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segunda-feira, 10 de junho de 2024

Morre Conceição Tavares, um ícone do desenvolvimentismo - Mauricio David

Morre Conceição Tavares, um ícone do desenvolvimentismo

Nascida em Portugal, e no Brasil desde 1954, lecionou na UFRJ e colaborou com a Cepal. Faleceu em Nova Friburgo (RJ), aos 94 anos

 

Talvez um dos maiores méritos da economista Maria da Conceição Tavares, que faleceu sábado (8) em Nova Friburgo, aos 94 anos, tenha sido sua inesgotável capacidade de provocar polêmica e conseguir levar adiante debates sobre política e economia que, de outra forma, poderiam ficar restritos a pequenos grupos ou mesmo passar desapercebidos, sem influenciar políticas públicas e decisões governamentais.

Professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) durante muitos anos, inclusive depois de aposentada, autora de livros adotados em muitos cursos de economia e de artigos publicados durante 12 anos pelo jornal "Folha de S. Paulo", Conceição Tavares teve entre seus alunos alguns dos economistas que dirigiram as finanças do país desde a redemocratização do Brasil depois do regime militar. Com alguns desses ex-alunos e colegas, manteve polêmicas públicas e ferozes, sobretudo com economistas liberais.

Dona de uma personalidade marcante, com tom de voz e sotaque inconfundíveis, controversa, debatedora incansável, ao mesmo tempo em que ganhou adversários na economia e na política, ela também colecionou admiradores, economistas em sua maioria, que prezavam a agudeza das suas críticas e a fidelidade às suas convicções, desprezando modismos do pensamento econômico.

Conceição Tavares - chamada simplesmente de Maria por alguns dos amigos mais próximos - conviveu com a maior parte dos economistas de renome do país durante a segunda metade do século XX e os primeiros anos deste século e deixou sua marca não apenas como uma espécie de "agitadora" de ideias, mas também pelo seu pioneirismo em estudar temas como a industrialização no Brasil e a ênfase, que ela considerava exagerada, no mercado financeiro.

Maria da Conceição de Almeida Tavares nasceu na cidade de Anádia, em Portugal, no dia 24 de abril de 1930. Licenciou-se em matemática na Universidade de Lisboa. Um ano depois de formada, em 1954, mudou-se para o Brasil, tendo se naturalizado brasileira poucos anos depois, em 1957.

Em uma entrevista à revista "Praga", explicou sua decisão de migrar: "Quando saí de Portugal, em 1954, os problemas lã eram democracia, humanismo, terror. Já no Brasil, eram a injustiça social, o atraso e a presença do imperialismo. Quando entrei para o (então ) BNDE, aluna de economia ainda, deparei-me com as estatísticas: esse país é uma desigualdade só. Compreendi, então, as dificuldades das tentativas de construção de uma democracia nos trópicos."

No banco que é hoje o BNDES, ela trabalhou como analista, entre 1958 e 1960 
(na verdade, como estagiária e um curto período como analista, não como afirmou errônea e mentirosamente o Aloizio Mercadante como “ocupando altas funções no Banco” (MD) - ano em que terminou a Faculdade de Ciências Econômicas na então Universidade do Brasil. Imediatamente, passou a dar aulas ao mesmo tempo em que fazia seu curso de pós-graduação em desenvolvimento econômico na Comissão Econômica para América Latina (Cepal). (Na verdade, o curso era na Comissão Mista CEPAL/BNDES, aqui no Rio de Janeiro, então dirigida pelo grande economista chileno e cepalino Aníbal Pinto (MD)”.

Foi colaboradora da Cepal entre 1961 e 1974. Em 1973, foi uma das fundadoras do primeiro curso de pós-graduação em economia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Obteve doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 1975, defendendo a tese "Acumulação de capital e industrialização no Brasil". Com a aposentadoria de Octavio Gouvêa de Bulhões, três anos depois, tornou-se professora titular na UFRJ.

