Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
Western democracies have expressed concern and outrage, at least verbally, over the Novichok poisoning of Alexei Navalny—and this is clearly right and necessary. But much less attention is being paid to the case of Yuri Dmitriev, a tenacious researcher and activist who campaigned to create a memorial to the victims of Stalinist terror in Karelia, a province in Russia’s far northwest, bordering Finland. He has just been condemned on appeal by the Supreme Court of Karelia to thirteen years in a prison camp with a harsh regime.
The hearing was held in camera, with neither him nor his lawyer present. For this man of sixty-four, this is practically equivalent to a death sentence, the judicially sanctioned equivalent of a drop of nerve agent.
After an initial charge of child pornography was dismissed, Yuri Dmitriev was convicted of sexually assaulting his adoptive daughter. These defamatory charges appear to be the latest fabrication of a legal system in thrall to the FSB—a contemporary equivalent, here, of the nonsensical slander of “Hitlerian Trotskyism” that drove the Great Terror trials. It is these same charges, probably freighted with a notion of Western moral decadence in the twisted imagination of Russian police officers, that were brought in 2015 against the former director of the Alliance Française in Irkutsk, Yoann Barbereau.
I met Yuri Dmitriev twice: the first time in May 2012, when I was planning the shooting of a documentary on the library of the Solovki Islands labor camp, the first gulag of the Soviet system; and the second in December 2013, when I was researching my book Le Météorologue (Stalin’s Meteorologist, 2017), on the life, deportation, and death of one of the innumerable victims murdered by Stalin’s secret police organizations, OGPU and NKVD.
In both cases, Dmitriev’s help was invaluable to me. He was not a typical historian. At the time of our first meeting, he was living amid rusting gantries, bent pipes, and machine carcasses, in a shack in the middle of a disused industrial zone on the outskirts of Petrozavodsk—sadly, a very Russian landscape. Emaciated and bearded, with a gray ponytail, he appeared a cross between a Holy Fool and a veteran pirate—again, very Russian. He told me how he had found his vocation as a researcher—a word that can be understood in several senses: in archives, but also on the ground, in the cemetery-forests of Karelia.
In 1989, he told me, a mechanical digger had unearthed some bones by chance. Since no one, no authority, was prepared to take on the task of burying with dignity those remains, which he recognized as being of the victims of what is known there as “the repression” (repressia), he undertook to do so himself. Dmitriev’s father had then revealed to him that his own father, Yuri’s grandfather, had been shot in 1938.
“Then,” Dmitriev told me, “I wanted to find out about the fate of those people.” After several years’ digging in the FSB archive, he published The Karelian Lists of Remembrance in 2002, which, at the time, contained notes on 15,000 victims of the Terror.
“I was not allowed to photocopy. I brought a dictaphone to record the names and then I wrote them out at home,” he said. “For four or five years, I went to bed with one word in my head: rastrelian—shot. Then, I and two fellow researchers from the Memorial association, Irina Flighe and Veniamin Ioffe (and my dog Witch), discovered the Sandarmokh mass burial ground: hundreds of graves in the forest near Medvejegorsk, more than 7,000 so-called enemies of the people killed there with a bullet through the base of the skull at the end of the 1930s.”
Among them, in fact, was my meteorologist. On a rock at the entrance to this woodland burial ground is this simple Cyrillic inscription: ЛЮДИ, НЕ УБИВАЙТЕ ДРУГ ДРУГА (People, do not kill one another). No call for revenge, or for putting history on trial; only an appeal to a higher law.
Not content to persecute and dishonor the man who discovered Sandarmokh, the Russian authorities are now trying to repeat the same lie the Soviet authorities told about Katyn, the forest in Poland where NKVD troops executed some 22,000 Poles, virtually the country’s entire officer corps and intelligentsia—an atrocity that for decades they blamed on the Nazis. Stalin’s heirs today claim that the dead lying there in Karelia were not victims of the Terror but Soviet prisoners of war executed during the Finnish occupation of the region at the beginning of World War II. Historical revisionism, under Putin, knows no bounds.
I am neither a historian nor a specialist on Russia; what I write comes from the conviction that this country, for which I have a fondness, in spite of all, can only be free if it confronts its past—and to do this, it needs courageous mavericks like Yuri Dmitriev. And I write from the more personal conviction that he is a brave and upright man, one whom Western governments should be proud to support.
This article was translated from the French by Ros Schwartz. For further information about Yuri Dmitriev, visit The Dmitriev Affair.
Uma pequena história para introduzir um artigo de DEZ ANOS atrás.
No dia de ontem, 6/10/2020, recebi uma demanda de assistente da Revista Aeronáutica para fornecer meu endereço, para remessa de um exemplar de número da revista que havia publicado um artigo meu. Não tinha a menor ideia de que artigo seria, e não tinha a menor ideia de que eu havia enviado um artigo para essa revista de “aviadores” (da ativa e reformados).
Apenas hoje, dia 7, ao receber um arquivo digital dessa revista, tomei conhecimento de que se tratava de um artigo que eu havia escrito DEZ ANOS ATRÁS.
Eu mantenho um registro relativamente fiel e detalhado de TODOS os meus trabalhos, que recebem um número da Relação de Originais assim que são terminados. Eis aqui a ficha original do trabalho n. 2.169, escrito em viagem da China ao Brasil em 2010, e terminado de volta a Xangai no final de julho daquele ano. Eu o postei imediatamente em meu blog, mas poucas semanas depois ele foi publicado numa revista acadêmica com a qual eu colaborava então. Seis meses depois, ele foi publicado em outra revista com a qual colaborava (mas que já não mais existe, por isso não existe link de URL).
A comprovação de que eu não enviei o artigo para a revista está no fato de que eles o publicaram com o meu endereço do Twitter; ora, eu NUNCA usei esse endereço como contato comigo, e, sim, uso meu site pessoal (www.pralmeida.org), onde existe um formulário de contato, através do qual recebo mensagens de leitores e curiosos.
