Paulo Roberto de Almeida
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Apresentação
Rompendo fronteiras me pareceu um título
apropriado para este terceiro volume da série de resenhas de livros, também “recuperadas”
a partir do “livro-mãe”, Prata da Casa,
também um e-book e ao qual agreguei outras resenhas dispersas em meus arquivos
de computador, que tinham a ver com a mesma temática: as relações
internacionais, num sentido amplo, e as relações exteriores do Brasil, no
sentido largo, ou seja, sua política externa e sua diplomacia profissional.
Diplomatas e acadêmicos estão sempre “rompendo” fronteiras virtuais,
intercambiando experiências e mantendo atividades reciprocamente proveitosas,
mas também aquelas fronteiras institucionais que separam os serviços
diplomáticos das salas de aula e dos auditórios acadêmicos. Este resenhista,
por sinal, poderia até ser citado como um dos exemplos conspícuos nesse tipo de
interação, embora existam muitos outros que também a praticam (talvez em menor
número do que seria desejável, ou até recomendável).
Esse “rompimento
de fronteiras” se exerce em ambas as direções. Não apenas a academia pensa a
diplomacia – e as relações exteriores do país, cela va de soi – mas ela também gostaria de influenciar as
orientações e as iniciativas da política externa, quando não interferir no seu
curso, e não só para oferecer conselhos desinteressados. Da mesma forma,
diplomatas começam por exibir uma sólida formação acadêmica, embora nos últimos
tempos se tenha registrado uma “curiosa” tendência à seleção de candidatos
treinados (alguns até pavlovianamente) por cursinhos preparatórios para
responder exatamente dentro dos cânones selecionados nesses concursos
elaborados por entidades especializadas, com alguma assistência dos diplomatas.
A despeito dessas expressões mais “empreguistas” do que propriamente
vocacionais, é evidente que diplomatas e acadêmicos mantêm, desde tempos
imemoriais, uma benéfica osmose intelectual que começa nos bancos
universitários, se prolonga nos trabalhos de pesquisa e de qualificação
graduada e se estende a projetos cooperativos no terreno operacional.
Alguns diplomatas
podem até ter efetuado sua preparação para o concurso de ingresso na carreira
de forma essencialmente autodidata, mas os requerimentos de ingresso exigem um
certificado qualquer de terceiro ciclo, o que em muitos casos vem complementado
por um mestrado e mesmo por um doutorado. A quase totalidade dos vocacionados
para a carreira buscaram uma formação universitária vinculada de perto ao
universo disciplinar exibindo ampla interface para a diplomacia, e muitos dos bem
sucedidos, também possuem o vírus da carreira acadêmica e complementam o
trabalho ou a especialização intelectual em cursos de pós-graduação, no Brasil
e no exterior. Enfim, são múltiplas as pontes e as interações entre as duas
comunidades, e uma famosa tese do Curso de Altos Estudos – de Gelson Fonseca
Júnior, chamada justamente Diplomacia e
Academia (fiz uma mini-resenha no primeiro volume desta série) – já explorou
os diversos aspectos e as implicações dessa colaboração tradicional.
Este terceiro
volume da série de resenhas de livros sobre temas de relações internacionais e
de política externa do Brasil cobre, precisamente, os muitos exemplos dessa
interface relativamente feliz, mas não destituída de alguns percalços, de várias
ambiguidades, se não de incompreensões metodológicas e substantivas. Não é minha intenção explorar neste momento as
diversas facetas desses “tropeços”, não porque eu também marco presença nas
duas instituições, mas porque não é o contexto adequado e a oportunidade para
realizar um exame objetivo das mencionadas dificuldades.
Interessa-me bem mais
agora destacar os bons exemplos dessa produção livresca interessando tanto os
diplomatas, quanto os acadêmicos, seja pelo conteúdo próprio das obras, seja pelas
possibilidades de aprofundamento adequado das questões abordadas. Compro ou
recebo muitos livros, dos quais alguns são selecionados para leitura atenta e
se tornam objeto de uma resenha corriqueira ou de um artigo-resenha mais
alentado do que o habitualmente encontrado nos periódicos acadêmicos. O que
distingue as minhas resenhas das que habitualmente se leem nesses veículos?
