O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador José Augusto Guilhon de Albuquerque. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador José Augusto Guilhon de Albuquerque. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 2 de julho de 2024

Guilhon e as novas “pedras preciosas” - José Augusto Guilhon de Albuquerque

 Postagem do Prof. Guilhon de Albuquerque:

Nova regulamentação chinesa estabelece que metais de terras raras pertencem ao Estado

O governo chinês publicou, no Sábado 29, um regulamento que torna toda a cadeia de abastecimento de terras raras, incluindo mineração, processamento, distribuição e exportação, pertencerá a Pequim a partir de outubro. Cerca de 70% da produção mundial de terras raras veio da China no ano passado, de acordo com o Serviço Geológico Americano. Esta é a mais recente de uma série de regulamentos de Pequim para restringir o acesso aos metais, que são um componente das tecnologias industriais e de energia verde. (Nikkei)

 FONTE: COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS

Meus comentários (Guilhon):

Primeiro, se é para aprender com os chineses, como parece inclinar-se a facção mais relevante do nosso atual governo, não basta ir acumulando os monopólios do Estado, aos pouquinhos, para ninguém notar. Não basta nacionalizar apenas o subsolo e o fundo do mar: no caso chinês, o monopólio também inclui o próprio solo e toda a cadeia de produção e de valor das terra raras. Para alcançarem o grau de progresso do capitalismo de Estado chinês, seria preciso ter coragem, e força política, para reverter e ir além do antigo monopólio da Petrobras, da re-nacionalização da Eletrobras, e criar, por exemplo uma Infobras, com monopólio dos meios de comunicação, e de toda  sua cadeia de produção e de valor, incluindo sua matéria prima, isto é o corpo e a alma de seus recursos humanos.

E segundo, é assim, de passo em passo, que governos destituídos de princípios internamente compartilhados, e incompetente para atingir os fins heterogêneos de sua coalizão, condenam o País a um recrudescimento da crise de inflação com depressão, que se arrasta há pelo menos 10 anos.

  Vídeo do WhatsApp de 2024-07-01 à(s) 17.12.52_e723c0c5.mp4

-- 
Dr. José Augusto Guilhon Albuquerque
Professor of International Relations, University of São Paulo (USP)
Senior Fellow, USP Research Center for International Relations (NUPRI)
Director, Brazilian Society for the Study of Transnational Enterprises and Globalization
Senior Research Fellow, Wong Center for the Study of Multinational Corporations
+55.11.4704.1627(ho)  +55.11.99890.5568 (cel)

Meu comentário (PRA):

 A Constituição de 1934, seguindo as tendências estatizantes da época, estatizou o subsolo, à diferença dos EUA: se um americano encontrar petróleo no seu quintal, pode explorar. Se encontrar um esqueleto de dinossauro, pode vender no mercado. Os EUA começaram cerceando chips aos chineses. Eles revidam como que têm de mais útil aos americanos.

------------------------
Sent from my iPhone
Paulo Roberto de Almeida
Tel.: (61) 99176-9412
www.pralmeida.org
pralmeida@me.com
diplomatizzando.blogspot.com

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Guilhon de Albuquerque: Bolsonaro e Política Externa

Do blog de José Augusto Guilhon de Albuquerque:

REDAÇÕES REELEGEM BOLSONARO TRÊS ANOS ANTES DA HORA

OS NÚMEROS CONTAM OUTRA HISTÓRIA
Deu na Folha: “Reação da economia freia perda de popularidade de Bolsonaro, diz Datafolha”. Mais discreto, o Estadão dá na página A10, quase em nota de rodapé: “Reprovação de Bolsonaro para de crescer, diz Instituto”. Como a aprovação variou apenas um ponto, de 30% para 29%, e a reprovação dois pontos, de 38% para 36%, a avaliação negativa do governo, na verdade, manteve-se inalterada. 
Isso porque, segundo os critérios adotados pelo próprio Datafolha, nenhuma diferença menor do que quatro pontos percentuais é estatisticamente significativa, uma vez que, em mais de 90% dos casos, ela não “representará a realidade” como se costuma afirmar nas mídias em geral. Dito de outra forma, segundo os critérios dos institutos, em mais de 90% dos casos (às mais de 95%) diferenças menores do que quatro pontos percentuais não “representam a realidade”. Assim sendo, tudo o que se pode dizer, a partir desses dados é, primeiro, que a reprovação do governo Bolsonaro não aumentou nem diminuiu, e isso também vale para sua aprovação. Segundo, que a diferença entre ambas continua variando entre seis e nove pontos percentuais, e que, portanto, entre 68% e 72% dos entrevistados continuam não aprovando seu governo.
E não param aí as afirmações equivocadas do Instituto, repercutidas sem muito critério pelos dois maiores jornais do País. Segundo a matéria da Folha, “a pesquisa capturou vários sinais de que parte da população voltou a observar com otimismo a situação econômica”, porque 43% acham que essa situação vai melhorar nos próximos meses (e não que já teria melhorado…), enquanto apenas 40% pensavam assim em agosto. Se o “otimismo” de hoje pode variar entre 41% e 45%, e o de agosto entre 38% e 42%, pode-se dizer que ele não aumentou nem diminuiu significativamente. (Na verdade não se pode empregar um cálculo de margem de erro entre amostras diferentes aplicadas em datas diferentes, mas todos os institutos o fazem, e as redações ficam satisfeitas com isso. Tampouco se pode dizer que uma amostra retrata qualquer realidade, mas enfim…)
Assim sendo, afirmar que “a melhora das expectativas econômicas tenha estancado a perda de popularidade do presidente” constitui um equívoco ao quadrado, pois como poderia uma melhora de expectativas que não ocorreu ter tido impacto sobre a melhora ou piora de uma popularidade que tampouco variou? Seria o mesmo que atribuir a flutuação das avaliações sobre o governo do presidente às fases da Lua ou à mudança da maré.
Com exceção da avaliação da equipe econômica do governo, que melhorou significativamente, todos os indicadores foram significativamente mais desfavoráveis ao governo Bolsonaro. O mais lamentável é que 81% não acreditam sempre no presidente e outros 81% consideram que ele não está à altura do cargo. Com tal contexto de avaliações negativas é difícil acreditar que, tal como sugere o Datafolha, uma reversão da queda de popularidade do governo Bolsonaro esteja a caminho.
A quem poderia interessar esse completo divórcio entre os fatos realmente observados e a narrativa, a não ser aos mesmos que “simulam” os resultados do segundo turno, com três anos de antecipação sobre um primeiro turno que ainda não ocorreu? Decretar que Bolsonaro freou, estancou ou parou de aumentar a deterioração de sua imagem perante o eleitor, e que Lula é o seu único adversário viável beneficia apenas aqueles cuja hegemonia política depende vitalmente de inviabilizar os moderados.

