Minha publicação mais recente:
1325. “Historiografia das relações
internacionais do Brasil”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Distrito Federal (Brasília: IHG-DF, n. 9, 2019, pp. 151-178; ISSN:
2525-6653). Relação de Originais n. 3479.
Versão completa foi disponibilizada na plataforma Academia.edu (link:
https://www.academia.edu/s/e36c754106/historia-e-historiografia-das-relacoes-internacionais-do-brasil-um-empreendimento-em-construcao-2019).
A versão reduzida, publicada na revista do IHG-DF, vai aqui transcrita:
Historiografia das relações
internacionais do Brasil
Historiography of Brazil’s international
relations
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Acadêmico, ocupante da cadeira 4, patroneada por Tobias Barreto.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do
Distrito Federal
(Brasília: IHG-DF, n. 9, 2019, pp. 151-178;
ISSN: 2525-6653).
Resumo: Ensaio de caráter historiográfico sobre as
principais obras tratando das relações exteriores do Brasil, passando por
Varnhagen, Pandiá Calógeras, Hélio Vianna, Delgado de Carvalho, Amado Cervo e
Clodoaldo Bueno, e Rubens Ricupero. O campo conhece atração frequente entre os
historiadores e tem sido contemplado com número crescente de obras históricas,
muitas a cargo da Fundação Alexandre de Gusmão, ainda que o Itamaraty ainda não
disponho de um historiador oficial.
Palavras-chave: historiografia, relações internacionais,
história do Brasil, Itamaraty, obras relevantes.
Abstract:
Historiography of Brazil’s international relations through main works produced
by great historians, from Varnhagen, to Pandiá Calógeras, Hélio Vianna, Delgado
de Carvalho, Amado Cervo and Clodoaldo Bueno, and to Rubens Ricupero. There is
a growing attraction towards this field by new historians and an increasing
publication of historical works about Brazil’s foreign policy, mainly by
Alexandre de Gusmão Foundation, linked to the Ministry of External Relations,
even it still lacks an official historian.
Key words: Historiography,
international relations, Brazil’s history, Itamaraty, main works.
1. A historiografia das
relações internacionais do Brasil: principais historiadores
O primeiro historiador “oficial” do
Brasil, Francisco Adolfo de Varnhagen em sua monumental História Geral do Brasil se ocupou das relações exteriores do
Brasil apenas como reflexo das relações internacionais de Portugal, que por sua
vez se encontravam conectadas aos equilíbrios e conflitos europeus, em especial
na península ibérica, chegando até o reconhecimento da independência. O segundo
historiador das relações internacionais foi Oliveira Lima, que, como seu
patrono na Academia Brasileira de Letras, o mesmo Varnhagen, também era um
diplomata. Ambos se serviram da carreira para fazer avançar suas pesquisas e publicações.
Oliveira Lima se sentia à vontade com uma abordagem de tipo sociológico – com
toques de psicologia – em suas obras. Igualmente como Varnhagen, ele produziu trabalhos
escrupulosamente apoiados em documentação primária, nos principais arquivos
europeus; são indispensáveis na compreensão do “Brasil português” e do processo
de independência.
João Ribeiro lhe sucedeu, assim como
João Capistrano e Rocha Pombo, mas suas obras se voltam bem mais para a
formação da nação e os processos domésticos do que para as relações exteriores da
colônia ou do Estado independente. Rocha Pombo foi contemporâneo de João
Ribeiro, tendo produzido, entre 1905 e 1917, dez volumes de uma história do
Brasil que João Ribeiro considerava prolixa. Referência deve ser feita ao
“mineralogista” João Pandiá Calógeras, autor de muitas obras de interesse
histórico inegável – como sua pesquisa de história monetária do Brasil –, às
quais se agregam os três volumes da política exterior do Império (publicados
entre 1927 e 1933); o segundo volume havia coberto a política exterior do
Primeiro Império, até a abdicação de D. Pedro I e o terceiro volume chega
apenas ao período regencial e ao início do Segundo Reinado, até a queda de
Rosas. Ficaram, portanto, de fora, no que poderia ter sido uma sequência de sua
magnifica obra, toda a política exterior do Segundo Império, desde as
intervenções no Uruguai, os conflitos com a Inglaterra, a guerra do Paraguai, o
fim da escravidão e a “americanização” das relações exteriores a partir do
crescimento do sentimento republicano, até o golpe da República.
Essas são as obras clássicas do
período inicial de nossa historiografia: a partir daí a historiografia das
relações exteriores veio sendo coberta por grande diversidade de autores, mas
que se dedicaram a períodos menores ou a aspectos específicos dessas relações.
As seções seguintes passarão a tratar dos grandes livros de síntese dentro do
campo da história das relações internacionais do Brasil, com as peculiaridades
que cada um deles possa exigir; são incontornáveis, na sequência, Hélio Vianna,
Delgado de Carvalho, José Honório Rodrigues, Amado Cervo e Clodoaldo Bueno e,
mais recentemente, Rubens Ricupero, embora vários outros pesquisadores tenham
produzido obras de referência nessa grande área de estudos de historiografia
especializada.
2. Varnhagen, o pai da
historiografia
Varnhagen, na opinião de um dos
maiores historiadores brasileiros, José Honório Rodrigues, foi...
