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terça-feira, 22 de novembro de 2022

Uma Grande Estratégia para o Brasil - Rubens Barbosa (OESP)

 Uma Grande Estratégia para o Brasil

Rubens Barbosa 

O Estado de S. Paulo, 22/11/2022

As circunstâncias conjunturais pelas quais o Brasil passa hoje fazem com que as atenções da opinião pública informada se concentrem no debate sobre economia, taxa de juro e inflação, orçamento, sobre redução do desemprego, da pobreza, da saúde no novo governo. O brasileiro menos favorecido quer saber como ganhar dinheiro para pagar a comida, o remédio, o transporte e sua roupa.

Nesse contexto, pouca gente está pensando o Brasil, como uma potência emergente, cada vez mais dividida e com um novo governo que terá grandes desafios para reafirmar a democracia e as instituições, em vista da previsível feroz oposição bolsonarista. Assuntos institucionais, como lugar do Brasil no mundo, Defesa e Segurança, o aperfeiçoamento dos meios de trabalho das FFAA para defender os interesses reais do país e superar as novas ameaças globais são tratados por restrito número de pessoas no governo, no meio acadêmico, no âmbito de instituições militares e (muito pouco) no Congresso. O Brasil não enfrenta ameaças de uma guerra convencional entre Estados, sendo efetiva a atuação das Forças Armadas em missões de paz, intervenções humanitárias, combate ao terrorismo, ao crime organizado, a segurança cibernética, GLO, ações cívicas e outras.

No Brasil, soberania, defesa, segurança são, normalmente, associados a questões de natureza militar, como ocorre, em linhas gerais, nos importantes documentos recentes sobre Estratégia Nacional e Política Nacional de Defesa. O conceito de Defesa deveria ser examinado de forma mais abrangente não limitado `as percepções militares, como ocorre nesses documentos, que discutem as concepções política e os objetivos da Defesa e estratégica e os fundamentos da Defesa. Ambos os documentos procuram responder aos desafios como hoje percebidos e o planejamento das prioridades para a Defesa. A vantagem de uma percepção mais ampla de defesa e de segurança, não restrita ao âmbito militar, mas envolvendo outros atores, em diferentes setores da sociedade, responderia aos desafios da projeção do Brasil no contexto internacional, dentro das suas grandes dimensões estratégicas. E colocaria o país em melhor posição para a defesa de seus interesses no momento em que as transformações geopolíticas, de inovação e tecnologia e a nova ordem econômica, dão realce aos temas globais, como mudança do clima e a segurança alimentar.

Quando ministro da Defesa, Celso Amorim ressaltou que o Brasil deveria seguir o conceito de uma Grande Estratégia, baseado em uma coordenação de políticas de defesa e externa, com vistas `a defesa do interesse nacional e `a contribuição para a paz mundial. No contexto das limitadas discussões estratégicas, focadas sobretudo nos aspectos de soberania e defesa, está faltando um debate amplo, que deveria extrapolar o âmbito militar, sobre a formulação dessa Grande Estratégia, em que a política de defesa e a política externa sejam complementadas por anseios da sociedade civil e mais recentemente por demandas da comunidade internacional sobre segurança ambiental, energética, alimentar e outras áreas. A Constituição, que define os objetivos, princípios e direitos fundamentais, deveria ser a base para a definição da Grande Estratégia, levando em conta a geopolítica e as transformações por que passa o cenário internacional, em especial, na economia global, no meio ambiente, na tecnologia e na inovação e que reflita o Poder efetivo do país.

No âmbito do executivo, a elaboração da Grande Estratégia deveria ser responsabilidade do Conselho de Defesa Nacional (CDN), vinculado `a Presidência da República, com a participação de outros atores políticos,ministérios que tratam de temáticas interdependentes, como Relações Exteriores, Ciência Tecnologia e Inovações, Justiça e Segurança e Economia, assim como dos representantes do Congresso Nacional.  Instituições independentes, não pertencentes às corporações do Estado, serviriam para evitar possíveis omissões e distorções e contribuiriam para um maior apoio da sociedade às ações do Estado voltadas para a Defesa e Segurança. O documento definiria e priorizaria objetivos de longo prazo, levando em conta as condicionantes e necessidades derivadas de cenários e ameaças possíveis e de metas definidas para permitir o seu enfrentamento, bem como os recursos que o Estado estaria disposto a alocar ao longo do tempo para o alcance desses objetivos. Essas decisões de alto nível são essenciais para evitar alguns dos principais problemas da abordagem de baixo para cima que vem sendo usada.  A Grande Estratégia, política de Estado, cobriria um horizonte mais extenso (de 10 a 20 anos), como fez recentemente o Reino Unido, que, depois da saída da União Europeia, definiu seu lugar no mundo, dentro de uma ampla visão global ou a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, assinada pelo presidente Biden e recentemente divulgada.

