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terça-feira, 26 de julho de 2022

Por que Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda para Rússia na guerra - Leandro Prazeres (BBC News Brasil)

 Por que Ucrânia acusa Lula de fazer propaganda para Rússia na guerra


Leandro Prazeres
Da BBC News Brasil em Brasília
Há 9 horas

Um relatório divulgado pelo Centro de Contenção de Desinformação do governo da Ucrânia apontou o ex-presidente e pré-candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como uma das personalidades internacionais que disseminariam informações em consonância com a propaganda russa sobre a guerra com a Ucrânia, que começou em fevereiro após a Rússia invadir partes do país vizinho.

O relatório foi divulgado no Brasil pelo jornal Folha de S. Paulo na segunda-feira (25/7). Lula é o único brasileiro da lista que contém diversos políticos e intelectuais de diversos outros países como Estados Unidos, da Europa, África e Ásia.

O relatório cita duas supostas afirmações atribuída ao ex-presidente. A primeira é a de que ele teria dito que a Rússia deveria "encabeçar uma nova ordem mundial" e que "Zelensky é tão culpado pela guerra quanto Putin".

A BBC News Brasil não localizou citações de Lula defendendo que a Rússia deveria "encabeçar" uma nova ordem mundial. Por outro lado, o ex-presidente fez, recentemente, críticas à atuação do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky na condução da crise com a Rússia.

Em entrevista à revista Time publicada em maio deste ano, Lula disse que Zelensky seria tão responsável pela guerra quanto o presidente russo, Vladimir Putin.

"Às vezes, fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado", afirmou o ex-presidente.

Especialistas em relações internacionais ouvidas pela BBC News Brasil afirmam que as declarações de Lula podem não ser as únicas explicações por trás da inclusão do petista na lista.

Entre os motivos apontados por elas estão o temor pela Ucrânia de um eventual novo governo petista se reaproximar da Rússia e a suposta ligação de setores do governo ucraniano com facções de extrema-direita. Isso, segundo elas, explicaria a não-inclusão do presidente Jair Bolsonaro (PL), que, assim como Lula, também fez declarações críticas a Zelensky nos últimos meses.

"O povo [ucraniano] confiou num comediante o destino de uma nação. Ele [Volodymyr Zelensky] tem que ter equilíbrio para tratar dessa situação aí", disse Bolsonaro em fevereiro.

A BBC News Brasil enviou questionamentos à embaixada da Ucrânia e à assessoria de imprensa do ex-presidente Lula. Nenhum dos dois enviou respostas.

Aproximação com a Rússia
A doutora em estudos estratégicos internacionais e diretora de pesquisa do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), Larlecianne Piccolli, avalia que inclusão do nome de Lula na lista possa ter a ver com o histórico das relações entre o Brasil e a Rússia durante os governos do PT, especialmente, durante os governos do ex-presidente Lula, entre 2003 e 2010.

Segundo a especialista, naquele período, o governo brasileiro defendeu uma ordem internacional multipolar como uma alternativa à hegemonia norte-americana.

Uma das formas encontradas para isso foi o incentivo à formação de blocos como os BRICS, composto pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Por essa lógica, um novo governo do petista poderia enfraquecer os esforços feitos pela Ucrânia para isolar a Rússia no cenário internacional.

"Me parece que a Ucrânia pode estar olhando para o futuro e vendo o que um eventual novo governo de Lula pode significar em termos de fortalecimento da Rússia. Acho que eles estão vendo a liderança de Lula nas pesquisas e avaliando quais os impactos disso para a Ucrânia", assinala.

Para a doutora em Relações Internacionais e professora da Escola Superior de Guerra (ESG) do Ministério da Defesa Mariana Kalil, a atual posição do presidente Jair Bolsonaro em relação ao conflito é considerada menos relevante que uma eventual reaproximação do Brasil com a Rússia em um novo governo petista.

Sob Bolsonaro, o governo brasileiro condenou as agressões russas à Ucrânia em reuniões na Organização das Nações Unida (ONU), mas o país não aderiu as sanções econômicas aplicadas por países como os Estados Unidos e da Europa.

Bolsonaro diz que seu governo é "neutro" em relação ao conflito, apesar de, poucos dias antes da invasão russa, ter feito uma visita a Putin na qual elogiou o presidente russo e o chamou de um "homem de paz".

"No governo de Bolsonaro, o Brasil adotou noções pró-Ocidente que são interessantes hoje à Ucrânia. Um eventual governo Lula não teria essa mesma visão e isso pode estar preocupando os ucranianos", diz Mariana Kalil.

Ligações com a extrema-direita
Mariana Kalil também destaca uma outra razão pela qual os ucranianos teriam incluído o nome de Lula: a ligação de setores do governo ucraniano com movimentos de extrema-direita.