Incomparável
pela vastidão das pesquisas que realizou e dos fatos que revelou; incomparável
pela publicação de inéditos que promoveu; incomparável pela perseverança com
que caminhou pelos caminhos da história brasileira, até então nunca
palmilhados; incomparável pela obra preliminar que antecede sua História do Brasil; incomparável por
esta mesma História Geral, que
desconhecia antecessores nacionais; incomparável, ainda, pela própria obra
complementar que supre lacunas e amplia o horizonte do conhecimento;
incomparável, finalmente, porque a obra parcial, como a História dos Holandeses no Brasil ou a História da Independência, representa, na sua época, um novo avanço
historiográfico e uma nova aquisição da consciência nacional.
Na sua
época, ninguém fizera tanto e tão bem, simultaneamente na história geral e
parcial. Antes dele, faltava ao Brasil a consciência da sua História, no mais
largo período da sua formação. É neste sentido que Varnhagen é incomparável. (...)
Ninguém
pode graduar-se em História do Brasil, sem ter lido Varnhagen. (1970: 123-4)
Os capítulos da obra imediatamente antecedentes
ao processo da independência abrem-se com a regência do príncipe D. João ainda
em Lisboa, mas já com episódios relativos aos desdobramentos continentais, e
até internacionais, da revolução francesa que teria enorme impacto na maior
colônia do vasto Império português, e que determinariam, de modo decisivo, o
seu futuro enquanto nação independente, de modo diferente ao que se observou em
demais partes do Império. Mas o capítulo que trata especificamente da “Política
Exterior: negociações, tratados, conquistas, etc.”, tem apenas vinte páginas. Mas,
mesmo nos capítulos essencialmente “domésticos”, a obra de Varnhagen contém
diversos relatos sobre influências externas e desenvolvimentos internos de
processos históricos comportando aspectos internacionais.
Varnhagen deixou preparados, mas não
chegou a publicar, os capítulos relativos ao processo da independência, alguns
retirados da segunda edição, de 1876, para serem incorporados a um último
volume, como ele mesmo explicou:
A História
desse grande acontecimento [a separação política de 1822], começando de 1820,
fará objeto de uma obra especial.
Essa nossa
História da Independência já se acha
escrita e será publicada, apenas consigamos elucidar algumas poucas dúvidas que
ainda temos. A mesma História unicamente se recomendará pela pureza das fontes
e abundância de documentos que se tiveram presentes... (1972: 13)
A História da Independência do Brasil encontra-se organizada em dez capítulos, começando
com a revolução constitucional do Porto e o regresso de D. João VI a Lisboa e
chegando ao tratado de reconhecimento da Independência, de 29 de agosto de
1825. A emergência da nova nação no hemisfério americano, mas possuindo
vínculos com as casas reais europeias – num momento em que a Santa Aliança
pretendia reverter a onda revolucionária anterior –, não recebe um tratamento
exaustivo nessa derradeira obra de Varnhagen, mas o tratamento simpático da
política exterior joanina, confirma a postura legitimista e unitarista, que ele
sempre manteve em todos os seus trabalhos.
3. Oliveira Lima: o
maior dos historiadores diplomatas
Oliveira Lima não foi só um
historiador da diplomacia brasileira, e sim um historiador das Américas.
Formado em Portugal, tornou-se diplomata na República, que tinha suas simpatias
durante o regime monárquico, para ser por ele depreciada mais adiante. Como
Varnhagen, aproveitou seus diversos postos para pesquisar em arquivos coloniais
ou para estabelecer uma sociologia comparativa dos processos respectivos de
formação das sociedades ibero-americanas e da anglo-saxã, que ele julgava mais
bem-sucedida em seu desenvolvimento econômico-social.
Suas obras mais relevantes no
domínio da história diplomática guardam certa distância entre si, de oito anos
entre a obra inaugural – O Reconhecimento
do Império (1901) – e a que lhe antecede cronologicamente – Dom João VI no Brasil, por ocasião do
centenário da transferência da Corte para o Brasil (1908) –, seguidas pela obra
que vem finalmente publicada no centenário seguinte, quando se conformou a
ruptura entre as duas nações: O Movimento
da Independência, 1821-1822 (1922). Outra obra quase póstuma – O Império Brasileiro (1822-1889) (1928)
–, não apresenta o mesmo aparato documental da pesquisa em arquivos e de
referências precisas na literatura disponível daquelas três primeiras (embora
contenha um bom capítulo, de 20 páginas, sobre a política exterior do Império),
sendo mais uma síntese descritiva de todo o regime.
O Reconhecimento do Império inaugura, em 1901, a série de grandes obras de pesquisa histórica por
Oliveira Lima, cobrindo as relações exteriores do Brasil português e as da
nação independente, cujo tratamento sintético seria justamente dado, para o
conjunto do século XIX pela sua síntese sobre o Império, em 1928. Tratou-se de
um relato exaustivo, mas, paradoxalmente, esse livro destoa da boa metodologia
histórica que lhe tinha sido inculcada por seus mestres portugueses: apresenta-se
como uma sucessão de dez longos capítulos, absolutamente lineares, praticamente
sem notas ou referências bibliográficas; às 310 páginas de relato, seguem-se
mais 54 páginas no Apêndice, relativos a dezessete documentos relativos ao
período de 1823 a 1826, entre a designação de encarregados de negócios junto à
corte britânica e a abdicação da coroa portuguesa por D. Pedro I em favor de
sua filha Maria da Gloria. A obra contém muitas adjetivações – tipo “o pobre D.