WASHINGTON É APENAS UM DETALHE, BEM QUE EU AVISEI


É A POLÍTICA EXTERNA, SEU TOLO
Em julho, “analistas” e “especialistas” de sempre, pegavam no pé do nosso presidente por causa do nepotismo moral de prometer nomear seu filho para a mais importante missão no exterior, a embaixada em Washington. Ora, o problema realmente grave é a condução de nossa política externa. Segue o blog que postei, comentando esse equívoco:
Bolsonaro está enrolando toda a imprensa e a grande maioria dos publicistas (como eram chamados os que escrevem e falam sobre a coisa pública). Dá vontade de zombar, desqualificar intelectualmente, contestar os fatos, condenar moralmente – concentrar-se nas inúmeras insuficiências intelectuais, morais e de personalidade do presidente. Em pura perda, porque, como já disse em blog anterior, nosso presidente atua por impulso, e não por escolha racional. 
Enquanto se discutem seus gestos e façanhas, os efeitos delas permanecem, e o alvo da controvérsia é totalmente infenso a ela, porque, como também já disse, ele jamais faria nada “disso daí”. Tanto isso vale para sua declaração de que jamais falaria de coisas estratégicas ao telefone, como quando explica que não pratica nepotismo nem favoritismo, nem toma decisões temerárias ao indicar uma pessoa inexperiente e sem qualificações para um posto diplomático que é vital para o interesse nacional.
Acho muito improvável – levando-se em conta a ligeireza com que trata de suas prerrogativas como chefe da Nação e do Estado – que saiba distinguir as questões estratégicas de seus compromissos com os interesses imediatos de seguidores. Tampouco acho provável que saiba distinguir suas relações pessoais de uma política de relações exteriores, a julgar pelo fato de empregar, como modelo de entendimento de tudo o que se passa na sociedade e no Estado, metáforas de relações conjugais, casamento, noivado, namoro e sexo.
Nossa embaixada em Washington é apenas um detalhe – sem dúvida importante, mas um detalhe – no que diz respeito à nossa política externa, que se encontra à deriva. Alguns exemplos concretos podem ajudar a esclarecer meu argumento.
Posso estar enganado, mas o momento de maior risco externo neste governo ocorreu em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, quando o Itamaraty e a Presidência da República cogitaram de coordenar com os EUA uma ação em território venezuelano, que não ocorreu graças à intervenção contrária das nossas Forças Armadas e à moderação de nossos vizinhos do Grupo de Lima. 
Isso se passou a milhares de léguas de Washington. A embaixada em Washington poderia ter aumentado o risco em mãos inexperientes e sem qualificações? Até poderia, tendo um chefe de missão alinhado com John Bolton, assessor de insegurança nacional de Trump. Diga-se de passagem: quem, da confiança de Macron ou de Merkel, ou mesmo de Johnson, tomaria a bênção de John Bolton ou de Steve Bannon?
Também a milhares de léguas de Washington, ocorreram as graves trapalhadas com navios de carga de bandeira iraniana. O embargo trumpiano ao Irã é um dos jogos de guerra prediletos do presidente americano, uma crise criada gratuitamente (mas com custos altíssimos), de acordo com a opinião geral dos especialistas em política externa mais destacados do mundo. Por causa de sua obstinação em alterar o acordo alcançado entre as principais potências mundiais e o Irã – sob a liderança de Obama –, Trump está cobrando um preço enorme aos principais aliados dos EUA em termos perdas de comércio, investimentos e segurança energética.
Todos os países sérios do mundo, especialmente as principais potências europeias, com dependência energética do fluxo de petróleo pelo Oriente Médio, definiram uma política para enfrentar ou contornar o embargo trumpiano, que prevê retaliações contra todas as empresas que não cumprirem seu diktat. E mantêm essa política em contínua evolução, uma vez que o que Trump diz não se escreve, e mesmo o que se escreve não se faz.
Embora as áreas governamentais da agricultura, do comércio exterior, de energia e do sistema bancário, possam e devam ser ouvidas, cabe ao Itamaraty, por orientação do Presidente da República, enfrentar a ameaça aos interesses nacionais provocada por Trump. O Presidente da República Federativa do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América, não compartilha com nenhum outro poder ou setor do governo (nem com o Itamaraty) a responsabilidade pela definição e a condução da política externa. 
O Itamaraty, portanto, – ou melhor, seu chefe – prevarica ao não possuir um protocolo bem definido sobre as políticas a serem seguidas pelo País em casos como o dos navios sob bandeira iraniana que a Petrobrás se recusou a abastecer. Na vigência desse protocolo, não se deixaria a questão do embargo ao sabor de um jogo de empurra entre decisões da Petrobras, de juízes de diferentes instâncias, ou do STF, despreparados que são, e sem autoridade constitucional para interferir na definição e condução da política externa brasileira.
É bem verdade que o Presidente da República abriu mão de ter uma política externa ao nomear um chanceler sem qualquer experiência de chefia de missão no exterior e ao entregar a definição de nossa política externa a outro país, como tornou público ao declarar, segundo a Folha (25/07/2019): “Sabe que estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem que fazer”. 
Em casos dessa natureza, é dever de Estado do chefe da diplomacia esclarecer ao Presidente a diferença entre alinhamento diplomático e subserviência a uma potência externa. É o que deveria distinguir o Brasil de Hong Kong e Macau, por exemplo, cuja política externa e de defesa estão a cargo de Pequim. 
O prejuízos aos interesses nacionais e a sua segurança internacional estão – e tudo indica que continuarão – em risco, independentemente de quem for efetivamente nomeado para Washington.
Em suma, o que posso dizer, senão: assino embaixo?