Também foi uma das criadoras do Instituto de Economistas do Rio. Em 1980, formalizou sua participação política filiando-se ao PMDB. Na entrevista à revista "Praga", comentou da seguinte forma sua decisão de entrar no partido:

"Minha militância no PMDB durou de 1978 a 1988 e está indissoluvelmente ligada a duas personalidades públicas deste país: Ulysses Guimarães e Fernando Henrique Cardoso. O primeiro, Deus levou antes de testemunhar a ruína do seu partido e o apodrecimento da grande frente democrática que liderou durante tantos e tantos anos, nessa travessia infindável para a democracia. O segundo foi meu companheiro da luta político-intelectual por décadas. Quando saiu para fundar o PSDB não o acompanhei porque o grupo de economistas do PMDB permaneceu fiel a Ulysses, já que era sob sua serena condução que nos movíamos. Foi na sua ala, a Travessia, que nos reuníamos para discutir, organizar programas econômicos e debater com os quadros técnicos e cúpulas políticas do partido."

No governo de FHC - a quem Conceição Tavares continuava a tratar como Fernando, mesmo durante seu tempo na Presidência da República - ela foi dura crítica da política econômica, em especial no que se referia à decisão de manter as taxas de juros elevadas e o real, sobrevalorizado.

Na época em que o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, saiu do governo, Conceição Tavares, então deputada, fez em discurso no Congresso em que afirmou que o presidente Fernando Henrique deveria ter demitido Franco quando disse que não subiria os juros e acabou aumentando a taxa, em setembro, para 50%.

"Ali ele tinha que ter demitido esse menino", disse. Concluiu seu discurso de protesto no plenário afirmando que a "desvalorização cambial decretou a falência da política econômica do governo".


Na primeira metade dos anos 1980, Conceição Tavares ganhou maior notoriedade fora dos meios acadêmicos ao publicar uma série de trabalhos criticando a política econômica do governo. São dessa época seus livros "A economia política da crise: problemas e impasses da política econômica brasileira"* ( na verdade, de minha co-autoria junto com a Conceição. Nesta época, a Conceição resolveu assumir a Presidencia do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro- IERJ ( o presidente anterior havia sido o economista Pedro Malan, odiado pelo Delfim porque crítico da política econômica do regime militar) e me convidou para colaborar com a sua gestão. Lá pelas tantas, resolvemos no Instituto organizar um Encontro de Economistas, primeira reunião aberta deste tipo, possível com a abertura política no Brasil) e "O grande salto para o caos: a economia política do regime autoritário", este com José Carlos de Assis.

Apoiou o Plano Cruzado e chorou em uma entrevista à televisão, ao comentar os efeitos que a estabilização monetária poderia trazer para os mais pobres.

Em 1994, ela se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT), elegendo-se deputada federal pelo Estado do Rio de Janeiro, onde sempre morou desde que chegou ao Brasil. Depois de cumprir um único mandato, desiludida com o pouco que conseguiu realizar como parlamentar, ela desistiu de concorrer a outros cargos públicos.

Mas voltou a participar do governo federal, assessorando o senador petista Aloizio Mercadante, de São Paulo, após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo governo ela influenciou também por meio da indicação do amigo Carlos Lessa, que ocupou a presidência do BNDES até 2004.

Crítica também da política econômica adotada pelo governo Lula, Conceição Tavares resolveu parar de escrever em jornais em setembro de 2004. Em sua última contribuição à "Folha de S. Paulo", ela deixou explícita a determinação do seu caráter: "Depois de mais de 40 anos de luta intelectual no campo da heterodoxia e de militância nas lutas democráticas populares e nacionais, ainda não desisti das lutas maiores." Por isso mesmo, decidira parar de escrever - o que a obrigava a ler "centenas de matérias econômicas" - para "poupar as energias que me sobram para as únicas tarefas a que nunca me neguei".

Legado da economista

Obras de Maria da Conceição

Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Zaliar, 1972
Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Tese de livre-docência (UFRJ), 1975, Ed. Unicamp, 1986.
Ciclo e crise. O movimento recente da economia brasileira. Tese de professora titular (UFRJ), 1979.
A economia política da crise (Org). Ed. Vozes/ Achiamé, 1982.
O grande salto para o caos: a economia política do regime autoritário (Coautoria com José Carlos de Assis). Zaliar, 1985.
Aquarela do Brasil: ensaios políticos e econômicos sobre o governo Collor (Org. e introdução). Ed. Rio Fundo, 1991
Japão: um caso exemplar de capitalismo organizado. (Coautoria com Emani Torres Filho e Leonardo Buriamaqui). Ipea/Cepal, 1991
Ajuste global e modernização conservadora. (Coautoria com José Luis Fiori). Ed. Paz e Terra, 1993.
Celso Furtado e o Brasil. (Org.) Fundação Perseu Abramo, 2000.

