O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 31 de janeiro de 2021

Fernando Collor, novo chanceler do Brasil? - Guilherme Casarões

 O ex-presidente e hoje Senador Fernando Collor poderia vir a ser chanceler brasileiro ainda no governo Bolsonaro?


Um dos acadêmicos que mais entende de PExtBr, sabe, conhece, estuda, Guilherme Casarões, discorre com propriedade sobre a diplomacia de Collor, que agora poderia ser chanceler, no lugar do estrupício que existe hoje. Promoveu grandes debates na presidência da CREDN-SF. Tem consistência e propósitos. 

Seus comentários no Twitter:


“1) O ex-presidente @Collor, que hoje comanda a Comissão de Relações Exteriores do Senado, foi condecorado no Itamaraty e deu uma palestra sobre política externa, na qual ironizou o chanceler nomeado, @ernestofaraujo, por suas posições sobre o regime de mudanças climáticas.


2) Muita gente não entendeu o sentido da condecoração e da palestra. Collor tem algum conhecimento sobre política externa? Polêmicas à parte sobre a condução da economia e os escândalos, que são conhecidos, diria que a política externa do presidente Collor foi muito positiva.


3) Na tese que defendi sobre o tema (2014), chamo a estratégia de Collor de "autonomia pela modernização". Modernização, em 1º lugar, da agenda externa do país, abraçando "novos temas". Em 2º lugar, modernização econômica, alinhada, talvez até demais, c/o Consenso de Washington.


4) A 1ª estratégia buscava resgatar a credibilidade brasileira, perdida ao longo dos anos 80. O 🇧🇷 era visto como caloteiro (moratória de 87), protecionista (informática), violador de direitos humanos (esp. indígenas), destruidor da floresta, assassino de ativistas (Chico Mendes)


5) Collor bancou uma guinada diplomática, em que o 🇧🇷se transformou num grande ativista ambiental e de direitos humanos (o "globalismo" na sua melhor forma). Sediamos a Rio92, aderimos aos Pactos de DH, desmontamos o programa nuclear paralelo. Tudo isso feito em linha com o MRE.


6) A criação de uma Agência Nuclear 🇧🇷🇦🇷, ABACC, + a criação do Mercosul, reposicionou o país na região e no mundo. Deixamos de ser vistos como pária ambiental, nuclear, humanitário. Quebramos a balela de internacionalização da Amazônia, que vinha muito forte via Mitterrand/Gore.


7) No caso da modernização econômica, o BR tinha um objetivo muito claro em mente: renegociação da dívida externa, pré-condição p/controlar a hiperinflação e retomar o crescimento. Os 🇺🇸 de Bush exigiam adesão ao Cons. de Washington. Fizemos concessões enormes, com pouco retorno.


8. O timing foi péssimo: após o confisco da poupança, o país tinha poucos meses pra resolver a dívida antes da volta da inflação. A equipe econômica de @oficialZeliaCM até tentou, mas encontrou barreiras enormes (principalmente os bancos privados). Os 🇺🇸não cumpriram o combinado.


9) A luta de Zelia e Jório Dauster para renegociar a dívida foi uma das razões pelas quais o insuspeito Bresser-Pereira chamou a gestão da ministra de "tempos heroicos". Ao contrário do que reza o senso comum, não houve alinhamento automático a Washington, mas uma barganha dura.


10) Grande parte do dinamismo pretendido daquela política externa veio pela redefinição das relações presidente/Itamaraty. Parte do protagonismo se deslocou para Planalto e Economia. Collor lançou diplomacia presidencial e vinculou sua própria imagem à credibilidade nacional.


11) O experimento de nova gestão da política externa foi naturalmente interrompido c/o impeachment. Itamar Franco recupera o total poder do Itamaraty c/FHC e Celso Amorim. Dali nasce a "tradição" de chanceleres de carreira na Nova República, que retomam o gravitas da diplomacia.


12) Ainda assim, podemos considerar que Collor legou à PEB (1) o engajamento nos regimes multilaterais; (2) a institucionalização da integração regional; (3) as bases institucionais da política comercial; (4) cooperação inédita no campo nuclear; (5) protagonismo presidencial.


Link da tese, para quem se interessar: 


http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8131/tde-13052015-113251/publico/2014_GuilhermeStollePaixaoCasaroes_VOrig.pdf “

sábado, 30 de janeiro de 2021

Dúvidas legítimas de um sábado reflexivo - Paulo Roberto de Almeida

 Dúvidas legítimas de um sábado reflexivo

Paulo Roberto de Almeida 

Eu sempre me pergunto por que pessoas aparentemente inteligentes, e até bem informadas, escolhem ficar do lado da burrice, da desinformação, dos equívocos e da perversidade?

O que as motiva? 

O que as induz a isso? 

O que elas ganham com isso? 

Algumas até simpáticas e de boa vontade para com os mais frágeis e desprovidos de coisas básicas, acabam aderindo ao que contraria fundamentalmente suas crenças normais, que estão mais do lado da bondade humana do que do lado (pelo menos imagino) da perversidade de um psicopata.

Como é que uma sociedade normalmente voltada para o bem-estar, para a generosidade, para a cooperação social, consegue aderir a tudo o que é contrário aos nobres sentimentos de solidariedade humana e de bondade natural?

Como é que pessoas boas, talvez um tanto ingênuas, acabam aderindo, defendendo e promovendo um MONSTRO?

Como é que chegamos a isso que estamos vendo e suportando todos os dias?

Como é que não se generaliza um sentimento de revolta e uma reação efetiva em face de tantos mortos acumulados no altar da incompetência, da indiferença, do desprezo pela vida humana? 

Por que tudo isso, quando as evidências são tão gritantes?

Onde foi, como foi, quando foi que o Brasil desandou?

Até quando ofereceremos ao mundo esse espetáculo grotesco de um país fracassado nos deveres mais elementares de uma nação minimamente funcional? 

Até quando seremos obrigados a chorar pelos mortos involuntários, a ter vergonha de nossa incapacidade de evitar essa hecatombe cotidiana?

Que ela tenha sido deliberada ou involuntária, o fato é que somos obrigados a contemplar o desastre continuamente.

Até quando não teremos condições de nos revoltar? Até quando suportaremos passivos um quadro de demolição das bases mesmas de uma nação digna desse conceito? 

É isso um homem, perguntou certa vez um escritor que sobreviveu ao Holocausto?

É esta a sociedade que desejamos, para nós, para nossos filhos, pergunto eu? 

É este o país no qual queremos viver?

É este o Estado que construímos? Um ogro famélico que consome a vida de muitos brasileiros para alimentar a cobiça e a cupidez insaciáveis de um bando de aproveitadores das elites? 

Os mandarins do Estado — entre os quais eu me incluo — não têm nada a ver com tudo isso? Vão permanecer indiferentes, só pensando em suas vantagens e prebendas corporativas?

Como foi que chegamos a isto?

Quando vamos nos libertar do pesadelo?

Desculpem: acordei reflexivo neste sábado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 30/01/2021

32) Tecito de Moringa (Semana 32): a venezualização de direita no Brasil, pelos próprios novos bárbaros no poder - Cronista Misterioso

Nota PRA: Suprema ironia: o patético chanceler, inimigo imortal da ditadura chavista, recebe uma lição do seu contraparte venezuelano. Permito-me reproduzir o que disse o chanceler chavista, que já tinha lido no ano passado, mas que é sempre um prazer reler, pois ele se dirige a nós, diplomatas profissionais: 

"Sei que você estão em resistência, que tem vergonha das posições de seu chanceler. Mas, tranquilos. Isso é temporal e que, no final, nenhum governo, nenhum chanceler pode derrotar a excelência do que representa o Itamaraty. No final, esses anos serão apenas uma má lembrança e nada mais”. (Jorge Arreaza, chanceler da Venezuela)


32) Tecito de Moringa (Semana 32)

 

Você se lembra, amigo leitor, quando nosso asno-in-chief gritava sobre os perigos da venezualização (SIC) do Brasil? Você se lembra quando nosso execrável chanceler dizia que nos salvaria do comunismo internacional e, também, quando louvou as belezas de sermos párias? Pois é… Parece, contudo, que viramos mesmo párias, uma Venezuela da direita, sem nenhuma qualificação técnica em seus quadros.