Ao reproduzir essa ficha, posso informar que, naquele ano, eu estava num serviço provisório junto ao Consulado do Brasil em Xangai, mas para trabalhar no pavilhão do Brasil na Shanghai Universal Exhibition, que foi realizada de maio a outubro daquele ano. Ocorre que eu também era diretor executivo da BRASA, Brazilian Studies Association, que estava realizando seu congresso bienal em Brasília. Comecei a escrever esse trabalho no longo trajeto aéreo entre Dubai e São Paulo, e só fui terminá-lo de volta a Xangai. Depois das duas publicações, o artigo desapareceu de meus registros, como se pode ver pela ficha, e só reapareceu agora, quando a revista Aeronáutica o desenterrou de algum lugar (talvez o meu blog, talvez a Espaço Acadêmico), mas não sei por que colocaram meu endereço de Twitter como contato.
Ao tomar conhecimento dessa publicação, escrevi o que segue, pelo mesmo canal de contato utilizado para me informar sobre sua inesperada publicação:
“Muito grato, vou registrar na minha lista de publicados.
Acredito que não serei mais convidado a colaborar, pois se existe um processo deliberado de mediocrização, de embrutecimento, de emburrecimento e de idiotice generalizada, ele vem sendo conduzido pelo governo atual, especialmente pelo seus estúpidos ministros da educação, que conduzem um ataque deliberado à inteligência, um assalto às instituições de ensino público, à cultura de forma geral.
Lamento que as FFAA estejam sendo coniventes com a desgovernança atual no Brasil do capitão aloprado.
Desculpe o desabafo, mas nunca me eximi de expressar minha opinião sobre o estado da nação, sobretudo na fase do lulopetismo, quando foi escrito esse texto agora reproduzido.
Pois a situação agora é infinitamente pior, com o bando de novos bárbaros ignorantes no poder.
Façam um trabalho digno, para restaurar o prestígio, outrora alto, atualmente um pouco diminuído, das FFAA.
Cordialmente,
--------------------------- Paulo R. de Almeida”
Creio que a história está contada. Agora, quem quiser ler o artigo, pode fazê-lo num dos links de contato acima reproduzidos. De minha parte, se eu tivesse que comentar sobre o assunto, eu o faria nos termos da mensagem que mandei como recado aos militares.
Até hoje, quarta-feira, 7/10/2020, o caso era mais patético e de malandragem – incremento do currículo, aliás até mais grave do que o da Dilma, pois nem CV Lattes ele tem – em casos tópicos de "pós-doc" inventados, o que já é suficientemente grave. Agora, é um crime, senão no Código Penal, pelo menos deontológico, pois significa que ele copiou, inclusive preservando erros do original, trecho de artigo de colega.
Até a Janaina Paschol, insuspeita, pois que simpática ao bolsonarismo, se espantou com a revelação.
Sei que nem o presidente nem o Centrão estão preocupados com esses aspectos, pois o que interessa a eles é desconstruir a Lava Jata, o ex-juiz Moro, a luta contra contra a corrupção, mas não se trata mais de aceitar um sujeito que toma tubaína com o capitão, e sim da honestidade intelectual do candidato.
O General Heleno tomou conhecimento do CV do sujeito? Tem algo a dizer?
Reportagem de Rodrigo Rangel e André Spigario nesta quarta-feira (7) na revista Crusoé, ligada ao grupo O Antagonista, acusa o desembargador Kassio Nunes Marques, indicado por Jair Bolsonaro à vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF), de cometer plágio na dissertação de seu mestrado na Universidade Autônoma de Lisboa.
Os jornalistas dizem ter analisado o trabalho, que foi disponibilizado na internet e garantiu ao juiz o título de mestre, e encontrado trechos inteiros copiados do advogado Saul Tourinho Leal, piauiense que integrou a banca de advocacia do ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto.
“A dissertação repete até um erro de português contido em um dos artigos do advogado – o que indica ter havido, na elaboração da dissertação, um ‘copia e cola’ a partir dos textos de Saul Tourinho Leal”, diz o texto dos jornalistas, que dizem ter usado a ferramenta “Plagium”, disponível na internet, para cruzar as informações e detectar o possível plágio.
Porta-voz do lavajatismo, o grupo Antagonista é ligado a Sérgio Moro, que foi alçado ao Ministério da Justiça com a promessa de que Jair Bolsonaro o indicaria a uma vaga no Supremo. Moro, no entanto, deixou o governo acusando Bolsonaro de interferência na Polícia Federal e tornou-se inimigo do presidente.
Na última edição, a Crusoé classifica Nunes Marques como “o avesso de Moro” na reportagem de capa.
Janaína Paschoal Nas redes sociais, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) classificou a reportagem como “denúncia muito grave”.
“Amados, essa denúncia é muito grave! Estou, há dias, procurando a tese de doutoramento e os trabalhos de pós doutoramento do indicado ao STF, sem sucesso! Localizei a dissertação de mestrado, li e, como disse, apesar de não concordar, achei o trabalho tecnicamente muito bom!”, afirmou.
Excelente artigo do Professor Luis Antonio Paulino, sobre os terríveis equívocos de nossa política externa e a submissão vergonhosa, escrota, asquerosa, rastejante (completem os xingamentos, por favor) ao Grande Mentecapto do presidente americano, que aliás, faz uma dupla patética com o nosso Grande Mentecapto.
Se considerarmos o fato de que o destino e a geografia nos obrigaram a habitar no mesmo hemisfério da maior e mais agressiva potência econômica e militar do planeta, é compreensível que a nossa política externa tenha de levar em conta a presença desse vizinho incômodo. Recomenda o bom senso que qualquer um que se veja em situação semelhante deve tomar duas providências elementares: manter um relacionamento o mais amistoso possível e evitar intimidades.
Quando se observa a história política do País, pelo menos até o governo Bolsonaro, é possível afirmar que essas atitudes sempre orientaram a formulação de nossa política externa. Embora em alguns momentos a proximidade tenha sido maior que o recomendável, nossa política externa se caracterizou, na maior parte do tempo, inclusive durante o regime militar, por uma posição independente e de não alinhamento automático. E sempre foi essa atitude prudente do Brasil que granjeou respeito internacional e uma grande capacidade de mediação de conflitos. O Brasil sempre foi visto como parte da solução e nunca como parte do problema. O Brasil sempre soube compensar sua falta de poder duro – militar e econômico – com o poder brando, derivado exatamente de sua grande capacidade de mediação e diálogo. Isso contribuiu para o aumento do prestígio internacional do Brasil e trouxe benefícios concretos para o país.