João VI”, a “doce ilusão de D. Pedro I”, e outras – e sua minúcia de detalhes
compromete, em várias passagens, a visão do panorama completo.
O Dom João VI no Brasil constituiu, na comparação com a figura
canhestra dos primeiros cronistas, ou mesmo com a descrição linear de
Varnhagen, “um dos maiores livros de nossa historiografia e o mais completo e
lúcido acerca do assunto de que se ocupa”, no dizer do prefaciador, Octavio
Tarquinio de Souza, na edição incluída na coleção Documentos Brasileiros da
José Olympio (1945, 1º. vol., p. 4). O mesmo prefaciador sublinha que, nessa
obra, “deu Oliveira Lima... um mais largo desenvolvimento às questões
diplomáticas, às intrigas das chancelarias, aos subentendidos dos tratados
internacionais” (p. 7). E mais adiante: “Nenhum assunto lhe mereceu mais
atenção do que a influência inglesa, na quase tutela que sobre Portugal exerceu
a Inglaterra, ávida de expansão mercantil, de conquista de mercados em todos os
continentes” (p. 8). Ele também confirma os dotes de sociólogo de Oliveira
Lima, tratando da vida social, econômica e cultural, “não lhe minguando atenção
uma perspicácia para juntar aos aspectos políticos, às glórias militares e às
negociações diplomáticas, os fatos menos aparatosos de natureza econômica e
social, as mudanças de estilo de vida na antiga colônia portuguesa, e discernir
o processo de nossa diferenciação nacional...” (pp. 9-10).
De fato, é quase impossível separar o
que é política interna do que são as relações exteriores de Portugal, e do
Brasil, neste grande livro sobre o período joanino. Já a introdução começa pela
situação internacional de Portugal em 1808; seguem-se inúmeras outras questões
atinentes à situação europeia, às relações com os vizinhos na América do Sul, e
o Congresso de Viena, praticamente a metade dos trinta capítulos da obra, entre
os quais os que tratam dos tratados comerciais, da questão do tráfico escravo e
um inteiramente dedicado à revolução portuguesa de 1820. Indiferente a tudo
isso, Gilberto Amado, em suas memórias, não se sabe bem por quais motivos, talvez
preocupado mais com o estilo do que com a substância, classifica esse livro de
Oliveira Lima como a “obra mais mal escrita que já apareceu em livraria em
qualquer época, em qualquer país ou latitude” (1955: 252).
O Movimento da Independência, concluído em 1921, quando Oliveira Lima já se
encontrava instalado em Washington, associado à Universidade Católica – à qual
legou sua imensa biblioteca, muitos manuscritos e várias obras de arte –, é também
minucioso em seu relato factual, mas devidamente provido de notas e referências
documentais. São 21 capítulos igualmente lineares, começando com o retorno de
Dom João VI para Lisboa, em abril de 1821, e reexaminando os efeitos da
revolução liberal de 1820, e terminando com um “Petrus Imperator”, mas já
anunciando as “primeiras nuvens no céu da Independência”.
O Império Brasileiro, finalmente, obra derradeira de Oliveira Lima, terminada em 1928,
constitui, como dito, uma síntese segura sobre os 67 anos do regime, cuja
análise encontra-se igualmente distribuída em onze capítulos, sendo o décimo
dedicado justamente à política externa do Império. Metade desse capítulo se
ocupa, precisamente, das relações do Império do Brasil com a potência inglesa,
e a outra metade se ocupa das questões do Prata, sendo que Oliveira Lima
reconhece que “[a] política de intervenção nunca aproveitou ao Brasil” (p. 475).
4. Pandiá Calógeras: o
início da sistematização da história diplomática
João Hermes Pereira de Araújo, a
quem coube introduzir a primeira reedição fac-similar do “trabalho hercúleo
empreendido por Calógeras”, considerava os três volumes publicados entre 1927 e
1933, pelo primeiro e único ministro da Guerra da República, como uma obra
fundamental de história diplomática, uma vez que depois disso, e até o início
dos anos 1990 – a primeira edição fac-similar, pela Câmara dos Deputados, é de 1989,
por iniciativa do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais, do
Itamaraty –, “as duas obras que dão, do assunto, uma visão de conjunto são
compêndios eminentemente didáticos” (Araújo, 1998 [1989]: v). Ele se referia
aos dois manuais publicados no final dos anos 1950, respectivamente de Hélio
Vianna e de Delgado de Carvalho, ambos intitulados História Diplomática do Brasil.
Calógeras tinha sido ministro da
Agricultura, da Fazenda e da Guerra e, como assessor imediato de Epitácio
Pessoa na delegação brasileira às negociações de paz de Paris, em 1919,
aspirava tornar-se ministro das Relações Exteriores, o que nunca conseguiu.
Talvez tenha sido por isso que ele se lançou, em meados dos anos 1920, à redação
da copiosa história da política exterior do Império, que na verdade começa no
Portugal medieval e chega apenas à queda de Rosas. O primeiro volume, publicado
num tomo especial da Revista do IHGB, em 1927, trata, em 15 capítulos e 490
páginas, da formação territorial e do povoamento do Brasil, alcançando até a
independência e a libertação do território nacional das últimas tropas
portuguesas, em 1823, um ano antes da libertação definitiva da última das
grandes colônias andinas espanholas, o Peru.