Nesse contexto, o futuro governo, junto com o Congresso, a academia e “think tanks” especializados, poderia aproveitar o momento para propor uma Grande Estratégia para a segurança e a defesa dos interesses nacionais, de forma abrangente, a ser discutida, ampla e democraticamente, a partir de janeiro de 2023.

 

 

Rubens Barbosa, presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (CEDESEN)

 

The New York Times Ukraine-War Briefing - November 21, 2022

 

Ukraine-Russia News

November 21, 2022

Author Headshot

By Carole Landry

Editor/Writer, Briefings Team

Welcome to the Russia-Ukraine War Briefing, your guide to the latest news and analysis about the conflict.

Grim videos and a troubling question

A series of videos that surfaced on social media last week is raising questions over whether Ukrainian forces committed war crimes when they captured a group of Russian soldiers this month in the Luhansk region. 

The soldiers, most of whom are seen lying on the ground, appear to have been shot dead at close range after one of their fellow fighters opened fire on Ukrainian soldiers standing nearby.

My colleagues from the Visual Investigations team verified the authenticity of several videos that were recorded during the Ukrainian fight to recapture the village of Makiivka in mid-November. They were filmed by two sources: an unnamed Ukrainian soldier who was capturing video on his phone, and drone videos most likely shot by Ukrainian forces surveilling the offensive.

The videos do not show how or why the Russian soldiers were killed. Russia’s foreign ministry has accused Ukraine’s forces of “mercilessly shooting unarmed Russian POWs.” Ukraine’s commissioner for human rights, Dmytro Lubinets, said that Russian soldiers had opened fire during the act of surrendering.

One of the videos shows at least four Ukrainian soldiers approaching a shed at a farmhouse where a group of Russian soldiers were hiding. The video cuts off, and when it restarts, six Russian soldiers are lying facedown on the ground beside one another. The video shows four other Russian soldiers slowly exiting the shed, one after the other, some with their arms raised. They join the other soldiers on the ground.

The capture of these soldiers is initially orderly, until an 11th Russian soldier emerges and opens fire, aiming at one of the Ukrainian soldiers. A frame-by-frame analysis of what happened next shows a Ukrainian soldier raising his rifle and then aiming at the Russian soldier.

The video ends and it’s unclear what happens next. But a subsequent aerial video of the location shows the bloody aftermath. The Russian soldiers are lying motionless, apparently dead. Blood is pooling around them, and some appear to be bleeding from the upper body or head. The Russian soldier who fired at the Ukrainians appears to have been killed on the spot, and he is lying in the position from where he opened fire. 

Iva Vukusic, a war crimes prosecution expert at Utrecht University, said that it was difficult to determine whether a war crime had been committed, based on the video evidence alone. One key variable is the amount of time between the final two videos.

“Was it in one or two bursts of fire at the moment of, or immediately after, the last Russian comes out and shoots at the Ukrainians?” Vukusic said. “Or was it after the immediate threat had been neutralized, as an act of revenge? Then this is more clearly a war crime.”

The Russian gunman’s actions are critical, Vukusic said. “It may very well be that, had this guy not fired, that they all would have been captured as POWs and survived,” she added.

Olha Stefanishyna, Ukraine’s deputy prime minister overseeing European integration, said yesterday that her government would investigate, The Wall Street Journal reported. 

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A night operation targeting Russian forces behind the front line.Ivor Prickett for The New York Times

Surveillance and sabotage

A volunteer Ukrainian special forces team called the Bratstvo battalion has undertaken some of the war’s most difficult missions along the front lines. In the south, they use boats to infiltrate the Russian-controlled side of the Dnipro River.

The Bratstvo fighters have been conducting secret raids and other special operations for months, as part of the Ukrainian counteroffensive. The group gave access to The New York Times to report on two recent operations, which took place before the recapture of Kherson. One of the missions had to be aborted. 

In the second, the fighters crossed the Dnipro at night to lay mines on a road used by Russian soldiers and attack a mortar position. They were back before dawn. 

Preparing to go on a night operation.Ivor Prickett for The New York Times

“We laid the mines and then came back without any noise, and they did not see us,” one 18-year-old soldier said, having observed Russian soldiers from a distance of 100 yards or more. “Some were walking, some were standing, some were just watching their phones,” he said.

But the unit did not push further to attack the mortar positions. The lay of the land was not good, the moonlight too bright and the group too large, said Vita, the only female soldier on the team. “Lots of boots, lots of noise,” she said. “And we froze a lot.”

What else we’re following

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In Ukraine

Around the world

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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A diplomacia de Lula, 2023-2026: mais do mesmo? - Paulo Roberto de Almeida

A diplomacia de Lula, 2023-2026: mais do mesmo?  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Comentários a respeito de temas de política externa apresentados em discurso na COP-27, realizada no Egito, a convite do jornalista Duda Teixeira.