 

Longe de mim vir defender o regime Maduro, mas é preciso notar que seu alto escalão diplomático é, no mínimo, muito mais qualificado que nosso Beato Salu. Durante a reunião virtual extraordinária de ministros da Organização de Estados Ibero-Americanos, Salu nos envergonhou mais uma vez ao utilizar TODA a sua intervenção para tecer acusações ao governo venezuelano e a um suposto complô globalista. Foi isso o que Salu disse? Não sei ao certo, pois é difícil entender o que ele diz... Por alguma razão, meus ouvidos bloqueiam a voz de Ernesto. Autopreservação, talvez?

 

Não convém entrar em detalhes de conteúdo, debruçar-me-ei, sim, sobre a forma. Independentemente do que tenha dito em detalhes, Salu foi TÃO inábil que acabou por tomar uma ensaboada moralista de Jorge Arreaza, pasmem, o Chanceler Venezuelano. Arreaza, do qual discordo, mas reconheço ser um exímio diplomata, abrandou as saraivadas de disparates desconexos que seu governo recebeu com bofetadas de pelica.

 

Lembrou que nosso excelentíssimo se orgulha de dizer que o erro da ditadura militar brasileira foi torturar e, não, matar, bem como rememorou que Salú era o porta-voz de um governante que disse ser incapaz de amar um filho homossexual. Por fim, arrematou com a seguinte pérola: 

 

"Queria recomendar ao chanceler do Brasil uma receita. O comandante Fidel Castro estudou muito a moringa, uma planta extraordinária, com propriedades curativas e também tranquilizante", disse. "Eu quero recomendar um chá de moringa, com um pouco de valeriana. Já vai ver como se abre o espaço para a tolerância ideológica, para que possamos inclusive debater", disse. "Podemos inclusive debater eu e o senhor, sozinhos. Eu desafio. Moringa, nos sentamos, falamos de democracia, direitos humanos, da Amazônia, de mudanças climáticas, de geopolítica”.

 

Com essa pérola diplomática, Arreaza bateu mais um prego na tampa do caixão da supostamente “nova” política externa ernestiana. Rebaixou, com bom humor, o Brasil de Bolsonaro à merecida insignificância mundial e histórica. Por fim, foi além do tecito de moringa e mandou uma mensagem para nós, diplomatas brasileiros, que deixo registrada aqui… Quiçá como palavras de esperança…

 

"Sei que você estão em resistência, que tem vergonha das posições de seu chanceler. Mas, tranquilos. Isso é temporal e que, no final, nenhum governo, nenhum chanceler pode derrotar a excelência do que representa o Itamaraty. No final, esses anos serão apenas uma má lembrança e nada mais”.

 

Para que não sejamos mais admoestados pela Venezuela, reajam. 

 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN 

31) Banana Split (Semana 31): não é gastronomia, e sim a banana da realidade

Nota PRA: O Cronista Misterioso compara o dirigente a uma banana, o que me parece ofender a banana, que é pelo menos uma fruta útil. Vejamos o que ele diz: "Já tivemos péssimos governantes, mas, pela primeira vez em nossa história, elegemos a mais podre das bananas e escolhemos mandar uma banana para a banana da realidade."

Está chegando o dia em que vamos dar uma banana para cada um dos aloprados que destróem o Brasil, e tudo o que tem dentro.

Paulo Roberto de Almeida


  31) Banana Split (Semana 31)

 

Uma das minhas mais queridas memórias é de quando visitávamos meu avô em São Paulo. Sempre passávamos pela Sorveteria Alaska, a mais tradicional da pauliceia. Era glorioso poder pedir uma Banana Split como aquelas maravilhas que eu via nos filmes americanos. Cada colherada era um testemunho de que a vida poderia ser perfeita, ainda que só até o final da taça. 

 

Deambulando por estas memórias, em uma forma de escapismo saudosista, peguei-me a elucubrar sobre as quase infinitas combinações que a Banana Split comporta. Podemos escolher o comedimento de uma bola de sorvete, a tradição das três bolas ou até a ousadia de quatro bolas. Podemos mesclar sabores populares, como a minha combinação favorita de flocos e chocolate, ou atermo-nos a um sabor refinadamente burguês, como pistache. Podemos enfeitá-la com a ortodoxa cereja em conserva no topo ou podemos ser inventivos, optando pela heterodoxia dos morangos frescos, ou até mesmo framboesas, mais neokeynesianas. Podemos optar pela reprodução do clássico americano com chantilly ou podemos arriscar uma reviravolta nacionalista com doce de leite ou ainda, quem sabe, os dois!

 

Podemos escolher a perfeição de ver a banana split em uma taça em formato de canoa ou podemos ser iconoclastas ao utilizar uma taça de sundae. Podemos optar pela abundância da banana nanica, pelo sabor balanceado da banana prata, pela doçura da banana ouro ou até pelo exotismo da banana maçã! Podemos aceitar a banana em sua integridade na taça, fatiá-la longitudinalmente ou até, como heréticos, picá-la em pedacinhos. São tantas opções… Mas há um limite para a Banana Split, a banana. Sem banana não há Banana Split! Sem Banana Split não há paz!

 

O amigo leitor deve estar a se perguntar se este que vos fala é apenas gordo ou se chegará a algum ponto com estas deambulações. Ora, sou gordo sim, mas também tenho um ponto! Meu ponto é que o Estado é a Banana Split e banana do Estado é a realidade! Esse é nosso limite!

 

Assim como sem banana não há Banana Split, sem os limites do real, não há Estado. Quando abrimos mão disso, toda a lógica que estrutura o Estado rui e encontramo-nos entregues aos lobos. Já tivemos péssimos governantes, mas, pela primeira vez em nossa história, elegemos a mais podre das bananas e escolhemos mandar uma banana para a banana da realidade.

 

O problema do Brasil bolso-olavista, bem como do Itamaraty ernesto-olavista, não é nem com a esquerda, nem com o centrão, nem com a direita. É com a banana da realidade. 

 

Lembrem-se que não há escapatória para a banana e reflitam.

 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.

 

30) Xarab Fica? (Semana 30): Cronista Misterioso - o capitão degenerado sustenta seu capacho obediente

 Nota PRA: Xarab Fica é o titulo de um dos romances ditos "distópicos" do patético chanceler acidental. Nunca soube de algum colega diplomata que o tenha lido, e nem pretendo perder tempo com essa coisa, pois já li uma resenha de um jornalista, que leu por obrigação, e que confessou que não entendeu nada. 

Na verdade, a crônica do nosso Batman se refere à permanência do chanceler acidental mesmo com a derrota do adorado ídolo de ambos. A manutenção do nosso personagem não depende dele, e sim dos seus chefes, que o tratam, segundo o cronista misterioso, como Canis Familiaris, o que me parece apropriado.

Paulo Roberto de Almeida


30) Xarab Fica? (Semana 30)

 

No auge de meu masoquismo intelectual, adentrei pela leitura das obras ficcionais (ou talvez fictícias, já que a qualidade das mesmas há de relegá-las à inexistência) de nosso esquizofrênico chanceler. Não passei das primeiras páginas. Em nenhuma das três (A Porta de Mogar, Xarab Fica e Quatro 3) a vontade de entender o autor-criatura foi maior do que a ânsia provocada pelas serpenteantes passagens malfeitas, pelos elogios velados a um totalitarismo ufanista e pelos intermináveis diálogos mal-elaborados. 

