Um texto feito antes das eleições de 2010, quando eu estava na China, mas que permanece inteiramente atual, já que tratando de um procedimento, não de um fato determinado.
Paulo Roberto de Almeida
Contra o Voto Nulo: meus critérios de escolha
Paulo
Roberto Almeida
Existe
uma controvérsia pairando sobre as comunicações que circulam na internet nessas
épocas eleitorais: a do voto nulo, justificado ou não “filosoficamente”.
Provavelmente, existe mais de uma controvérsia eleitoral, mas esta é a que me
foi dado examinar e me pronunciar recentemente sobre ela, talvez de modo
superficial. Sem pretender possuir a
posição “correta” – que simplesmente não existe em se tratando de escolhas
políticas, embora existam, sim, posições erradas, absoluta e relativamente,
nessa área, e elas tem a ver com a diminuição do “grau” de democracia no
sistema político – gostaria de me manifestar a respeito de forma mais clara do
que já o fiz até agora.
Existem
basicamente três formas de “não” escolher qualquer candidato, para qualquer
cargo, nas eleições: a abstenção, o voto nulo ou o voto em branco. A única
diferença entre o voto nulo e o voto em branco, em face da maquineta de
votação, é que a dita cuja contempla um botão branco, para o voto idem. Suponho
que os que pretendem anular seu voto teclem outros números, admitindo-se que a
máquina aceite, e confirmem esse número “errado”. Seria então um voto nulo. Num
caso, como no outro, se trata de uma “não escolha”, assim como a de não comparecer
no local de votação no dia marcado. Essas são, portanto, as formas de anular o
seu voto: votando “errado”, deixando em branco, ou deixando de comparecer. Votou
nulo ou em branco, ou deixou de votar, pronto: está feita a recusa de
participação numa escolha solicitada (na verdade, requerida, exigida, porque o
voto é obrigatório no Brasil).
Os que
são indiferentes à política ou ao governo, qualquer governo, os que “não
agüentam” mentiras de políticos (e algumas são realmente difíceis de engolir),
aqueles que simplesmente não se interessam pelas mensagens dos partidos e dos
candidatos, os que, finalmente, são preguiçosos demais para se deslocar no dia
das eleições, simplesmente exercem o seu direito democrático de “não escolher”.
Eles não costumam ficar preocupados com isso: simplesmente desligam essa “área
cerebral” e seguem em frente, nas suas vidinhas pacatas e desinteressadas.
Poucos se dão ao trabalho de justificar a “não escolha”. Melhor não se comover
com o assunto, ponto.
Diferente
é a situação de acadêmicos ou pretensos intelectuais, que pretendem justificar a
sua não escolha mediante elegantes construções, com citações de frases de
escritores, argumentos sobre o caráter de manada das “massas votantes”,
alegações quanto às fraudes deliberadas cometidas pelos partidos, enfim, um sem
número de escusas para sustentar a posição em favor do voto nulo ou abstenção. Este
meu texto está, portanto, dirigido aos que assim praticam a não escolha com
tentativa de justificação. Como considero tal posição “absurda”, vou também me
manifestar a respeito, com argumentos que espero sejam racionais e
contra-argumentáveis.
Para
todos os efeitos práticos, abstenção, voto nulo ou branco se confundem nos seus
resultados futuros: o cidadão votante, o contribuinte pagador de impostos se
exime de fazer uma escolha entre os representantes – legisladores ou executivos
– que decidirão como será gasto o seu dinheiro – recolhido por tributos
compulsórios – nos projetos e obras votados nas assembléias e parlamento e
implementados pelos poderes executivos. Esta é, se ouso resumir, a essência de
minha contrariedade contra todas essas formas de invalidar o seu voto, a sua
escolha, a sua decisão de eleitor.