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Miséria da Política Externa - José Augusto Guilhon de Albiquerque

José Augusto Guilhon | Professor de Relações Internacionais

WASHINGTON É APENAS UM DETALHE, BEM QUE EU AVISEI

É A POLÍTICA EXTERNA, SEU TOLO
Em julho, “analistas” e “especialistas” de sempre, pegavam no pé do nosso presidente por causa do nepotismo moral de prometer nomear seu filho para a mais importante missão no exterior, a embaixada em Washington. Ora, o problema realmente grave é a condução de nossa política externa. Segue o blog que postei, comentando esse equívoco:

Bolsonaro está enrolando toda a imprensa e a grande maioria dos publicistas (como eram chamados os que escrevem e falam sobre a coisa pública). Dá vontade de zombar, desqualificar intelectualmente, contestar os fatos, condenar moralmente – concentrar-se nas inúmeras insuficiências intelectuais, morais e de personalidade do presidente. Em pura perda, porque, como já disse em blog anterior, nosso presidente atua por impulso, e não por escolha racional. 
Enquanto se discutem seus gestos e façanhas, os efeitos delas permanecem, e o alvo da controvérsia é totalmente infenso a ela, porque, como também já disse, ele jamais faria nada “disso daí”. Tanto isso vale para sua declaração de que jamais falaria de coisas estratégicas ao telefone, como quando explica que não pratica nepotismo nem favoritismo, nem toma decisões temerárias ao indicar uma pessoa inexperiente e sem qualificações para um posto diplomático que é vital para o interesse nacional.
Acho muito improvável – levando-se em conta a ligeireza com que trata de suas prerrogativas como chefe da Nação e do Estado – que saiba distinguir as questões estratégicas de seus compromissos com os interesses imediatos de seguidores. Tampouco acho provável que saiba distinguir suas relações pessoais de uma política de relações exteriores, a julgar pelo fato de empregar, como modelo de entendimento de tudo o que se passa na sociedade e no Estado, metáforas de relações conjugais, casamento, noivado, namoro e sexo.
Nossa embaixada em Washington é apenas um detalhe – sem dúvida importante, mas um detalhe – no que diz respeito à nossa política externa, que se encontra à deriva. Alguns exemplos concretos podem ajudar a esclarecer meu argumento.
Posso estar enganado, mas o momento de maior risco externo neste governo ocorreu em Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, quando o Itamaraty e a Presidência da República cogitaram de coordenar com os EUA uma ação em território venezuelano, que não ocorreu graças à intervenção contrária das nossas Forças Armadas e à moderação de nossos vizinhos do Grupo de Lima. 
Isso se passou a milhares de léguas de Washington. A embaixada em Washington poderia ter aumentado o risco em mãos inexperientes e sem qualificações? Até poderia, tendo um chefe de missão alinhado com John Bolton, assessor de insegurança nacional de Trump. Diga-se de passagem: quem, da confiança de Macron ou de Merkel, ou mesmo de Johnson, tomaria a bênção de John Bolton ou de Steve Bannon?
Também a milhares de léguas de Washington, ocorreram as graves trapalhadas com navios de carga de bandeira iraniana. O embargo trumpiano ao Irã é um dos jogos de guerra prediletos do presidente americano, uma crise criada gratuitamente (mas com custos altíssimos), de acordo com a opinião geral dos especialistas em política externa mais destacados do mundo. Por causa de sua obstinação em alterar o acordo alcançado entre as principais potências mundiais e o Irã – sob a liderança de Obama –, Trump está cobrando um preço enorme aos principais aliados dos EUA em termos perdas de comércio, investimentos e segurança energética.
Todos os países sérios do mundo, especialmente as principais potências europeias, com dependência energética do fluxo de petróleo pelo Oriente Médio, definiram uma política para enfrentar ou contornar o embargo trumpiano, que prevê retaliações contra todas as empresas que não cumprirem seu diktat. E mantêm essa política em contínua evolução, uma vez que o que Trump diz não se escreve, e mesmo o que se escreve não se faz.
Embora as áreas governamentais da agricultura, do comércio exterior, de energia e do sistema bancário, possam e devam ser ouvidas, cabe ao Itamaraty, por orientação do Presidente da República, enfrentar a ameaça aos interesses nacionais provocada por Trump. O Presidente da República Federativa do Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América, não compartilha com nenhum outro poder ou setor do governo (nem com o Itamaraty) a responsabilidade pela definição e a condução da política externa. 
O Itamaraty, portanto, – ou melhor, seu chefe – prevarica ao não possuir um protocolo bem definido sobre as políticas a serem seguidas pelo País em casos como o dos navios sob bandeira iraniana que a Petrobrás se recusou a abastecer. Na vigência desse protocolo, não se deixaria a questão do embargo ao sabor de um jogo de empurra entre decisões da Petrobras, de juízes de diferentes instâncias, ou do STF, despreparados que são, e sem autoridade constitucional para interferir na definição e condução da política externa brasileira.
É bem verdade que o Presidente da República abriu mão de ter uma política externa ao nomear um chanceler sem qualquer experiência de chefia de missão no exterior e ao entregar a definição de nossa política externa a outro país, como tornou público ao declarar, segundo a Folha (25/07/2019): “Sabe que estamos alinhados à política deles. Então, fazemos o que tem que fazer”. 
Em casos dessa natureza, é dever de Estado do chefe da diplomacia esclarecer ao Presidente a diferença entre alinhamento diplomático e subserviência a uma potência externa. É o que deveria distinguir o Brasil de Hong Kong e Macau, por exemplo, cuja política externa e de defesa estão a cargo de Pequim. 
O prejuízos aos interesses nacionais e a sua segurança internacional estão – e tudo indica que continuarão – em risco, independentemente de quem for efetivamente nomeado para Washington.