Emissão no YouTube do programa Latitude, 22/11/2022:


https://youtu.be/O7tzEZV3P9Q

Também postado em pdf na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/91326453/4275_A_diplomacia_de_Lula_2023_2026_mais_do_mesmo_2022_

  

Em discurso por ocasião da COP-27, Lula abordou diferentes temas de política doméstica, inclusive econômica, mas também de política externa. Aproveitando as declarações mais representativas de seu pronunciamento no campo da diplomacia, formulo em seguida a cada uma delas, algumas observações sobre suas implicações respectivas.

 

1. Quero dizer que o Brasil está de volta. Está de volta para reatar os laços com o mundo e ajudar novamente a combater a fome no mundo. Para cooperar outra vez com os países mais pobres, sobretudo da África, com investimentos e transferência de tecnologia.

PRA: Lula quer recolocar o Brasil no mapa dos protagonistas das relações internacionais, e uma das configurações desse novo papel é o de prestador de cooperação ao desenvolvimento, um status que, desde o surgimento da ONU, estava bem delimitado, e dividido, em três categorias de países: os desenvolvidos, os socialistas e os em desenvolvimento, grupo ao qual pertencíamos e que parece que ainda pertencemos, a despeito de um dos mais bem sucedidos processos de industrialização na periferia. Essa distinção dos grupos da ONU se consolidou a partir da descolonização nos anos 1960, quando também se formou o chamado G77, o grupo dos países em desenvolvimento, que reivindicavam um tratamento preferencial e mais favorável em termos de comércio e transferência de tecnologia, além da própria assistência ao desenvolvimento, objeto de um Comitê na OCDE, o CAD, justamente o Comitê de Assistência ao Desenvolvimento.

            Ainda antes das independências africanas, um economista britânico de origem húngara, Peter Bauer, que trabalhava na África oriental inglesa na segunda metade dos anos 1950, recomendou às potências colonialistas que se preparassem para a autonomia reorganizando seus laços com as futuras ex-colônias. Ele recomendou que as metrópoles coloniais abrissem seus mercados aos produtos africanos e declarou, explicitamente: “Não ajudem a África, ela não precisa de ajuda; ela precisa de comércio livre e desimpedido”. O contrário ocorreu, através dos vários acordos preferenciais neocoloniais comunitários: Lomé, Yaoundé e o esquema mais amplo do ACP prevendo redução de tarifas, mas não comércio livre. A África teve sua agricultura estrangulada pela política protecionista das grandes potências, e a ajuda assistencial se disseminou sem grandes efeitos sobre as estruturas sociais.

            Nessa época, o Brasil ainda era um receptor líquido de ajuda ao desenvolvimento, especialmente para o Nordeste, inclusive contra a fome, tanto de fontes multilaterais, como o Banco Mundial e da AID, como de fontes bilaterais, como a USAID. Paulatinamente, o Brasil se tornou um país plenamente industrializado, mas nunca deixou de reivindicar esse status de país em desenvolvimento, tanto para não ser graduado no Gatt – ou seja, perder os tratamentos especiais de redução tarifária no Sistema Geral de Preferências – quanto para continuar reivindicando transferência de tecnologia para outros objetivos, e isso ainda hoje, como no combate ao desmatamento e na implementação de políticas de sustentabilidade.

            Nos anos FHC, o Brasil deu um grande salto nessa dimensão, e criou a ABC, Agência Brasileira de Desenvolvimento, que passou a prestar assistência e transferência de tecnologia a países ainda mais pobres, geralmente num sistema triangular, ou seja, com financiamento de países mais ricos, mas com a mobilização de agências públicas brasileiras detentoras de expertise em diferentes setores, como a Embrapa, por exemplo.

            Nos dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010, essa cooperação, sobretudo em direção da África, foi muito ampliada, pois Lula acredita que o Brasil tem uma enorme dívida histórica com relação ao continente, pelo legado da escravidão, um tema controverso e ainda não equacionado nas instâncias internacionais. O fato é que o Brasil ampliou muito sua ajuda humanitária e assistência ao desenvolvimento em diversos países africanos, em especial nos chamados PALOPs, os países africanos de língua portuguesa. Muitos países ricos fazem a mesma coisa, ou seja, prestam assistência ao desenvolvimento a países mais pobres. Nas últimas décadas, organismos multilaterais e países doadores despejaram dezenas de bilhões de dólares nesse tipo de assistência, nem sempre com resultados tangíveis ou isentos de corrupção. 

            Um economista americano, que durante mais de dez anos trabalhou nesse tipo de missão, William Easterly, chegou à conclusão de que os países que receberam um maior volume de ajuda foram justamente os que menos cresceram, na África ou em outras regiões pobres, e que muito dessa ajuda pode ter sido mal-empregada, ou até objeto de corrupção. O livro se chama, numa alusão a um famoso poema do colonialista britânico Rudyard Kipling, The White Man's Burden: Why the West's Efforts to Aid the Rest Have Done So Much Ill and So Little Good, e já deve ter sido traduzido para o português. 