 

Tudo falta em Ernesto. Falta alma, falta inteligência, falta criatividade e falta talento. Sabemos que são essas faltas que lhe qualificam para Chanceler do Excelentíssimo Ignóbil da República, mas é aquilo que está presente nele que poderia desqualificá-lo, agora, para o cargo. Esse amor louco por aquilo que não é mais, pelo tropismo religioso, isso, de fato, está presente em Ernesto. Mas, com a vitória de Biden sobre esse obscurantismo, como ficará no picaresco anti-herói? 

 

Nosso Xarab fica? Acredito que sim. Acredito que sua desqualificação total e, agora, absoluta para o cargo o cacifará para uma permanência indeterminada. Como um bom Canis Familiaris sempre pronto a servir seu mestre, o Kakistos Chanceler naufragará com o capitão desta canoa furada em que nos metemos. Ou, ao menos, este é seu desejo.

 

Resta saber se o poder neutralizador do centrão agirá para balançar e contrabalancear a sempre inconstante e incoerente mente de seu mestre. Quem assumiria, caso Ernesto venha a óbito político, nossa canoa? Quem seria tão louco, tão servil, tão abjeto, tão imprudente? Isso é uma indagação para outra hora, pois….

 

Por hora, Xarab fica.

 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN

29) Sozinho (semana 29): o chanceler acidental e seu chefe se desesperam com a derrota de seu ídolo - Cronista Misterioso

Nota PRA: uma curta nota, apenas para registrar a tristeza do chanceler acidental e seu chefe com a derrota do Grande Mentecapto nas eleições presidenciais dos EUA.

Deve ter sido de fato um choque, o primeiro perder o seu "I love you Trump", o segundo perder o seu segundo, talvez primeiro, chefe, seu guia espiritual.

Essa fatura o eleitorado americano já liquidou; nós ainda nos debatemos na dúvida.


29) Sozinho (semana 29)

 

Às vezes no silêncio da noite, deves imaginar vocês dois. Deves sonhar ali acordado, juntando o antes o agora e o depois… 

 

Imagino que nosso dendrófobo presidente esteja desnorteado, pois esta semana soubemos que ainda acredita em uma vitória eleitoral de seu amor. Andou meio perdido, meio confuso, meio acabrunhado. Deu patadas pra cá e pra lá. Orgulhou-lhe de vetar a vacina, ameaçou militarmente os EUA (!) e, last but not least, ocupou-se do jet-ski. Seguramente, sofre com a derrota, ainda inadmitida, de seu bem querer.

 

Não riam. Nosso chefe está de luto. É duro perder um ídolo, ainda mais quando não se tem pensamento próprio e apenas se segue o líder. 

 

É, amigo, é duro. Você fala que o ama, e sabemos que não é da boca para fora. Ou ele te engana ou não está maduro, iei, iei, iei, iei, ié.

 

Onde está seu Deus agora?

 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.


Crônicas 26, 27 e 28 do Cronista Misterioso já publicadas: aqui os links - Introdução Paulo Roberto de Almeida

Ao retomar a série das crônicas do nosso Batman, constato que, ademais da semana 26, eu já havia postado as duas seguintes, e possivelmente também algumas outras, mas a profusão de mensagens, postagens, obrigações acadêmicas, notas de leituras, comentários a matérias da mídia que atravessam, perpassam, invadem meus espaços não me permitiram manter a ordem natural das coisas.

Informo aqui, para eventuais interessados, sobre estas três, antes de retomar a série a partir do número 29. Cada uma destas postagens integram pequenas notas introdutórias de minha parte, pois tenho essa mania de sempre introduzir textos e matérias de terceiros: 

26) É bom ser pária! (Semana 26) 

            Link (29/01/2021): https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/01/26-e-bom-ser-paria-semana-26-ereto-da.html

 

27) O dragão da maldade contra o santo guerreiro (Semana 27)

            Link (13/11/2020): https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/11/o-dragao-da-maldade-contra-o-santo.html

 

28) E Agora José? (Semana 28)

            Link (13/11/2020): https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/11/o-cronista-misterioso-ataca-de-drummond.html

 

Divirtam-se...

Paulo Roberto de Almeida


25) A Estagnação Freudiana do Bolsonarismo: Ereto da Brocha, o Cronista Misterioso do Itamaraty bolsolavista; Introdução a nova série: Paulo Roberto de Almeida

Minhas desculpas aos meus 18 leitores, pela organização quase caótica desta transcrição das crônicas sobre o Itamaraty bolsolavista e sua triste figura que faz de conta que é chanceler. Em primeiro lugar, eu dependo de segundos e terceiros intermediários, que nem sempre recebem as ditas crônicas em ritmo regular, pois imagino que o Cronista Misterioso, nosso Batman – ou Arsène Lupin, ou Fantômas, como vocês preferirem –, prefira resguardar sua identidade dos esbirros do poder, sobretudo aquele bando de bárbaros que integra o chamado Gabinete do Ódio (por razões que lhe são próprias).

A segunda edição da brochura que preparei, reunindo as duas dúzias de crônicas recebidas em três ou quatro etapas, dando-lhe o simpático título de Um ornitorrinco no Itamaraty, foi colocada por mim na plataforma Academia.edu e informada neste blog, nesta postagem: 

Um Ornitorrinco no Itamaraty: crônicas do Itamaraty bolsolavista - Ereto da Brocha (o cronista misterioso)

(https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/11/um-ornitorrinco-no-itamaraty-cronicas.html)

Como essa brochura continha apenas as 24 primeiras crônicas, passo agora a divulgar as quinze subsequentes que acabo de receber, com alguma eventual repetição de uma ou outra que já posso ter postado. 

Tenho uma reclamação a fazer ao Cronista Misterioso, que não sei se me lerá ou não: ele costuma apenas indicar a série numérica dos seus textos, sem datar cada uma delas específica e precisamente. Como existe uma decalagem temporal entre a sua escritura e meu recebimento e publicação, ficamos sem saber quando exatamente foi escrita uma determinada crônica, a menos de uma indicação qualquer (semana de Natal, por exemplo, ou primeira crônica de 2021). Vou pedir ao nosso Batman que ele coloque a data precisa de sua redação, mas não se ele me lerá, ou acatará a sugestão.

Por que faço essa transcrição individual e ainda tenho a pachorra de compor um livreto? Por puro divertimento.

A situação que estamos vivendo no Itamaraty é tão absurda, tão maluca, que só a derrisão, o escárnio, a gozação pode trazer um pouco de alento aos desalentados diplomatas, que desprezam o seu falso chefe, mas precisam aparentar disciplina e obediência, pois o desequilibrado é dado a retaliações raivosas (ele gostaria de me esganar, estou certo disso). 

Então, retomo a série de publicações, e paralelamente vou coletar todas as 43 dezenas de crônicas recebidas numa terceira edição. Alguém já me indagou sobre copyright, algo impossível de determinar neste momento. Haverá um dia em que o Batman virá à luz, mas no momento cabe apenas atribuir-lhe direitos morais, o que faço com prazer. Fico aguardando novas crônicas, e imagino que elas só cessarão quando o alucinado e alucinante chanceler acidental deixar os diplomatas (e o Brasil), em paz, recolhendo-se à sua mediocridade, ou desaparecendo em algum buraco negro da política brasileira.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 30 de janeiro de 2021


25) A Estagnação Freudiana do Bolsonarismo (Semana 25)

 

Peço de antemão vênia ao amigo leitor, pois é-me necessário abordar questões um tanto quanto vulgares e que exigem vocabulário inferior. Não sou nenhum puritano, mas a análise do bolsonarismo faz com que eu deva debruçar-me sobre questões que podem ruborizar os mais sensíveis. Às favas, pois é o dever do Ombudsman.