O NEO-ENTREGUISMO DA NEO-DIREITA

A noção de que o radicalismo é uma opção estratégica de atores sociais e políticos, e não o resultado espontâneo da convivência humana, não é intuitiva. Apenas a reflexão teórica a partir de fatos observados permite explica-la. Um exemplo singelo pode ajudar a entender este argumento. 
As opiniões políticas, sociais, morais, religiosas, etc., expressam-se geralmente ao longo de um amplo espectro, com tênues divergências entre as diferentes denominações. A hipótese teórica que cabe aqui, é que a polarização provém de uma opção deliberada das denominações extremas, de definir, como principal ameaça a ser combatida e neutralizada, a imensa maioria que as separa. Observe-se que o espectro de diferenças “ideacionais” entre as denominações é geralmente extenso e difuso, o que equivale a dizer que cada variante tende a ser pequena e as alas extremadas a serem minúsculas.
Tudo isso para falar da suposta radicalização entre “nacionalistas” e “entreguistas” ao longo da segunda metade do século passado neste País e, com isso, justificar por que classificar o governo neo-direitista de Bolsonaro como um governo neo-entreguista. Em todo o período mencionado, essas classificações eram mais categorias de ofensa e armas eleitorais do que critérios de diferenciação, tais como seriam hoje as acusações de neoliberalismo ou de globalismo. Ora, a maioria dos acusados de neoliberalismo, no passado ou no presente (não são os mesmos…), sequer poderiam ser considerados liberais, e a imensa maioria dos chamados globalistas sequer sabe do que se trata. 
Tradicionalmente, chamava-se de “entreguistas” os que não excluíam totalmente a presença de capitais estrangeiros no País e, mais importante, não consideravam os EUA uma potência agressora. “Nacionalistas”, por sua vez, eram tachados de “comunistas”, desde que não considerassem a União Soviética um perigo iminente de agressão. Ambos – “nacionalistas” e “entreguistas” – eram ao menos parcialmente estatistas, de moderadamente desenvolvimentistas para cima e favoráveis a proteger o comércio e as indústrias que competiam com importações – que muitos “nacionalistas” chamavam de “burguesia nacional”.
Governos como o brasileiro, o americano, o húngaro, o turco, são hoje chamados, pela literatura internacional de Ciência Política, de “neo-direita” por não se encaixarem no conceito tradicional de direita. Mas o governo Bolsonaro possui, ademais, uma característica única na neo-direita contemporânea, ao aceitar uma tutelagem explícita exercida por uma potência estrangeira, isto é, ao colocar-se numa posição de protetorado – ou seja, um país soberano, cuja política externa e cuja defesa de interesses vitais são, não obstante, exercidos por uma potência estrangeira.
Dois breves exemplos de que o Brasil de Bolsonaro é um protetorado dos EUA de Trump: o enviado especial de Bolsonaro a Washington – seu filho – em companhia de seu chanceler, disse a jornalistas brasileiros à saída de uma reunião com Trump que “Brasil e os Estados Unidos estão aliados e, em que pese alguns líderes tentarem fazer qualquer tipo de negociação com a Amazônia sem a presença do Brasil, vão encontrar muitos problemas de tentar fazê-la porque os Estados Unidos vão se opor a isso”.


O chanceler de Bolsonaro tinha uma agenda secreta – amplamente divulgada pela imprensa – em meados de julho: revisar o discurso do presidente brasileiro na abertura da Assembleia Geral da ONU, com um ex-estrategista chefe de uma potência estrangeira, Steve Bannon. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Colapso do governo Bolsonaro? - José Augusto Guilhon de Albuquerque

A ROTA DO COLAPSO TEM RETORNO?

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE A INSTABILIDADE DO GOVERNO
Em meu último comentário, de 15 de agosto, tentei mostrar que a instabilidade do presidencialismo brasileiro, no atual período democrático, levou ao colapso metade dos oito presidentes em poucos anos de mandato. Um breve estudo das variáveis associadas ao exacerbamento da instabilidade intrínseca ao regime de governo mostrou que, todas as vezes em que a ocorrência de um lapso grave da presidência se somou à perda da maioria governativa, à formação de uma maioria de veto capaz de impor um processo de impeachment, ao encastelamento do Presidente e a uma comunicação dirigida exclusivamente ao seus crentes mais fiéis, o colapso foi inevitável.
Levando em conta apenas esses fatores, o prognóstico de um mandato sem acidentes de viagem seria muito pessimista, sobretudo considerando-se que o atual presidente abriu mão, em alguns meses, da credibilidade que os demais levaram alguns anos para perder. Daí o título “Colapso à vista?”, que deu a entender, a alguns leitores, que eu poderia estar prescrevendo um impeachment. Não! digamos que o título mais adequado deveria ter sido: “Colapso no horizonte?” 
Isto, até a semana passada, com a internacionalização da crise da tempestade de fuligem que, para muitos brasileiros alcançados por sua trajetória, evocou o fim do mundo. Teria invocado o fim de um mandato? 
No comentário anterior, não haveria espaço para acrescentar uma dimensão essencial do processo político: a ação presidencial, isto é, o modo como o Presidente – juntamente com seu inner sanctum – opera sua relação com as instituições e os diferentes setores da sociedade, em outras palavras, seu modus operandi.
Ora, o atual presidente vem mostrando, de modo sistemático, que não possui as habilidades necessárias para entender problemas políticos, diagnostica-los, avaliar alternativas para sua solução, adotar uma política a respeito, e implementa-la. Diante de um problema, de qualquer natureza, o atual presidente elege um culpado, individual ou genérico, e o ataca com insultos e acusações por mais remotamente ligadas que sejam ao problema.
O presidente age como se os problemas servissem para incitar sua base fundamentalista a manter uma polarização radical contra os infiéis. E, apenas nesse sentido, vem dando certo. 
Mas agora ele foi longe demais. Diante do problema criado por seu ministro do meio ambiente, que tratou com descaso os governos da Alemanha e da Noruega sobre a questão do Fundo Amazônia, o presidente entrou no modo de Cruzada e partiu para o ataque, recrudesceu quando os dados do Instituto de Pesquisas Nucleares não lhe agradaram e, diante da fuligem apocalítica que assustou os brasileiros e o mundo todo, atacou governos, instituições, supostos terroristas e incendiários.
Foi longe demais, porque levou o País a um isolamento político inimaginável, destruiu décadas de esforços para manter um perfil alto nas questão climáticas e ambientais e, no espaço de algumas horas, jogou no colo dos piores inimigos de nossa principal fonte de comércio exterior, a agropecuária, argumentos feitos de encomenda para fundamentar suas táticas protecionistas.
O panelaço na noite de seu pronunciamento em rede nacional, uma forma de manifestação geralmente restrita aos bairros de classe média alta, atesta que seu apoio no voto de direita e centro direita está-se desgastando. Aos olhos do agronegócio, o que parecia trunfo, é visto agora com receio, porque a recuperação de sua credibilidade externa sofreu um golpe quase letal. E cada vez que o presidente e seu ministro do meio ambiente abrem a boca, mais se repetem as doses de arrogância e hostilidade contra nossos parceiros comerciais e políticos, e mais inimigos se mobilizam contra o País.
Até quando as ruas e o legislativo assistirão em silêncio a essa tragédia?