O segundo volume, publicado
originalmente ainda na Revista do IHGB, é publicada no ano seguinte, e cobre
todo o Primeiro Reinado, em 13 capítulos, com 586 páginas, tratando
minuciosamente de vários episódios da diplomacia brasileira (ou feita no
Brasil, por um príncipe português), desde o reconhecimento do Império até as
consequências da abdicação, quando o Brasil passa, finalmente, a ser governado
por brasileiros, nas regências. O terceiro volume, com 619 páginas, já sai pela
Companhia Editora Nacional, e abrange, em 15 capítulos, a política externa das
regências e do início do Segundo Reinado, até a queda de Rosas.
Os problemas do Prata continuam
predominantes na frente externa, ao passo que algumas revoltas regionais, como
a da República dos Farrapos, por exemplo, também apresentam contornos externos,
aliás na mesma região. Os problemas de fronteira aparecem precocemente, uma vez
que depois do Tratado de Madri (1750) várias pendências permaneciam em diversos
pontos de um território não totalmente devassado e parcamente identificado
cartograficamente. Mas, também é o período da revisão completa da política
comercial, com a finalização dos tratados desiguais e o início de uma postura
protecionista que irá prolongar-se quase indefinidamente nas décadas seguintes,
até os nossos dias praticamente. No prefácio a esse terceiro tomo, Calógeras
reconhece que lhe faltava tratar dos episódios mais relevantes do Segundo
Império, sobretudo o agravamento dos conflitos no Prata – pela intervenção
brasileira na política uruguaia –, o que precipitará a guerra com Solano Lopez,
o mais cruento conflito militar da América do Sul, finalizado um século e meio
atrás.
A recepção dessa grande obra foi em
geral positiva: anos mais tarde, em 1957, José Honório Rodrigues, fará uma
apreciação positiva dos três volumes, acrescentando porém que “seria uma
temeridade dizer que A Política Exterior
do Império é uma obra completa e definitiva”, em vista das “lacunas, falhas
ou omissões de Pandiá Calógeras”, embora ele não explique quais seriam essas
deficiências (Araújo, 1998: xxii). Pandiá Calógeras fecha provisoriamente, por
assim dizer, uma fase, talvez dita “clássica”, da historiografia da política
externa brasileira, aquela constituída pelos “desbravadores de terreno”, como
Capistrano, o próprio Varnhagen e seu “sucessor”, Oliveira Lima, estes dois os
primeiros garimpeiros dos arquivos coloniais, ou já da Independência, nos
principais países europeus, em especial os ibéricos.
5. Os manuais
didáticos de história diplomática: Vianna, Delgado e Rodrigues
Em 1947, o historiador Hélio Vianna deu
um curso de história das fronteiras do Brasil na Escola de Estado Maior do
Exército, objeto de publicação no ano seguinte em forma de livro pela
Biblioteca do Exército. Em 1950, convidado a ministrar História Diplomática do
Brasil para os alunos do Instituto Rio Branco, adaptou aquele antigo curso, do
qual resultou, em 1958, uma obra de título homônimo. Pouco depois, reuniu parte
de suas aulas de História do Brasil, ministradas desde 1939, na Faculdade
Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, para compor um livro duplo, publicado
em 1961, passando a oferecer, então, uma história da República e uma síntese
completa da história diplomática do Brasil, desde os descobrimentos até os debates,
apenas mencionados, da questão de Cuba no contexto pan-americano.
A História Diplomática do Brasil de Helio Vianna é, antes de mais
nada, uma obra híbrida, pois que retoma trechos inteiros do História das Fronteiras, logrando
contudo uma certa unidade temática e de tratamento linear sobre os principais
eventos das relações internacionais do Brasil desde os descobrimentos até o
problema cubano, em 1961, com ênfase, evidentemente, nos diversos processos de
fixação de limites com os vizinhos países sul-americanos. Não há propriamente
lacunas no tratamento das relações interestatais com os vizinhos da América do
Sul, mas, mas um grande vazio subsiste em relação à dimensão econômica e geopolítica
do relacionamento internacional do Brasil. Os tratados de comércio, com exceção
do inglês de 1810, não são sequer mencionados e a questão do tráfico é abordada
tão simplesmente sob o seu ângulo das relações com a Inglaterra, num quadro
estritamente político-diplomático.
A periodização de História Diplomática é a mais
tradicional e linear possível, seguindo, numa primeira etapa, as questões mais
importantes da política internacional portuguesa na América, passando para a
política exterior de D. João VI no Brasil e para os problemas externos dos dois
reinados, com ênfase evidentemente nas questões platinas. A fixação dos limites
fronteiriços com cada um dos vizinhos sul-americanos é tratada, de forma
relativamente completa, em capítulos individuais por país ou dependência
colonial, antes e depois de um curto capítulo sobre a política exterior da
República. Dois capítulos sobre a participação do Brasil em cada um dos
conflitos mundiais e um último sobre a questão do pan-americanismo completam
essa obra informativa e quase nada interpretativa. As citações são extremamente
limitadas, geralmente de documentos oficiais, e a bibliografia, claramente
reduzida ao mínimo, encontra-se reduzida a algumas poucas notas de rodapé
dispersas nos diversos capítulos.