 

É conhecida a obsessão de Bolsonaro com o aparelho excretor humano. Refere-se em demasia a seu produto principal, como repetido tantas vezes na famigerada reunião de ministros. Ou como na parábola do sábio líder que orientava seus discípulos: “Quando se fala em poluição ambiental, é só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também, está certo?” 

 

É conhecido também seu envolvimento passado com cloacas - dada sua confissão pública de zoofilia com aves. 

 

Não me posso portanto furtar da meditação sobre a origem de tamanha obsessão pelo orifício excretor. Pergunto em voz alta aos Sigmunds na estante se o excelentíssimo se encontra estagnado na fase anal. Ao que me respondem silenciosamente, na voz que me imagino a Freud, que indivíduos excessivamente preocupados com o controle e a manipulação das precondições de sua realidade, crentes de que tudo podem e que todos devem dobrar-se a suas preconcepções, estão sim estagnados na fase anal da evolução psicointelectual (apenas a segunda fase desse processo).

 

Para além do freudianismo elementar, o bolsonarismo é famoso por essa obsessão de seu ídolo, muitas vezes referida como o fator de aproximação do excelentíssimo com o guru da loucura, Olavo de Carvalho. A identificação excremental de ambos é curiosa e parece pautar todo o plano de governo desta era sombria. Quiçá uma coprokakistocracia, termo que ouso cunhar, mas que não explicarei, pois me envergonha. Peço apenas que pesquisem o prefixo latino “copro-“ e prefixo grego “kákistos-“.

 

Assim, não foi surpresa que o vice-líder do governo, o Senador Chico Rodrigues, com quem Bolsonaro afirma ter uma relação “quase estável”, no sentido jurídico da coisa, fosse também afligido por essa estagnação anal. Seriam os R$ 17.900 que o vice-líder escondeu na “cueca” apenas mais um episódio de corrupção deste governo, ou também sintoma dessa obsessão freudiana? Não sei, mas sei que ninguém esconde R$17.900, esconde R$18.000. Resta saber onde permaneceu entalada a nota de R$ 100 faltante?

 

Não são só R$ 100. Reflitam.

 

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

26) "É bom ser pária" (semana 26) - Ereto da Brocha (Cronista Misterioso) - O Batman do Itamaraty está de volta!

 O Batman do Itamaraty está de volta!

Ou melhor: meus agentes secretos, 005 e 006, voltaram de férias ou do descanso, e conseguiram me desovar as saborosas — algumas angustiantes — crônicas do Cronista Misterioso das últimas semanas do ano miserável de 2020 e as primeiras de um ano, 2021, que promete ser mais miserável ainda.
Em todo caso, preciso preparar uma terceira edição destes petardos anti-EA, para ampla disseminação e circulação entre o público interessado.
Começo pela primeira desta terceira safra e depois vou alinhando paulatinamente as 14 seguintes, aproveitando para desejar ao Cronista Misterioso meus melhores votos de felicidades em 2021 (só desejo um ano pior, desgraçado, a quem vcs sabem quem).
Brasília, 29/01/2021

É bom ser pária (semana 26)
Escreveu o poeta que devemos ter nossos corações palpitantes de amor patriótico para enfrentar o dragão da mal. Não me refiro a nenhum conto infantil, mas a recente discurso de nosso chefe, que, falando para os formandos da turma João Cabral, convocou-os para uma “aventura nacional e mundial de proporções históricas”! “No sentido medieval” mesmo, como esclareceu.
Não estou plenamente seguro de que os jovens formandos tinham a consciência de que ingressavam não em uma tradicional carreira de estado, mas em uma “aventura épica”, em um “combate de gigantes pela essência humana”! Pensando cá com meus botões, lutar contra dragões… Não tenho certeza se estava nos planos desses jovens.
No romance heroico de nosso chanceler, o globalismo e o politicamente correto, a mando “sabe-se lá de quem” - pois há de ter um toque conspiratório nisso tudo - construíram um ser humano artificial, sem sexo. Pois é, sem sexo - não atribua a mim esse recalque, leitor, foi ele quem disse. A propósito, todas essas referências lascivas a “orgias” e “acasalamento” podem até ser uma forma de agradar o chefe, é verdade, ou de “libertar a linguagem”, mas tenho cá pra mim que… Bom, tirem suas próprias conclusões; ainda me apego a esse incômodo “politicamente correto”.
A saudosa Ms. Walker, professora de inglês de todos nós, proferiu, na mesma ocasião, discurso a um só tempo sóbrio e grandioso. Multilateralismo, democracia e redução das desigualdades sociais. Ah, que saudades que tenho de nossa real diplomacia, em que conceitos racionais estavam também na palavra do Ministro, em lugar de críticas fantasiosas a inimigos imaginários.
Mas a ele uma coisa não se lhe pode negar. Sabe que somos párias, objeto de desconfiança, descrédito e piada. Chacota mesmo. Chalaça. Sabe que cada vez mais nosso trabalho é dificultado no exterior e torna-se por vezes até perigoso. Reconhece, e com orgulho. Diz que é bom ser pária. Acredita que somos heróis virtuosos, lutando sozinhos para libertar o mundo “sabe-se lá de quem”. Só mesmo em seu mundo lírico e confuso, cheio de vilões, aventura e magia.
Se ser pária é tão bom, senhor Ministro, Vossa Excelência poderá ser pária dentro de seu próprio Ministério, recolhendo-se a sua aventura imaginária contra moinhos, orgias comunistas e dragões do mal. Poderá dedicar-se a sua poesia épica e deixar que os assuntos atinentes à realidade sejam conduzidos por embaixadores respeitáveis, enquanto ainda há tempo de salvar a dignidade de nossa Casa.
Para acordarmos desse romance épico de baixa qualidade, reflitam.
Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.

Depois do “comunavirus”, o “tecnototalitarismo”: o chanceler acidental insiste em hostilizar a China

 Araújo diz que relação com EUA seguirá fortalecimento da liberdade e democracia

O chanceler admitiu que o Brasil, num primeiro momento, teria interesse em participar da "aliança de democracias" proposta pelo presidente americano, Joe Biden

Valor Econômico | 29/1/2021, 13h37

O ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse nesta sexta-feira durante painel eletrônico promovido pelo Fórum Econômico Mundial de Davos que a relação do Brasil com os Estados Unidos na gestão Joe Biden seguirá os mesmos princípios já adotados, de fortalecimento da liberdade e da democracia. O chanceler admitiu que o Brasil, num primeiro momento, teria interesse em participar da "aliança de democracias" proposta pelo presidente americano, Joe Biden.

Araújo insistiu durante o debate que a "raiz" da relação entre os dois países é a liberdade, e isso terá impacto para todo o hemisfério, garantindo o combate ao crime organizado e ao que chamou de tentativas políticas de atacar a democracia. 

Ao analisar o contexto da economia mundial, o chanceler defendeu a necessidade de assegurar condições de competitividade, citando o pleito do Brasil para reformas na Organização Mundial do Comércio (OMC).

"Na OMC, o Brasil busca reformas para manter princípios básicos de economia de mercado", afirmou. "Precisamos de um sistema que recompense a democracia".

Questionado no debate sobre o papel da China na economia mundial, Araújo afirmou que a ideia de que a China se aproximaria do modelo de governança do Ocidente não ocorreu, e isso exige "criar condições em que se possa competir, independente dos sistemas sociais".