Basicamente isto: ninguém me encomendou nada, eu mesmo decido o que ler, o que
resenhar, e como analisar as obras que me chegam às mãos; não sou um resenhista
profissional, apenas um leitor compulsivo, que sente vontade de dizer o que
pensa sobre alguma obra em destaque.
À diferença dos
dois volumes anteriores desta série, que incidiram seletivamente sobre obras de
diplomatas brasileiros, este terceiro e último volume recupera unicamente os livros
de “paisanos”, inclusive estrangeiros, ou seja, não diplomatas, quase todos
acadêmicos, mas um outro profissional de mercado também, consultores ou
profissionais liberais. Quando a oportunidade se apresentar, pretenderia
preparar um artigo sobre os “brasilianistas” da diplomacia brasileira, ou seja,
aqueles especialistas estrangeiros que se dedicaram ao estudo e à análise de
nossa política externa.
Reuni, portanto,
neste volume mais de cinco dezenas de resenhas de livros de não diplomatas
profissionais obre temas que devem interessar diplomatas e candidatos à
carreira. Na verdade, as obras resenhadas são em número superior a meia centena,
algo em torno de setenta livros, tendo em vista duas resenhas múltiplas de sete
livros cada uma das vezes, e uma ou outra resenha combinando edições estrangeiras
originais e aquelas publicadas no Brasil. Os brasileiros nativos são mais
numerosos, et pour cause:
aproximadamente dois terços do total de autores examinados criticamente pertencem
a universidades brasileiras, dois tendo inclusive exercido funções diplomáticas,
brasileira ou multilateral, embora vários outros possam ter integrado ocasionalmente
missões ou conferências diplomáticas.
No passado, a
osmose entre um e outro setor era mais frequente, inclusive em nível de chefes
de missão, o que se tornou extremamente raro nas últimas duas ou três décadas;
trata-se, provavelmente, de um efeito residual do fato que a antiga capital do
país era também o seu centro cultural. O insulamento operacional criado a
partir da instalação da chancelaria no cerrado central, quase meio século
atrás, não deveria, em princípio, impedir a cooperação intelectual, e até a
troca de “produtos” entre as duas comunidades: relatórios, estudos,
dissertações, teses, e o exercício docente, em ambas instituições, mas é um
fato que a corporação diplomática tendeu a se fechar às incursões de “paisanos”
no desempenho de missões permanentes no exterior. Seria isso bom para a
carreira? Difícil responder, uma vez que, assim como ocorre para o cargo de
ministro da defesa, existem poucas capacidades, de notória qualidade,
detectáveis na vida civil e capazes de exercer com proficiência a chefia da
instituição diplomática e a de defesa.
Os livros aqui
selecionados tratam dos temas tradicionais da diplomacia, seja ela brasileira,
regional ou multilateral, seja a de outros Estados, tanto quanto das diversas
questões atinentes à política mundial e à economia internacional. Muitos outros
temas correntes na agenda diplomática brasileira – como meio ambiente, por
exemplo, ou a sua diplomacia cultural – bem como questões da política mundial –
temas estratégicos ou de segurança, equilíbrio de poderes, com algumas raras
exceções – estão ausentes, porém, o que tem a ver com as minhas afinidades
eletivas ou vantagens comparativas no terreno analítico. Alguns dos mais longos
artigos de resenha traduzem a empatia deste resenhista por determinadas obras
consideradas relevantes num ou noutro campo de minhas preferências de leitura
ou de especialidade docente. Considero esta amostra relativamente representativa
da literatura obrigatória no universo diplomático brasileiro, com alguns
clássicos evidente, e várias outras surpresas bibliográficas também.
Combinadas às
resenhas e mini-resenhas compiladas nos dois primeiros volumes desta série,
todas elas “filhotes” do enorme Prata da
Casa, esta seleção de “leituras diplomáticas” – que não constituem, cabe
relembrar, todas as resenhas registradas desde que comecei a praticar esse
saudável hábito, que depois virou uma mania – oferece, aos aventureiros que
adentrarem em suas quase mil páginas, conjuntamente, um panorama bastante amplo
das obras mais relevantes produzidas por diplomatas e não diplomatas, sobre o
Brasil e o sobre mundo. O volume é uma espécie de “gabinete de curiosidades” do
que foi impresso e publicado nas últimas décadas nesta área de minha
especialidade.
