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segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Agro Global 3: diferenciacao e imagem das exportacoes brasileiras do agronegócio - Marcos Sawaya Jank

Agro Global 3: diferenciação e imagem

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 29/09/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Dentre os grandes exportadores do agro mundial, o Brasil é o menos conhecido. Diferenciação e imagem precisam ser construídas em cada país-chave.

No terceiro artigo da série sobre a inserção global do agro brasileiro vamos tratar de um desafio ainda distante: diferenciação e imagem.

Dentre os grandes exportadores do agro mundial, o Brasil é o menos conhecido. Raras são as pessoas no exterior que já ouviram falar da revolução tropical brasileira que fez com que a produtividade total da agricultura crescesse o dobro das taxas observadas na Europa, América do Norte e Oceania.

No geral, o Brasil é associado com imagens de desmatamentos, uso excessivo de insumos e conflitos sociais. As conquistas brasileiras na área da sustentabilidade não são reconhecidas —o Código Florestal, a vasta cobertura vegetal mantida em propriedades privadas, os instrumentos da agricultura de baixo carbono, a baixa pegada hídrica e a matriz energética limpa e renovável.

Apesar da reorientação da Apex-Brasil para cobrir essa lacuna nos últimos anos e da bem-vinda estratégia de internacionalização, marca institucional e promoção anunciada pelo ministro Blairo Maggi e sua equipe, as características únicas do agro brasileiro ainda são apresentadas de forma esporádica e condensada no exterior. 

Fora de eventos setoriais e missões oficiais, raras são as ocasiões em que falamos com força e propriedade no exterior.

Se na Europa o debate sobre sustentabilidade é intenso e quase sempre crítico ao Brasil, em outras regiões do planeta pecamos pela ausência de mensagens fortes. Na Ásia, por exemplo, o tema da sustentabilidade é menos relevante do que preocupações ligadas a sanidade, rastreabilidade e qualidade dos alimentos, uma área que nossos concorrentes investiram pesadamente na sua imagem. São esses os temas que mais demandam a construção de reputação e imagem do Brasil, junto com sustentabilidade.

Nosso contato no exterior se dá basicamente com tradings e importadores, e não com os demais elos da cadeia de valor: canais de distribuição, serviços de alimentação, varejo e consumidores, que no geral não conhecem a origem brasileira dos produtos que consomem. No universo do agro brasileiro, raras são as empresas brasileiras que de fato exportam. Mais raras ainda são as que têm presença, estratégias de comunicação e marcas no exterior.

A primeira condição para diferenciar nossos produtos e marcas é ampliar a presença física do setor privado brasileiro no exterior. Não podemos (nem é bom) depender unicamente da ação do governo. Ações coordenadas do Itamaraty, Mapa, MDIC e Apex são fundamentais, mas as associações e as empresas precisam estar mais presentes, entendendo a cultura e a regulamentação local, o jogo político e as percepções e exigências dos mercados e consumidores, ponto de partida para qualquer esforço de imagem.

Se não conseguimos atingir os consumidores finais, precisamos ao menos nos relacionar de forma consistente e duradoura com aliados da cadeia de valor, formadores de opinião, autoridades e com a mídia especializada em cada mercado.

Algumas lições aprendidas observando a ação dos nossos concorrentes são:
- coleta de percepções sobre os produtos no mercado destino, e não na origem;
- participação ativa em debates locais com uso de dados sólidos, em vez de apresentações unilaterais e frases de efeito;
- reconhecimento das nossas imperfeições, em vez do autoelogio ufanista;
- construção de agendas bilaterais sólidas, substituindo conversas esporádicas;
- convites para conhecer a realidade brasileira in loco.