O ministro participou do debate ao lado de representantes dos governos do Canadá e da Espanha.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/01/29/araujo-diz-que-relacao-com-eua-seguira-fortalecimento-da-liberdade-e-democracia.ghtml

 

 

Brasil e EUA precisam barrar 'tecno-totalitarismo', diz Ernesto Araújo em referência à China

Chanceler não cita país pelo nome em fala na qual evitou discutir cooperação sobre clima e Covid-19

Folha de S. Paulo | 29/1/2021, 13h44

O Brasil de Jair Bolsonaro quer uma aliança com os Estados Unidos e "outros parceiros democráticos" para barrar a ascensão do "tecno-totalitarismo" de países com "diferentes modelos de sociedade" —ou seja, a China.

A afirmação foi feita durante um painel virtual de debate do Fórum Econômico Mundial pelo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo.

Ele fez questão de não nominar "nenhum país ou companhia específicos", mas todas suas intervenções foram voltadas a fustigar a China, maior parceiro comercial brasileiro e no centro da chamada guerra da vacina, por ser o principal produtor de insumos dos imunizantes a serem feitos no Brasil.

Ernesto estava acompanhado da chanceler espanhola, Arancha González, e do ministro canadense François-Philippe Champagne (ex-Relações Exteriores, agora Inovação), numa conversa mediada pelo presidente do fórum, Borge Brende.

A ideia era debater o conceito de cooperação internacional ante a realidade da pandemia da Covid-19 e da mudança climática —temas nos quais o negacionismo do governo Bolsonaro, alimentado pela ala ideológica da qual Ernesto faz parte, é notório.

Enquanto os colegas debatiam a necessidade de garantir vacinação equânime e enfrentar os desafios da demanda de imunizantes, Ernesto preferiu falar na necessidade de manter valores como a liberdade nas relações internacionais.

"Qualquer mudança nos EUA é imensa para nós", disse o chanceler, um fã declarado do antecessor do presidente Joe Biden, Donald Trump. "Se o foco é em mudança climática, OK, mas queremos fundamentar relação em liberdades", disse.

Foi uma referência enviesada ao pacote de US$ 2 trilhões na área do clima anunciado pelo democrata, que assumiu na semana passada.

"Um desafio é emergência do tecno-totalitarismo. Não se trata da questão de EUA contra China, mas é uma questão de diferentes modelos de sociedade. Novas tecnologias podem ser ótimas para a democracia, mas podem fornecer meios para um Estado totalitário, e não queremos isso."

"Queremos tratar desse tema com os Estados Unidos e parceiros democráticos", disse, excluindo a ditadura comunista da equação.

"Quem controla o discurso tem um tremendo poder. Não podemos deixar isso na mão de atores, e não falo aqui de países ou companhias específicas, que não são comprometidos com a liberdade", disse o chanceler.

Se não foi um ataque direto à China, como já fez no passado ao lado de expoentes do bolsonarismo com os filhos do presidente, foi uma pouco disfarçada declaração de princípios —ainda que tenha poupado os participantes da maquinações sobre o globalismo maléfico que permeiam suas falas.

"Quando olhamos para os anos 1990 e 2000, a ideia era de que a China iria se tornar parecida com o Ocidente. Isso não aconteceu. O Ocidente se tornou mais parecido com a China. Nós não temos de mudar nossa sociedade", afirmou.

Sobre mudança climática, que Ernesto já chamou de ideologia, ou Covid-19, cuja trapalhada na compra de doses de vacina da Índia custou pressão sobre seu cargo, nenhuma elaboração foi feita.

Seus colegas foram mais cautelosos quando questionados sobre os efeitos da separação ("decoupling", no jargão internacional em inglês) dos modelos tecnológicos dos países encarnada na disputa pela implementação das redes 5G —a chamada internet das coisas.

Como se sabe, a China oferece um produto mais barato e eficaz, mas que é acusado no Ocidente de embutir elementos de espionagem ou roubo de dados. A discussão está viva no Brasil, que teoricamente decide neste ano quem vai poder fornecer equipamentos e operar o 5G no país.

"Não podemos permitir a separação [nas relações internacionais] quando o assunto é a mudança climática. Temos de evitar a todo custo o confronto [entre China e EUA]", disse González ao comentar a posição europeia ante a briga dos gigantes.

Champagne concordou com Ernesto acerca da necessidade de promover a governança democrática, mas disse que a relação com a China é "algo complexo".

Para Ernesto, a única forma de lidar com a questão é deixar as pendências para serem resolvidas em entidades como a Organização Mundial do Comércio, desde que reformuladas —o Brasil compartilha a visão americana de que a China não joga pelas regras ali.

"O sistema internacional tem de premiar a democracia", disse o brasileiro. Reticente acerca de Biden, afirmou que o Brasil quer trabalhar com o novo presidente americano "dentro desse arcabouço de liberdade" e que é a favor do que o democrata chamou de "aliança de democracias".

Aproveitou e repetiu a narrativa usual do bolsonarismo de que o Brasil vinha "de uma situação em que estávamos longe das democracias", em relação à política Sul-Sul da era Lula, que já havia sido parcialmente revertida nas gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/01/brasil-e-eua-precisam-barrar-tecno-totalitarismo-diz-ernesto-araujo-em-referencia-a-china.shtml

Batman returns: o Cronista Misterioso do Itamaraty está de volta...

O Batman do Itamaraty está de volta!

Ou melhor: meus agentes secretos, 005 e 006, voltaram de férias ou do descanso, e conseguiram me desovar as saborosas — algumas angustiantes — crônicas do Cronista Misterioso das últimas semanas do ano miserável de 2020 e as primeiras de um ano, 2021, que promete ser mais miserável ainda.

Em todo caso, preciso preparar uma terceira edição destes petardos anti-EA, para ampla disseminação e circulação entre o público interessado. 

Começo pela primeira desta terceira safra e depois vou alinhando paulatinamente as 14 seguintes, aproveitando para desejar ao Cronista Misterioso meus melhores votos de felicidades em 2021 (só desejo um ano pior, desgraçado, a quem vcs sabem quem).

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 29/01/2021


É bom ser pária (semana 26)

Escreveu o poeta que devemos ter nossos corações palpitantes de amor patriótico para enfrentar o dragão da mal. Não me refiro a nenhum conto infantil, mas a recente discurso de nosso chefe, que, falando para os formandos da turma João Cabral, convocou-os para uma “aventura nacional e mundial de proporções históricas”! “No sentido medieval” mesmo, como esclareceu. 

Não estou plenamente seguro de que os jovens formandos tinham a consciência de que ingressavam não em uma tradicional carreira de estado, mas em uma “aventura épica”, em um “combate de gigantes pela essência humana”! Pensando cá com meus botões, lutar contra dragões… Não tenho certeza se estava nos planos desses jovens.

No romance heroico de nosso chanceler, o globalismo e o politicamente correto, a mando “sabe-se lá de quem” - pois há de ter um toque conspiratório nisso tudo - construíram um ser humano artificial, sem sexo. Pois é, sem sexo - não atribua a mim esse recalque, leitor, foi ele quem disse. A propósito, todas essas referências lascivas a “orgias” e “acasalamento” podem até ser uma forma de agradar o chefe, é verdade, ou de “libertar a linguagem”, mas tenho cá pra mim que… Bom, tirem suas próprias conclusões; ainda me apego a esse incômodo “politicamente correto”. 

A saudosa Ms. Walker, professora de inglês de todos nós, proferiu, na mesma ocasião, discurso a um só tempo sóbrio e grandioso. Multilateralismo, democracia e redução das desigualdades sociais. Ah, que saudades que tenho de nossa real diplomacia, em que conceitos racionais estavam também na palavra do Ministro, em lugar de críticas fantasiosas a inimigos imaginários.

