OS NÚMEROS CONTAM OUTRA HISTÓRIA
Deu na Folha: “Reação da economia freia perda de popularidade de Bolsonaro, diz Datafolha”. Mais discreto, o Estadão dá na página A10, quase em nota de rodapé: “Reprovação de Bolsonaro para de crescer, diz Instituto”. Como a aprovação variou apenas um ponto, de 30% para 29%, e a reprovação dois pontos, de 38% para 36%, a avaliação negativa do governo, na verdade, manteve-se inalterada.
Isso porque, segundo os critérios adotados pelo próprio Datafolha, nenhuma diferença menor do que quatro pontos percentuais é estatisticamente significativa, uma vez que, em mais de 90% dos casos, ela não “representará a realidade” como se costuma afirmar nas mídias em geral. Dito de outra forma, segundo os critérios dos institutos, em mais de 90% dos casos (às mais de 95%) diferenças menores do que quatro pontos percentuais não “representam a realidade”. Assim sendo, tudo o que se pode dizer, a partir desses dados é, primeiro, que a reprovação do governo Bolsonaro não aumentou nem diminuiu, e isso também vale para sua aprovação. Segundo, que a diferença entre ambas continua variando entre seis e nove pontos percentuais, e que, portanto, entre 68% e 72% dos entrevistados continuam não aprovando seu governo.
E não param aí as afirmações equivocadas do Instituto, repercutidas sem muito critério pelos dois maiores jornais do País. Segundo a matéria da Folha, “a pesquisa capturou vários sinais de que parte da população voltou a observar com otimismo a situação econômica”, porque 43% acham que essa situação vai melhorar nos próximos meses (e não que já teria melhorado…), enquanto apenas 40% pensavam assim em agosto. Se o “otimismo” de hoje pode variar entre 41% e 45%, e o de agosto entre 38% e 42%, pode-se dizer que ele não aumentou nem diminuiu significativamente. (Na verdade não se pode empregar um cálculo de margem de erro entre amostras diferentes aplicadas em datas diferentes, mas todos os institutos o fazem, e as redações ficam satisfeitas com isso. Tampouco se pode dizer que uma amostra retrata qualquer realidade, mas enfim…)
Assim sendo, afirmar que “a melhora das expectativas econômicas tenha estancado a perda de popularidade do presidente” constitui um equívoco ao quadrado, pois como poderia uma melhora de expectativas que não ocorreu ter tido impacto sobre a melhora ou piora de uma popularidade que tampouco variou? Seria o mesmo que atribuir a flutuação das avaliações sobre o governo do presidente às fases da Lua ou à mudança da maré.
Com exceção da avaliação da equipe econômica do governo, que melhorou significativamente, todos os indicadores foram significativamente mais desfavoráveis ao governo Bolsonaro. O mais lamentável é que 81% não acreditam sempre no presidente e outros 81% consideram que ele não está à altura do cargo. Com tal contexto de avaliações negativas é difícil acreditar que, tal como sugere o Datafolha, uma reversão da queda de popularidade do governo Bolsonaro esteja a caminho.
A quem poderia interessar esse completo divórcio entre os fatos realmente observados e a narrativa, a não ser aos mesmos que “simulam” os resultados do segundo turno, com três anos de antecipação sobre um primeiro turno que ainda não ocorreu? Decretar que Bolsonaro freou, estancou ou parou de aumentar a deterioração de sua imagem perante o eleitor, e que Lula é o seu único adversário viável beneficia apenas aqueles cuja hegemonia política depende vitalmente de inviabilizar os moderados.
É A POLÍTICA EXTERNA, SEU TOLO
Em julho, “analistas” e “especialistas” de sempre, pegavam no pé do nosso presidente por causa do nepotismo moral de prometer nomear seu filho para a mais importante missão no exterior, a embaixada em Washington. Ora, o problema realmente grave é a condução de nossa política externa. Segue o blog que postei, comentando esse equívoco:
Bolsonaro está enrolando toda a imprensa e a grande maioria dos publicistas (como eram chamados os que escrevem e falam sobre a coisa pública). Dá vontade de zombar, desqualificar intelectualmente, contestar os fatos, condenar moralmente – concentrar-se nas inúmeras insuficiências intelectuais, morais e de personalidade do presidente. Em pura perda, porque, como já disse em blog anterior, nosso presidente atua por impulso, e não por escolha racional.