 

Economistas, ex-alunos e políticos ressaltam legado da professora

Paula Martini e Ricardo Bomfim

 

Economistas, ex-alunos e políticos lamentaram a morte de Maria da Conceição Tavares, no sábado.

Em uma rede social, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chamou Conceição Tavares de "uma das maiores da nossa história". "Foi uma economista que nunca esqueceu a política e a defesa de um desenvolvimento econômico com justiça social", escreveu.

Mercadante, atual presidente do BNDES, onde Conceição Tavares trabalhou, escreveu, em nota, que a economista tinha "densa formação intelectual e profunda coragem". "Não poderia deixar de mencionar a imprescindível contribuição de Conceição para a construção do BNDES, instituição na qual ela entrou concursada em 1958", afirmou.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, escreveu em rede social que a economista "deixa um rico legado" com "seu pensamento, crítica e defesa inegociável da justiça social". "Será sempre uma estrela guia para o pensamento econômico brasileiro", afirmou.

O economista Marcio Pochmann, presidente do IBGE, disse que Conceição Tavares deixa "uma trajetória exemplar de educadora engajada no que de melhor o pensamento crítico gerou no Brasil".

O diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Frederico Leão Rocha, ex-aluno de Conceição Tavares, atribui a ela o desenvolvimento de um pensamento econômico de esquerda no país. "Pegou o legado do Celso Furtado e criou duas escolas de economia. Ela tem artigos fantásticos", disse.

Para a economista Laura Carvalho, diretora global da Open Society Foundations, Conceição Tavares, que também foi sua professora, esteve à frente de seu tempo como mulher e acadêmica.

"Sempre foi muito aguerrida, mas nunca teve medo de enfrentar as conversas. E com isso chamava atenção, ainda mais sendo mulher num ambiente tão dominado por homens", afirmou. "Ela oferece esse exemplo que inspira e mostra a possibilidade que nós mulheres temos de fazer análises originais e ocupar espaço no debate."

Luiz Gonzaga Beluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembrou que a economista "discutia de maneira muito intensa". "Às vezes, não entendiam que ela não estava brigando com as pessoas, mas com as ideias. Isso faz parte da construção do conhecimento. Ela tinha grande capacidade de compreensão e, inclusive, de abandonar as próprias idéias", afirmou

Beluzzo atribui à energia e ao didatismo particular de Conceição Tavares a capacidade para atrair os alunos, que lotavam disciplinas lecionadas por ela na Unicamp e na UFRJ. Esse vigor, diz, fez com que ela se tornasse conhecida também pelas novas gerações através de trechos de aulas e entrevistas que viralizaram nas redes sociais. "Ela provocava as pessoas e suscitava nelas uma vontade de entender sobre o que ela estava falando."

Um dos criadores do Plano Real, o economista Edmar Bacha disse que a morte de Conceição Tavares é uma "grande perda para o país". "Amiga dileta, professora inspirada, com contribuições fundamentais para a compreensão da economia brasileira", afirmou. "Correntes pouco importam, o que importa é a qualidade da análise. E a da Conceição era excepcional".

O economista Cláudio Considera, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), recordou a convivência com Conceição Tavares no início dos anos 1970, quando foi estagiário dela no escritório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) no Rio de Janeiro. "Irascível e ácida no debate, era afável no convívio", disse.

Ele sublinhou a atuação da colega contra a desigualdade na ditadura. "Corajosa no combate à política econômica da ditadura que provocou enormes desigualdades sociais, chegou a ser presa por alguns dias. Segundo consta, foi solta graças à intervenção do Simonsen, à época ministro [da Fazenda] de Geisel, que a respeitava."