Mas a ele uma coisa não se lhe pode negar. Sabe que somos párias, objeto de desconfiança, descrédito e piada. Chacota mesmo. Chalaça. Sabe que cada vez mais nosso trabalho é dificultado no exterior e torna-se por vezes até perigoso. Reconhece, e com orgulho. Diz que é bom ser pária. Acredita que somos heróis virtuosos, lutando sozinhos para libertar o mundo “sabe-se lá de quem”. Só mesmo em seu mundo lírico e confuso, cheio de vilões, aventura e magia.

Se ser pária é tão bom, senhor Ministro, Vossa Excelência poderá ser pária dentro de seu próprio Ministério, recolhendo-se a sua aventura imaginária contra moinhos, orgias comunistas e dragões do mal. Poderá dedicar-se a sua poesia épica e deixar que os assuntos atinentes à realidade sejam conduzidos por embaixadores respeitáveis, enquanto ainda há tempo de salvar a dignidade de nossa Casa.

Para acordarmos desse romance épico de baixa qualidade, reflitam.

Ministro Ereto da Brocha, OMBUDSMAN.


O “nó tático” de Bolsonaro - Alberto Aggio

 Artigo absolutamente realista de Alberto Aggio, sobre a consolidação do poder bolsonarista e a desarticulação e fragmentação das oposições, divididas e divergentes, como sempre. O Brasil afunda no pântano pestilento da subdemocracia e e da confusão institucional. Difícil reconhecer que a parte da classe média consciente não tem mais a capacidade de determinar resultados eleitorais, em face da dominação inédita dos novos bárbaros da direita e suas hordas de idiotas. Vai ser uma longa luta de restabelecimento de padrões mínimos do jogo democrático: por enquanto, somos uma republiqueta dominada por gangsteres oportunistas e ignorantes.

Paulo Roberto de Almeida

O NÓ TÁTICO DE BOLSONARO por Alberto Aggio

Fato é que Bolsonaro invadiu o espaço parlamentar e conquistou apoio para sua blindagem e sua família. Conquistou posições onde antes não punha os pés: na cúpula do poder Legislativo. Quem fez isso para ele? O general Luiz Eduardo Ramos, que comanda a Secretaria Geral de Governo,
e os líderes do Centrão. Tá tudo dominado. A vitória na presidência das duas Casas, como já se disse, é a antessala da eleição de 2022 e vai implicar em imensos desafios para as forças democráticas.
Este movimento conseguiu quebrar a espinha dorsal de quem se opunha a Bolsonaro no Parlamento: Rodrigo Maia. O DEM rachou e Maia viu sua liderança esfumaçar, combatido pela direita e pela esquerda. O movimento articulado por Maia alguns meses atrás, que buscava articular o MDB e o 
PSDB, não conseguiu sustentação entre os partidos e os parlamentares, mostrando como são frágeis suas convicções democráticas bem como suas perspectivas de futuro, superando o bolsonarismo. No mais, o de sempre: PSDB indefinido, PT oportunista, Psol confuso e o resto como barata tonta. E os partidos do Centrão negociando freneticamente tudo com os representantes do Planalto.Desta maneira, a sociedade não tem uma liderança em quem mirar e o Parlamento será capturado integralmente por Bolsonaro. Como corolário do pior dos mundos, as forças democráticas mostram-se inteiramente desarticuladas, não confiam umas nas outras, e só pensam na manutenção dos seus currais eleitorais por Estado em futuro breve, e quando muito, vislumbram candidaturas presidenciais para imantar suas permanências na vida político-partidária.Por outro lado, a lógica das fake news, ao contrário do que muita gente imagina, não arrefeceu. Comandada pela confusão midiática que Bolsonaro mantêm viva contra a vacina e a vacinação, conseguiu-se emparedar a principal liderança de oposição que demonstrou capacidade de enfrenta-lo na questão da pandemia e da vacina, duas questões centrais da hora presente na sociedade brasileira: o governador de São Paulo, João Doria Jr. Depois de breves vitórias, Doria foi e está sendo bombardeado dia após dia, pela direita e pela esquerda, pelas fake news e até pela mídia tradicional.

A lógica da velha política se sobrepôs a tudo, sem que a sociedade pudesse reconhecer isso. Esse foi o nó tático de Bolsonaro: ele confiou na ação desarticuladora da frágil cultura política democrática entre nós. Na sociedade, instalou-se uma luta de todos contra todos, demonstrada na questão da vacina; no Parlamento, retomou-se o toma-lá-dá-cá, com a liberação de verbas e cargos. É a política como negócio pessoal que volta à tona uma vez que se entende que a sociedade é assim e que não reagirá diante desse descalabro.
Hoje, Bolsonaro xinga e ofende a imprensa, desdenha dos políticos (porque a sociedade
não quer mesmo saber deles), descuida das pessoas e pede a elas que vivam radicalmente seus interesses individuais, dispensando qualquer proteção do Estado. Mas este está garantido para os seus negócios privados que lhe garantirão a manutenção no poder. A democracia existe por inércia, vai sendo conspurcada, dilacerada, dilapidada em seus valores. O Brasil vai perdendo o pouco que tinha de noção coletiva e de República, de bem-comum.
O impeachment voltou a fazer parte das vocalizações da conjuntura, mas todos sabem, com maior ou menor consciência, que ele não é mais do que uma bandeira agitativa sem possibilidade real de imposição; faz parte de um discurso da indignação (justa, mas impotente). Por isso, não há motivo algum para otimismo, embora também não haja razão para se cair no desespero; a política demanda realismo e acima de tudo reconhecimento do terreno e das circunstâncias. Muito provavelmente, viveremos derrota atrás de derrota até conseguirmos encontrar um novo rumo. E isso pode demorar anos.


Como as teorias da conspiração guiam a agenda internacional de Bolsonaro - Eduardo Barella (Valor)

 Como as teorias da conspiração guiam a agenda internacional de Bolsonaro

Como a cruzada contra o globalismo pauta as relações internacionais no governo Bolsonaro

Eduardo Barella

Valor Econômico | 29/1/2021, 5h

Quando candidato, Jair Bolsonaro acenou com um “novo Itamaraty” para conduzir a política externa brasileira. Parece estar cumprindo a promessa.

Em dois anos, o comando da diplomacia brasileira abandonou décadas de atuação pautada pelo multilateralismo e princípio da não ingerência, entre outras diretrizes. Bolsonaro deu o tom: discutiu com o presidente da França, Emmanuel Macron, sobre as queimadas na Amazônia; lamentou a vitória de Alberto Fernández na eleição presidencial argentina; acusou o governo chinês de disseminar o “comunavírus” e virou as costas para a ONU.

Sob tal diretriz, o “novo Itamaraty” trocou as propostas de diálogos construtivos por uma cruzada contra o chamado globalismo - para a direita radical, o conjunto de teorias conspiratórias disseminadas por agências internacionais e governos de esquerda para impor o “marxismo cultural”, em oposição aos valores patrióticos, anticomunistas e cristãos.

Um extenso levantamento feito por pesquisadores acadêmicos analisou 705 discursos e entrevistas sobre política externa dos principais integrantes do governo Jair Bolsonaro, da campanha de 2018 até julho de 2020. O mesmo foi feito com meio milhão de mensagens no Twitter postadas pela cúpula do governo e por influenciadores digitais que apoiam o presidente, mas num intervalo menor, entre dezembro de 2019 e julho de 2020.

A conclusão é de que 20% das menções da política externa brasileira sob o bolsonarismo contêm referências a teorias conspiratórias ligadas ao globalismo, algo inédito na diplomacia brasileira. Nenhum outro tema foi tão explorado pelo discurso oficial. O resultado surpreende porque teorias da conspiração não costumam fazer parte da política externa de governos, que têm a diplomacia racional como modelo predominante de narrativa.