O outro manual, o de Delgado de
Carvalho, igualmente intitulado História
Diplomática do Brasil, constituiu, durante mais de três décadas a partir de
1959, e mais exatamente até a publicação do trabalho dos professores Amado Luiz
Cervo e Clodoaldo Bueno em 1992, leitura obrigatória de todo e qualquer
estudioso da política externa e das relações internacionais do Brasil, em
especial de turmas seguidas de vestibulandos e alunos do Curso de Preparação à
Carreira Diplomática, mantido pelo Instituto Rio Branco. Também teve por origem
as aulas ministradas por Delgado de Carvalho no Instituto Rio Branco, a partir
de 1955, mas o seu livro teve uma única edição e tornou-se em poucos anos
propriamente impossível de encontrar. Finalmente, o livro recebeu, no final dos
anos 1990, uma nova edição fac-similar, para, finalmente, ser objeto de uma
edição digitalizada pelo Senado Federal (2016).
Em seu preâmbulo, Delgado menciona
outros autores que trataram da história diplomática do Brasil, como Hélio
Vianna (que tinha acabado de publicar sua História
Diplomática), Teixeira Soares (igualmente um estudioso das fronteiras
brasileiras), Renato de Mendonça, Macedo Soares e Pedro Calmon, mas não mencionou
Pandiá Calógeras, apesar de que um excerto do Política Exterior do Império tenha sido transcrito no livro. As
limitações do livro se devem exatamente a seu caráter eminentemente didático,
derivado de notas de aulas proferidas na Academia diplomática. Suas qualidades
são a de uma primeira sistematização da história diplomática do Brasil em
função das grandes questões que ocuparam a atenção dos mandatários portugueses
e das lideranças da Nação independente. Em suma, trata-se de uma história
“política” da política externa, com todas as qualidades e defeitos que tal
gênero possa comportar.
Algo semelhante ocorreu com o outro
manual didático oferecido à comunidade acadêmica em meados dos anos 1990,
quando já se tinha obtido a consolidação da “substituição de importações” na
academia brasileira, embora ainda nascente na área de relações internacionais,
e quando já estava no mercado o manual conjunto dos professores Amado Cervo e
Clodoaldo Bueno; trata-se das aulas recuperadas de José Honório Rodrigues no
Instituto Rio Branco, ministradas desde 1946 e até meados dos anos 1950, e que
revistas e completadas pelo historiador Ricardo Seitenfus foram oferecidas a
público em 1995: Uma História Diplomática
do Brasil, 1531-1945. O historiador gaúcho, especialista na era Vargas,
tinha sido convidado em 1991, pela viúva Lêda Boechat Rodrigues, para organizar
as notas datilografadas do curso de “História Diplomática do Brasil” ministrado
durante toda aquela década pelo grande nome da historiografia nacional,
falecido em 1987.
Como indica Ricardo Seitenfus, em
sua Nota Introdutória, o texto deixado por José Honório é minucioso até a
gestão do Barão do Rio Branco, tornando-se a partir da Primeira Guerra Mundial
“genérico e resumido” (p. 20). Ele dedicou-se então a redigir um complemento da
história diplomática brasileira desde a Conferência de Versalhes até o
rompimento da neutralidade brasileira, na Segunda Guerra, especialista que foi,
sob a orientação inicial do próprio José Honório, da política externa durante a
era Vargas. Ele já tinha publicado sua tese de doutoramento na Universidade de
Genebra, uma pesquisa extremamente bem documentada sobre a diplomacia da
“neutralidade” varguista durante os anos mais críticos de seu regime (1985).
Trata-se, no que se refere ao panorama global traçado por José Honório, de uma
bem-vinda complementação bibliográfica aos trabalhos até então mais conhecidos
nesse campo, as História(s) Diplomática(s) do Brasil de Hélio Vianna e de Delgado de Carvalho (1958) e o ulterior,
História da Política Exterior do Brasil
de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno.
Uma das curiosidades desse terceiro
manual de história diplomática – composto mais de meio século antes – é o fato
de nele se manifestar um José Honório diferente daquele a que estávamos
acostumados, se julgarmos com base em seus textos de princípios dos anos 60,
quando ele se comprazia em atacar a versão “incruenta” da história oficial, os
compromissos conservadores das elites e a ausência do povo da historiografia
dominante. Aqui José Honório segue um estilo bem mais tradicional, praticamente
despojado do tom nacionalista, apaixonado e contestador do publicista da Política
Externa Independente. Para José Honório, as premissas básicas de nossa política
externa, desde a época colonial, sempre foram a acumulação de poder ou a
manutenção do status quo, segundo as fases de introversão ou de extroversão que
teriam marcado de maneira alternada (e de forma algo mimética ao modelo
analítico norte-americano privilegiado por José Honório) a história
internacional do Brasil. Não é, assim, só história diplomática o que se
pretende, mas a história das relações do Poder Nacional com os demais poderes
nacionais” (p. 29). Ou então: “Toda política externa é uma expressão do poder
nacional em confronto, antagônico ou amistoso, com os demais poderes nacionais”
(p. 53).