 

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* "A economia política da crise: problemas e impasses da política econômica brasileira" ( na verdade, de minha co-autoria junto com a Conceição. Nesta época, a Conceição resolver assumir a Presidencia do Instituto de Economistas do Rio de Janeiro e me convidou para colaborar com a sua gestão. Lá pelas tantas, resolvemos no Instituto organizar um Encontro de Economistas, primeira reunião aberta deste tipo, possível com a abertura política no Brasil. Como professor e pesquisador da PUC/RJ, através do seu Instituto de Relações Internacionais-IRI, do qual fui um dos fundadores junto à liderança do pensador ligado “aos padres” da PUC Luiz Gonzaga de Souza Lima, e do Departamento de Economia (hoje célebre após o Plano Real), fiquei encarregado de organizar a reunião e de conseguir que a PUC cedesse seus auditórios e salas para a reunião. Consegui, depois de muitos sacrifícios e lutas, pois os padres ainda estavam receosos de enfrentamentos com os militares, que a PUC cedesse auditório e salas para o evento. Foi aí que tive o primeiro e talvez único encontrão com a Conceição. Explico : durante o evento, que reuniu dezenas de mesas de debate e grandes reuniões plenárias de abertura e encerramento, eu havia tomado a iniciativa de convidar Leonel Brizola e Darcy Ribeiro para participarem do evento. Ambos compareceram e, como é natural, “roubaram” boa parte do evento... A Conceição, apaixonada como sempre e nesta época vivendo um idílio com o PMDB, embora fosse uma democrata radical, perdeu as estribeiras e me desancou com virulência por ter convidado o Brizola e o Darcy (para ela, naquele período, o debate democrático só valia para seus amigos do PMDB...). Engoli em seco e passei uma borracha nas diatribes da Ceiça. Tudo voltou às boas, como solia acontecer nas “brigas” da Conceição... Neste meio termo, propus que aproveitássemos o evento a realizar-se na PUC para publicarmos um livro (não com os resultados do Encontro, porque é sabido que os intelectuais brasileiros são meio “preguiçosos” e difíceis de escrever. Era uma primeira iniciativa deste tipo que se realizava no Brasil pós-abertura. Houve muitas dúvidas sobre a sua viabilidade (a organização e publicação do livro). Como todos aplaudiram a minha idéia e proposição, mas ninguém queria assumir o encargo, por descrença total na sua viabilidade, acabei, como autor da idéia e proposição, encarregado de organizar o livro. Que batalha então ! Primeiro, procurar possíveis autores e incentivá-los a escrever os ensaios. Segundo, encontrar uma editora para publicá-los. Foi uma luta dura, mas afinal os originais foram recebidos (fiquei quase louco, pois ninguém cumpria prazos, a começar pela própria Conceição). Lá pelas tantas, consegui até uma editora (que depois deu um “golpe” no IERJ, editando e reeditando várias vezes o livro sem nunca pagar os direitos autorais ao IERJ). Eu havia sugerido que, para melhor divulgação do livro e como arma de combate, a Conceição aparecesse como autora e organizadora do livro. Idéia aceita, lá pelas tantas o Eduardo Augusto (professor do Instituto de Economia da UFRJ e a quem a Conceição havia convidado para ser a sua Vice no Instituto) disse em uma reunião : “Mas que absurdo, minha gente, a idéia do livro, a sua organização e a batalha por sua edição foi toda feita pelo Mauricio, não é justo que o seu nome não apareça na capa junto do da Conceição”... O Eduardo Agusto era muito respeitado e estava na Vice por indicação da Conceição. A aceitação foi unânime e assim passei a figurar como um dos organizadores do livro. Por modéstia talvez excessiva, eu organizai o livro mas fiquei constrangido em dele participar como um  dos ensaístas... Como a Conceição foi useira e vezeira em dar “carona” em toda a sua vida intelectual a moluscos que colavam a sua pele para aparecerem – e a generosa e bondosa Ceiça sempre dava guarida a estes oportunistas – há gente que até hoje há de pensar que fui um destes caronas...( Serra, José Carlos de Assis, Aluizio Mercadante, José Luiz Fiori, simples moluscos que se agregavam ao casco da brilhante intelectual que era a Conceição para aparecerem colados ao seu nome ( faço excessão ao nome da Hildete, sempre amiga da Ceiça para tudo e sempre, e ao Belluzzo, seu grande parceiro intelectual na Unicamp). Mas a verdade é que, desta vez, quem pegou carona foi a Conceição ! Ela apareceu no livro como Pilatos no Credo... Mas que o meu nome tenha aparecido como co-organizador/autor junto ao do dela, muito me honra e me alegra. Obrigado, Ceiça !, por me dar esta honra... E obrigado, Eduardo Augusto, pela sua dignidade intelectual de sempre...

MD    

 

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