Mas alguém
poderia perguntar: por que tantos livros, por que tantas resenhas? Se me
permitem escapar de alguma condenação por esse vício incurável, eu diria que o
culpado de tudo é Monteiro Lobato, o autor mais frequente de minhas leituras
infantis e juvenis, junto com algumas dezenas de outros, geralmente autores estrangeiros
também traduzidos por sua iniciativa, e muitos deles publicados justamente pela
Companhia Editora Nacional, que Lobato havia fundado na convicção de que “um
país se faz com homens e livros”. Escusando o viés de gênero, sempre fui, não
apenas partidário ativo dessa afirmação, como eu a pratiquei intensamente ao
longo de toda a minha vida alfabetizada (que por sinal começou apenas na tardia
idade de sete anos, por força de um ambiente familiar não especialmente
inclinado para as leituras nem preparado para vocações puramente intelectuais).
Os que já leram atentamente Monteiro Lobato sabem que várias de suas obras
infantis representavam adaptações de obras estrangeiras, de história ou outras
disciplinas, voltadas para o público infanto-juvenil. Eu também fui uma
“vítima” desse complô de Lobato em prol da cultura e da inteligência do país, e
tenho procurado retribuir em adulto o que aprendi desde as minhas primeiras
letras.
De fato, estas minhas
resenhas, livremente produzidas, muitas delas inéditas, constituem uma espécie
de retribuição que faço ao Brasil e aos mais jovens, por ter tido a chance de
conviver com livros em bibliotecas públicas e de instituições de ensino, de ter
buscado livros em outras bibliotecas, em livrarias, na companhia dos amigos e
na leitura constante das folhas literárias dos periódicos mais importantes do
Brasil e do exterior. Os livros sempre me “pesaram”, estrito e lato senso, nas
muitas mudanças que empreendi em minha carreira acadêmica e na vida
profissional, mas é um peso do qual jamais reclamei ou me arrependi, ainda que
o volume excessivo me tenha obrigado, uma vez ou outra, a descartes setoriais ocasionais.
Essa incurável compulsão pelo papel impresso, e agora pelos livros eletrônicos
– dos quais este aqui é um perfeito exemplo – me serve perfeitamente, tanto
quanto pode servir a um círculo bem mais amplo de eventuais interessados,
justamente por meio deste tipo de produção, que apresenta em algumas poucas
páginas livros mais densos do que as recomendações habitualmente oferecidas
atualmente em nossas academias.
De minha parte,
espero ter cumprido meu “dever” professoral, que é antes de tudo uma enorme
satisfação intelectual, no sentido de partilhar com colegas e alunos minhas
leituras registradas ao longo de toda uma vida na companhia dos livros. Esta
série está provisoriamente encerrada, em face da ausência relativa de unidade
conceitual nas resenhas remanescentes, mas espero voltar neste mesmo formato
com outros materiais quase tão interessantes, e cativantes, quanto o mundo dos
livros e da cultura.
Divirtam-se, e
até a próxima...
Paulo Roberto de Almeida
(um incorrigível leitor e escrevinhador)
Hartford, 4 de novembro de 2014
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Índice
Geral
Primeira Parte, 19
Relações internacionais
Pierre
Renouvin (ed.): Histoire des Relations
Internationales
Francis
Fukuyama: The End of History?