6. O ideal
desenvolvimentista: Amado Cervo e Clodoaldo Bueno
A publicação, em 1992 – em primeira
edição, até alcançar a 5ª, em 2015 – da obra conjunta dos professores Amado
Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno, História da
política exterior do Brasil, veio preencher, indiscutivelmente, uma lacuna
bibliográfica no terreno dos manuais, depois de mais de três décadas de
ausência de equivalentes às obras de Hélio Vianna e de Delgado de Carvalho. Os
dois autores se situam na continuidade histórica de José Honório ao recusar a
simples linearidade descritiva da historiografia oficial, enfatizando ao
contrário as grandes linhas de ação da política externa brasileira enquanto
instrumento do desenvolvimento (ou do atraso) nacional, o que equivale a dizer,
da autonomia da Nação. Eles deram maior atenção aos processos de natureza
estrutural que sustentam a trama das relações internacionais do Brasil,
buscando seus fundamentos nas chamadas “forças profundas” da história, retomando
o clássico conceito introduzido pelo historiador Pierre Renouvin. Entre seus
objetivos estavam o de consolidar o conhecimento elaborado sobre as relações
internacionais do Brasil e revestir a síntese resultante desse esforço com uma
nova interpretação histórica.
A organização do trabalho entre os
dois autores evidenciou uma divisão de tarefas segundo os focos respectivos de
pesquisas anteriores: Amado Cervo, um especialista do período imperial,
responsabilizou-se pela primeira parte, sobre a “conquista e o exercício da
soberania”, que vai de 1822 a 1889. Clodoaldo Bueno, também autor de diversos
livros sobre o início da política externa no regime político inaugurado em
1889, tratou do longo período republicano até o golpe de 1964, resumindo-o sob
os conceitos de “alinhamento” e de “nacional-desenvolvimentismo”. Amado Cervo,
finalmente, retomou a pluma para a descrição do período pós-1964, caracterizado
em política externa como o de um “nacionalismo pragmático”; edições ulteriores
estenderam a análise até os governos recentes, com um julgamento mais crítico a
respeito dos resultados efetivos da diplomacia contemporânea.
Segundo os autores, a política
externa, num país como o Brasil, tem um caráter supletivo, dados os
condicionamentos objetivos e a vontade política (ou sua ausência) que atuaram
no processo de desenvolvimento nacional nos últimos 200 anos. Em outros termos,
os avanços ou atrasos desse processo estão mais bem correlacionados com as
fases de expansão ou mudança no sistema capitalista do que com um projeto
nacional de desenvolvimento dotado de uma política internacional coerentemente
aplicada pelas elites ao longo do tempo. Eles se distanciaram, nesse sentido,
da visão triunfalista dos historiadores tradicionais, ao desvendar o caráter
funcional da política externa enquanto elemento propulsor (ou obstrutor) do
processo de desenvolvimento nacional. Na visão de Amado Cervo, a política
exterior do Brasil foi sempre, e antes de tudo, a expressão de uma economia
política. Clodoaldo Bueno, por sua vez, tratando da política exterior a partir
da segunda metade dos anos 1950, viu no nacional-desenvolvimentismo, nítido a
partir da gestão de JK, a chave para a compreensão das relações internacionais
do país.
7. A diplomacia na
construção da nação: Rubens Ricupero
A motivação principal do grande
diplomata brasileiro, ex-professor de História Diplomática do Brasil durante
vários no Instituto Rio Branco, ao decidir escrever, já aposentado, seu magnum
opus – A diplomacia na construção do
Brasil (2017) –, deveu-se ao fato simplório, desde que começou a dar aulas
de relações internacionais do Brasil, de não ter conseguido encontrar nas
livrarias um livro que o ajudasse a ensinar como a política externa era um fio
inseparável da trama da história nacional, uma parte integral de tudo o que percorria
essa história, de como a diplomacia profissional estava ligada, não separada,
da sociedade como um todo. Para ele, a bibliografia tradicional padecia de duas
insuficiências. Por um lado, as obras gerais sobre a história do Brasil quase
não falavam da política externa, no máximo alguns parágrafos ou notas ao pé da
página; o mundo exterior não existia, era como se a história de um país
constituísse um todo suficiente, fechado em si mesmo. Já as histórias
diplomáticas cometiam o erro oposto: só tratavam da diplomacia, sem mencionar a
política interna e a economia, como se a política externa funcionasse dentro de
um vácuo. Ao produzir, portanto, a sua versão da história da política externa,
ele procurou mostrar como a diplomacia ajudou a dar forma à história e à
identidade do Brasil.
Ricupero também confirma a grande
orientação “vocacional” da diplomacia brasileira para o trabalho de
consolidação da independência e o reforço do processo de desenvolvimento
econômico. Com seus acertos e erros, segundo ele, a diplomacia marcou
profundamente cada uma das etapas definidoras de nossa história: a abertura dos
portos, a independência, o fim do tráfico de escravos, a inserção no mundo pelo
comércio, os fluxos migratórios, voluntários ou não, base da população, a
consolidação da unidade nacional ameaçada pela instabilidade na região platina,
a modernização, a industrialização e o desenvolvimento econômico. O livro, de
fato, não é uma simples história diplomática, mas sim uma história do Brasil e
uma reflexão sobre seu processo de desenvolvimento tal como influenciado, e em
vários episódios determinado, por diplomatas que se confundem com estadistas,
aliás desde antes da independência, uma vez que a obra parte da Restauração
(1680), ainda antes primeira configuração da futura nação por um diplomata
brasileiro a serviço do rei português: Alexandre de Gusmão, principal
negociador do Tratado de Madri (1750). Desde então, diplomatas nunca deixaram
de figurar entre os pais fundadores do país independente, entre os construtores
do Estado, entre os defensores dos interesses no entorno regional, como o
Visconde do Rio Branco, e entre os definidores de suas fronteiras atuais, como
o seu filho, o Barão, já objeto de obras anteriores de Ricupero.
