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quinta-feira, 13 de junho de 2024

Protecionismo de países ricos ameaça economia verde: Jorge Arbache - Lu Aiko Otta (Estadão)

 Protecionismo de países ricos ameaça economia verde, afirma Arbache

Ambiente - Falta de coordenação interna também é obstáculo para que Brasil se beneficie de potencial de fornecedor de energia e alimentos, diz economista

Lu Aiko Otta

 

Falta de coordenação interna e protecionismo por parte das economias desenvolvidas são os dois maiores obstáculos a serem superados para que o Brasil possa se beneficiar do potencial que possui como fornecedor de energia sustentável e alimentos para o mundo. A avaliação é do economista Jorge Arbache, que em maio concluiu um período de quase seis anos à frente da vice-presidência do Setor Privado no Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe (CAF).

Daquele ponto de observação, no qual aprovava anualmente projetos da ordem de US$ 8,5 bilhões, Arbache se convenceu de que a região está diante de uma oportunidade única de desenvolvimento, graças à abundância de água fresca, minerais críticos e elementos para a produção de energia sustentável. Além disso, está distante das áreas de conflito geopolítico.

Na sua visão, as vantagens comparativas de América Latina e Caribe podem ajudar a contrabalançar o custo de capital ainda elevado e a falta de recursos públicos para conceder subsídios. Com isso, é possível à região tornar-se atrativa a novos negócios, a despeito dos massivos incentivos que estão sendo despejados na transição energética pelas economias centrais.

Para isso, no entanto, é preciso avançar mais rapidamente na construção de um ambiente regulatório favorável e fortalecer a articulação dentro do governo e do setor público com as empresas. As visões são coincidentes, mas falta velocidade, avaliou.

No atual cenário, há retrocesso na agenda da sustentabilidade, disse. O custo elevado da descarbonização tem levado empresas a abandonar metas e gera indisposição entre consumidores, por causa da "inflação verde". O debate também tem sido capturado por campanhas eleitorais. Abaixo, os principais trechos da entrevista concedida ao Valor.

Valor: O sr. ficou cinco anos e nove meses na vice-presidência da CAF e dedicou especial atenção à transição energética. Que avaliação faz do atual momento na região?

Jorge Arbache: Temos muitos grandes desafios: baixa produtividade, pobreza, desigualdade, de contas públicas sob pressão. Mas, ao mesmo tempo, há uma oportunidade crescente, com a economia da sustentabilidade. Eu acho que a geografia vai voltar a ser determinante da decisão de investimento.

Valor: Por quê?

Arbache: Temos as mudanças climáticas, os temas geopolíticos, os fenômenos climáticos extremos, que, no seu conjunto, fazem com que a geografia se torne muito mais relevante do que era. Estamos fisicamente distantes de questões geopolíticas intensas. Além disso, há na região fontes de água fresca, condições de produzir energia verde em muita quantidade, muita biodiversidade, florestas, minerais críticos para transição, um grande potencial para o mercado de carbono, e ainda terras que podem ser utilizadas para expansão agrícola. Tudo isso está se tornando, e vai se tornar ainda mais, fonte crítica ao longo das próximas décadas.

Valor: Sempre tivemos isso. Porque agora essas coisas são valorizadas?

Arbache: Os preços relativos de tudo isso que eu falei vão aumentar muito. Produtos intensivos em energia, que terá de ser verde. Tudo aquilo que é intensivo em água para a sua produção. A biodiversidade, da mesma forma. Temos um crescente problema de segurança alimentar em nível global, que vai se intensificar ao longo dos próximos anos e décadas. Então, é como se a região tivesse colocada para ser parte da solução dos problemas globais.

Valor: O que fazer para não perder mais essa oportunidade?

Arbache: Ter uma visão estratégica e se organizar para poder capitalizar todas essas oportunidades na forma de negócios que atendam aos interesses da região, mas também aos interesses do mundo. Esta será seguramente a grande oportunidade para resolvermos problemas de desigualdade, de pobreza, de crescimento lento, de baixa produtividade. Isso é possível, já que temos uma vantagem comparativa que pode se tornar competitiva também.

Valor: O que é a expressão que cunhou, o power shoring?

Arbache: Há produtos manufaturados que precisam muito de energia verde. Estar perto das fontes é economicamente muito mais viável do que transportar essas coisas para outro lugar. Isso cria um poder de barganha, uma condição que nunca tivemos, que é industrializar as vantagens comparativas. E daí nasce a tese do power shoring, que é a conversão da energia de que dispomos, e da água, em instrumentos de atração de investimento em direitos dos estrangeiros.

Valor: Qual o papel dos bancos multilaterais, como o CAF, o BID e o Banco Mundial nesse processo?