            O Brasil quer se inserir nessa grande corrente de ajuda humanitária e de assistência ao desenvolvimento, mesmo quando grande parte de sua população carece de segurança alimentar e sofre com nossa negligência histórica no tocante a saneamento básico, água potável e infraestrutura de saúde ou educacional. Creio que temos condições de fazê-lo, mas de preferência num sistema que evite desvios e corrupção como muitas vezes observado por especialistas como William Easterly e outros. 

 

2. Para estreitar novamente relações com nossos irmãos latino-americanos e caribenhos, e construir junto com eles um futuro melhor para nossos povos. 

PRA: A diplomacia lulopetista sempre foi caracterizada por essa mania do Sul Global, ou a chamada diplomacia Sul-Sul, que considero uma miragem e um reducionismo geográfico incompatível com as tradições universalistas e ecumênicas de nossa diplomacia profissional. Existe, sim, uma prescrição constitucional, no Artigo 4º. da CF-1988, que comanda ao Brasil essa missão de buscar a integração latino-americana. Mas, esse parágrafo único, ali colocado pelo saudoso senador Franco Montoro, não constitui uma obrigação, ou seja, um ordenamento compulsório, e sim uma recomendação. Ele diz: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” 

            É normal que, sendo a América do Sul nossa circunstância geográfica incontornável, o Brasil tente conformar um espaço econômico integrado na América do Sul, mas isso não tem nada a ver com a vaga noção de uma América Latina e Caribe irmanados num mesmo projeto de união política e econômica, o que está muito além da capacidade do Brasil fazer. De resto, nada a objetar a estreitar relações com esses países, sobretudo os da América do Sul, mas isso não pode ser uma repetição da miopia geográfica e diplomática do Sul Global, que é uma ficção inventada por acadêmicos, com escasso retorno nos temas mais relevantes para as relações internacionais do Brasil. Devemos buscar estreitar relações com todos os países do mundo, em especial com aqueles que representem fontes de aportes relevantes para nosso processo de desenvolvimento, sem quaisquer discriminações políticas, geográficas ou ideológicas. Essa mania de latino-americanidade me parece apenas isso, uma mania.

 

3. Para lutar por um comércio justo entre as nações, e pela paz entre os povos. Voltamos para ajudar a construir uma ordem mundial pacífica, assentada no diálogo, no multilateralismo e na multipolaridade.

PRA: Essa noção de “comércio justo” é absolutamente irrelevante e até mesmo irracional. Existe comércio, ponto; alguém oferta, outro compra, com base nos critérios de preço e qualidade. Qualquer critério além disso não faz nenhum sentido no plano da economia e do comércio internacional. Dito isto, faz parte da tradição diplomática do Brasil trabalhar pela paz e pela cooperação do desenvolvimento mundial, com base no direito internacional e no absoluto respeito da Carta da ONU, algo que não é observado, atualmente, por um dos parceiros do Brasil no âmbito do BRICS, a Rússia de Putin. Lula não inventou nada no que se refere a construção da paz, de uma ordem pacífica, baseada no diálogo e no multilateralismo.

            Já a tal “multipolaridade” é uma velha mania do PT e dos antiamericanos de maneira geral de achar que o mundo vive numa tal de unipolaridade, que eles costumam chamar de arrogância imperial. Essa situação correspondeu a uma fase muito específica da ordem mundial, o pós-guerra fria, a implosão do socialismo e a reconversão dos antigos países socialistas em bons alunos da economia de mercado, com exceções. Os Estados Unidos então, como no imediato pós-Segunda Guerra, apareciam como o país mais poderoso do planeta, e a Rússia, fracionada em 15 repúblicas a partir da dissolução da União Soviética, tinha um PIB menor do que o do Brasil. Mas isso foi temporário, na década de 1990 e poucos anos mais, embora os EUA tenham permanecido como a maior potência econômica e militar do planeta. Mas, a partir da incorporação da China – até o século XVIII a maior economia do planeta e uma das mais avançadas em termos científicos e tecnológicos – à OMC, em 2001, ela deu um enorme salto de desenvolvimento, justamente devido à consolidação de seu status como economia de mercado plenamente inserida na economia global. Hoje ela já superou o PIB de todos os países do G7, com exceção dos EUA, mas poderá também ultrapassá-los em mais alguns anos, mas isso não em PIB per capita, o que deve demorar mais um século para ser alcançado, se alguém dia o for. 