O sumário da obra
confirma a amplitude da análise: são dezenas de capítulos, vários com múltiplas
seções, em onze grandes partes ordenadas cronologicamente, de 1680 a 2016, mais
uma introdução e uma décima-segunda parte sobre a diplomacia brasileira em perspectiva
histórica. O núcleo central da obra é composto por uma análise, profundamente
embasada no conhecimento da história, dos grandes episódios que marcaram a
construção da nação pela ação do seu corpo de diplomatas e dos estadistas que
serviram ao Estado nessa vertente da mais importante política pública, cujo
itinerário – à diferença das políticas econômicas ou das educacionais – pode
ser considerado como plenamente exitoso. A diplomacia brasileira começou por
ser portuguesa, mas se metamorfoseou em brasileira pouco depois, e a ruptura
entre uma e outra deu-se na superação da aliança inglesa, que era a base da
política defensiva de Portugal no grande concerto europeu. Já na Regência
existe uma “busca da afirmação da autonomia” (p. 703), conceito que veio a ser
retomado numa fase recente, mas que Ricupero demonstra existir embebido na boa
política exterior do Império.
A construção dos
valores da diplomacia do Brasil se dá nessa época, seguido pela confiança no
Direito como construtor da paz, o princípio maior seguido pelo Barão do Rio
Branco em sua diplomacia de equilíbrio entre as grandes potências da sua época.
Vem também do Barão a noção de que uma chancelaria de qualidade superior devia
estar focada na “produção de conhecimento, a ser extraído dos arquivos, das
bibliotecas, do estudo dos mapas” (p. 710). Nesse grande panorama de mais de
três séculos da história brasileira oferecido por Ricupero,
tentou-se
jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com
maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em
geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros
setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um
setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o
sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no
passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da
diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo. (p. 738-9).
8. A historiografia
brasileira das relações internacionais: questões pendentes
Nenhuma síntese da historiografia
das relações internacionais do Brasil pode prescindir, ademais dos relatos
históricos e das análises interpretativas oferecidas pelos historiadores
profissionais (ou até dos próprios diplomatas), de depoimentos pessoais ou de
trabalhos biográficos dos e com os próprios protagonistas da ação diplomática. O
gênero biográfico foi cultivado na historiografia nacional, começando com o
próprio patrono da diplomacia, o Barão do Rio Branco, em cujo centenário de
nascimento, em 1945, foi criada a academia diplomática brasileira que leva o
seu nome, encomendada uma biografia oficial a Álvaro Lins e publicadas suas
obras completas, estas objeto de nova edição crítica, ampliada, no centenário
de sua morte (Pereira, 2012). Os dois trabalhos mais conhecidos eram,
respectivamente, os de Álvaro Lins, Rio
Branco (1945), e o Luís Viana Filho, A
vida do Barão do Rio Branco (1959). O diplomata historiador Luis Cláudio
Villafañe G. Santos ofereceu uma nova biografia do Barão, Juca Paranhos (2018),
que renovou amplamente o debate e a análise que se fazia tradicionalmente sobre
o grande diplomata monarquista do início da República. Um outro exemplo no
gênero, mais antigo, veio da pluma de um grande jurista, tribuno, político e chanceler,
Afonso Arinos de Melo Franco, sobre seu pai, delegado brasileiro à Liga das
Nações e chanceler do governo provisório de Getúlio Vargas, no início dos anos
1930: Um estadista da República: Afrânio
de Melo Franco e seu Tempo (1955).
Essas obras podem ser completadas
por memórias, depoimentos pessoais, ou coletâneas de escritos, dos próprios
diplomatas (profissionais ou não), alguns dos quais, dentre os mais
importantes, merecem ser referidos: Francisco San Tiago Dantas (1962; 1964; 2009;
2011); Vasco Leitão da Cunha (1994); Azeredo da Silveira (Spektor, 2010;
Moreira Lima, 2018a); Ramiro Saraiva Guerreiro (1992); Marcílio Marques Moreira
(2001); João Clemente Baena Soares (D’Araújo, 2006); Ovídio de Andrade Melo
(2009); Luiz Felipe Lampreia (1999; 2010), Vasco Mariz (2008; 2012); Celso
Amorim (2011); Rubens Barbosa (2018) e Celso Lafer (2018).