A ascensão de Bolsonaro ao poder marcou uma guinada radical nessa tradição de independência e mediação da nossa política externa. De uma política externa autônoma e altiva passamos para uma política externa dependente e subserviente. Ao alinhar-se de forma incondicional aos Estados Unidos, ou mais especificamente a uma parte deles, pois os Democratas, que poderão assumir o poder em novembro próximo, o abominam, o Brasil passou a ser visto no mundo e, sobretudo, na América Latina como parte dos problemas, uma vez que, como afirmou o ministro das Relações Exteriores, “o Brasil tem um lado”, o lado dos Estados Unidos.
Não seria exagero afirmar que hoje, além dessa metade Republicana dos Estados Unidos, os únicos aliados do Brasil são países dirigidos por políticos de extrema direita cujo traço comum é o desprezo à democracia e o flerte com ideologias extremistas. A atitude negacionista de Bolsonaro em relação à pandemia da Covid-19, fazendo eco às posições de Donald Trump e não por acaso colhendo os mesmos frutos amargos que o presidente americano em termos de infecções e mortes, a atitude negligente e abertamente hostil em relação aos problemas ambientais, sobretudo na Amazônia, o desprezo aos direitos das minorias, nomeadamente das populações indígenas, a apologia à violência policial e ao comércio de armas, a maneira bruta e grosseira de referir-se a outros chefes de Estado que por ventura o critiquem, tornou Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, párias internacionais, que nem mesmo seu maior aliado, o presidente Trump ousa defender abertamente. Ao contrário, em mais de uma ocasião referiu-se pejorativamente ao Brasil. Difícil imaginar, depois da pandemia, algum líder mundial importante que vá querer ser fotografado dando um abraço em nosso presidente.
Fosse esse alinhamento incondicional do Brasil aos Estados Unidos, promovido por Bolsonaro e seu ministro das Relações Exteriores, resultado de uma avaliação de que seria o melhor para o Brasil, a crítica poderia circunscrever-se ao acerto ou não dessa avaliação e aos riscos potenciais a que o Brasil estaria exposto por tal atitude. A questão, entretanto, é que, como os fatos vêm demostrando, não se trata apenas de uma avaliação equivocada, mas de atitudes deliberadas de sabotagem dos interesses nacionais em nome de um alinhamento incondicional com uma determinada corrente política e ideológica, em nome da qual não hesitam em sacrificar os interesses do país. Ao invés do “Brasil acima de tudo” como retoricamente apregoam fica evidente que a sua política externa visa colocar interesses políticos e ideológicos particulares desse grupo acima de tudo, inclusive do Brasil. E isso não é tolerável, pois o Brasil não pode ser tratado como o botim de um aventureiro, que se sente à vontade de dele fazer o que melhor lhe aprouver de acordo com seus interesses pessoais, ou como propriedade de um determinado grupo político que conseguiu, seja da forma que for, chegar ao poder. Mas vamos aos fatos.
A questão das cotas de importação do etanol
Em agosto de 2019, já sob protestos dos produtores brasileiros, o Brasil havia renovado e aumentado a cota de importação de etanol sem tarifa de 600 milhões de litros/ano para 750 milhões de litros/ano, beneficiando principalmente os produtores de milho e etanol dos Estados Unidos, que respondem por 90% das importações brasileiras do produto.
A justificativa para o aumento da cota naquela época era a mesma de hoje. Que esse gesto supostamente facilitaria as negociações para o aumento da exportação de açúcar do Brasil para os Estados Unidos, atualmente limitadas por uma cota muito reduzida. A produção brasileira de açúcar, em 2020, será de 25 milhões de toneladas, mas a cota de exportação de açúcar para os Estados Unidos é de apenas 152,7 mil toneladas. A República Dominicana que produz apenas 530 mil toneladas tem uma cota de exportação para os Estados Unidos de 183,3 mil toneladas.
Passados 12 meses, nada ocorreu, o que levou o governo brasileiro, em agosto de 2020, a anunciar, sob pressão dos produtores locais e do Ministério da Agricultura e do Ministério das Minas e Energia, que a cota não seria renovada. Tal medida chegou a ser concretizada, pois como a cota não foi renovada dentro de seu prazo de vigência, ou seja, até 30 de agosto de 2020, acabou por perder a validade.
Tal decisão evidentemente não agradou ao governo dos Estados Unidos e muito menos ao presidente Trump, para quem a não renovação da cota significou uma derrota política. A não renovação desagradou particularmente os fazendeiros americanos dos estados de Iowa, Indiana e Missouri, do chamado “Corn Belt” dos Estados Unidos, que tradicionalmente votam com os republicanos, mas que neste ano estão sob ataque do candidato democrata Joe Biden.
Diante da insatisfação de Trump, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, entrou em campo para fazer lobby a favor dos Estados Unidos e convencer o setor produtivo e seus colegas de governo contrários à renovação a rever sua posição sob a justificativa de que a renovação da cota facilitaria as negociações para aumentar o acesso do açúcar brasileiro ao mercado norte-americano.
Ninguém, evidentemente, entrou nessa conversa, dado que nos 12 meses anteriores os Estados Unidos tiveram tempo suficiente para tratar do assunto e não tomaram medida nenhuma. Além disso, no dia 28 de agosto, o presidente Trump anunciou novas restrições às exportações brasileiras de aço semiacabado para os Estados Unidos, sob a justificativa de que as importações de outros países haviam caído substancialmente, mas que as importações do Brasil haviam apresentado uma queda pouco expressiva.
O ministro Araújo não se fez de rogado e continuou a fazer lobby dentro do governo a favor de Trump, mesmo diante de todas as evidências de que a renovação não fazia nenhum sentido, contrariava os interesses nacionais e representava um prejuízo à indústria nacional de etanol, sobretudo a de etanol de milho, que está em fase de estruturação no centro-oeste brasileiro – Goiás e Mato Grosso – e já vinha enfrentando dificuldades com a queda do consumo de combustíveis em decorrência da pandemia da Covid-19 e de distorções tributárias que favorecem o produto importado. De janeiro a julho de 2020, o Brasil produziu 1,3 bilhão de litros de etanol de milho, 93% a mais que no mesmo período de 2019, mas o consumo caiu. As vendas domésticas de etanol na primeira semana de agosto diminuíram 16% em relação ao mesmo período do ano anterior e estoques em 31 de julho de 2020 estavam 55% maiores.