            A tal de multipolaridade se refere, na verdade, à recusa de um único e grande poder hegemônico, o que de fato não existe mais. Mas se formos pensar além do poderio econômico e militar, cabe perguntar quais seriam as preferências do Brasil em termos de valores e princípios, de respeito ao Direito Internacional e a um conjunto de normas relativas a direitos humanos e à democracia que acompanham os países mais relevantes na ordem mundial. O que se configura, aparentemente, na presente conjuntura de transformação histórica das relações internacionais, caracterizada justamente pela ascensão econômica, tecnológica e militar da China, e de uma recuperação da Rússia de seu antigo torpor econômico e militar, durante a fase de ajustes pós-socialistas, é a de uma nova divisão do mundo entre as potências ocidentais e essas outras duas potências, com sócios menores, que não representam, efetivamente, aqueles valores que estão associados às nossas tradições e que estão inclusive balizadas na Constituição, ou sejam, um sistema democrático, de eleições livres, de pleno respeito aos direitos humanos e à livre iniciativa. 

Qualquer multipolaridade deve levar em conta não apenas o equilíbrio de poderes no mundo, mas também o pleno respeito de princípios e valores que são os que mais prezamos e defendemos. Alianças com ditaduras não são a melhor maneira de promover tais valores. Isso é especialmente válido quando um dos nossos sócios no Brics violentou flagrantemente a Carta da ONU e os mais elementares dispositivos do Direito Internacional, na sua guerra de agressão contra um vizinho, perpetrando os mais bárbaros crimes de guerra, possíveis crimes contra a humanidade e, certamente, crimes contra a paz mundial, os mesmos crimes pelos quais foram julgados e condenados os criminosos nazistas em Nuremberg, em 1946. O Brasil não poderia ficar indiferente em face de tal situação e me parece que ele não só hesitou, e até recuou, no presente governo, como corre o risco de preservar a mesma postura equivocada no próximo governo. Nem o Estado Novo de Getúlio Vargas ousou romper nossa doutrina jurídica quando da invasão da Polônia pela Alemanha hitlerista em 1939 e quando da invasão e anexação dos três países bálticos pela União Soviética em 1940; continuamos reconhecendo seus governos no exílio, pois que a ocupação de seus respectivos territórios equivalia a um ato de força, sempre condenado pela diplomacia brasileira. 

 

4. Voltamos para propor uma nova governança global. O mundo de hoje não é o mesmo de 1945. É preciso incluir mais países no Conselho de Segurança da ONU e acabar com o privilégio do veto, hoje restrito a alguns poucos, para a efetiva promoção do equilíbrio e da paz. 

PRA: O Brasil – pelas vozes de seus diplomatas e militares – sempre teve essa aspiração de pertencer ao círculo decisório do poder mundial, antigamente consubstanciado na aventura da Liga das Nações, a partir de 1945 e mais recentemente, representado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Trata-se, sem dúvida alguma de um resquício da Segunda Guerra Mundial, mas realisticamente seria muito difícil acreditar que grandes potências pudessem aceitar um status plenamente igualitário com todos os demais membros da ONU. O CSNU é oligárquico e assim permanecerá, ainda que se faça uma reforma da Carta da ONU e se amplie o número de seus integrantes, com ou sem o direito de veto (o que aliás perturba enormemente qualquer decisão que se tenha de tomar em caso de conflitos entre Estados, ou até mesmo dentro de Estados, nos quais o CSNU tenha de interferir, o que depende dos interesses e do acordo unânime dos cinco membros permanentes). Esse privilégio abusivo está, pois, condenado a perdurar durante algum tempo mais, que não sabemos quanto será.

            Agora, o argumento usado pelo Brasil para legitimar sua aspiração a ser admitido nesse cenáculo decisor é algo hipócrita, pois se diz que é para “democratizar as relações internacionais. Ora, o ingresso de mais cinco ou seis membros permanentes no Conselho de Segurança não tornará o órgão mais democrático, apenas ampliará a oligarquia, inclusive num provável duplo status, os com direito a veto e os sem esse direito. Por outro lado, essa ampliação pode, sim, tornar o CSNU mais representativo, mas o mais provável é que isso complique ainda mais qualquer decisão que envolva interesses desses membros em alguma região do planeta ou em relação a algum país determinado. Ou seja, a ampliação do Conselho de Segurança pode não contribuir para que seu papel seja exercido da maneira mais expedita possível. 

De toda forma, parece impossível, nas circunstâncias presentes, que os cinco atuais membros permanentes aceitem renunciar ao direito de veto, quando seus interesses estiverem envolvidos diretamente. O que teria de haver seria uma enorme pressão de todos os demais 190 países membros para que esse direito de veto não possa ser exercido quando um dos cinco membros violar diretamente a Carta da ONU, ou a paz internacional. Isso também parece impossível de ser alcançado, pois todos os cinco precisariam estar de acordo com essa limitação de poder, mesmo que a Assembleia Geral aprove uma resolução nesse sentido em quase total unanimidade. 

