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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Direitos humanos: criticas a posicao diplomatica do Brasil

O pior dos mundos
Marcelo Coutinho
O Globo, 27.09.2010

Desde o início do governo Lula, o Brasil adotou um padrão novo de posicionamento em questões relacionadas aos direitos humanos, passando a votar a favor de países como Irã e Coreia do Norte.

Não foi a primeira vez que o Brasil beneficiou regimes de força, mas a partir de então consolidou uma política que destoou cada vez mais das nações democráticas. Houve um acentuado declínio nos valores da civilização na nossa política externa, embora os últimos meses de 2010 possam ser de regeneração benigna.

A partir do fim de 2008, a diplomacia brasileira recrudesceu seu novo comportamento, amplamente criticado pelos movimentos de defesa dos direitos humanos. Supostamente em nome de mais diálogo e menos politização, o governo passou a liderar um processo de revisão dos procedimentos na ONU, sugerindo que o mundo parasse de censurar os violadores contumazes.

Embora o discurso oficial se contradiga e oscile entre os ideais wilsonianos de paz e o pragmatismo amoral da realpolitik, a política externa está mais para a mal engendrada weltpolitik, caracterizada pela maior assertividade e pressa com que busca a projeção mundial.

No afã de aparecer como ator independente e garantir um lugar ao sol, o governo acabou inconfessadamente se associando a ditaduras, ainda que não tenha trazido qualquer vitória internacional ou ganho concreto ao Brasil.

O governo Lula defendeu que países da periferia saiam do jugo dos EUA. Fez isso com a pretensão de expandir a influência brasileira no mundo mediante a relação especial que desenvolveu justamente com os desafetos de Washington, em sua maioria governos repressores de todo tipo. Para a diplomacia comandada pelo ministro Celso Amorim, os EUA de algum modo atrapalham a plena ascensão do Brasil, querendo limitálo à América do Sul.

As grandes potências temem que nações emergentes minem a ordem internacional na qual já ocupam posição privilegiada.

Tanto quanto os EUA e a Europa, na prática China e Rússia não gostariam que o Brasil ascendesse como uma potência mundial. Não é estranho, portanto, que o Brasil tenha ficado isolado no Conselho de Segurança da ONU, no qual as cinco potências se alinharam contra Ahmadinejad, incluindo a França, com quem estabelecemos parceria estratégica e passamos a importar material bélico fundamental, por exemplo, para a defesa do pré-sal.

Se o Brasil almeja de fato um assento permanente no principal foro de decisão político-militar do mundo, não seria conveniente polarizar com as potências que, ao final, podem vetá-lo. Não só isolados, podemos acabar também sendo excluídos de uma nova balança de poder. A ONU comemorará 70 anos em 2015. Seria uma excelente oportunidade para fazer as reformas multilaterais, desde que tenhamos uma estratégia diplomática mais consistente, capaz de explorar as brechas do sistema mediante propostas flexíveis.

Por sua vez, quando o governo avança em territórios longínquos acaba por descuidar-se da própria região. Colômbia e Venezuela tensionaram suas relações já bastante complicadas, e o Brasil não exerceu o mesmo empenho pela mediação se comparado à polêmica nuclear iraniana. Não podemos pretender uma liderança global sem exercê-la regionalmente, onde ela é mais possível.

Basta observar a evolução da ordem internacional para ver que um sistema de relações entre países não funciona bem, e pode acabar muito mal, quando se abdica da liderança política.

Evidentemente, o Brasil não deve alardear sua liderança, pois isso costuma gerar efeitos contrários. Mas tampouco devemos permitir ficar com o pior dos mundos, isto é, aumento da instabilidade regional, desgaste no campo dos direitos humanos e deterioração na qualidade das exportações.

Lembremos as sucessivas quedas no saldo da balança comercial, que em nada se coadunam com uma diplomacia realmente pragmática e interessada no pleno desenvolvimento do país.

Em vez de mandar carta aos países da ONU pedindo para aliviar a vida dos tiranos, o Itamaraty deveria considerar os efeitos perversos de longo prazo, relacionados a uma política externa que de algum modo apoia regimes de força.

A infeliz frase “negócios são negócios” pode um dia ser usada contra o Brasil, um país sem grande poder militar, com riquezas tão vastas quanto as suas vulnerabilidades.

Um mundo sem princípios não é do nosso interesse.

MARCELO COUTINHO é professor de Relações Internacionais da UFRJ.

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