Apesar da resistência generalizada, dentro e fora do governo, Ernesto Araújo intensificou o lobby a favor de Trump e no final acabou prevalecendo. No dia 09 de setembro o presidente Bolsonaro anunciou aos produtores que iria renovar proporcionalmente a cota (187,5 milhões de litros) por 90 dias, ou seja, até novembro, quando ocorrerão as eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Para fingir que estava retribuindo o gesto brasileiro, Trump anunciou no dia 20 de setembro que do aumento de 90,7 mil toneladas de açúcar bruto adicionadas à cota da safra atual, 80 mil toneladas serão para o produto brasileiro. Além de ser um procedimento rotineiro, trata-se de valor insignificante se considerarmos que apenas em agosto de 2020 o Brasil exportou 3,7 milhões de toneladas de açúcar. Esse aumento representaria, caso venha a se concretizar, uma receita extra, pelos preços médios atuais, de apenas US$ 23 milhões. Já a cota de 187,7 milhões de litros de etanol renderia aos exportadores americanos à cotação atual do produto (US$ 1,3029/galão) o triplo desse valor, algo em torno de US$ 65 milhões, mais os subsídios que recebem do governo americano. Para os importadores brasileiros, com impostos e sem os custos de internalização (R$ 2.490/metro cúbico e R$ 5,25/dólar), colocados no Porto de Suape, em Pernambuco, custariam algo em torno de US$ 90 milhões. Uma coisa não compensa a outra.
A questão, entretanto, não é aritmética; poderia ser até o contrário, mesmo porque não há garantias de que vamos importar todo esse etanol ou exportar essa ninharia de açúcar. Trata-se, sim, de um caso inédito de um ministro das Relações Exteriores cuja obrigação é defender os interesses nacionais, mas que decide fazer lobby para um governo estrangeiro e agir contra interesses do País, claramente explicitados pelo setor privado nacional e setores do próprio governo, para favorecer eleitoralmente um determinado grupo político estrangeiro, com o qual ele e o presidente se identificam ideologicamente.
A eleição do novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Atropelar o Brasil, adotando medidas contra os interesses do país, sem tomar o menor conhecimento da alardeada amizade com o presidente brasileiro, tornou-se um hábito de Trump. A recente eleição do novo presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi apenas o episódio mais recente.
Desde que o banco foi criado, em 1959, tem valido a regra não escrita de que o presidente da instituição de desenvolvimento voltada para a América Latina é sempre um latino-americano, da mesma forma que o presidente do FMI é um europeu e o presidente do Banco Mundial (BIRD) um americano. Nos últimos 60 anos o BID teve apenas quatro presidentes, todos latino-americanos. Isso faz sentido porque, mesmo sendo os Estados Unidos o maior acionista do banco, com 30% das cotas, o BID atende os países da região, financiando, sobretudo, projetos de infraestrutura.
Trump resolveu quebrar essa tradição e decidiu indicar para a presidência da instituição um de seus assessores, Mauricio Claver-Carone e que, até recentemente, ocupava a direção para a América Latina do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. O objetivo da indicação, como o próprio Claver-Carone afirmou, é o de transformar o BID em um peso-pesado financeiro para conter a influência da China no hemisfério ocidental. Em outras palavras, transformar um instrumento de desenvolvimento regional, criado sob inspiração da CEPAL, em instrumento político dos Estados Unidos para manter sua hegemonia na região.
México, Chile, Argentina e Costa Rica, que conjuntamente detêm 22% dos votos, posicionaram-se logo de início contrários ao pleito norte-americano e propuseram, por causa da pandemia da Covid-19, adiar por seis meses as eleições, que estavam marcadas para o dia 12 de setembro. A expectativa era de que uma eventual derrota de Trump, em novembro próximo, poderia criar um novo quadro político e reverter a situação, mesmo porque com um eventual presidente democrata, ter um ex-assessor de Trump como presidente do BID seria algo complicado até para os Estados Unidos.
O Brasil se posicionou favoravelmente à manutenção do pleito, impedindo que se alcançassem os 25% necessários para não dar quórum e adiar as eleições. Trump deve, portanto, em grande medida, ao Brasila indicação de seu assessor para a presidência do BID.
Segundo noticiado pelo jornal New York Times, quando a candidatura de Claver-Carone foi lançada, este teria telefonado para as autoridades brasileiras pedindo a retirada do candidato brasileiro Rodrigo Xavier, que o Brasil pensava eleger com o apoio de Trump. O presidente americano nem tomou conhecimento da demanda brasileira e o Brasil, obsequiosamente retirou seu candidato e foi um dos poucos países a declarar abertamente apoio ao candidato norte-americano.
Diz-se que o Brasil teria retirado a candidatura brasileira em troca de ter no número 2 do banco, mas, ao que tudo indica, isso pode não acontecer, e o Brasil corre o risco, mesmo sendo o principal responsável, na região, pela eleição do americano, de ficar com menos influência no banco do que tem hoje, uma vez que Claver-Carone teria feito outros acertos com outros países também oferecendo posições de destaque. Trata-se de mais uma concessão que Bolsonaro e Ernesto Araújo fazem aos Estados Unidos, em prejuízo do Brasil e, neste caso, dos vizinhos latino-americanos, a troco de nada. Ou melhor, mais uma vez o governo Bolsonaro sacrifica os interesses do Brasil para favorecer um grupo político estrangeiro ao qual está ligado ideologicamente.
A visita de Mike Pompeo a Roraima
A menos de 50 dias para as eleições nos Estados Unidos, a vinda do Secretário de Estado dos Estados Unidos ao Brasil para realizar uma visita relâmpago ao centro de acolhimento de refugiados venezuelanos em Boa Vista, capital do estado de Roraima, pode ser vista, no plano mais imediato, como parte da estratégica eleitoral de Trump com o objetivo de conquistar votos republicanos no estado da Flórida. Mas vai muito além disso.