domingo, 2 de junho de 2019

Chávez e Bolsonaro - José Augusto Guilhon de Albuquerque

Também concordo em que ambos, aparentemente diferentes – mas só na aparência, da divisão entre uma suposta esquerda e uma alegada direita –, são na verdade irmãos siameses, e isso tem a ver com as suas personalidades autoritárias, o líder bolivariano com um DNA praticamente fascista, o capitão brasileiro uma espécie de Cantinflas da política.
Paulo Roberto de Almeida

DUAS OU TRÊS COISAS QUE EU SEI SOBRE CHÁVEZ E BOLSONARO

FROM CHÁVEZ WITH LOVE
Chávez e Bolsonaro têm mais coisas em comum do que se pode imaginar, nem todas relevantes. Mas nesta semana que passou, o mito brasileiro deu passos preocupantes seguindo as pegadas do mito bolivariano.
Embora os dois se tenham destacado por posições políticas radicalmente opostas, ambos compartilharam uma formação militar – um coronel com mestrado em Ciência Política e outro capitão que aparentemente parou de estudar. E os dois também compartilharam um ativismo anti-sistema, de caráter plebiscitário e populista. Mas Bolsonaro nunca liderou, como Chávez, um golpe militar – e pelo que se observa, nunca liderou um movimento significativo com uma agenda propositiva – e, ao contrário do líder bolivariano, entrou para a política por meio do voto popular e não pela ação armada.
O processo que levou o mito venezuelano a passar, de presidente eleito, a déspota esclarecido foi longo. Longo, também, sua transmutação, de líder político em figura mística que continua a assombrar, mesmo do além, o regime supostamente socialista, por meios comunicações misteriosas. É um processo demasiado longo e complexo para ser tratado aqui. Minha hipótese é a de que, além da adoção de uma nova Constituição unilateral – graças ao boicote das oposições -, além da opção por uma militarização da sustentação política do governo, e da manipulação populista da política econômica, o passo decisivo para levar o regime chavista ao despotismo foi o recrutamento do judiciário para a causa bolivariana.
A militarização da disputa política, a organização de milícias armadas, a criação de uma Nomenklatura civil e militar, beneficiada pela corrupção nas empresas públicas e privadas, e a manipulação do câmbio para favorecer as elites, não foram suficientes para evitar totalmente a resistência (mesmo simbólica) de uma oposição pulverizada e em grande parte incapaz de unir-se em torno de uma agenda comum. Insatisfeito, Chávez redefiniu a missão do Tribunal Supremo de Justiça – que em 1999 substituiu a antiga Corte Suprema de Justiça – para ter como objeto servir à revolução bolivariana, permitindo, inclusive, a livre nomeação e demissão de seus membros.
Na semana passada, o mito brasileiro se envolveu em uma série de declarações e, o que é mais grave, em atitudes, a respeito do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Primeiro, no que tratei aqui como um “Pacto de Narciso”, isto é, um pacto consigo mesmo, com sua própria imagem projetada sobre seus homólogos no cume dos poderes republicanos. 
Não escapou a ninguém na mídia brasileira, após tomar conhecimento do conteúdo do pacto alinhavado por Tóffoli, que Bolsonaro estava envolvendo o Supremo em sua própria agenda política. Estava convidando o judiciário, com o assentimento explícito do presidente do Supremo, para submeter seu compromisso com a Constituição a um novo compromisso com a agenda governamental.
Devo admitir que salientei, no mencionado blog, apenas o aspecto narcisístico porque, sabedor dos pactos anteriores de Lula com o judiciário e dos pactos de Dilma com ele própria, julguei, precipitadamente que, a não ser o fato de fugir do assunto, esse novo pacto não daria em nada. Não foi o que aconteceu em menos de uma semana. 
Primeiro, o Presidente da República encaixou, em uma reunião com as bancadas femininas das duas casas, isto é, uma reunião de congraçamento político com parlamentares, o agora onipresente Toffoli que, não sendo mulher, nem parlamentar, nem membro do governo, só poderia estar ali por outras razões. Quem matou a xarada foi o próprio Bolsonaro, ao declarar que era bom ter a Justiça a seu lado, isto é, do lado certo. 
O próximo passo foi, desta vez, mais explicitamente nas pegadas de Hugo Chávez. Numa reunião com líderes religiosos de denominações evangélicas, após criticar o atual Supremo por decisões supostamente contrárias à sua agenda política e a suas convicções religiosas, e mostrando inconformidade com a hipotética composição da casa em termos de fé religiosa ou filiação eclesiástica de seus membros, o presidente defendeu a nomeação de um evangélico para a corte. E isso, porque o Estado pode ser laico “mas eu sou cristão”, disse ele.
Este conjunto de declarações e atitudes é muito preocupante, porque constitui uma série de passos no rumo do descompromisso com o Estado democrático de direito, e em prol de um estado de direito definido pelas convicções religiosas e políticas pessoais do presidente.
MANDANDO MORO PARA O CHUVEIRO
Quando um jogador de seu time está criando muito problema, a torcida grita para manda-lo mais cedo para o chuveiro. Quando é o “diretor” técnico quem cria problema, a direção do clube declara que ele está prestigiado. 