Arbache: Esses bancos são cada vez mais importantes, porque podem fazer três coisas que nenhuma outra instituição financeira ou do mercado de capitais pode. A primeira é coordenar agendas. Eles têm uma capacidade de mobilização de atenções que nenhum outro agente privado tem. A segunda é produzir uma agenda de conhecimento que seja de interesse de todos. E a terceira agenda é a mobilização de recursos. Muito mais do que colocar crédito, eles têm uma função ainda mais nobre, que é a de mobilizar recursos de terceiras partes.

Valor: Como isso funciona?

Arbache: Os bancos se colocam na condição de serem coordenadores de processos de financiamento. Isso reduz o custo mais visível, para que o setor privado entre em negócios que, de outra forma, não entraria.

Valor: Para onde os recursos devem ser direcionados, prioritariamente?

Arbache: Naquilo que mais aponta para o futuro. Passam pela agenda verde. E, coincidência ou não, as sub-regiões que mais têm condições de explorar as agendas do futuro, as agendas de sustentabilidade, são as mais pobres da região. Este é o caso na Colômbia, o caso do Brasil com as regiões Nordeste e Norte, é o caso do Paraguai, do Chaco.

Valor: Olhamos para esse quadro e pensamos: "agora, vai". Mas não vai. Esse cenário do qual o sr. fala já foi identificado há alguns anos. Teria algum exemplo de algo que já esteja aproveitando todo essa potência?

Arbache: Eu acho que você tem razão. Essa visão do "agora, vai", ela está sempre perto da gente. E, na verdade, nunca vai. Às vezes vai até para trás. Dito isso, eu acho que esse momento que a vivemos na região tem uma coisa que salta aos olhos. Tem uma visão convergente para a megaoportunidade única que esta região tem. A mesma visão no Chile, na Colômbia, no Uruguai, no Paraguai, aqui no Brasil. O que talvez faça falta é melhor coordenação dentro dos governos e entre o governo e o setor privado.

Valor: No Brasil também?

Arbache: No Brasil, não há como não reconhecer as muitas importantes iniciativas: o Plano de Transformação Ecológica do Ministério da Fazenda ou no plano de neoindustrialização do Mdic [Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços]. Há agendas também no Ministério de Minas e Energia, no do Meio Ambiente, no Itamaraty, no BNDES, no BNB [Banco do Nordeste], no Banco do Brasil. O Congresso está discutindo essas matérias: combustível do futuro, produção de energia eólica offshore e por aí vai. Há essa visão. O que talvez falte aqui, como em outros países da região, é uma maior coordenação dentro do governo, nas suas várias áreas, para escalar os impactos e reduzir os tempos. Não existe antagonismo nas teses. É o contrário. Elas apontam para o mesmo caminho.

Valor: Quer dizer que a bola estâ conosco mesmo?

Arbache: Existe um outro ponto que funciona como obstáculo: os muitos subsídios, o protecionismo e a discriminação que estão sendo implementados por China, União Europeia, Estados Unidos, Japão. De tal forma que países ou regiões como América Latina encontram obstáculos para levar adiante e realizar todo seu potencial.

Valor: Aí, complicou.

Arbache: É um tema importantíssimo. Esse protecionismo e esses subsídios que são muito grandes e podem comprometer o potencial que a gente tem na região. O que a gente vê, na verdade, é uma mercantilização da agenda do clima. É um processo que aumenta custos e explica, ao menos em parte, a inflação verde que vemos.

Valor: Como é isso?

Arbache: Há aumento dos impostos em muitos países desenvolvidos e, portanto, há insatisfação. A mercantilização da agenda do clima tem causado endividamento público crescente. Vemos isso claramente nos EUA. Há crescente desconforto das populações nos Estados Unidos e na Europa, especialmente com relação à agenda do clima.

Valor: Insatisfação porque as coisas ficam mais caras?

Arbache: Caras e burocratizadas. Ao mesmo tempo, existe uma região como a América Latina que pode oferecer produtos e serviços verdes, a preços mais baixos e em um prazo muito mais curto. Eu acho que isso posiciona a América Latina nesse grande debate que tem que ser feito, sobre como o comércio e o investimento têm que ser vistos como ferramentas da descarbonização da economia global.

Valor: Estou entendendo que os países ricos não querem a opção que a América Latina oferece. Querem fazer o deles, ainda que seja mais caro. É isso?

Arbache: Querem fazer o deles, porque entendem que é uma agenda de negócios. Ainda que isso seja feito a um custo muito alto, muito mais lentamente e tendo que voltar para trás com os compromissos da agenda do clima. Grandes empresas estão abrindo mão de compromissos autoimpostos para a descarbonização e a agenda ESG. Há uma crescente tensão contra a agenda do clima. Isso é muito ruim. O desconforto está sendo politizado na Europa e nos Estados Unidos. Isto não pode acontecer.