Mostrar-se duro contra o governo de Nicolás Maduro e determinado a removê-lo do poder, seja porque meio for, é uma forma de atrair o voto da comunidade conservadora latina da Flórida. Boa parte dessa comunidade latina é composta por membros da elite econômica da Venezuela, de Cuba e de outros países da região, inclusive do Brasil, que migraram para os Estados Unidos..
O problema, porém, é ninguém saber até que ponto Trump deseja ir com essas provocações. Há o risco real de Trump replicar na América do Sul a mesma estratégia que utilizou no Oriente Médio – afinal, lá e cá há petróleo em jogo – e mergulhar a região em uma guerra fraticida de consequências potencialmente devastadoras para a região. Transformar, portanto, território brasileiro em palanque eleitoral para Trump em clara violação dos princípios constitucionais que orientam a política externa brasileira é um erro grave a respeito do qual o governo deve ser responsabilizado.
Mais uma vez estamos frente a um caso de violação da soberania nacional por membros do governo brasileiro, cuja primeira obrigação deveria ser defendê-la, apenas com o objetivo de favorecer um grupo político estrangeiro ao qual o presidente brasileiro e seu ministro das Relações Exteriores se alinham ideologicamente. Isso não é aceitável.
E não é aceitável não só porque é uma humilhação para o Brasil, que se rebaixa à condição de colônia dos Estados Unidos, que se dá ao desfrute de usar o território brasileiro para ameaçar um país vizinho, como se nosso território fosse um protetorado norte-americano ao qual eles têm livre acesso para fazer o bem entendem, mas também porque isso prejudica concretamente os interesses do Brasil na região e arrisca transformar a América do Sul em um novo Oriente Médio.
Nunca é demais lembrar que a América do Sul tem sido uma região livre de guerras em grande parte graças à diplomacia brasileira, cujo símbolo maior é o Barão do Rio Branco que, à frente do Itamaraty, engrandeceu o papel do Brasil ao resolver disputas de fronteiras e garantir a resolução pacífica de conflitos.
O Brasil, como a maior economia da região, tem se beneficiado grandemente disso, não só porque, ao longo de décadas, pôde se preocupar apenas com seus problemas internos como, principalmente, graças a essa relação amistosa com todos os países da região, tem garantido mercados para exportação de seus produtos, sobretudo manufaturados, de maior valor agregado, e aberto oportunidades para o investimento externo de empresas brasileiras. Nunca é demais lembrar que em todo lugar que se vá da América Latina, inclusive na Venezuela, vamos encontrar empresas brasileiras atuando nos mais diversos setores e frequentemente dominando fatias expressivas dos mercados locais.
Tudo isso o governo Bolsonaro e seu inacreditável ministro das Relações Exteriores estão jogando para o ar, ao fomentar a fragmentação política da região em blocos antagônicos, como os que se formaram na eleição do presidente do BID – México, Chile e Argentina, de um lado, e Brasil e Colômbia, do outro. Como lembrou o economista Pedro Silva Barros em artigo recente publicado no jornal Folha de S.Paulo[1], “O contexto de fragmentação política e desintegração comercial da América do Sul torna nosso subcontinente um palco aberto para disputas de potências extrarregionais” – leia-se Estados Unidos, Rússia e China – e não resta a menor dúvida: o grande prejudicado será o Brasil. A questão do 5G
O Brasil vem sendo pressionado há meses pelo presidente americano Donald Trump a excluir a empresa chinesa Huawei, líder mundial na produção de equipamentos de telecomunicações para tecnologia 5G, do rol das empresas habilitadas a fornecer os equipamentos para a rede 5G brasileira que começará a ser implantada no próximo ano. A alegação dos norte-americanos é de que haveria risco de os equipamentos chineses serem utilizados em atividades de espionagem, comprometendo a segurança dos Estados Unidos e seus aliados. Não há, contudo, nenhuma comprovação técnica dessa possibilidade e muito menos de que a China teria intenção de fazer isso, dando um tiro no próprio pé. Tudo indica que o real motivo desse cerco à empresa chinesa seja o de impedir que a China abocanhe uma fatia importante do mercado global de alta tecnologia, até agora dominado sobretudo por empresas norte-americanas.
O leilão das frequências para as operadoras de 5G estava previsto para 2020, mas foi adiado para 2021, o que levou ao adiamento da deliberação final sobre se a empresa chinesa Huawei poderá ou não participar do fornecimento dos equipamentos para o Brasil.
Entretanto, há sinais concretos de que o Ministério das Relações Exteriores esteja operando a favor dos Estados Unidos, mais uma vez sem levar em conta os interesses do Brasil. Como destaca matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, em 12/6/2020, “O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Augusto Heleno, convenceram o presidente Jair Bolsonaro de que o leilão do 5G deve oferecer restrições aos fabricantes chineses de equipamentos como a Huawei. Resultado dessa pressão, Bolsonaro afirmou em transmissão via internet, na quinta-feira (11/6), que o certame levará em conta a “soberania, a segurança de dados e a política externa”[2]. Ou seja, a escolha dos novos padrões tecnológicos da telefonia deixou de ser técnica e ganhou conotação geopolítica.
Caberia novamente neste caso perguntar onde está o interesse nacional e que medida o posicionamento do Ministério das Relações Exteriores e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) estão agindo de acordo ou contrariamente aos interesses do Brasil apenas para agradar o presidente norte-americano, que fez do combate à China um ponto importante de sua agenda política e eleitoral.