Em outra modalidade se inserem
enquadrados pronunciamentos oficiais dos ministros de relações exteriores que
oferecem uma série histórica de cronologia mais ampla, permitindo seguir a
continuidade (por vezes a ruptura) da política externa ao longo de décadas;
podem ser mencionados, como exemplo, os pronunciamentos dos chanceleres na
abertura dos debates anuais da Assembleia Geral da ONU, desde 1946 (Corrêa, 2012),
Pode-se igualmente seguir as grandes linhas da diplomacia brasileira desde essa
época pela coletânea dos discursos dos chanceleres na Escola Superior de
Guerra, entre 1952 e 2012 (Moreira Lima, 2018b). Nessa mesma categoria, se
enquadra a coletânea de Rogério de Souza Farias (2014) sobre a participação do
Brasil no sistema multilateral de comércio.
Muitos outros diplomatas têm
oferecido contribuições de valia ao trabalho de natureza historiográfica sobre
a diplomacia brasileira, a exemplo de Fernando de Mello Barreto, autor de três
obras linearmente cronológicas, cobrindo todas as administrações sucessivas às
do Barão do Rio Branco (2001; 2006; 2012); de Marcelo Raffaelli (2006), sobre
as relações entre os Brasil e os Estados Unidos no Império; de João Alfredo dos
Anjos, sobre José Bonifácio, o primeiro
Chanceler do Brasil (2008); de Synesio Sampaio Goes, sobre as fronteiras (2013; 2015); de Carlos Henrique Cardim,
autor de um estudo original sobre Ruy Barbosa internacionalista (2004) e da
introdução à correspondência que ele trocou com o Barão por ocasião da II
conferência da paz da Haia (2014). Eugênio Vargas Garcia, autor de diversos
trabalhos de pesquisa sobre a história da diplomacia brasileira (2006; 2011;
2018), organizou compêndios documentais e cronológicos (2008; 2016), que
constituem diretórios a serviço dos historiadores.
A Fundação Alexandre de Gusmão, que
exerce o papel de editora oficial do Itamaraty, e que se converteu, nos últimos
anos, na maior editora brasileira de livros de política externa, diplomacia
brasileira e relações internacionais, tem oferecido um fluxo contínuo de
diversos trabalhos que se enquadram na vertente da história diplomática. Foram
efetuadas reedições de importantes obras antigas, a exemplo do clássico de
Sérgio Corrêa da Costa: A diplomacia do
marechal (2017), publicado originalmente em 1945, e do importante trabalho
de Flavio Castro sobre a organização do Ministério das Relações Exteriores
(2009). Na categoria de projetos originais, situa-se o magnífico empreendimento
historiográfico liderado pelo embaixador José Vicente Pimentel, então
presidente da Fundação, sobre o “pensamento diplomático brasileiro” (2013), com
ensaios biográficos sobre os mais importantes personagens da política externa,
desde Alexandre de Gusmão até João Augusto de Araújo Castro.
No mesmo contexto são regularmente publicados
trabalhos históricos, de diplomatas ou de acadêmicos, sobre a diplomacia do Brasil,
sua política externa e sobre as relações internacionais, de modo geral, muitos
emanados de trabalhos institucionais elaborados no próprio seio do serviço
exterior brasileiro, ou produções independentes. O Centro de História e
Documentação Diplomática, órgão dependente da Funag, mas funcionando no Rio de
Janeiro, onde está o Arquivo Histórico Diplomático, tem publicado, ao longo dos
anos, relatos de missões empreendidas pela diplomacia do Império, as consultas
do Conselho de Estado sobre temas de relações exteriores ou coletâneas de
textos de eminentes diplomatas daquela época, a exemplo dos discursos do
Visconde do Rio Branco (Costa Franco, 2005).
Não se tem, contudo, em grande
medida pela ausência já referida de um historiador institucional, um programa
sistemático de cobertura e publicação da atividade diplomática oficial,
constando de depoimentos dos profissionais da diplomacia – ou de personagens de
outras esferas, civis e militares, que atuaram nessa esfera – e de pesquisas e
coletâneas organizadas sobre os grandes temas da política externa nacional. A
despeito da publicação errática de documentos diplomáticos – muitos em séries
já antigas, descontinuadas, com várias felizmente digitalizadas –, ficam
pendentes de iniciativa futura a promoção oficial da coleta, organização e
divulgação de trabalhos na vertente histórica que caberia adotar, a exemplo de
várias chancelarias de países dotados de tradição nessa área.
Quaisquer que sejam os atributos
próprios de uma diplomacia nacional, os responsáveis por sua formulação e
execução deveriam buscar preservar sua memória histórica pelos mecanismos e
canais apropriados. A diplomacia brasileira, ao longo de dois séculos, foi
amplamente beneficiada com a produção, embora dispersa e irregular, de inúmeros
relatos históricos, em suas mais diversas formas – crônicas factuais, análises
interpretativas, biografias, depoimentos e coletâneas –, cabendo doravante
tentar sistematizar o exercício memorialístico por meio de um programa
abrangente de preservação, organização, coleção, publicação e disseminação da
produção de natureza histórica que dê sentido a essa longa trajetória que se
aproxima de seu bicentenário.
A historiografia brasileira das
relações internacionais, compreendendo, pelo lado do Itamaraty, as vertentes
específicas da política externa e da diplomacia, já possui um estoque razoável
de material acumulado, ainda que em bases diferenciadas e dotada de metodologia
variada, como parcialmente referido neste ensaio; as etapas futuras requerem um
programa de trabalho e alguma organização institucional. Nada que um corpo
competente de funcionários do setor e acadêmicos especializados não possa
prover de maneira sistemática nos anos à frente.
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