François
Furet: Le Passé d’une Illusion: essai sur
l’idée communiste
Alexandre
Soljènitsyne: Lénine à Zurich
Jean-Christophe
Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares
Francis
Fukuyama: Construção de Estados
Ricardo
Seitenfus: Manual das organizações
internacionais
Henrique Altemani e A. C. Lessa (orgs.): Política Internacional Contemporânea
Eduardo
Felipe P. Matias: A Humanidade e suas
Fronteiras
Fernando Barros: A tendência
concentradora da produção de conhecimento
Guy Martinière - Luiz
Claudio Cardoso (coords.): Coopération
France-Brésil
Sverre Lodgaard and Karl Birnbaum (eds.), Overcoming Threats to Europe
Segunda Parte, 121
História diplomática e política externa
do Brasil
João
Pandiá Calógeras: A Política Exterior do
Império
Carlos
Delgado de Carvalho: História Diplomática
do Brasil
Hélio
Vianna: História Diplomática do Brasil
José
Honório Rodrigues e R. Seitenfus: Uma História Diplomática do Brasil
Amado
Luiz Cervo e Clodoaldo Bueno: História da
Política Exterior do Brasil
Sandra
Brancato (coord.): Arquivo Diplomático do
Reconhecimento da República
Ricardo
Seitenfus: Para uma Nova Política Externa
Brasileira
Henrique
Altemani de Oliveira: Politica Externa Brasileira
Henrique
Altemani e A. C. Lessa (orgs.): Relações
internacionais do Brasil
A.
A. C. Trindade: Repertório da Prática
Brasileira do Direito Internacional
Clóvis
Brigagão: Diretório de Relações
Internacionais no Brasil, 1950-2004
João
P. Reis Velloso e Roberto Cavalcanti (coords.): Brasil, um país do futuro?
Terceira Parte, 209
Hemisfério americano e integração
regional
Lincoln
Gordon: Brazil’s Second Chance; A Segunda Chance do Brasil
Moniz
Bandeira: O Expansionismo Brasileiro e a
formação dos Estados no Prata
José
Luis Fiori (org.): O Poder Americano
Moniz
Bandeira: Estado Nacional e Política
Internacional na América Latina
Boris
Fausto e Fernando J. Devoto: Brasil e
Argentina: história comparada
Eduardo Viola e Héctor
Ricardo Leis: Desafios
de Brasil e Argentina
John Williamson (org.): Latin American Adjustment: How
Much Has Happened?
P.-P. Kuczynski e John Williamson (orgs.): After the Washington Consensus
Vários
autores: A marcha da integração no
Mercosul
Helder
Gordim da Silveira: Integração latino-americana:
projetos e realidades
José
A. E. Faria: Princípios, Finalidade do
Tratado de Assunção
Avelino
de Jesus: Mercosul: Estrutura e
Funcionamento
Jorge
Pérez Otermin, Solución de Controversias
en el Mercosur
Pedro
da Motta Veiga: A Evolução do Mercosul:
cenários
José
Maria Aragão: Harmonização de Políticas
no Mercosul
Hervé
Couteau-Bégarie: Géostratégie de
l’Atlantique Sud
Quarta Parte, 315
Economia mundial e comércio internacional
Vários
autores: A economia mundial em
perspectiva histórica
Jagdish
Bhagwati: Em Defesa da Globalização
Paul
Krugman: Rethinking International Trade
Daniel
Yergin: The Prize: The Quest for Oil, Money and Power
Celso
Lafer: Comércio, Desarmamento, Direitos
Humanos
Mônica
Cherem e R. Sena Jr. (eds.): Comércio
Internacional e Desenvolvimento
Rabih
Ali Nasser: A OMC e os países em
desenvolvimento
Joseph
Stiglitz e Bruce Greenwald: Novo
Paradigma em Economia Monetária
Santiago
Fernandes: A Ilegitimidade da Dívida
Externa
Ha-Joon
Chang: Kicking Away the Ladder; Bad Samarithans
Gary
Clyde Hufbauer e Jeffrey J. Schott: North
American Free Trade
Tullo
Vigevani e Marcelo Passini Mariano: Alca:
o gigante e os anões
Tullo
Vigevani; Marcelo Dias Varella: Propriedade
intelectual e política externa
Maria
Helena Tacchinardi, A Guerra das
Patentes: o conflito Brasil x EUA
Apêndices
A arte da resenha (para principiantes), 403
Livros publicados pelo autor, 409
Nota sobre o autor, 413
Disponibilizado na
plataforma Academia.edu
link: https://www.academia.edu/9108147/25_Rompendo_Fronteiras_a_academia_pensa_a_diplomacia_2014_