Quando ao Brasil, pessoalmente não considero prioritário esse assunto na agenda de nossos principais objetivos diplomáticos. Acredito que se, e quando, a reforma da Carta da ONU for feita, o Brasil é um candidato natural a uma das vagas, desde que colabore o mais intensamente possível com os objetivos ali inscritos: paz e cooperação internacional, respeito aos seus princípios e valores, que são também os nossos, algo que esteve longe de ocorrer no governo Bolsonaro. Considero que o objetivo mais prioritário do Brasil seja o seu próprio desenvolvimento econômico e social, o que reforçará ainda mais essa pretensão, que repito, não considero importante no momento presente. Mas é uma aspiração válida, desde que tenhamos condições de ajudar ainda mais eficazmente outros países, e participar mais intensamente das missões de paz da ONU. Tudo isso custa dinheiro e talvez não seja o que esteja sobrando no Brasil nos próximos anos.

 

5. A desigualdade entre ricos e pobres manifesta-se até mesmo nos esforços para a redução das mudanças climáticas. O 1% mais rico da população do planeta vai ultrapassar em 30 vezes o limite das emissões de gás carbônico necessário para evitar que o aumento da temperatura global ultrapasse a meta de 1,5 grau centígrado até 2030. Por isso, a luta contra o aquecimento global é indissociável da luta contra a pobreza e por um mundo menos desigual e mais justo.

PRA: Existe muito de politicamente correto em toda essa movimentação em torno do conceito fetiche de nossa época, a tal de sustentabilidade. De toda forma, não se trata de uma agenda da qual possamos nos afastar ou nos abstermos. Ela reproduz em certa medida o mesmo divisor político que existe no sistema multilateral desde décadas: os países ricos teriam a obrigação de ajudar os países pobres, pelo comércio, pela promoção da saúde e da educação e, agora, pela preservação da sustentabilidade ambiental, reduzindo ou eliminando o aquecimento global.

            Pode até ser uma reivindicação legítima, mas não creio que o Brasil deva considerar que se trata de uma obrigação dos países ricos – uma divisão que já não faz muito sentido – ajudá-lo a cumprir um dever de casa, que podemos fazer por nossa própria conta. O Brasil tem um Estado razoavelmente organizado e capacitado a executar tarefas que são do nosso próprio interesse desempenhar.

 

6. Estamos abertos à cooperação internacional para preservar nossos biomas, seja em forma de investimento ou pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania.

PRA: Essa questão da soberania sobre a Amazônia é parecida com o nacionalismo míope dos que consideram que cada Estado tem um poder absoluto sobre sua jurisdição territorial, podendo dispor dele na indiferença sobre seus efeitos sobre outros países. A Amazônia tem um papel específico nos equilíbrios climáticos do planeta, e isso precisa ser reconhecido pelo Brasil, aliás no seu próprio interesse. O mito, ou ameaça, da internacionalização da Amazônia durante muito tempo serviu de biombo para o descumprimento de tarefas que seriam da nossa própria competência exercer, daí o interesse estrangeiro sobre a região. Se formos olhar a história retrospectivamente, veremos que a Amazônia foi um pouco mais próspera quando ela estava de fato internacionalizada, durante o boom da borracha; depois disso ela entrou em decadência, e se tentou resgatá-la da maneira mais errada possível, com a devastação conduzida como política de Estado durante a ditadura militar, que também criou um enclave artificial, a Suframa e a Zona Franca de Manaus, que não corresponde em nada à utilização de suas vantagens comparativas naturais, e que podem ser potencializadas por investimentos estrangeiros na prospecção, estudo, pesquisa e utilização dos recurso da biodiversidade para fins produtivos. O nacionalismo tacanho não ajuda em nada a Amazônia. 

 

7. Enfatizo ainda que em 2024 o Brasil vai presidir o G20. Estejam certos de que a agenda climática será uma das nossas prioridades.

PRA: O G20 está se tornando um fórum burocratizado como são muitos outros foros multilaterais ou regionais, com muito baixa expectativa de que avancem projetos concretos que possam mudar o mundo. Muita retórica, enormes declarações e palavras de boa vontade, com poucos efeitos sobre a condição real dos países pobres. A agenda ambiental estará, mais uma vez, no centro das atenções, se a tensão entre as grandes potências não trouxer outro assunto mais candente. O Brasil vai “brilhar” nessa G20, pois sua diplomacia e seu presidente se esforçarão ao máximo para serem politicamente corretos e cordatos com todo mundo, mesmo com os violadores da Carta da ONU e do Direito Internacional.

            Lula teve pouco impacto no G20, que só foi formado após a crise de 2008, mas ele sempre adorou participar de conclaves internacionais – esteve como convidado no G7 diversas vezes, mas reclamava que era apenas para a “sobremesa” –, onde exerceu os seus dotes de grande “discurseiro”, como sempre fez no ambiente doméstico. Podemos ter certeza de que se excederá no próximo ano, com pretensões a estadista mundial, o que é bom para o Brasil e dos brasileiros, assim como para a autoestima dos diplomatas, que precisam disso, depois de quatro anos de humilhações sob o mandato de um destruidor da diplomacia.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4275: 19 novembro 2022, 8 p.

