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sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 1 - Paulo Roberto de Almeida (Revista Será?)

Artigo mais recente publicado:

1602. “Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 1/2”, revista digital Será? (ano xiv, n. 684, Recife, 21 de novembro de 2025; link: https://revistasera.us2.list-manage.com/track/click?u=411db2b245b4b4625516c92f4&id=5960193be7&e=b9cc4cc5fd . Relação de Originais n. 5109.

Política externa e diplomacia do Brasil: como são, como podem ser, 1

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor (diplomatizzando.blogspot.com)

Algumas premissas conceituais
        O estabelecimento de uma política externa e a sua materialização diplomática para um determinado país costumam ser expressões setoriais da sua política nacional, tanto no plano das principais definições conceituais, quanto no terreno da ação prática. Elas representam a vertente exterior das grandes escolhas que a sociedade estabelece, preferencialmente de maneira consensual, para o atingimento dos grandes objetivos estratégicos que o país e sua sociedade pretendem concretizar. Estes grandes objetivos estão balizados primeiramente no texto constitucional, e costumam refletir as aspirações nacionais em termos de desenvolvimento, de prosperidade e bem-estar, de consolidação institucional de um sistema político democrático e de defesa de valores e princípios que fazem parte do patrimônio cultural e espiritual da nação, assim como, obviamente, de resguardo da soberania nacional e da defesa do território e dos patrimônios nacionais.
        O Brasil pretende ser uma sociedade democrática, baseada num regime de livre iniciativa, fortemente integrada à economia mundial, desejosa de participar plenamente da sociedade internacional, com apoio principalmente no direito internacional, sem descurar os necessários cuidados com sua defesa e capacidade de garantir o atingimento dos interesses nacionais em total autonomia decisória. Com base nesses pressupostos, os governos formulam definições básicas no tocante à política externa que precisam ser executadas de acordo a diretrizes emanadas do poder executivo, usando para tal tarefa da principal instituição a ela devotada, o Ministério das Relações Exteriores.
        Historicamente, a diplomacia profissional brasileira, atuando em consonância com as grandes opções de política nacional definidas recorrentemente por meio de eleições livres e transparentes, tem sabido interpretar os anseios da sociedade brasileira por meio de um diversificado leque de ações nos planos multilateral, regional e bilaterais, em resposta a desafios externos ou por meio de iniciativas que sempre gozaram de amplo consenso na opinião pública e nos meios especializados. Ao longo das décadas que se estendem desde a República de 1946, até a atual fase de consolidação democrática, cobrindo inclusive, embora parcialmente, o período militar, governos sucessivos e o corpo diplomático profissional lograram construir um formato de política externa baseado na autonomia e na independência de suas principais diretrizes, focadas essencialmente no desenvolvimento econômico e social da nação, com a neutralidade desejável em face de conflitos entre as grandes potências, sobretudo na fase clássica da Guerra Fria e na evolução posterior do sistema internacional. Havia um claro consenso de que a política externa deveria permanecer à margem das disputas políticas internas, como já havia declarado o patrono da diplomacia nacional, o Barão do Rio Branco, fixando-se num conjunto de objetivos prioritários vinculados aos interesses nacionais, isto é, os do desenvolvimento autônomo da nação brasileira.