Quando o presidente da República prestigia um seu ministro, prometendo livrar-se dele na primeira oportunidade, tenho dificuldade em entender por que a grande maioria das análises que leio, ouço ou vejo na TV, afirma que Bolsonaro está fazendo um afago em Moro. A razão o alegada é de que, com isso, Bolsonaro o estaria compensando por tê-lo traído abertamente com a derrota que o próprio presidente ajudou a Câmara impor-lhe. 
De fato, a emenda que retira da autoridade de Sérgio Moro a COAF – um instrumento estratégico de investigação e combate de corrupção e crimes financeiros, particularmente envolvendo as classes dirigentes – é, para o ministro, uma derrota acachapante. Sobretudo se somada a uma série de outras atitudes de Bolsonaro, cuja consequência é desidratar as prerrogativas do superministério inicialmente alocado ao ex-juiz da Força Tarefa Lava Jato.
Em primeiro lugar, a quem se destinou o recado? Segundo a teoria do afago, seria exclusivamente destinado ao próprio Moro. O qual não reagiu como se tivesse sido contemplado com um afago, mas sido vítima de um embaraço. Além disso, não foi um recado discreto, mas para todos e qualquer um.
O sempre arguto José Nêumanne sugere um alvo específico, Sua Majestade o eleitor, junto ao qual o ex-juiz ainda goza de um prestígio de verdade. Não apenas o eleitor de Bolsonaro, mas todos aqueles que – sem serem admiradores seus, e nem mesmo concordam com o conjunto de sua agenda – esperam dele um desempenho profissional eficiente na área de segurança e justiça. Neste caso, o afago seria dirigido a essa parte do eleitorado que poderia ter ficado decepcionado com a facilidade com que Moro e sua agenda anticorrupção foram jogados às feras da sinistra bancada que julga ser beneficiada com a impunidade de sempre. Para esse eleitor, a agenda de Moro pode parecer ter sido pura e simplesmente traída por Bolsonaro e seu governo.
Em segundo lugar, cui bono? Quem foi particularmente beneficiado com o aviso de que o superministro seria chamado, “na primeira oportunidade”, para ir para o chuveiro e, com isso, proporcionar sua substituição no time? À parte a sinistra bancada dos alvos da lei, convenhamos que diversos segmentos, neste caso não das massas, mas sim das elites, suspiraram aliviados por diferentes razões. 
Em primeiro lugar, o seleto grupo dos já previamente ungidos como futuros presidenciáveis, seriam beneficiados com o baque sofrido por um dos pretendentes mais temíveis. Em segundo lugar, o ainda mais seleto grupo do serralho bolsonarense que, com o enfraquecimento de Moro e sua previsível queda, poderia concentrar suas baterias em um menor e menos prestigioso número de supostas sombras sobre o brilho celeste do presidente-mito, sob suspeita de querer tomar o seu lugar a qualquer momento e a qualquer custo.
Acrescente-se, também, os ressentidos com o fato de encontrarem fechada a primeira vaga a ser aberta para o STF, um grupo difuso mas não menos influente do sistema jurídico que agora, diante de um adversário enfraquecido, teria as mãos livres para enfraquecer ainda mais sua hipotética candidatura ao Olimpo do judiciário. 
Além disso, quais as consequências imediatas do compromisso, assumido publicamente pelo presidente, de afasta-lo na primeira oportunidade? Do ponto de vista pessoal, depois de tornar-se alvo da inconfidência presidencial, Moro se tornou alvo preferencial de todos os que, seja aleatoriamente, seja de maneira concertada, sonham em vingar-se dos sofrimentos que lhe foram impostos pela lei, mas são atribuídos, de uma forma ou de outra, à sua atuação. A proteção legal e corporativa de que dispunha como magistrado, para distribuir o que considerava justiça, não mais existe, e a proteção legal dada à sua posição governamental é, pelo menos, precária diante do ambiente de insegurança jurídica criado no sistema jurídico como um todo, particularmente pelo ativismo dos tribunais superiores.
Do ponto de vista político, uma vez tornado um simples ministro, dispensável na primeira oportunidade, já não produz temor. Minha hipótese é de que sua carreira, pelo menos enquanto durar o governo Bolsonaro, está condenada a um hiato. Pelo menos na condição de um ator político do sistema, comprometido com a mudança do sistema, mas atuando de dentro do sistema. Esse perfil teria muita dificuldade em acomodar-se no atual sistema partidário que, mal comparando, favorece os candidatos do sistema, comprometidos com a manutenção do sistema ou uns poucos candidatos anti-sistema, comprometidos com a mudança ou mesmo a destruição do sistema, com as armas de que dispuser.
Restariam, por hipótese, duas opções: preparar-se, desde já, para retomar a vida pública mais adiante, para contrapor-se ao previsível fracasso do perfil anti-sistema do atual presidente, ou lançar-se desde já como candidato anti-sistema, e bater Bolsonaro em seu próprio terreno. Isso demandaria outro tipo de perfil pessoal e outro tipo de experiência, para reunir apoio de uma coalizão entre mentes da elite e corações da massa.
Não seria tarefa fácil. A lição que Moro ainda não apreendeu é que a política realmente praticada não é para principiantes.