 

De volta à questão crucial do BRICS para a diplomacia brasileira- Paulo Roberto de Almeida

 Um artigo que escrevi em junho último e que me parece ainda mais relevante depois da vitória de Lula em 30 de outubro. Tenho um livro sobre a Grande Miragem do BRICS no Kindle da Amazon:


O Brics e o Brasil: quem comanda? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor (pralmeida@me.com)

Artigo para a revista Crusoé.  

 

A longa marcha do grande hegemon mundial

Em 1947, logo ao início da Guerra Fria, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos tomou uma decisão, que guiou a conduta do país nos assuntos internacionais pelo meio século seguinte, e provavelmente até a atualidade: manter uma inquestionável supremacia estratégica em termos militares e geopolíticos, não apenas no confronto com possível adversários (a União Soviética era o único, na ocasião), mas também em relação aos seus próprios aliados. Essa postura foi mantida sob todas as circunstâncias nas décadas seguintes, atravessando desde a fundação da Otan (1949), a adoção da doutrina da destruição mutuamente assegurada (MAD) nos anos 1950, a negociações de acordos de limitação de armas e limitadores da proliferação atômica (TNP, a partir de 1968), e até na implosão do antigo inimigo de 45 anos, a União Soviética. Os Estados Unidos se encontravam então, nos anos 1990, no seu momento unipolar, o hegemonismo levado ao seu extremo, depois da queda do muro de Berlim, da dissolução da URSS em mais de uma dúzia de repúblicas independentes (algumas apenas formalmente) e em consequência da extraordinária demonstração de força foi a primeira guerra do Golfo, em 1991, a expulsão das tropas de Saddam Hussein do Kuwait.

Os americanos tinham obtido um feito extraordinário, no meio daquele longo percurso de supremacista geopolítico: separar a China da União Soviética em termos de um possível cenário estratégico de eventual confrontação global. A visita de Nixon a Mao e a subsequente ascensão da China comunista à cadeira da República da China no Conselho de Segurança consolidaram um panorama de ruptura entre os dois grandes inimigos do capitalismo e das democracias de mercado: a China se tornou uma aliada estratégica, ainda que disfarçada, dos Estados Unidos, contra a União Soviética, contra a qual ela tinha várias diferenças antigas e recentes nos milhares de quilômetros de fronteiras e de terras roubadas em séculos passados. Essa aquisição extremamente significativa no quadro do seu planejamento geoestratégico foi completamente perdida no curso dos mesmos anos 1990, quando os EUA, depois de terem patrocinado a incorporação da China à economia global, passaram a tratá-la como adversária estratégica. Essa inversão de postura motivou uma pequena revolução na política externa e na postura global da China, que passaram a encarar os Estados Unidos, não como uma aliado, num eventual confronto com a confusa Rússia desse período, mas como uma potência hegemônica fixada num objetivo que pode ser classificado como demencial e impossível: conter a irresistível ascensão econômica e política da China, o grande Império do Meio, temporiamente diminuído e humilhado pelas grandes potências ocidentais e pelo Japão, durante o século dos tratados desiguais (desde as guerras do ópio até a conquista do poder pelo PCC, em 1949). 

 

Uma nova longa marcha para o Império do Meio

Esse novo cenário pode ter atuado como motivação principal para que os novos imperadores da China decidissem pela sua incorporação ao exercício começado pouco antes pela Rússia e pelo Brasil no sentido de transformar um mero projeto de “carteira de negócios” de um banco de investimentos, um simples exercício intelectual articulado em torno do acrônimo BRIC, em um grupo diplomático. Deve ter sido, provavelmente, o primeiro grupo, ou bloco de países, que não nasceu em torno de um projeto deliberada e racionalmente articulado pela vontade de seus membros constitutivos, com vistas a objetivos comumente determinados, em função dos interesses nacionais de cada um deles, mas que foi induzido externamente, com baseunicamente em projeções de retornos ampliados a partir de quatro economias então relativamente dinâmicas (Rússia e Brasil degringolaram depois das simulações de crescimento rapidamente desenhadas pelo economista do Goldman Sachs). 

A China já representava, desde o início, mais da metade do peso total do BRIC, em termos de PIB, comércio, finanças, capacidade de investimento, infraestrutura e demais indicadores econômicos. De certo modo ela já podia determinar para que direção caminharia o novo grupo, muito artificial sob todos os demais aspectos políticos, diplomáticos, culturais e, sobretudo, geopolíticos. Ela o fez, quase imediatamente após a conformação oficial do BRIC, na primeira reunião de cúpula dos quatro dirigentes, em Ecaterimburgo, em 2009. Já animando uma reunião anual com países africanos desde alguns anos antes – pois que tinha enormes projetos de investimentos no continente africano –, ela fez com que a África do Sul fosse admitida no bloco desde 2011, e foi assim que ele se converteu em Brics, preservando um acrônimo ainda significativo, mas integrando um país que pouco tinha a ver com o espírito inicial do seu “projetista” de investimentos. De certo modo, esse ingresso era aceitável para o Brasil, pois que a África do Sul já fazia parte do primeiro exercício brasileiro de “diplomacia de grupos” sob o lulopetismo: o IBAS, que desde 2003 já integrava a Índia.