Devo
também dizer, preliminarmente, que sou contra o voto obrigatório. Este deve ser
um direito, não uma obrigação, pois o que prima, para mim, é a liberdade do
indivíduo, não a imposição do Estado. Reconheço que essa posição pelo voto
livre pode parecer contraditória com a postura de considerar “absurda” a não
manifestação de preferências por ocasião do escrutínio, já que a não
obrigatoriedade estimularia, e muito, a abstenção, como observamos nos países
nos quais o voto é um direito, não uma obrigação (cerca de metade, apenas, da
população americana habilitada a votar comparece nas eleições gerais a
presidente, ao que parece; os “patriotas” brasileiros enchem o peito de
orgulho, ao mencionar nosso número de votantes, o que me parece sumamente
ridículo, pois a democracia americana é tão vigorosa, em suas bases, que
dispensa, justamente, esse tipo de participação “federal”).
Pois
bem, o que eu teria a dizer contra o voto nulo, em branco ou a abstenção? Os
que assim procedem costumam alegar o seguinte: “o meu voto
não faz diferença nenhuma, pois se trata de apenas um voto, no meio de milhões
de outros votos, e não é ele que vai determinar quem será eleito para a
presidência”. Eu diria, de
imediato, que faz, sim, uma enorme diferença, e não apenas para presidente,
pois qualquer forma de abstenção ou “nulificação” do voto atinge muito mais o
corpo representativo da nação, ou seja, parlamentos e assembléias sub-nacionais.
A grande diferença está expressa diretamente no próprio ato: o agente social, o
votante, o cidadão contribuinte se exime de expressar uma opinião, a sua
opinião sobre os candidatos em liça. Trata-se, obviamente, de uma decisão
puramente individual, totalmente legítima no plano individual, mas carregada de
consequências práticas no plano social, no âmbito nacional, no futuro da
comunidade nacional. Elaboro um pouco mais a esse respeito.
O ato de
não votar, ou de votar nulo ou em branco, significa, simplesmente, que o indivíduo “não
votante” será necessariamente representado por alguém, obrigatoriamente e
inapelavelmente, mesmo que o “não votante” não faça absolutamente nada e sequer
se interesse pelo processo legislativo ou pelos mecanismos de decisão em curso
nos executivos locais ou nacional. Esse representante “eleito” – e ele o é
também pelo “não voto”, pois o número de válidos determinará o chamado
quociente eleitoral para o cálculo das bancadas proporcionais – terá legitimidade
para impulsionar políticas com as quais o “não votante” eventualmente possa não
estar de acordo, ou a que ele resolutamente se opõe: digamos, entregar dinheiro
público a banqueiros falidos, a capitalistas protecionistas ou a invasores de
terras, quando não a mafiosos sindicais.
Se o
“não votante” se eximiu de expressar o seu voto contrário a um representante
qualquer que pode decidir por qualquer das ações acima, é evidente que o
“representante não escolhido” possui, sim, a faculdade de influenciar a vida do
“não votante” contra a vontade deste (ou melhor, com a sua “colaboração”).
Contra o argumento pouco filosófico de que “um voto não faz a diferença”
podemos confirmar que faz, sim, enorme diferença, que é a de eleger ou deixar
de eleger alguém que pode se aproximar, que seja minimamente, de nossas
posições, contra aqueles que delas se afastam deliberadamente, ou que defendem
políticas que rechaçamos absolutamente.
Em
qualquer hipótese, a renúncia de ação por parte do “não votante” pode redundar numa
usurpação de representação por parte do representante efetivamente eleito,
aquele que vai decidir para onde vai o meu, o seu, o nosso dinheiro. Ela é, me
parece uma “solução” de menor democracia do que a participação, ainda que a
contragosto, do cidadão eleitor. Gostaria de compreender a posição daqueles que
julgam ser muito complicado ou aborrecido penetrar nos detalhes das posições de
cada candidato sobre cada tema de interesse cidadão, ou coletivo. Mas eu sou daqueles
que não renunciam a uma única parcela de responsabilidade na comunidade política.
E que não me venham falar de “indivíduos” que não gostam de ser misturados ou
confundidos com a massa: todos nós vivemos em coletividade, todos nós somos
parte da “massa”, qualquer que seja ela.
Pois
bem, venho agora aos critérios de escolha, pois o assunto foi veiculado em
comentário a um dos meus posts que, aparentemente, chamou a atenção de alguns jovens. Como me perguntou um desses jovens, leitor desse meu post: “Gostaria
de saber então qual argumento é válido para declarar o voto neste ou naquele
candidato.”