Esgotamento do consenso básico?
        Não obstante, em certos períodos – identificados aos governos lulopetistas de 2003 a 2016, depois sob o pequeno terremoto bolsonarista (2019-2022), e de novo na fase atual, no terceiro mandato de Lula, a partir de 2023 –, o consenso descrito acima parece ter deixado de existir, uma vez que a política externa demonstrou linhas ideológicas de atuação e opções setoriais que colocaram a diplomacia profissional a serviço de teses e objetivos em ruptura com os eixos tradicionais de ação pelos quais se guiavam o Itamaraty e a sociedade brasileira ao longo de décadas, senão secularmente.
        Os promotores desses vieses diplomáticos não esconderam sua preferência por temas e prioridades bem mais alinhadas com teses e posturas alinhadas às orientações ideológicas de suas respectivas correntes políticas, do que com os padrões exibidos pela política externa brasileira de forma consensual ao longo de décadas.             Esse “desvio” continua na atualidade, até se acentuou, e pode ser decorrente, como no governo imediatamente anterior, da ausência de um programa definido de políticas gerais ou setoriais em direção a metas ou objetivos claramente explicitados no plano externo, expostos e discutidos com a sociedade brasileira, podendo gerar o consenso anterior. Em resumo, registra-se a inexistência de uma declaração de política externa que expresse nitidamente o que o Brasil pretende ser, e quais interesses pensa defender, numa conjuntura que já foi identificada como sendo a de uma Segunda Guerra Fria.
        O que se vê atualmente, no campo da política externa, é mais propriamente um processo de ruptura com padrões tradicionais no establishment diplomático brasileiro, indicando um reforço de tendências partidárias não convergentes com o relacionamento equilibrado que o Brasil sempre manteve no tocante às grandes potências e seus enfrentamentos eventuais. Ainda que defendendo causas amplamente consensuais em áreas setoriais, como meio ambiente, direitos humanos, cultura, educação, tratamento de minorias – áreas que tinham sido praticamente abandonadas no governo anterior – a insistência do governo atual em posicionar-se numa das vertentes dessa divisão artificialmente criada entre uma ordem essencialmente “ocidental” (da democracia, dos direitos humanos, da liberdade de imprensa) e uma “nova ordem global”, alternativa (supostamente “multipolar”), tem revelado uma nítida inclinação por esta última. Tal tomada de posição, bastante nítida na conformação de um bloco, o Brics+, identificado a uma alternativa, senão oposição, ao G7, tem contribuído para alimentar dúvidas a respeito da continuidade das grandes linhas da diplomacia brasileira, assim como pode redundar em certa deterioração da reconhecida credibilidade diplomática brasileira no plano mundial, em especial junto aos tradicionais parceiros do “mundo ocidental”.

Vale rever premissas e orientações setoriais?
        Caberia, nessas condições, não exatamente retornar a padrões e posturas anteriores de diplomacia e de política externa do Brasil, mas ousar inovar em diversos terrenos e modalidades de ação, de maneira a facilitar e até estimular uma maior integração do Brasil ao mundo, uma vez que o país exibe notoriamente baixos coeficientes de abertura econômica externa e vem perdendo competitividade nos mercados internacionais nos últimos anos, em função da baixa produtividade geral da economia e da escassa atratividade externa pelos nossos produtos manufaturados.
        Os argumentos alinhados esquematicamente na sequência deste trabalho, pretendem oferecer subsídios à definição das principais linhas de atuação externa do Brasil, segundo as grandes áreas de atividade de sua diplomacia, geograficamente, politicamente ou economicamente, e até no terreno da segurança internacional. Eles partem do pressuposto que os principais desafios a uma maior integração do Brasil ao mundo dependem quase que inteiramente, senão totalmente, do próprio Brasil, uma vez que os processos de globalização e de regionalização observados em diversos cenários geopolíticos e geoeconômicos têm oferecido, a despeito das turbulências atuais, boas oportunidades para que países emergentes como o Brasil possam prosperar e avançar em seu processo de desenvolvimento econômico e social num ambiente internacional marcado pela grande interdependência econômica e crescente cooperação científica e tecnológica entre nações abertas a essas características do atual sistema internacional.
        O presente texto não pretende fazer um diagnóstico dos problemas acumulados na área da política externa e da diplomacia. O que se pretende, sinteticamente, seria oferecer um conjunto de propostas centradas numa política externa visando a plena inserção do país na economia global, por meio da integração regional e da abertura econômica geral. A condição para o estabelecimento de uma nova política externa parte de uma revisão dos conceitos básicos da política externa, no sentido da abertura econômica e da liberalização comercial, tendo em vista os seguintes objetivos básicos: (a) abertura comercial global, concomitante à reforma tributária; ((b) revisão do processo de integração com a perspectiva de inserção externa; (c) análise das “alianças estratégicas” num sentido puramente pragmático; (d) atuação do Itamaraty.
        Consoante a nova visão de plena inserção do Brasil na globalização, cabe empreender uma revisão dos conceitos básicos da política externa, no sentido da abertura econômica e da interdependência global. A soberania sequer necessita ser objeto de retórica, pois ela se exerce, simplesmente. A diplomacia do Brasil sempre foi universalista, focada no interesse nacional e no direito internacional. O multilateralismo é uma de suas bases inquestionáveis, assim como a ausência de quaisquer limitações de ordem ideológica ou partidária na definição dos grandes objetivos na frente externa. Sem aprofundar grandes definições conceituais em torno da agenda internacional do Brasil, caberia inseri-la num processo de reformas econômicas e política, nas frentes delimitadas acima.
(segue...)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5109, 8 novembro 2025, 4 p.