O alegado risco de espionagem, se existe, com certeza não é maior do que o risco existente no uso de qualquer equipamento produzido por outro fabricante em qualquer lugar do mundo. O país que utiliza de forma mais intensiva a espionagem eletrônica são os próprios Estados Unidos. Em 2013, foi revelado que os Estados Unidos estavam monitorando as conversas da então presidente Dilma, por meio de seu telefone celular, o que levou ao cancelamento de uma visita que ela faria os EUA naquele mesmo ano. Conforme matéria do jornal O Globo: “A Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) monitorou o conteúdo de telefonemas, e-mails e mensagens de celular da presidente Dilma Rousseff e de um número ainda indefinido de “assessores-chave” do governo brasileiro. Além de Dilma, também foram espionados pelos americanos nos últimos meses o presidente do México, Enrique Peña Nieto, — quando ele era apenas candidato ao cargo — e nove membros de sua equipe”[3]
Operadoras de serviços de telecomunicação, assim como diversos setores do próprio governo, inclusive militares, são contrários à proibição da participação da empresa chinesa na rede brasileira de 5G. Apontam que liberar a participação chinesa não teria maiores consequências negativas para o Brasil. Talvez, a retirada do apoio americano à entrada do Brasil na OCDE, o que não muda muito a situação atual, já que inúmeros países europeus são contra. Fala-se também que os Estados Unidos poderiam excluir o Brasil de seu programa de capacitação em segurança cibernética, mas, como revelou recentemente reportagem do jornal Valor[4], os militares preferem não depender dos Estados Unidos nessa seara.
Por outro, a exclusão da empresa chinesa seria uma clara sinalização de que o Brasil está definitivamente alinhado com os Estados Unidos em sua guerra contra a China. Isso obviamente teria consequências potencialmente devastadoras para nossa economia. Onde iríamos achar mercado para os quase US$ 70 bilhões que exportamos para a China todo ano? Iriam os Estados Unidos, que concorrem conosco em exportações agrícolas, absorver o que deixaríamos de exportar para a China? Evidentemente que não!
De acordo com a já citada reportagem da Folha de S.Paulo, no documento enviado pelo ministério das Relações Exteriores à Presidência da República, justificando a posição contrária do MRE sobre a liberação da participação da empresa chinesa, o ministro Ernesto Araújo “defende que o Brasil não sofreria nenhum tipo de sanção comercial porque a China possui como maiores fornecedores de matérias-primas e alimentos os Estados Unidos, o Brasil e a Austrália. Para ele, se os três se juntassem em apoio a Donald Trump, os chineses não teriam saída e continuariam importando desses países”. Já a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, segundo a mesma matéria, não pensa assim. Para ela, qualquer tipo de restrição à China na oferta de equipamentos de rede 5G terá efeitos danosos sobre o desempenho do agronegócio, único setor ativo neste momento de pandemia.
É preciso ainda destacar que a exclusão da Huawei da implementação do 5G no Brasil, além de não fazer nenhum sentido geopolítico e econômico, uma vez que o Brasil não tem nada a ganhar com isso, representará um prejuízo concreto ao país, cujo custo será arcado pelo conjunto dos brasileiros na forma de tarifas mais caras e atraso na oferta dos serviços. Isso porque os equipamentos da Huawei, além de melhores e mais baratos, têm a vantagem de “falar” com todos os equipamentos dos demais fabricantes – Nokia, Ericsson e Samsung – coisa que os equipamentos desses fabricantes não fazem. Como parte da rede atualmente em operação nas tecnologias 3G e 4G utilizam equipamentos da Huawei, o uso exclusivo dos equipamentos desses outros fabricantes na rede 5G obrigaria as operadoras a trocar todos os equipamentos da Huawei atualmente utilizados nas redes 3G e 4G, o que significaria um custo maior, que ao fim e ao cabo recairiasobre os usuários, e uma demora muito maior para que essa nova tecnologia com grande potencial para revolucionar inúmeros serviços e aumentar a produtividade das empresas fique à disposição das pessoas, empresas e governos. Na Inglaterra, país muito menor que o Brasil, o custo dessa troca foi estimado em £2 bilhões e um atraso de 3 anos na implantação da rede[5].
Como nos casos anteriormente analisados, fica mais uma vez evidente que a posição do Ministério das Relações Exteriores nesse assunto não tem nada a ver com os interesses nacionais e está orientada exclusivamente para atender aos interesses de uma potência estrangeira e da chamada “ala ideológica” do governo brasileiro.
A ação conjunta do Brasil e dos Estados Unidos na OMC contra a China
Estados Unidos e Brasil submeteram conjuntamente na OMC uma proposta estabelecendo que o princípio de economia de mercado tenha de valer para todos os seus membros, para garantir condições equitativas de competição econômica no comércio internacional. Trata-se de um ataque direto à China, organizado pelos Estados Unidos, com o objetivo de, ou excluir a China daquela organização, ou forçar mudanças profundas nas suas regras que permitam aos Estados Unidos e seus aliados imporem as sanções que bem entendam à China.
A China reagiu, argumentando, com razão, que o assunto é complexo demais e que não cabe à OMC definir o que é ou não uma economia de mercado, mas apenas verificar se as regras de comércio internacional por ela estabelecidas estão sendo cumpridas pelos seus membros. Até mesmo a Índia, que está em séria disputa com a China por questões de fronteiras que levou, recentemente, a confrontos que deixaram mortos dos dois lados, não apoiou a posição do Brasil, alegando que se alguém tem dúvida quanto a isso deveria recorrer ao Órgão de Apelação da OMC que, diga-se de passagem, está paralisado pelos Estados Unidos, que não aceitam a nomeação de novos juízes, como forma de chantagear o órgão. Apenas União Europeia (27 países), Japão, Austrália, Canadá, Suíça, Coréia do Sul, Noruega e Taiwan apoiaram a proposta brasileira e americana. O fato de os Estados Unidos terem escolhido o Brasil para apresentar conjuntamente a proposta, quando havia inúmeros outros países que poderiam fazê-lo, é um recado para a China de que aqui quem manda são eles. Trata-se, evidentemente, de uma provocação totalmente desnecessária ao nosso principal parceiro econômico. O Brasil não tem absolutamente nada a ganhar com isso.
Conclusão
Poderíamos continuar a desfiar um rosário de situações em que o mesmo padrão de comportamento do Ministério das Relações Exteriores, sob o comando de Ernesto Araújo, se repete sistematicamente: submeter os interesses nacionais à agenda política de um grupo aninhado no governo brasileiro, alinhado ideologicamente com a extrema direita norte-americana, cujos interesses são totalmente estranhos ao Brasil. Agem orientados por essa verdadeira Internacional da extrema-direita e não hesitam em sacrificar os interesses nacionais em nome de seus objetivos políticos. É preciso reagir a isso. O Brasil acima de tudo!