Diferenciação e imagem são elementos a serem construídos em cada país-chave, com consistência, regularidade e estratégia de longo prazo.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Agronegocio: transformacao do quadro economico em 50 anos - OESP


Agronegócio tem leis defasadas, dizem analistas

Lei de Políticas Agrícolas e Estatuto da Terra foram feitos há décadas, quando o Brasil era importador; hoje, País é o segundo maior exportador
Cristiane Barbieri ESPECIAL PARA O ESTADO

O Estado de S. Paulo, 26/10/2017


Na última década, o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário brasileiro cresceu a uma taxa média anual de 3,3% ante 2,3% do resto da economia. A produção deu um salto de mais de 100 milhões de toneladas, a produtividade cresceu em 1,1 quilo por hectare e o País vem conquistando e superando títulos de maior produtor mundial em diferentes produtos agrícolas, nesse mesmo período. Numa área porém, o Brasil parou décadas atrás: a legal. “Apesar de sermos uma potência agrícola, termos algumas das tecnologias mais avançadas do mundo e recursos naturais em abundância, na área do Direito o País está atrasado”, diz Renato Buranello, professor do Insper Direito.
Isso porque os marcos regulatórios que regem o setor, como a Lei de Políticas Agrícolas e o Estatuto da Terra, têm décadas. “O maior diploma jurídico que trata de financiamentos e contratos, o Estatuto da Terra, é datado de 1964 e foi elaborado antes disso, quando o maior objetivo era desenvolver uma política pública de reforma agrária e distribuição de renda”, afirma Buranello. “Não que essa preocupação não deva existir, mas éramos importadores de alimentos naquela época. Hoje, somos o segundo maior exportador.”
As gigantes do agronegócio hoje dependem de contratos que envolvem instrumentos como mercados futuros, derivativos cambiais, certificados de recebíveis, garantias de exportação, entre outros, não previstos na legislação. Na época em que o Estatuto da Terra foi criado, ele protegia, por exemplo, um arrendatário hipossuficiente”, diz Fernando Campos Scaff, professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. “De modo geral, hoje o arrendatário são grandes multinacionais.”
Defasagem. Além de os contratos empresariais e comerciais em si dependerem de leis defasadas, outras áreas relacionadas ao agronegócio, como tributária, ambiental e trabalhista, sofrem do mesmo problema. Com características muito típicas, que envolvem riscos inerentes à atividade, o agronegócio tem obrigado os advogados a adaptarem seus contratos, usando códigos criados e praticados em outras áreas. “Se o consumidor comprar um armário ou uma tonelada de soja, a lei é a mesma”, diz Buranello.
Sem regras e jurisprudência claras a serem aplicadas a suas necessidades, o resultado para as empresas de agronegócios, evidentemente, é a incerteza jurídica – e custos maiores. “Fizemos em outubro um seminário sobre tributação no agronegócio, com temas que de maneira nenhuma são novidade, mas que os produtores não têm conhecimento porque é preciso garimpar artigos e interpretações que podem ser usadas em suas atividades”, diz Fabio Calcini, professor da pós-graduação da FGV Direito SP. “Lotou porque, nem é preciso dizer, a questão tributária pode viabilizar ou não um negócio.”
Na verdade, dizem os especialistas, está se vendo a formação de um novo campo de atuação, o do Direito do Agronegócio. Com a oferta crescente de cursos em pós-graduação e extensão, uma bibliografia variada e a demanda de um mercado de clientes enorme a ser atendido.
Para os especialistas, a solução não seria fazer uma única legislação que abrangesse todo o tema, mas atualizar as pertinentes com capítulos específicos referentes ao agronegócio. Uma formalização essencial já que, segundo levantamento da Confederação Nacional da Agricultura, havia mais de 300 projetos de lei ligados ao setor em andamento. Os ganhos de produtividade, afirmam, seriam sensíveis, com a geração de mais riqueza, empregos e tributos.
Também haveria mais clareza com relação aos assuntos polêmicos ligados ao setor. A recente portaria do Ministério do Trabalho que mudou a legislação sobre o trabalho escravo, atendendo a demanda da bancada ruralista, com fortes críticas até ser suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, não precisaria nem sequer ter existido.

sábado, 19 de agosto de 2017

Fabio Chaddad e o Agronegocio - Marcos Sawaya Jank

Fabio Chaddad e o Agronegócio

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 19/08/2017

Marcos Sawaya Jank (*)

Como o empreendedorismo e formas organizacionais eficientes criaram um player global.