A criação do New Development Bank e do mecanismo de empréstimos contingentes, na cúpula de Fortaleza, em 2014, parecia sinalizar uma maior adequação do Brics aos seus objetivos originais, ou seja, a promoção do crescimento econômico, o reforço de mecanismos de cooperação recíproca voltados para a promoção dos intercâmbios comerciais e financeiros com vistas ao desenvolvimento dos cinco países e sua incorporação de maneira mais ou menos coordenada aos grandes circuitos da economia mundial. Tudo isso começou a ser alterado no próprio ano de 2014, quando da violenta irrupção da Rússia de Putin na Ucrânia oriental e no sequestro e anexação da península da Crimeia à sua soberania. A Rússia passou a sofrer sanções dos países ocidentais, mas os demais membros do grupo permaneceram estranhamente silenciosos em face dessa violação flagrante da Carta da ONU e do próprio direito internacional. 

A China, totalmente empenhada na realização da sua nova Rota da Seda, trilhando caminhos nas antigas satrapias da URSS, começou a reforçar sua cooperação com a Rússia, ao mesmo tempo em que desenvolvia novos caminhos para superar os obstáculos que o ainda insuperável hegemon mundial estava criando para conter sua ascensão agora inevitável. Este é o novo grande jogo estratégico na Ásia, de contornos ainda indefinidos, depois da guerra de agressão de Putin contra a Ucrânia e de uma possível redefinição dos cenários estratégicos que serão traçados entre as potências ocidentais. 

 

A pequena marcha do Brasil no Brics

Não se sabe ainda como a futura diplomacia brasileira – a atual já quase não conta mais – vai reagir ante os recentes “projetos” de incorporação de novos membros ao Brics: Argentina, Irã e vários outros candidatos a um grupo que pode ir além do G7 (mas apenas em números). As propostas vêm sendo articuladas pela China, que convidou uma série de outros países, grandes e pequenos, à reunião virtual de cúpula de 2022. Nenhuma decisão será tomada de imediato, mas tal perspectiva permite retornar ao tema que mais importa para a China neste momento: como articular uma coalizão suficiente de países para se contrapor às manobras dos Estados Unidos de contê-la em sua irresistível ascensão?

Este é o ponto fulcral dos objetivos chineses na atual conformação do Brics, que por acaso também podem contemplar os interesses russos no cenário pós-invasão da Ucrânia a mando de Putin: lograr escapar do isolamento conduzido pelas principais potências ocidentais contra os países que contestam o hegemonismo americano e sua arrogância unilateral. Depois da anunciada “aliança sem limites” entre as duas potências autocráticas da Eurásia, o Brics passa a ser usado para fins diversos daqueles concebidos inicialmente. Depois de demonstrar sua total indiferença à anexação russa da Crimeia, a diplomacia brasileira continuará a demonstrar a mesma indiferença em relação a uma guerra cruel que, claramente, afronta todos os valores e princípios pelos quais sempre se bateu sua política externa e que também afrontam diversas cláusulas constitucionais de relações internacionais? Esse é o quadro que se apresenta ao Brasil, depois de ter patrocinado, como um aprendiz de feiticeiro, uma aventura diplomática que as modestas capacidades de projeção externa do país não estão em condições de controlar para objetivos puramente nacionais de crescimento econômico e desenvolvimento social (que deveriam supostamente ser as molas básicas de suas iniciativas no campo da política externa).

O Brasil de Lula-Amorim e a Rússia de Putin-Lavrov deram a partida a um projeto, aceito imediatamente pela China e pela Índia, por razões próprias a cada um deles. A África do Sul entrou de arrastro, e não conta para outros objetivos que não os da China em relação ao continente africano. O que pretendia o Brasil no BRIC-Brics, na origem, e o que pode ele pretender agora, quando o grupo está sendo claramente manipulado pela China e pela Rússia, em função de interesses exclusivamente nacionais, tanto no plano estratégico, quanto nos seus objetivos táticos? Essa é uma pergunta que não terá resposta imediata, nem pode ter, em virtude da conjuntura eleitoral brasileira, mas que permanece como uma das definições de grande diplomacia a serem equacionadas no futuro de médio prazo.

O fato é que o Brics se tornou um animal muito grande para ser encabrestado por um país de recursos limitados como o Brasil, talvez até pela própria Índia, num cenário que não tem muito a ver com a velha Guerra Fria, nem mesmo com alguma nova, qualquer que seja ela. questão de saber quem manda no Brics está posta: o Brasil saberá responder?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 418828 junho 20224 p. (9.800 caracteres)