Eu diria
o seguinte: o voto em qualquer candidato é válido, mas eu o faria acompanhar da
seguinte nota de caução. Toda e qualquer escolha, eleitoral ou não, precisa ser
feita de forma consciente quanto aos efeitos e consequências dessa nossa
escolha, devemos sempre tentar visualizar as implicações de nossa escolha e
examinar seu impacto futuro em nossas vidas e no itinerário provável de nossa
comunidade.
Suspeito,
ou suponho, que todos desejem viver num país “normal”, ou seja: com
prosperidade, segurança, livre de corrupção, desenvolvido, organizadinho,
limpinho, agradável, de preferência com altos salários e trabalho garantido,
educação e saúde abundantes e a preços abordáveis – se possível gratuitos – e
com plena liberdade de informação, de circulação, de expressão, sem
envolvimento em confusões externas e vivendo num ambiente de paz interna (estou
sendo muito exigente ou utópico?). Se queremos tudo isso, e temos o direito de
pelo menos aspirar a algumas dessas coisas em nossas vidas, vamos ter de fazer
algo para obter todos esses “direitos”.
Uma das
maiores utopias – e inconsequências – da Constituição brasileira está,
justamente, em prometer todo esse mundo de bondades róseas, sem jamais dizer
como tudo isso poderá ser obtido. Existe até um senador – que eu respeito no
plano individual, mas que nesse particular considero um perfeito idiota – que
pretende colocar na Constituição o “direito à felicidade”, como se isso fosse
fazer qualquer diferença no plano instrumental, ou prático. A constituição é
cheia de direitos e quase nenhum dever; ou melhor, todos os direitos são dos
cidadãos, todos os deveres são do Estado, essa entidade impessoal que segundo
alguns deveria ser uma “mãezona” a zelar pela felicidade de todos e cada um: “A
educação (ou saúde) é um direito dos cidadãos e um dever do Estado...”, assim
reza a Constituição em diversas passagens. Faltou dizer quem vai pagar por tudo
isso, onde está a produtividade (uma palavra que não existe ali) que vai
sustentar esse mundo de benesses infinitas.
Independentemente,
porém, de como serão resolvidas essas questões, está claro, pelo menos aos meus
olhos, que os que prometem sempre tudo isso e um pouco mais estão incorrendo
nessa terrível falácia constitucional que consiste em jogar com promessas
futuras sem jamais dizer quem pagará por tudo isso. A demagogia eleitoral é o
pior pecado que pode existir em qualquer época ou lugar. A inconsistência no
uso do dinheiro público é o segundo pior pecado político que pode existir numa
comunidade de cidadãos conscientes.
Por isso
mesmo, meu simples critério eleitoral é o enfrentamento destas simples
verdades: prometeu isto, diga de onde vai sair o dinheiro, quem vai sustentar,
como serão aplicados os recursos e que benefícios esperados advirão dessa
escolha, e não de outras? Em economia – e tudo se resume, em última instância,
a uma questão de economia, como queria o velho barbudo – sempre existem
alternativas, mas as escolhas sempre são políticas, independentemente de seus
fundamentos econômicos.
O
cidadão que vota nulo, ou branco, ou que se exime de escolher, está, pura e
simplesmente, jogando o seu dinheiro no lixo. Ou melhor: entregando-o a alguém
“mais esperto”, que saberá utilizá-lo em função de seus próprios critérios
preferenciais. Sabemos que os “mais espertos” não são necessariamente os mais
honestos e confiáveis, pois eles geralmente se utilizam da mentira e da
mistificação para conseguir cargos políticos. Em resumo, votar consciente é
votar inteligente. Renunciar a isso é não só um absurdo, como evidencia uma
atitude pouco inteligente. Desculpem-me os “filosoficamente” a favor do voto
nulo, mas é isto o que penso.
Boas
escolhas a todos, ou, corrigindo-me: a escolha “menos pior” possível.
Paulo Roberto de Almeida
Shanghai, 2215: 27-28.10.2010
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