O estudo identificou que 40% de todas as mensagens no Twitter no Brasil com teor conspiratório foram postadas por integrantes do governo, incluindo os do chamado “gabinete do ódio” - grupo de assessores responsável pelas redes sociais da Presidência.

Ou seja, além dos canais diplomáticos e oficiais, as teses conspiratórias ganharam capilaridade pela via digital e, com ajuda de influenciadores bolsonaristas, chegaram à base eleitoral do governo.

“Esses números comprovam que a política externa do bolsonarismo, do ponto de vista narrativo, está sendo pautada por uma visão de mundo antiglobalista, que, embora muita gente não tenha percebido, atende também a uma agenda interna do governo”, afirma o cientista político Feliciano de Sá Guimarães, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP) e um dos responsáveis pelo levantamento.

“Falar mal da China, da Venezuela e da OMS ou denunciar que Macron quer invadir a Amazônia são temas internacionais que dão voto, pois passam uma mensagem de defesa de valores patrióticos”, acrescenta. O “comunavírus” seria um exemplo dessa suposta trama conspiratória globalista. A expressão se refere à narrativa de que o vírus SARS-CoV-2 foi criado em laboratório pelo governo da China com o objetivo de infectar o mundo inteiro e destruir a civilização cristã ocidental.

A pesquisa foi esmiuçada num artigo acadêmico ainda inédito, “When Conspiracy Theories Capture Foreign Policy Narratives: Jair Bolsonaro’s ‘Globalist’ Conspiracy in International Relations” (Quando teorias da conspiração capturam as narrativas de política externa: a conspiração ‘globalista’ de Jair Bolsonaro nas relações internacionais), assinado por Guimarães e três pesquisadores - Irma Dutra Gomes de Oliveira e Silva e Anna Carolina Raposo de Mello, ambas do IRI-USP; e Davi Moreira, da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

Guimarães e Irma prepararam outro artigo, que deverá entrar na próxima edição da revista britânica “International Affairs”, especializada em relações internacionais, em que relacionam as principais identidades populistas de direita radical no discurso de política externa de Bolsonaro e como elas formataram a relação do Brasil com o governo Trump e a China.

“As situações apresentadas numa teoria da conspiração geralmente são simplificadas por um tripé: a identificação de um inimigo, o plano desse inimigo para dominar o mundo e a ideologia que ele quer impor”, explica Guimarães. Segundo ele, os antiglobalistas afirmam que o debate ideológico fundamental do planeta não se dá mais entre capitalismo e comunismo, e sim entre internacionalismo (que chamam de globalismo) e nacionalismo, as nações.

Vem daí a narrativa antiglobalista de que existe um complô internacional liderado por vários inimigos mesclados - o governo chinês, a ONU, a OMS, o investidor George Soros etc. - para impor o “marxismo cultural”, que nada mais seria que uma leitura enviesada da obra do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), datada dos anos 30 do século passado. Gramsci dizia que o embate dos comunistas contra os capitalistas deveria se dar também no campo da cultura e das instituições culturais. “Essa fração da extrema direita acredita que o comunismo venceu essa guerra cultural e, portanto, vai impor valores agnósticos ou ateus, antinacionalistas e anticristãos”, afirma Guimarães.

A correlação entre teorias da conspiração e globalismo no discurso bolsonarista fica evidente ao se observar como essa mensagem chega à base eleitoral do governo. Na primeira parte do levantamento foram analisados discursos, pronunciamentos, vídeos no YouTube e entrevistas sobre política externa de quatro integrantes do governo: Jair Bolsonaro (123 registros), o chanceler Ernesto Araújo (480), o assessor de política externa Felipe Martins (43) e a titular do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves (35), além do deputado federal Eduardo Bolsonaro (24), filho do presidente.

Os pesquisadores captaram características de teorias conspiratórias por meio de palavras-chave (como globalismo, China, marxismo, ONU, OMS, etc.), rodaram os dados num software e colheram revelações interessantes. O antiglobalismo, por exemplo, foi tema de apenas 1% dos discursos de política externa de Bolsonaro. “Pode parecer pouco, mas aparece em quatro discursos-chave do presidente, incluindo os dois que ele fez nas Nações Unidas”, afirma Guimarães. Já Eduardo Bolsonaro se mostrou o mais radical de todos: a narrativa conspiratória antiglobalista esteve presente em 58% de todas as suas falas de política externa.

As citações de política externa da ministra Damares, por sua vez, eram mais ligadas a temas religiosos do que ao discurso antiglobalista, o que levou os pesquisadores a dar início a uma nova pesquisa, sobre os evangélicos e a política externa. “Temos evidências de que a frente parlamentar evangélica, a Assembleia de Deus e a Igreja Universal têm pautado a narrativa de dois grandes temas de política externa brasileira: a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, que ainda não ocorreu, e a criação de uma aliança internacional de países contra perseguições a minorias cristãs”, diz Guimarães. “É a primeira vez que temas religiosos e argumentos teológicos são utilizados sistematicamente no discurso da política externa brasileira”, acrescenta.

Em outra frente, no Twitter, o trabalho serviu para dimensionar a ressonância das teorias conspiratórias bolsonaristas nessa rede social. O levantamento contou com um filtro específico (limitado às expressões “globalismo” e “globalistas”), chegando a pouco mais de 552 mil tuítes.

Por meio de alguns critérios, entre eles de alcance, frequência e engajamento (incluindo postagens que foram retuitadas mais de cem vezes), os pesquisadores chegaram a uma lista dos 50 maiores influenciadores digitais antiglobalistas do bolsonarismo.

Entre os integrantes do governo aparecem Arthur Weintraub (ex-assessor da Presidência e irmão do ex-ministro Abraham Weintraub); Felipe Pedri, secretário de Comunicação Institucional do Ministério das Comunicações; e Ernesto Araújo, um grande influenciador, com 557 mil seguidores no Twitter. Os ativistas digitais, maioria na lista, incluem o perfil que se identifica como “Dom Esdras das Threads”, o jornalista Rodrigo Constantino, o deputado cassado Roberto Jefferson e notórios bolsonaristas, como Allan Santos e Sara Winter.

Guimarães chama atenção para o fato de o Twitter ser uma rede social muito usada pela elite política bolsonarista. “A hipótese especulativa é que o Twitter pauta o WhatsApp, que tem um potencial de disseminação de ideias infinitamente maior, mas é impossível de ser medido por ser fechado”, explica o acadêmico. “É raro ver policiais militares ou caminhoneiros tuitando, mas áudios e mensagens dessas lideranças que apoiam o governo têm muita capilaridade no WhatsApp.”

O levantamento também reforça a hegemonia do discurso político bolsonarista nas redes sociais, que teve início na mobilização pelos protestos de rua para o impeachment de Dilma Rousseff (PT).

Surpreso com os números, o ex-embaixador Rubens Ricupero cita um precedente histórico para alertar as demais correntes políticas sobre essa hegemonia. “Assim como o bolsonarismo está se aproveitando hoje das redes sociais, o fascismo e o nazismo, no começo do século XX, também perceberam a importância do rádio como um novo veículo de massa para atingir camponeses e operários e passar sua mensagem”, diz.

Procurado pelo Valor para comentar os dados do levantamento, o Ministério das Relações Exteriores informou, por meio de seu Departamento de Comunicação, que prefere aguardar a divulgação do estudo acadêmico para se manifestar.

A guinada da política externa brasileira sob o bolsonarismo não foi absorvida por boa parte dos integrantes e ex-integrantes do corpo diplomático do Itamaraty. Basta mencionar expressões como “globalismo” e “teoria conspiratória” para ouvir muitas reclamações.