sábado, 30 de agosto de 2014

Eleicoes 2014: a bolha Marina, depois das bolhas Collor, Lula, etc - Jose Augusto Guilhon de Albuquerque


No meio do caminho tinha uma bolha chamada Marina
José Augusto Guilhon de Albuquerque
Chegamos a um momento sem retorno da eleição presidencial, impossível de ter sido previsto, mas com consequências previsíveis. O curtíssimo prazo da campanha, tal como a conhecemos – centrada no palanque eletrônico e nas alianças estaduais – não poderá reverter a bolha de encantamento que ora favorece a candidatura de Marina Silva.
Já não estamos no reino da política, mas da psicologia das massas. Independente de seus talentos, que são inúmeros, e de seus defeitos, que podem ser devastadores, o desgaste inevitável da vida real dificilmente se fará sentir senão a médio ou longo prazo. A curtíssimo prazo, somente outro fator estranho à política, seja nova fatalidade, seja o completo desmascaramento deste mais recente fenômeno messiânico em nosso país - provocado por imputações verdadeiras ou por falsos dossiês - poderia impedi-la de chegar ao segundo turno, provavelmente, à frente da disputa eleitoral.
E ai de quem ousar desnudar o Rei, pois, tal como um mensageiro de más notícias, será abatido junto com sua vítima. Em teoria, parece restar aos ex-protagonistas do pleito, o PT e o PSDB, demonizados pela profeta como a encarnação da “velha política”, mudar o foco de suas respectivas táticas eleitorais, poupar-se mutuamente e tentar polarizar com Marina. Na prática, um jogo de soma zero como esse apenas reforçaria seu papel de vítima e a levaria ainda mais perto de uma vitória no primeiro turno.
Em teoria Marina também poderia sucumbir a uma luta entre Titãs, caso outro ungido dos deuses se alevantasse mais alto para salvar o próprio legado – o PT e o lulismo. Mas, que se saiba, Lula não entra em bola dividida e, como se sabe também, nada tem a ver com as derrotas dos padilhas e dilmas, ou com o mau desempenho dos haddads e gleydes da vida. Portanto, a bola da vez está nas mãos dos dois candidatos ainda competitivos, para resgatar ou não seu próprio destino e a relevância de seus respectivos partidos e coligações, e isso implica ter como prioridade chegar ao segundo turno.
Para Marina, tendo chegado ao segundo turno na frente, e em curva ascendente, como é provável, será uma questão de administrar a própria bolha e não cometer erros irreparáveis. Por maior que seja o desgaste da polarização inerente ao segundo turno, será eleita e, por maior que seja o desgaste da transição e da partilha do botim, o encantamento deverá permitir uma coroação retumbante, à la Lula 2003. O trágico é o que irá ocorrer, num eventual governo Marina, quando, inexoravelmente, a bolha murchar de vez ou explodir.
Para o PT e o PSDB é vital chegar ao segundo turno porque, fora do páreo, seus respectivos eleitorados migrarão para Marina independentemente de qualquer arranjo de cúpula que, de todo modo, não é compatível com o perfil voluntarista e onipotente de Marina. E a única via para Aécio ou Dilma chegarem a um eventual segundo turno é, repito, continuar polarizando entre si sem, entretanto, deixar Marina correr solta.
Para o PT, polarizar com o PSDB seria menos arriscado do que polarizar com Marina, que implicaria poupar Aécio. Mas o desgaste do PT é amplo, geral e irrestrito. Conquistar votos tucanos não será fácil após mais de uma década de hostilidade implacável. Reintegrar ex-eleitores lulistas que estão migrando para Marina, seria ainda mais difícil. Paciência: corrigir doze anos de desmandos não é fácil mesmo. Além disso, é provável que o PT, devido a sua paixão pela hegemonia, e Dilma – por ressentimento pessoal – descarreguem suas baterias preferencialmente contra uma trânsfuga como Marina.
Ainda que tente conter os danos, o PT como partido, a julgar pela hostilidade generalizada que vem sofrendo, sairá enfraquecido. Quanto a Dilma, se não chegar ao segundo turno, pode encomendar o pijama.
Quanto ao PSDB, a falta de empolgação com a candidatura presidencial não parece afetar seu desempenho nos Estados. Mas uma derrota no primeiro turno comprometerá não apenas o futuro de Aécio, mas também a relevância nacional do partido. Entretanto, sendo um candidato menos rejeitado do que Dilma, e se lograr capitalizar o bom desempenho dos candidatos tucanos ao governo dos grandes colégios, Aécio poderá conter a atual sangria polarizando com Dilma. Se for bem sucedido em expor os graves defeitos de Marina sem agressões – ou seja, desqualificando-a “com classe” ou levando-a a desqualificar-se por ela mesma – ainda poderá recuperar parte do eleitorado migrante, além de eventualmente aumentar o desgaste da adversária estratégica, isto é, Dilma.
Quanto ao segundo turno – provável na hipótese de Marina continuar crescendo, mas sem uma queda acentuada dos demais – ela se beneficiará dos votos lulistas, e de esquerda em geral, para derrotar os tucanos, ou dos votos de centro e de direita contra Dilma. O eleitorado do PMDB é vinculado localmente às lideranças regionais mas, nas eleições presidenciais, segue as linhas do eleitorado em geral e não as orientações partidárias. O PMDB se guardará para o “terceiro turno”, isto é, para pesar decisivamente no momento de garantir uma transição sem demasiados traumas e um início de governo sem impasses decisórios.
Se esse quadro se revelar correto – desde que a bolha de encantamento não murche nem exploda sozinha – Marina deveria sair vitoriosa. Porém, mais cedo ou mais tarde a bolha irá se desfazer no ar, pois é isso que as bolhas fazem. Por motivos distintos, foi assim com Collor, foi assim com Lula, será assim com Marina.
No caso específico de Marina, o esvaziamento da bolha resultará de uma combinação de fatores pessoais e estruturais, estes ligados à dinâmica da democracia representativa que pode ser sumariamente descrita da seguinte maneira. Nos regimes presidencialistas o Executivo e o Legislativo são eleitos por colégios distintos, dando origem a duas maiorias não necessariamente coincidentes e, portanto, potencialmente divergentes. Para governar num sistema multipartidário como o nosso, a dinâmica democrático-representativa obriga o chefe do Executivo a negociar a criação de uma maioria parlamentar governista. Isso implica concessões de parte a parte ou o emprego dos chamados métodos “não-republicanos”. Entre estes se inclui o emblemático “mensalão” ou o apelo a forças extra institucionais, como a intimidação mediante a mobilização das ruas, o emprego da polícia, do judiciário ou da força militar para fins políticos.
A opção entre sacrificar seus ideais e seu programa com concessões, ou sacrificar seus princípios corrompendo ou intimidando os interlocutores, depende de inclinações pessoais do presidente – como sua habilidade para negociar e sua atitude conciliatória ou, ao contrário, seu grau de voluntarismo e prepotência. E de fatores institucionais – como a cultura partidária de sua coalizão ou de sua facção. Porém, enquanto a escolha entre métodos é uma opção, governar com o apoio efetivo ou, pelo menos, com o consentimento da maioria da representação nacional, legalmente eleita, é uma lei de ferro da democracia representativa. O resto pode ser um regime corrupto, um regime policial, um regime militar, um regime teocrático, ou todos os acima. Não é um regime de democracia representativa.
É essa lei de ferro que Marina chama de “velha política”, e já deixou claro e explícito que não pretende respeitá-la. Em entrevista ao telejornal da Globo News, confrontada com o fato de que, se for eleita, não disporá de maioria para governar, alternou entre várias respostas, ora que é a “sociedade” quem vai governar, ora que ela vai governar com “os melhores”, ora que a “sociedade” vai nomear “os melhores”. Mas não admitiu sequer que terá que governar com a maioria nacional legitimamente eleita para tal.
O que a leva Marina a vilipendiar a lei de ferro da democracia representativa tachando-a de “velha política”, em proveito de uma “nova política” tão velha como a Sereníssima República de Veneza – aquela do tempo dos Borgia -  não é apenas uma opção racional baseada em seu desconhecimento da História e da Política. Trata-se de uma crença enraizada em suas inclinações pessoais e na cultura política de sua facção – certamente não na cultura política da Esquerda Democrática que deu origem ao Partido Socialista. Frases como “o presidente não tem que ser prisioneiro do partido”, “um homem de bem não pode deixar de colaborar com o (meu) governo”, mostram que, para ela, e certamente para sua “rede”, negociar é uma coisa corrupta, fazer concessões é aprisionar-se. Em contrapartida, a virtude de seus ideais, e dos poucos homens justos que ela reconhece, bastaria para garantir o bom governo e até o fechamento das contas nacionais – se necessário, com a ajuda divina.
Pobres de nós, pecadores, que teremos pela frente um longo calvário de crises e desgoverno. Mas assim como sobrevivemos ao ippon de Collor, ao mensalão de Lula e aos apagões de gestão de Dilma, sobreviveremos a um eventual marinaço.
[Recebido em 29/08/2014, sem indicação de publicação]

terça-feira, 29 de julho de 2014

Os neobolcheviques totalitarios nao admitem sair pelas urnas - Guilhonde Albuquerque

