Paulo
Roberto de Almeida é diplomata, mestre em planejamento econômico e
doutor em ciências sociais. Ao longo de sua carreira, publicou quatorze
livros – além de dezenas de artigos –, que contribuem criticamente para o
pensamento sobre relações internacionais desenvolvido no Brasil em
suas diversas dimensões – histórica, econômica e social. Integrante do
Itamaraty desde 1977, teve a oportunidade não apenas de vivenciar os
bastidores da política externa brasileira, mas também de acompanhar
academicamente as suas nuances.
O livro aqui resenhado é
o reflexo de anos de estudo e experiência profissional – acerca de
períodos desde o império até “A era do nunca antes”, a qual compreende a
política brasileira a partir de 2003, com a chegada de Lula e o Partido
dos Trabalhadores (PT) à presidência.
A respeito
desse período, é importante destacar um movimento acadêmico importante
no sentido de identificar uma mudança na política externa brasileira
que, nos anos 1990, teria com os países desenvolvidos agendas
prioritárias e em alguma medida procurava implementar medidas
liberalizantes impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial, no contexto do
denominado “Consenso de Washington”. A crítica acadêmica aponta que, nos
anos 2000 e, especialmente, a partir do governo Lula (2003-2010), teria
ocorrido uma mudança de vulto no comando estratégico da inserção
internacional do Brasil, caracterizada pela busca de alianças com
parceiros não tradicionais, especialmente no eixo Sul-Sul. Almeida
identifica uma segunda mudança na política externa, que passa a ser
marcada por excessiva partidarização – a partir de uma análise
multidimensional da mesma, tenho em vista sua história, sua base
institucional e diretrizes voltadas para o principal objetivo da
inserção internacional do Brasil: a busca pelo desenvolvimento econômico
– o autor identifica um momento de descontinuidade a partir do governo
Lula, momento no qual o país passa a sustentar uma diplomacia exótica em
função do personalismo do próprio presidente Lula e das linhas
programáticas do Partido dos Trabalhadores.
Por mais
importante que a diplomacia presidencial possa ser para a estrutura
internacional do país, como o autor aponta que ocorreu de forma exemplar
durante o período Fernando Henrique Cardoso, Almeida indica que Lula
teria passado em alguma medida a conduzir as relações internacionais do
Brasil a partir de suas próprias impressões e das linhas gerais do PT,
sem respeitar a estrutura institucional do Itamaraty.
O autor
defende que o governo Lula empreendeu um grande esforço para
caracterizar a política de seu antecessor como uma “herança maldita”,
especialmente submissa aos interesses imperiais dos Estados Unidos. No
entanto, tal caracterização não seria compatível com a realidade, tendo
em vista que a abertura comercial nos anos 1990 esteve longe dos
parâmetros de uma política essencialmente neoliberal e seria, de acordo
com Almeida, compatível com os interesses do Brasil em prol do
melhoramento de sua competitividade econômica em geral.
A diplomacia
coordenada por Lula apresentou novas diretrizes que, inclusive, não
teriam sido responsáveis por resultados concretos e que dificilmente
seriam adotadas caso o Itamaraty mantivesse sua autonomia na formulação
da política externa. Dentre elas, destacam-se os exemplos a seguir. No
primeiro mandato, a integração regional era uma das prioridades, mas o
Mercosul acaba por tomar uma nova dimensão, predominantemente política
em detrimento de econômica – decisão que, para o autor, foi prejudicial
aos interesses do Brasil – especialmente no contexto de protecionismo
crescente da Argentina, com o qual o país foi conivente, contrariando
seus interesses nacionais. A busca constante por um assento permanente
no Conselho de Segurança da ONU foi outro inconveniente, que além de
causar desconfortos diplomáticos na américa do sul, não é compatível com
as capacidades materiais do Brasil. Houve, ainda, casos de ingerência
interna em outros países do entorno, com a declaração de apoio a
candidatos assumidamente de esquerda na América Latina. Pode-se citar
ainda o enfoque predominantemente Sul-Sul, que, segundo o autor, não
oferece grandes oportunidades de aprendizado para o Brasil e não deveria
ser o foco de sua agência externa, uma vez que a torna mais limitada.
Trata-se,
portanto, de uma leitura essencial para a compreensão da formulação da
política externa contemporânea, inclusive levando em consideração as
comparações históricas e de tipos ideais desenvolvidas pelo autor para
embasar a sua análise. O livro oferece, então, importante contribuição
para o pensamento crítico em relação à política externa brasileira,
apresentando o outro lado do debate, que atualmente não é majoritário
entre acadêmicos e que foi deixado de lado no Itamaraty especialmente
entre 2003 e 2010, tornando-se fundamental para uma reflexão mais
complexa e circunstanciada sobre o tema.
Referências
ALMEIDA, P. R. (2014) Nunca Antes na Diplomacia…: A Política Externa Brasileira em tempos não convencionais. Curitiba: Appris, 289p.
LEITE, P. S. (2011) O Brasil e a cooperação Sul – Sul em três momentos: os governos Jânio Quadros/João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. Brasília: Funag, 226p.
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OLIVEIRA, H.A. (2005) Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva, 292 p.
SARAIVA, M. G. (2007) “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a 2007”. Revista Brasileira de Política Internacional. [S.l.], v. 50, n.2. p. 42-59.
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VIZENTINI, P. G. F. (2005) O Brasil e o mundo, do apogeu à crise do neoliberalismo: a política externa de FHC a Lula (1995-2004). Ciências e Letras (Porto Alegre), Porto Alegre, v. 37, p. 317-332.
Camila
Amorim Jardim é mestranda em Política Internacional e Comparada pela
Universidade de Brasília – UnB (camila_ajardim@hotmail.com)
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