[1] Barros, P. S. Mike Pompeo na Ilha das Guianas. Folha de S. Paulo, 18/9/2020,
[2] Wiziack, J. e Uribe, G. Bolsonaro transforma 5G em disputa geopolítica e leilão deve ficar para 2021. Folha de S. Paulo, 12/6/2020.
[3] Tardáguila, C. e Gama, J. EUA espionam Dilma. O Globo, 01/09/2013;
[4] Exman, F. A desconstrução da ala ideológica no 5G. Valor, 08/07/2020.
[5] Fildes, N. e Warrell, H. Why UK has decided to ban use of Huawei’s 5G kit. Financial Times, 14/7/2020.
Constatando o óbvio sobre o atual estado de desgovernança no Brasil
Paulo Roberto de Almeida
O problema (um dos problemas) do bando de novos bárbaros que desgovernam o Brasil atualmente não é que eles sejam liberais, de direita, de extrema-direita, conservadores, reacionários, anacrônicos, ou qualquer outra coisa que se encaixe naquele terço final (à direita, evidentemente) do espectro político-ideológico que normalmente costuma dividir o leque das posturas políticas da esquerda à direita, passando obviamente pelo centro e pelas variações de uma ponta à outra do espectro (que vem da Revolução francesa, ou seja, já estava um pouquinho defasado para abrigar todos os matizes da vida política contemporânea).
Esse não é o maior problema, e se fosse só isso tampouco estariam resolvidos nossos problemas atuais de desgovernança no Brasil.
O problema é muito maior e infinitamente mais complicado de resolver ou de superar, pois consiste numa realidade mais prosaica e dificilmente reparável no curto prazo ou nestas duas gerações de novos bárbaros.
Esse problema grave consiste em que os novos bárbaros — eu me refiro à pequena tribo de aloprados que cercam o titular do cargo, familiares e poucos outros assessores mais chegados — são singularmente despreparados para os cargos que ocupam, pois são ignorantes crassos, são de uma burrice congênita, de uma estupidez tão monumental, e de uma arrogância tão fenomenal que os impedem de absorver novos insumos da realidade que os cerca, e que está inteiramente disponível nos meios de comunicação tradicionais, nessa grande mídia que eles tanto desprezam, pois que traz exatamente o oposto do que eles leem habitualmente, ou que eles próprios fabricam em suas bolhas de manipulações fraudulentas, nesse universo de deformações surreais nos quais vivem os representantes da espécie.
Esses alquimistas da ignorância não conseguem aprender com as boas leituras, com a experiência alheia, com a simples observação da realidade, pois que ficam trancados na gaiola de ferro das FakeNews, na célula hermética, inviolável, de sua própria estupidez.
Esta é a realidade. Mas tem outra, ainda mais preocupante: mais da metade, talvez a grande maioria da pequena minoria estável dos que os apoiam consiste em pessoas absolutamente iguais a eles, exatamente similares aos novos bárbaros em sua ignorância crassa e estupidez irremediável. Esta é, infelizmente, a realidade de boa parte do eleitorado brasileiro, assim como é a marca distintiva do eleitorado americano que elegeu aquele estupor de presidente.
Não seria um obstáculo insuperável para a substituição dos novos bárbaros por uma tribo um pouco mais inteligente de dirigentes, em todo caso mais aberta à absorção de novos conhecimentos, se a esquerda e o centro não estivessem tão divididos nos pequenos projetos sectários, exclusivos e excludentes, que os mantêm separados e num estado de concorrência predatória entre si.
Aparentemente, cálculos mesquinhos e experimentos individualistas no centro, na esquerda e na direita vão preservar essa fragmentação da oposição aos novos bárbaros, o que talvez leve estes últimos à conquista de mais um mandato para a desgovernança do Brasil.
Mas a divisão das oposições é apenas o obstáculo menor à recomposição de uma frente unida contra a barbárie: o principal óbice é a INCAPACIDADE DE PENSAR CLARAMENTE, a dificuldade em estabelecer um diagnóstico mais adequado da realidade e, a partir daí, formular uma estratégia de reconquista de espaços junto ao eleitorado semi-ignorante.
O fato é que as oposições não têm nada a propor ao “popolo grasso” — aos grandes capitalistas, os donos do dinheiro — e sobretudo ao “popolo minuto”, ao Zé Povinho, que constitui a maioria do eleitorado (desinformado obviamente).
Na ausência de propostas mais tentadoras, mais inteligentes, mais sedutoras, a tendência do eleitorado é a de ficar com o que já existe, com o que já é conhecido — inclusive porque massacrado por doses maciças de propaganda enganosa —, o que dificulta qualquer perspectiva de renovação.
Não sei se os marquetólogos políticos já constataram, se os especialistas em comunicações já repararam, pois fazem praticamente dois anos (talvez mais) que somos bombardeados diariamente, constantemente, incessantemente, embrutecedoramente, pela mesma descarga maciça, avassaladora, dominadora de notícias, anúncios e peças de propaganda, pela presença irritante do mesmo personagem, 24hs por dia, sete dias da semana, todos os dias do mês: não existe um dia sequer, talvez nem um mísero minuto em que estejamos livres dessa presença desagradável, desse sujeitinho asqueroso que é o protótipo mesmo dos novos bárbaros, a ignorância em pessoa, a estupidez encarnada, a burrice deslavada, o fulcro da desgovernança em formato de dirigente.
Sorry Brasil, se não trago boas notícias (e eu não trouxe todas as más notícias, por exemplo, sobre a mediocridade de certos assessores, mesmo alguns recheados de títulos) e só dispenso banhos de ducha gelada sobre essa diminuta parcela de pertencentes à reduzida bolha de acadêmicos que me leem. A realidade é dura, para o Brasil e os brasileiros, mas a grande maioria não se dedica a reflexões aprofundadas a esse respeito: o povinho miúdo só quer sobreviver, os donos do dinheiro só querem preservar o seu patrimônio — se possível ampliá-lo, a partir da estupidez e da fragilidade intrínseca dos novos bárbaros — e os meus pares estão, estamos, reduzidos à nossa bolha acadêmica tradicional.
Não seremos o primeiro, nem o último país a entrar e a se manter numa longa decadência, permeada de retrocessos pontuais, mesmo em meio a certos avanços materiais. Mario de Andrade já dizia, um século atrás, que o progresso também é uma fatalidade.