Na última quinta-feira, o INSPER organizou evento para lançar a edição em português do livro Economia e Organização da Agricultura Brasileira, do professor Fabio Ribas Chaddad, e batizou uma das salas de aula da instituição com o seu nome.

Em setembro passado, já muito debilitado por uma doença, mas com inacreditável energia e lucidez, Fabio veio ao Brasil para lançar a versão original do livro em inglês. Ele faleceu logo depois, aos 47, em Missouri, onde lecionava estratégias, organizações e agronegócio.

Fabio combinava características difíceis de serem encontradas em uma única pessoa: o rigor acadêmico, o ouvido sempre aberto e interessado nas pessoas e nas experiências do mundo real e uma invejável capacidade de síntese em inglês.

Seu livro traz a melhor narrativa existente sobre a evolução do agronegócio brasileiro desde os anos 1970, uma experiência de sucesso infelizmente ainda pouco reconhecida no país e desconhecida no resto do mundo. Fabio desenvolve uma abordagem microanalítica em cima de estatísticas precisas, descrições factuais e estudos de caso para explicar como o Brasil se tornou uma potência no agronegócio mundial, com ganhos de produtividade total superiores a 3% ao ano no período, quase o dobro dos EUA e o triplo do mundo. Isso colocou o Brasil entre os cinco maiores produtores de 36 commodities de origem agropecuária.

Ele chama de "condições capacitadoras" os fatores de geração de competitividade mais conhecidos e citados:
a) disponibilidade de recursos naturais (terra, água e clima);
b) investimentos públicos e privados em tecnologias tropicais;
c) políticas públicas estratégicas, não só as que apoiaram diretamente o agro —crédito rural, preços mínimos, estoques reguladores e programas sociais— mas também, e principalmente, as que o libertaram das garras excessivas do governo: fim dos controles de preços, desregulamentação, liberalização e enfrentamento da concorrência global.

Mas o lado mais inovador da obra é uma minuciosa descrição das formas organizacionais que marcaram a expansão do agro brasileiro e que talvez sejam os elementos mais sólidos para explicar os fortes ganhos de produtividade.

Fabio mistura histórias individuais de empreendedores que desbravaram o Brasil com a consolidação de robustas cooperativas (Coodetec, Castrolanda, Agrária), associações setoriais (OCB, Ocepar, Unica, Aprosoja) e notáveis instituições de pesquisa (Embrapa, CTC, Esalq, Fundação MT etc.).

Ele identifica três modelos distintos de organização das cadeias de valor do agro:

- Região Sul: integração de pequenos e médios produtores em sólidas cooperativas e arranjos contratuais com processadores de grãos, suínos, aves, lácteos e fumo.

- Região Sudeste: consolidação de sistemas verticalmente integrados de produção, apoiados por contratos a montante e a jusante, como no exemplo das indústrias da cana-de-açúcar, celulose e laranja, fortemente voltadas à exportação.

- Regiões Centro-Oeste e Centro-Norte: emergência de grandes grupos familiares e corporações empresariais, que inauguram sistemas que aproveitam economias de escala e escopo em grãos, algodão e carnes, mas com desafios a vencer na organização das cadeias de suprimento.

Fabio mostra que recursos naturais, tecnologia e subsídios foram condições relevantes, mas não suficientes, para fazer a festa acontecer no agronegócio. Na verdade, o sucesso do modelo brasileiro nasce de milhares de empreendedores anônimos que desbravaram o país, se organizando por meio de sistemas agroindustriais inovadores que geraram aumentos de produtividade sem paralelo no mundo. 

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.