O professor José Augusto Guilhon Albuquerque observa, em artigo publicado no Estadão, que o petismo volta à senda radical que o caracterizava antes da posse de Lula, em 2003. Diante das manobras do Partido Totalitário, a alternância pacífica de poder corre perigo:

Estamos presenciando a recaída de nosso pretenso partido hegemônico, o PT, na radicalização. Não resta dúvida de que Lula está radicalizando, o PT também está e Dilma está aos poucos cedendo às pressões para radicalizar. O que resta é a questão de saber por quê. Dúvida pouco relevante nas eleições de 1982, 1989, 1994 e 1998, quando Lula foi derrotado por causa do caráter radical de seu programa.
Já a vitória de Lula em 2002 deveu-se a fatores que amainaram as aparências mais radicais da campanha. Primeiro foi a substituição de seu programa por uma "carta de princípios" que comprometia um futuro governo petista com o Estado Democrático de Direito e, sobretudo, com a manutenção da política econômica até então vigente.
Segundo, a adoção de um estilo de comunicação e um novo discurso acomodatício, de uma personalidade inteiramente nova, com expressão corporal e vestuário "executivo" - tudo diametralmente oposto ao estilo raivoso e confrontacional do passado. E, terceiro, a aliança "pragmática" com seus adversários ideológicos mais opostos, inclusive ícones do regime autoritário e donos dos currais eleitorais mais atrasados do País.
Ninguém precisou se enganar. A esquerda petista não precisava ser enganada porque entendeu o compromisso como sendo apenas uma diversão tática para chegar ao poder e, em seguida, assumir a hegemonia e impor seu programa aos aliados incômodos, às elites dominantes e às classes médias alienadas. Após as eleições de 2002, todas as bandeiras do partido continuaram vigentes, com parte da linguagem mais radical substituída por eufemismos.
As chamadas raposas e os "picaretas" também não se enganaram, porque confiavam em sua lendária capacidade para manipular o jogo parlamentar e os corações e mentes da classe dirigente em proveito próprio. Com isso, esperavam lucrar duplamente, primeiro, barrando as iniciativas inconvenientes do governo, seja as mais audaciosas agressões às instituições vigentes, seja as ameaças aos interesses vitais da maioria ou de setores relevantes da classe política. Em segundo lugar, tornando-se livres para chafurdar sem pejo no lodaçal da República, convenientemente rebatizado de "governança".
Seria a quintessência da aliança espúria, o perfeito win-win game, o jogo em que todos ganham mais do que perdem, com exceção do povo. Afinal, o PT teve de ceder quase todos os anéis, mas ficaram os dedos com os quais por 12 longos anos tem-se aferrado ao poder com todas as suas pompas e todas as suas glórias. E nem todos os anéis se foram. Eles retornam intermitentemente em pronunciamentos oficiais e oficiosos do PT e de suas organizações paragovernamentais.
Percebe-se hoje a insatisfação generalizada que corrói até a medula o pacto pelo imobilismo e a mediocridade que mantém a "governabilidade" da aliança lulo-dilmista. E pela razão muito simples de que talvez, mais ainda do que o povo, os stakeholders da aliança são precisamente os mais insatisfeitos.
O PT está insatisfeito porque, ao fim de 12 anos de tão ardentemente esperada hegemonia, muito pouco ou quase nada se concretizou dos esperados atributos de um partido hegemônico. O monopólio da "direção intelectual e moral" da sociedade, o controle da luta ideológica por meio da submissão da imprensa, a subordinação dos demais poderes e a conquista de prerrogativas supraconstitucionais para o partido vêm sendo, a cada revés, adiados para os "amanhãs que cantam".
Do outro lado, os "picaretas" e as raposas também estão insatisfeitos, porque receberam os anéis, mas não podem ostentá-los nem foram convidados ao baile. Recolhem do butim as migalhas, mas se sentem permanentemente ameaçados - e traídos - pela ganância hegemônica do PT. Sua participação no poder serve para limitar as perdas, mas não os exime de ceder às chantagens e compartilhar a culpa pelos fracassos do governo e a impopularidade que daí resulta.
A popularidade vinha mantendo essa aliança dos insatisfeitos. Mas a insatisfação do PT só era contida pela certeza da reeleição. Sem ela, os amanhãs que cantam não seriam apenas adiados para o próximo quadriênio, mas sine die.
A insatisfação da classe política, do empresariado, das classes dirigentes em geral, já não é contida pela falta de alternativas atribuída à inevitabilidade do continuísmo. A alternativa agora é possível: por que, então, as classes dirigentes optariam pelo suicídio?
Se a radicalização e o clima polarizado que ela implica levaram no passado à derrota eleitoral, e se a alternativa de uma coalizão dos insatisfeitos está fazendo água, então essa radicalização não seria para evitar a derrota, mas para evitar a ameaça da alternância no poder. A radicalização do PT não seria um erro tático, mas uma estratégia deliberada para conquistar sua almejada hegemonia fora das urnas e apesar delas.
Como? Criando um clima conflagrado que contrapõe a legitimidade das ruas à legalidade das instituições; impondo o controle "social" à pura e simples liberdade de pensamento e de expressão; concitando a convocação de assembleias constituintes oportunistas para submeter a Carta a maiorias de ocasião; dissolvendo no dia a dia o direito à propriedade individual para satisfazer os interesses dos militantes organizados; invocando a liberdade de manifestação como desculpa para agredir a liberdade de ir e vir, o patrimônio e até a integridade física das pessoas. O resultado seriam eleições tumultuadas, pondo em risco uma transição pacífica de governo.
A posse de Lula marcou a primeira alternância real entre elites no poder depois do período autoritário, como demonstra Leôncio Martins Rodrigues em suas pesquisas recentes. Resta saber se a atual elite governante e seu partido dominante acatarão o veredicto das urnas e a alternância entre elites no poder que daí deverá decorrer: será o teste de fogo para a democracia brasileira.