Valor: Ou seja, estamos retrocedendo na agenda do clima.

Arbache: Saiu recentemente um índice internacional que mostra o nível do engajamento dos países com algumas agendas econômicas associadas ao clima. Mostra que os países desenvolvidos entraram no campo vermelho, do retrocesso. Mas são eles os que mais emitem. Aí, complica demais. E não vai terminar a curto prazo, pelo contrário. É tema de campanha eleitoral. Então, aqui entra o papel dos países em desenvolvimento, da América Latina com certeza, como parte da solução para esse tipo de tensão em nível global.

Valor: A perspectiva de eleição de Donald Trump é um complicador?

Arbache: Eu não tenho dúvida. Vemos uma narrativa de que o IRA, o Inflation Reduction Act, que criou esses protecionismos e subsídios, é favorável ao clima. Mas também é contra o clima, na medida em que se anulam o comércio e o investimento como agendas da descarbonização. Já vi em jornais menções de que uma das primeiras medidas do Trump, caso eleito, seria sair de novo do Acordo de Paris. Sei lá se isso vai acontecer, mas é o que circula.

Valor: A América Latina está se colocando como alternativa viável? Aqui no Brasil, ainda estamos discutindo marcos regulatórios do mercado de carbono, do combustível do futuro.

Arbache: Esses sistemas normativos e regulatórios, e até de políticas públicas mais ofensivas, estão na mesa. Só que não no ritmo que deveria. Estamos seguramente atrasados. Não tem aqui a visão do bosque, tem a visão da árvore. Discutem-se temas isolados. A visão do bosque tem que estar no Congresso, no governo federal, nas agências reguladoras, nos bancos. Eu acho que isso pode ser importante para acelerar essa discussão.

Valor: Há muitos anos, o Brasil tem uma matriz energética limpa. Por que os produtos brasileiros não são chamados de "verdes" no mercado global?

Arbache: Não temos sabido transformar isso numa bandeira, não temos trabalhado numa taxonomia, não temos criado um rótulo para capitalizar o produto verde. Seria preciso sair mundo afora vendendo esses padrões e as nossas certificações. Mas aqui entra um campo supercomplexo. O que os outros países fazem, especialmente os europeus, é criar ou desenvolver padrões que, na verdade, não reconhecem as nossas condições.

Valor: A velha barreira não-tarifâria. Como sair dessa armadilha?

Arbache: Eu acho que a saída está especialmente na maior e melhor coordenação dos governos da região e entre os governos e o setor privado. Eu acho que falta também uma maior integração com o capital estrangeiro. Eles têm muito a contribuir nessa agenda. E seguir buscando uma atuação para o setor público que seja condizente com a sua capacidade fiscal.

Valor: Mas, com tantas vantagens naturais, vai precisar de impulso fiscal?

Arbache: Não podemos nos ancorar essa agenda em subsídios e incentivos, porque não temos condição fiscal para isso. Mas alguns subsídios terão que ser dados, especialmente para setores emergentes. Teriam que ser subsídios transitórios com prazo definido e condições definidas.

Valor: Para quê?

Arbache: Por exemplo, no caso do hidrogênio. É possível que se precise de algum tipo de apoio no financiamento, de apoio de BNDES e outras fontes, como o BNB. De forma a reduzir ao menos parcialmente o custo do capital. Os grandes empecilhos a se produzir aqui são: custo do capital, número um e, número dois, a parte regulatória. Número três, os obstáculos internacionais que desviam investimentos que po-deriam vir para cá. O custo de capital elevado tem que ser compensado pelas demais vantagens que oferecemos. E essas deveriam ser geográficas e regulatórias.

Valor: O sr. falou do papel dos bancos de desenvolvimento como chamarizes de investimento privado. Pode dar alguns exemplos de negócios desse tipo que fez no CAF?

Arbache: Vou te dar alguns exemplos. Uma planta de celulose verde no centro do Uruguai, que foi o maior negócio da história do país, precisava de uma ferrovia para que se pudesse escoar a produção até o porto de Montevidéu. Entramos para botar de pé essa ferrovia, que foi inaugurada há um mês e meio. A produção está em vento e popa. No Paraguai, a CAF está trabalhando em uma agenda também múltipla de plantas de hidrogênio verde, plantas de fertilizantes, plantas de papel e celulose e outras. Tomando como base a disponibilidade de água e de energia verde. Isso já está acontecendo, não é que vai acontecer no futuro.

Valor: E no Brasil?

Arbache: A produção da Ace-len, que vai fazer diesel verde e SAF [Sustainable Aviation Fuel, "combustível do futuro"] em grande escala. A produção de fertilizantes em Uberaba [Minas Gerais], que vai precisar de uma planta de hidrogênio.

 


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