“Eu nunca vi nada igual na nossa diplomacia, e olha que tenho 50 anos de carreira”, afirma o ex-embaixador Cesario Melantonio Neto, que antecipou a aposentadoria em dezembro de 2019, ao fim do primeiro ano do governo Bolsonaro, quando chefiava a embaixada em Atenas. Melantonio critica a relação de Bolsonaro com o agora ex-presidente Trump. “Não era de alinhamento, era de subserviência”, diz. “A gente abaixa a cabeça e ainda diz ‘I love you’? Não dá.”

Embora os diplomatas reconheçam que a política externa é sempre definida pelo presidente da República, cabendo ao chanceler cumpri-la, a atuação de Ernesto Araújo nos dois anos à frente do Itamaraty concentra boa parte das críticas. “Admito que parei de ler os discursos e os textos antiglobalistas do Araújo, dá aflição e desgosto de tão descolado da realidade”, afirma um diplomata com mais de dez anos de carreira, que ocupa uma posição intermediária na hierarquia do Itamaraty e prefere não se identificar por medo de represálias.

Ele diz que não existe mais clima entre os colegas para se discutir política. “Hoje consigo identificar quatro grupos entre os diplomatas da ativa: os que são contra e se expõem, os que são contra e se mantêm em silêncio [mas tentam conseguir um posto em que não sejam obrigados a seguir as novas diretrizes], os que flutuam de acordo com o governo, limitando-se a fazer o que lhes pedem, e, por fim, os que são alinhados e apoiam o chanceler”, revela.

Entre os diplomatas da ativa que não têm medo de se expor, o mais conhecido é o embaixador Paulo Roberto de Almeida. “Nenhum diplomata que frequentou o Instituto Rio Branco e serviu 30 anos no Itamaraty, como é o caso do Ernesto, tem o direito de ser antimultilateralista na diplomacia”, diz Almeida, que atualmente está sem cargo ou função.

Doutor em ciências sociais e autor de três livros sobre a era bolsonarista, Almeida foi demitido da diretoria do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais após publicar críticas à política externa do governo em seu blog, Diplomatizzando. Chegou a ser transferido para a Divisão de Arquivo, no segundo subsolo do Anexo 2 do Itamaraty, onde celular e Wi-Fi não têm sinal. Almeida diz que “Trump e o Ocidente”, texto de Araújo que chamou atenção de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo, conseguiu o objetivo de alçá-lo ao posto. “Metade do artigo é sobre o declínio do Ocidente, a outra metade é puro delírio olavista, juntando religião, salvação e antiglobalismo”, diz.

Pelo menos 20 diplomatas da ativa estão sem função. Há muita especulação sobre uma suposta caça às bruxas aos opositores do governo dentro do Itamaraty. Para Ricupero - autor de “A Diplomacia na Construção do Brasil - 1750-2016”, um dos livros mais abrangentes da história da diplomacia brasileira -, há uma intenção do governo Bolsonaro de implementar uma renovação nos quadros do Itamaraty.

Antes, segundo ele, os postos mais importantes, incluindo embaixadas de peso, sempre foram ocupados pelos diplomatas mais experientes. “Toda a cúpula do Itamaraty nomeada pelo Ernesto Araújo, que tem 53 anos, é da geração dele ou mais jovem. As mudanças parecem atender mais a esse objetivo”, afirma. No entanto, a insistência em adotar a narrativa antiglobalista fez Araújo perder a liderança entre os pares no Itamaraty. “Ele não é respeitado, é ridicularizado, o que é muito pior”, lamenta.

Sem Trump na Casa Branca, resta saber como ficam as relações do Brasil com os maiores parceiros comerciais, China e EUA. Para analistas, com a posse do presidente dos EUA, o democrata Joe Biden, e os constantes atritos com a China em meio ao agravamento da pandemia de covid-19, o governo deve ser pressionado a rever suas prioridades de política externa. 

“Seguramente vai aumentar a pressão do setor privado, do agronegócio e da indústria para que o Brasil assuma uma posição pragmática em relação ao governo americano”, afirma o ex-embaixador Rubens Barbosa, listando alguns prováveis pontos de fricção na relação bilateral. “Na área comercial, os EUA podem suspender conversações que começaram com Trump de facilitação de comércio; na área agrícola, alguma restrição à importação de produtos brasileiros e, na área política, podem surgir atritos no âmbito da ONU, em temas como democracia e direitos humanos”, enumera.

Barbosa adverte, porém, que é preciso aguardar como Bolsonaro vai reagir à principal agenda externa de Biden: o meio ambiente. “A política ambiental americana tem como objetivo impedir o aquecimento do planeta, por isso os EUA vão voltar ao Acordo de Paris”, diz. “Não acredito que Biden tenha especificamente algo contra o Brasil, ele tem perfil pragmático, não deve propor retaliações, pois mantemos relações econômicas, comerciais e financeiras importantes com os EUA”, afirma.

Segundo ele, como o acordo União Europeia-Mercosul não deve ser ratificado em 2021 - outro fator que poderia influenciar na questão ambiental -, Bolsonaro vai ganhar tempo. “Ele pode seguir com a mesma retórica, de que é macho e não se atemorizou com o resultado da eleição americana, mas tudo vai depender das pesquisas e da pressão interna”, observa Barbosa.

Para o cientista político Guilherme Casarões, professor de relações internacionais da FGV, o discurso antiglobalista e suas teorias da conspiração atendem à estratégia populista de buscar inimigos, uma das marcas do atual governo. “Bolsonaro jamais falou em conciliação ou concessão, está o tempo todo antagonizando”, diz. “À exceção da pauta de reformas, toda a agenda do governo é negativa: é desconstruir, desinstitucionalizar, fechar o Ibama - e por aí vai.”

A sorte do presidente, segundo Casarões, é que alguns fatores econômicos internos permitiram que Bolsonaro seguisse nessa linha narrativa. “O agronegócio, por exemplo, tolerou as ‘bolsonarices’ do governo porque não teve perdas: a pandemia aumentou o preço dos alimentos, a China continuou comprando do Brasil, os mercados de soja e carne continuaram favoráveis”, diz.

Olhando para o futuro a curto prazo - os dois anos que restam do mandato de Bolsonaro -, Ricupero concorda que o isolamento do Brasil no cenário internacional tende a aumentar e pressionar internamente o presidente. “Os problemas causados pela opção pelo alinhamento com o Trump em contraposição à hostilidade com a China e ao comércio Sul-Sul com os asiáticos não chegaram a ser percebidos pela população, mas agora isso ficou mais evidente”, diz.

Ricupero diz que a questão das vacinas serve de exemplo. “Os EUA representam menos de 10% das exportações brasileiras, enquanto a China responde por cerca de 30% e, juntando com outros países da Ásia, incluindo Índia, somam 50% de nosso comércio”, diz. “Na hora que precisamos deles, para obter insumos da China e a liberação das vacinas da Índia, sentimos o que é o isolamento por causa de uma política externa equivocada.”

Para Ricupero, a pergunta a ser feita é simples: quais os custos e benefícios dessa política externa bolsonarista? “Os benefícios foram pequenos, atenderam mais ao grupo ideológico, que é apenas uma fração da base do governo, enquanto os custos, em especial os econômicos, foram elevados para vários setores, incluindo os que apoiam o presidente”, diz.

Segundo Ricupero, a política externa com viés antiglobalista do governo manchou para sempre a imagem do Itamaraty. “O dano já foi feito, não só para a diplomacia brasileira como para a noção do que o Brasil representa no cenário internacional”, diz. “Um dos componentes do respeito que sempre tivemos era a continuidade da nossa orientação diplomática, que agora foi rompida”, acrescenta. “Provavelmente vamos levar ao menos duas gerações para recuperar o prestígio.”

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