O artigo abaixo, sobre o antiamericanismo da
esquerda brasileira em relação ao Onze de Setembro, foi escrito há mais tempo e incorporado, apenas parcialmente, a este artigo:
“Onze de Setembro, dez anos: recepção no
mundo, reações no Brasil”, Revista Espaço Acadêmico, dossiê especial Onze de
Setembro (ano 11, n. 124, setembro de 2011, p. 21-26; ISSN: 1519-6186, link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/14042/7731).
Relação de Originais n. 2290
publicado em formato resumido, podendo, portanto conter passagens de um e outro, mas com cortes.
Reproduzo agora essa seção de forma integral, mas que é apenas um subconjunto de um ensaio maior.
O
antiamericanismo da esquerda brasileira e o Onze de Setembro
Paulo Roberto de Almeida
Como reagiu a esquerda
brasileira aos atentados de onze de Setembro de 2001? Pelo menos uma parte da
militância não hesitou em condenar os próprios Estados Unidos, pelo que foi
identificado a uma “reação lógica” de grupos “oprimidos pelo imperialismo
americano”. Vejamos alguns exemplos.
No próprio dia dos
atentados, o deputado estadual Roque Grazziotin (PT-RS), disse que considerava
o atentado a “consequência do processo de dominação” norte-americana no mundo (O
Estado de São Paulo, 12/09/2001). Outro deputado do PT gaúcho, Edson
Portilho, disse que, “por coerência”, lamentava que “milhares de vidas tenham
sido ceifadas” nos Estados Unidos, mas comparou o atentado a outros episódios
em que o governo norte-americano foi responsável: “São as mesmas cenas que o
mundo repudiou no Vietnã e no Oriente Médio e que foram patrocinadas pelos
Estados Unidos”, afirmou. Por sua vez, a então deputada estadual (depois
federal) Luciana Genro (PT-RS e, posteriormente, PSOL) disse que “essa tragédia
é de responsabilidade do governo norte-americano, porque os Estados Unidos
promovem o terrorismo de Estado no mundo inteiro” (OESP, 12/09/2001).
O Sindicato dos
Bancários de Porto Alegre, filiado à CUT, distribuiu uma nota com o seguinte
título: “Atentados em Nova York: trabalhadores continuarão combatendo o
imperialismo”. Os sindicalistas afirmavam que, “numa consulta a lideranças
políticas e sindicais”, concluíram que “a unanimidade das lideranças condena
esse tipo de iniciativa, cuja grande massa de vítimas são inocentes [sic]. No entanto, também há um consenso
de que a política externa dos Estados Unidos é um agente provocador de tal
reação”. O presidente estadual do PT-RS, Silvino Heck, disse que respeitava “as
posições dos movimentos sociais” e concordava que o episódio “nos obriga a
repensar a política americana”, mas considerava “injustificável qualquer ato de
terrorismo”. Ainda assim, ele condenou antecipadamente a decisão americana de retaliar
o atentado, que já apontava para o papel do regime talibã no Afeganistão (OESP,
12/09/2001).
O deputado (depois
senador) Aloízio Mercadante (PT-SP), então secretário de Relações
Internacionais do partido, tentou minimizar os atos terroristas, afirmando que
não se deveria “exagerar na dimensão do episódio. Qualquer terremoto ou furacão
na Flórida faz mais vítimas e provoca estragos muito maiores” (Jornal da
Tarde, 18.09.01). Trata-se de um tipo de afirmação – no mínimo insensível
e, no limite, eticamente inaceitável – que revela um desprezo dificilmente
admissível em face da perda de vidas humanas, quando elas resultam de algum
tipo de “enfrentamento político” que possa colocar num dos lados da balança o
tradicional “opressor imperialista”.
Essas reações da esquerda
brasileira aos atentados de 2001 conformam o padrão típico do anti-imperialismo
primário e no mais das vezes ignorante (para não dizer moralmente abjeto) que
caracteriza a esquerda comunista em geral e a latino-americana em especial quando
o que está em jogo é o “império”. Na ocasião elas espelhavam – e provavelmente
ainda refletem – o ódio instintivo que esses grupos de “antiamericanos
profissionais” mantêm em relação à grande potência imperial, capitalista e
arrogante, que simboliza tudo o que esses grupos consideram negativo no plano
político mundial.
Os exemplos mais
frequentes, atualmente, de terrorismo político, são de extração basicamente
islâmica. Ele é totalmente negativo e se situa no terreno do niilismo político
e da negação de qualquer norma civilizada. Isso não parece ter sido
compreendido pela esquerda, em parte porque os fundamentalistas também
deblateram contra a dominação ocidental e o imperialismo americano,
tradicionais demônios ideológicos da esquerda. Com isso elas acabam sendo
coniventes com os piores crimes já cometidos contra civis de que se tem notícia
e que não se resumem aos bárbaros atentados de setembro de 2001.
A esquerda parece
ter deixado de lado imperativos morais que se colocam acima e além das
conveniências políticas. Ela não parece ter refletido sobre o terrorismo
especificamente islâmico e não consta que de seus meios tenha emergido uma
condenação in totum desse tipo de “luta política”. Na verdade, é difícil
atribuir-se a classificação de “luta política” a ações armadas cujo único
objetivo é precisamente esse: infundir o terror, com base numa distinção étnica
ou religiosa que nos remete aos piores momentos das guerras de religião, das
cruzadas de reconquista ou do genocídio hitlerista.
A denúncia dos
“crimes americanos” é atávica nesses grupos, que também passam sob silêncio os
atentados aos direitos humanos que se cometem em várias ditaduras do Terceiro
Mundo. No próprio Brasil, aliás, o sentimento antiamericano parece ser
disseminado, na imprensa e nos meios acadêmicos em geral, por razões por vezes
primárias, mas geralmente contraditórias. De fato, as mesmas pesquisas que
indicam uma rejeição muito forte aos EUA e a seus dirigentes (pelo menos aos
republicanos conservadores) – e que podem ou não corresponder aos estereótipos
geralmente mantidos contra a potência imperial, por mais equivocados que sejam
– também confirmam uma aceitação acrítica de produtos, modismos e outros
símbolos culturais da sociedade americana: ainda que odiando os EUA,
terroristas e esquerdistas do mundo inteiro não rejeitam os gadgets e os meios de comunicação
inventados pela potência imperial.
[Brasília, 4/09/2011]
Publicado, sob o título de “Antiamericanismo
primário”, no jornal Notícias do Dia
(Florianópolis, ano 6, n. 1715, Fim de Semana, 10 e 11 de Setembro de 2011, p. 19;
www.NDonline.com.br).
Relação de Publicados n. 1051.
Nenhum comentário:
Postar um comentário