Pois bem: avançaremos na senda do progresso material, ao mesmo tempo em que estaremos recuando espiritualmente, retrocedendo mentalmente, culturalmente.
Pelo menos, enquanto os novos bárbaros estiverem no poder.
Termino, dizendo que a maior parte da culpa pela desunião das oposições — mas não vou poder argumentar agora, neste texto já muito longo — e pela nova derrota das forças democráticas que certamente virá, incumbe às esquerdas, como sempre sectárias e arrogantes. Não é o centro, pois o centro está onde sempre esteve, no centro, de modo oportunista ou até sensato. As esquerdas possuem a chave da superação dos atuais impasses brasileiros. Elas estarão à altura de suas responsabilidades? Não acredito; mas sobre isso me pronunciarei oportunamente.
(Photo by Michele Tantussi/Getty Images/Washington Post illustration)
Under President Trump, a new “Cold War” is underway, at least according to hawks in Washington. Almost four years of Trump lobbing tariffs and tweeting threats at Beijing hardened geopolitical fault lines and set the stage for a great-power competition that may define the decades to come. On a host of global issues, China is the White House’s preferred villain — its trade tactics seen as unfair and duplicitous, its opaque government cast as the incubator of a hideous pandemic, its tech companies Trojan horses and its oppression of ethnic minorities in Xinjiang and pro-democracy protesters in Hong Kong the emblems of the 21st century’s authoritarian behemoth.
In the past decade, Chinese President Xi Jinping has taken his country in a more clearly repressive direction, purging political rivals, squeezing the already narrow space for civil society and tightening Beijing’s grip over its restive periphery. At international forums, Xi presents his nation as a responsible stakeholder in the world order. But at home, an emerging vanguard of influential Chinese intellectuals now dismiss liberal ideas in favor of a clearer ideology of Chinese might.
Trump and China
On the campaign trail, Trump has repeatedly insisted that he will be the tougher of the two presidential candidates on China. He links his rival, former vice president Joe Biden, to an earlier era of Western foolhardiness, where leading U.S. politicians and their counterparts in the corporate sector eagerly sought to integrate Communist China into the world economy. In the White House’s view, that phase of globalization thinned out American manufacturing and is broadly responsible for the country’s economic woes.
Trump has spent the past few years claiming to redress that imbalance. He unleashed a trade war on Beijing that saw both sides slap protectionist duties on each other’s goods. An initial deal hashed out between U.S. and Chinese negotiators in January saw some of those tariffs lifted, but has done little to calm hostilities. The substantial U.S. trade deficit with China — which Trump vowed to vastly reduce in 2016 — has hardly budged four years later.
All the while, tensions are mounting on other fronts. Trump and his allies, especially Secretary of State Mike Pompeo, ramped up the sense of an ideological clash with Beijing, casting China in speeches as the great enemy of the age, a rival power bent on “Marxist hegemony.” Both Republicans and Democrats have sought to punish China for its crackdowns in Xinjiang and Hong Kong with sanctions. With a degree of success, the Trump administration has convinced a number of European nations to keep Chinese tech giant Huawei at arm’s length.
In a recent statement, a U.S. intelligence official suggested that China may want Trump to lose the election because of the “unpredictable” nature of his governing style. But Trump has hardly persuaded Xi to change course.
“Despite pressuring Beijing with a steady drumbeat of punishing policies that have not been seen in 40 years of formal relations under either Republican or Democratic administrations, Trump in some ways has offered Xi an opportunity on the world stage and in domestic politics,” reported my colleagues Gerry Shih and Eva Dou. “Previously under pressure at home from the slowing economy and popular disillusionmentwith the Chinese Communist Party, Xi has been able to blame Washington’s ‘suppression’ for all of China’s travails while casting himself as a defender against foreign bullying.”
The Trump administration has “highlighted the problems we have with China,” Paul Haenle, the director of the Carnegie-Tsinghua Center for Global Policy, told the Financial Times. “They haven’t tried to solve problems. I can’t tell what their objective is. It’s more of an attitude and less a policy. It’s more of an emotion. It’s not good for U.S. national security to have that kind of policy.”
Biden and China
Biden has boasted of his significant experience meeting Xi while vice president, but his aides stress that a putative Biden administration would probably take as tough — and perhaps even tougher — a line on Beijing. That’s also a reflection of a shifting bipartisan consensus in Washington.
“I think there is a broad recognition in the Democratic Party that Trump was largely accurate in diagnosing China’s predatory practices,” Kurt Campbell, the top Asia official in the Obama State Department, told the Wall Street Journal. Biden has also said he would center questions of human rights and democratic values to an extent that Trump never has.
And in China, numerous experts see a risk in Biden supplanting Trump. “If Biden is elected, I think this could be more dangerous for China, because he will work with allies to target China, whereas Trump is destroying U.S. alliances,” Zhou Xiaoming, a former Chinese trade negotiator, told Bloomberg News in a piece that also anonymously cited four current officials who “echoed that sentiment.”
“Biden would make the hard lines more effective and more efficient,” Cheng Xiaohe, an associate professor of international relations at Renmin University in Beijing, told the New York Times. “He might resort to more sophisticated and coordinated tactics against China.”
The underlying assumption there is that a Biden White House would be less erratic than that of Trump and more capable of shoring up alliances with other Asian powers. But that’s not the unanimous view in the rest of Asia, where some diplomats have enjoyed the refreshing clarity of Trump’s animus toward Beijing and fear a return of the equivocating politics of the Obama era.
That era looks over, though, no matter who wins. “We’re on the path to increase conflict with either Biden or Trump,” Bruno Maçães, a former Portuguese politician and the author of “Belt and Road: A Chinese World Order,” among other books, told Today’s WorldView.
China’s problems are hardly restricted to whoever the occupant of the White House is. New polling by the Pew Research Center found unfavorable views of China at “historic highs” in many countries — in part due to China’s role in the coronavirus crisis, but also more broadly a reaction to Beijing’s increasingly bullying behavior in various parts of the world.
“You don’t grab the reins of global power by being nice,” said Maçães. But, he added, “China has lost lots of hearts and minds over the last few years, probably more than the U.S.”