, mas não oposta absolutamente, ao PT e ao
PSDB, razão pela qual acena com esse duplo apoio (que pode até vir, dependendo
do oportunismo de cada um desses caciques). Ninguém está dizendo que é fácil ou
que será possível, mas essa é a pretensão. Se formos verificar, PT e PSDB são
dois irmãos siameses na política brasileira, ambos objetivamente
socialdemocratas, embora não sejam nem um pouco siameses organicamente. O PT é
um partido neobolchevique e, tendencialmente ao menos, totalitário, em espírito
e métodos, além de ser intrinsecamente corrupto, não no sentido em que são corruptos
os demais representantes da classe política, inclusive o PSDB, mas no sentido
de ser uma associação mafiosa e orgulhosa de sê-lo.
A história política
brasileira teria sido muito diferente se os dois siameses políticos tivessem se
unido num programa reformista de esquerda, como foram outros socialdemocratas
ao redor do mundo. Por que não fizeram? Por razões basicamente da personalidade
dos líderes do PT, dois especificamente, por obsessões psicológicas e
patológicas de um e outro, não por oposição das lideranças do PSDB. Ambos, em
consequência, tiveram de governar com o que há de pior na política brasileira,
à direita e à esquerda, embora eu considere o PT, igualmente, uma coisa muito
ruim. Mas, não se faz história e políticas com hipóteses, e sim com fatos. O
fato é que os dois siameses ficaram inimigos – mas por culpa apenas de dois
mentecaptos do PT – e a história é essa que temos pelos últimos vinte anos.
A Marina vai realizar o
milagre de uni-los? Provavelmente não, mas ela poderá, se eleita tenta dialogar
com as duas forças, e terá de ser obrigada a isso, quer ela queira ou não. Este
é um fato, embora eu esteja antecipando. O jornalista Reinaldo Azevedo antecipa
o contrário, mas não explicitou suas razões de descrença.
RA: “Imaginar que PT e
PSDB possam estar juntos num governo implica ignorar, logo de cara, o fato de
que esses partidos têm vocações e fundamentos que são inconciliáveis. Se o
ideário, hoje, dos tucanos é um tanto nebuloso aqui e ali — especialmente na
área de valores —, os do PT são muito claros.”
PRA: Concordo na teoria,
discordo completamente na prática. Nem o PSDB consegue socialdemocrata como
gostaria, pois é obrigado a trabalhar com a direita, por um lado, e tem a
oposição da esquerda, por outro, nem o PT consegue implementar a sua agenda
bolchevique celerada no Brasil, a não ser marginalmente, pois a sociedade
brasileira não aceita seus métodos e seus pendores totalitários. Na prática,
portanto, os dois acabam fazendo uma socialdemocracia incompleta, no caso do
PSDB, ou deformada, no caso do PT, pois não conseguem chegar ao final de seus
propósitos ou vocações. Impressiona-me o fato de que Reinaldo Azevedo, tão fino
analista da política brasileira, não consiga ver isto.
RA: “Estou fora.
Não
caio nessa, sob pretexto nenhum — nem mesmo ‘para tirar o PT de lá’. Na
democracia, voto útil é voto inútil. Se Deus me submetesse à provação — espero
que não aconteça — de ter de escolher entre Dilma e Marina, escolheria
gloriosamente ‘nenhuma’!”
PRA: Estamos aqui no cerne
da questão, e RA decepciona mais uma vez, pela sua falta de lógica e de
raciocínio. Vamos um desses exercícios de lógica elementar:
Premissa 1: A candidata A,
ou D, é um desastre completo, assegurado.
Premissa 2: A candidata B,
ou M, pode ser um desastre, não sei se completo ou incompleto, mas é uma
possibilidade, não uma certeza.
Conclusão: Vamos tentar
barrar a candidata A.
Esta é a maneira que eu
penso. Diferente, portanto, de RA, que parece pensar:
Premissa 1: A candidata A,
ou D, é um desastre completo, assegurado.
Premissa 2: A candidata B,
ou M, também é, e isto transparece de suas falas.
Conclusão: Estou fora,
portanto, e seja o que Deus quiser.
Como se vê, trata-se não
de um exercício de política, mas de anti-política, com base não num julgamento
ponderado dos processos e dos condicionantes da política brasileira, mas com
base numa avaliação pessoal, subjetiva, da mentalidade de um dos atores,
fiando-se nas suas palavras para tirar conclusões definitivas. Isso é política?
RA: “...eu, que sou um
partidário da democracia representativa e das instituições democráticas,
deixarei claro, nessa hipótese, que estarei sem candidato no segundo turno. Mas
torço e até rezo para que o Brasil seja poupado.”
PRA: RA consegue
retroceder
ao
período anterior a Maquiavel, não o anjo torto da política, mas o fino analista da
política florentina, ou melhor, o homem que queria salvar a Itália dos bárbaros
invasores e que, mesmo sendo um republicana humanista, aceitava até um tirano
eventual, desde que fosse para assegurar ordem e concórdia, como ele dizia. Ou
seja, entre dois males, ele escolhia aquele que garantisse o funcionamento
normal da pátria, não a anarquia e a desordem.