Enquanto se discutem seus gestos e façanhas, os efeitos delas permanecem, e o alvo da controvérsia é totalmente infenso a ela, porque, como também já disse, ele jamais faria nada “disso daí”. Tanto isso vale para sua declaração de que jamais falaria de coisas estratégicas ao telefone, como quando explica que não pratica nepotismo nem favoritismo, nem toma decisões temerárias ao indicar uma pessoa inexperiente e sem qualificações para um posto diplomático que é vital para o interesse nacional.
Acho muito improvável – levando-se em conta a ligeireza com que trata de suas prerrogativas como chefe da Nação e do Estado – que saiba distinguir as questões estratégicas de seus compromissos com os interesses imediatos de seguidores. Tampouco acho provável que saiba distinguir suas relações pessoais de uma política de relações exteriores, a julgar pelo fato de empregar, como modelo de entendimento de tudo o que se passa na sociedade e no Estado, metáforas de relações conjugais, casamento, noivado, namoro e sexo.
Nossa embaixada em Washington é apenas um detalhe – sem dúvida importante, mas um detalhe – no que diz respeito à nossa política externa, que se encontra à deriva. Alguns exemplos concretos podem ajudar a esclarecer meu argumento.
Posso estar enganado, mas o momento de maior risco externo neste governo ocorreu em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, quando o Itamaraty e a Presidência da República cogitaram de coordenar com os EUA uma ação em território venezuelano, que não ocorreu graças à intervenção contrária das nossas Forças Armadas e à moderação de nossos vizinhos do Grupo de Lima.
Isso se passou a milhares de léguas de Washington. A embaixada em Washington poderia ter aumentado o risco em mãos inexperientes e sem qualificações? Até poderia, tendo um chefe de missão alinhado com John Bolton, assessor de insegurança nacional de Trump. Diga-se de passagem: quem, da confiança de Macron ou de Merkel, ou mesmo de Johnson, tomaria a bênção de John Bolton ou de Steve Bannon?
Também a milhares de léguas de Washington, ocorreram as graves trapalhadas com navios de carga de bandeira iraniana. O embargo trumpiano ao Irã é um dos jogos de guerra prediletos do presidente americano, uma crise criada gratuitamente (mas com custos altíssimos), de acordo com a opinião geral dos especialistas em política externa mais destacados do mundo. Por causa de sua obstinação em alterar o acordo alcançado entre as principais potências mundiais e o Irã – sob a liderança de Obama –, Trump está cobrando um preço enorme aos principais aliados dos EUA em termos perdas de comércio, investimentos e segurança energética.
Todos os países sérios do mundo, especialmente as principais potências europeias, com dependência energética do fluxo de petróleo pelo Oriente Médio, definiram uma política para enfrentar ou contornar o embargo trumpiano, que prevê retaliações contra todas as empresas que não cumprirem seu diktat. E mantêm essa política em contínua evolução, uma vez que o que Trump diz não se escreve, e mesmo o que se escreve não se faz.
Embora as áreas governamentais da agricultura, do comércio exterior, de energia e do sistema bancário, possam e devam ser ouvidas, cabe ao Itamaraty, por orientação do Presidente da República, enfrentar a ameaça aos interesses nacionais provocada por Trump. O Presidente da República Federativa do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América, não compartilha com nenhum outro poder ou setor do governo (nem com o Itamaraty) a responsabilidade pela definição e a condução da política externa.
O Itamaraty, portanto, – ou melhor, seu chefe – prevarica ao não possuir um protocolo bem definido sobre as políticas a serem seguidas pelo País em casos como o dos navios sob bandeira iraniana que a Petrobrás se recusou a abastecer. Na vigência desse protocolo, não se deixaria a questão do embargo ao sabor de um jogo de empurra entre decisões da Petrobras, de juízes de diferentes instâncias, ou do STF, despreparados que são, e sem autoridade constitucional para interferir na definição e condução da política externa brasileira.
É bem verdade que o Presidente da República abriu mão de ter uma política externa ao nomear um chanceler sem qualquer experiência de chefia de missão no exterior e ao entregar a definição de nossa política externa a outro país, como tornou público ao declarar, segundo a Folha (25/07/2019): “Sabe que estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem que fazer”.
Em casos dessa natureza, é dever de Estado do chefe da diplomacia esclarecer ao Presidente a diferença entre alinhamento diplomático e subserviência a uma potência externa. É o que deveria distinguir o Brasil de Hong Kong e Macau, por exemplo, cuja política externa e de defesa estão a cargo de Pequim.
O prejuízos aos interesses nacionais e a sua segurança internacional estão – e tudo indica que continuarão – em risco, independentemente de quem for efetivamente nomeado para Washington.
Em suma, o que posso dizer, senão: assino embaixo?
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