Ora, o que temos hoje,
assegurado? Anarquia e desordem, tudo o que RA despreza e abomina, e eu também.
Marina seria essa tirana salvadora? Longe disso. Ela apenas permitiria tirar os
bárbaros que já estão entre nós, e que ocupam o poder desde doze anos, e que
pretendem continuar mais alguns anos, para implementar todas aquelas vocações e
propósitos que RA abomina. Marina faria o mesmo que estão fazendo os bárbaros?
Dificilmente, até porque não dispõe de uma associação para delinquir, o que é o
caso dos bárbaros atuais, e que precisará governar com uma composição de
pequenos e grandes conselheiros do príncipe, talvez até alguns bárbaros, mas
não será a mesma associação que pretendem manter o monopólio do poder.
Seria muito difícil a RA
deixar os seus fantasmas de lado e fazer uma análise de custo-benefício
político, como Maquiavel o faria? Seria ele o anti-Maquiavel ingênuo?
RA: “Marina Silva? Não!
Muito obrigado! Não quero! “Ah, mas ela pode ser eleita e fazer um grande
governo…” É, tudo pode acontecer. Não tenho bola de cristal. Quando voto, levo
em conta o passado dos candidatos, suas utopias, suas prefigurações, sua visão
de mundo, o apreço que têm pela democracia, a factibilidade de suas propostas.”
PRA: RA parece aqui
repetir uma famosa tirada que inventaram a propósito de Jânio Quadros,
provavelmente mentirosa, mas interessante. Jânio, essa Marina Silva avant la lettre – mas que falava melhor
e se fazia entender, nos seus propósitos simples de varrer a corrupção da
política, ainda que fosse um louco completo – teria dito uma vez: “Fi-lo porque
qui-lo!” É o que está dizendo RA: não gosto, não quero, não vou, estou fora!
Isso é política? Sinto muito, mas é uma renúncia inaceitável da política,
inclusive porque não é tomada em bases morais – dessas que tem certos objetores
de consciência que não querem, não participar de uma guerra, mas de entrar no
exército – mas em bases puramente individuais e subjetivas. Ele já chegou à
conclusão, por todas as evidências que a candidata não se cansa de confirmar,
de que ela é um desastre – o que pode ter o assentimento de muitos – e aí ele,
não recomenda mas, adota a postura de se eximir desse cenário sujo e
desagradável que é a política real.
RA: “Os idiotas que acham
que sou antipetista a ponto de votar até num sapo se o PT estiver do outro lado
nunca entenderam direito o que penso. Em dilemas que são de natureza moral, não
havendo o ótimo, a obrigação é escolher o caminho menos danoso.
Na democracia, felizmente, temos a possibilidade de recusar o ruim e o pior.”
PRA: RA não deixa entender
exatamente o que pensa, apenas suspeitamos que ele seja contra uma e outra. Não
creio que o dilema seja moral, pois o que está em jogo é apenas a governança do
Brasil, que poderá continuar nas mãos dos neobolcheviques – que se esforçarão,
mas não conseguirão perpetrar todas as suas maldades – ou poderá passar para as
mãos de uma iluminada, que entende pouco da máquina do governo, não dispõe de
uma associação para delinquir atrás de si, e poderá demonstrar toda a sua
incompetência escolhendo os conselheiros e determinando as políticas que sua
pouca preparação lhe permitir. Repito RA: “não havendo o ótimo, a obrigação é
escolher o caminho menos danoso.” De acordo, mas RA não está escolhendo isso, e
sim lavando as mãos, como Pôncio Pilatos; ele até poderá passar para a
história, como o homem que anteviu todos os desastres e foi “sábio” o bastante
para não escolher nenhum dos dois caminhos. Pena que a história não é escrita
por antecipação, e sim como resultado das ações dos homens, e mulheres, dentro
de circunstâncias determinadas, um pouco como escreveu o Marx da introdução ao
18 Brumário, que nisso conseguiu ser um pouco maquiavélico. Ou seja, existem a fortuna e a virtù. Na ausência da segunda, confiamos na primeira, esperando que
a conjunção dos homens de bem consiga superar a ausência das virtudes, e
contornar os defeitos, dos condottieri que inevitavelmente estarão à frente da
República.
Maquiavel não se eximiu.
Mesmo no exílio da política prática, ele continuou a pensar, e a oferecer suas
receitas de política prática que encontrava necessárias para salvar a Itália do
desastre. RA não nos convida a isso; ele está dizendo a Maquiavel que ele pode
ficar na solidão da sua casa, lendo seus livros, sem se envolver. Ou então,
quando Maquiavel vai à taverna, ele o aconselharia a dizer a seus companheiros
de vinho que não escolham nada, que não façam nada, que deixem o rio caudaloso
invadir as propriedades e arrastar as pessoas. Ele vai esperar que o rio
passe...
Para mim, isso não é política,
mas apenas anti-política.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 25 de agosto de 2014
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