Segundo ela, isso explicaria por que Lula foi mencionado enquanto Bolsonaro, que se assume como político de direita e que também já fez declarações críticas a Zelensky, não foi incluído.

"Esse movimento [inclusão do nome de Lula] faz sentido quando sabemos que existe uma inserção de Zelensky dentro da extrema-direita global. Assim, faria sentido o governo mencionar Lula, que é um político de esquerda, e não Bolsonaro", opina a especialista.

A lista ucraniana não cita, porém, apenas políticos e intelectuais de esquerda. Ela cita, por exemplo, a líder do partido de direita radical Rassemblement National (Reunião Nacional), a francesa Marine Le Pen. Ela ficou conhecida por defender pautas anti-imigração na França e na Europa.

As ligações entre o governo ucraniano e movimentos de extrema-direita são frequentemente citadas pelo governo russo como um dos motivos que levou à invasão da Ucrânia pelos militares do país.

O tema é considerado sensível. A Rússia, por exemplo, disse que um dos objetivos de sua invasão à Ucrânia era "desnazificar" o país. O presidente Zelensky, no entanto, é judeu.

Em entrevista à BBC News Brasil em março, o professor aposentado de História da Universidade de Alberta, no Canadá, John-Paul Himka, disse que os níveis de tolerância política com a movimentos de extrema direita na Ucrânia são semelhantes aos encontrados em outros países do mundo.

"Temos de olhar o contexto global mais amplo da tolerância da Ucrânia em relação à extrema direita. Eu vivo no Canadá. Recentemente, os postos de fronteira e a capital foram cercados pelo movimento de extrema direita dos comboios", disse o especialista.

Larlecianne Piccolli, porém, concorda com Mariana Kalil.

"É de conhecimento público que há laços de setores do governo ucraniano com movimentos de extrema-direita. Se você soma isso a um possível temor sobre o que podem representar as eleições no Brasil para a estratégia ucraniana, é possível entender melhor o que pode ter motivado a entrada de Lula nessa lista e a ausência de Bolsonaro", diz Larlecianne.

Em entrevista à TV Globo veiculada nesta semana, Zelensky negou a existência de grupos de extrema direita atuando no leste da Ucrânia contra a invasão russa.

Apesar das declarações, há evidências de que grupos de extrema direita como o Batalhão Azov, que luta contra a ocupação russa desde a invasão da Crimeia, em 2014, mantém relações com o governo ucraniano.

Mariana Kalil diz que inclusão do nome de Lula nessa lista acontece, ainda, em meio à proximidade de um exercício militar que será realizado pela Rússia, China e Irã na Venezuela, previsto para agosto deste ano.

"No Brasil, um dos argumentos usados pela direita radical contra a esquerda é o suposto risco de venezuelização do país. Considerando o contexto do exercício militar, ligar o nome de Lula à Rússia pode ressuscitar esse tema", assinala a especialista.

Recado a americanos
Mariana Kalil aponta um terceiro motivo para a inclusão de Lula na lista de supostos disseminadores de propaganda russa: pressão sobre os americanos.

Segundo ela, à medida em que a Ucrânia veria um governo petista mais próximo da Rússia que o de Bolsonaro, a menção a Lula teria o objetivo de pressionar os americanos sobre o que pode acontecer no Brasil a partir de 2023.

"Acho que eles querem dizer o seguinte: 'Americanos, olhem para o que pode acontecer no Brasil. Isso não será bom para nós'", conclui a especialista.

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62301305

domingo, 20 de março de 2022

'Oriente está virando novo eixo do mundo', diz o historiador britânico Peter Frankopan - Shin Suzuki (BBC News Brasil)

 Transcrito a partir da primeira postagem a que tive acesso, na página do Facebook de Carmen Lícia Palazzo: 

'Oriente está virando novo eixo do mundo', diz historiador

  • Shin Suzuki
  • Da BBC News Brasil em São Paulo, 19 março 2022

quarta-feira, 16 de março de 2022

Quem são os oligarcas russos com negócios no Brasil? - Leandro Prazeres (BBC News Brasil)

 Quem são os oligarcas russos com negócios no Brasil?


Leandro Prazeres

Da BBC News Brasil em Brasília
16/03/2022

A invasão da Ucrânia pela Rússia fez com que diversos países disparassem uma série de sanções econômicas contra o governo do presidente russo, Vladimir Putin, mas também contra mega-empresários do país conhecidos popularmente como "oligarcas".

Mas não é só na Europa que alguns deles mantêm negócios e, em grande medida, obtêm lucro.

A BBC News Brasil identificou pelo menos quatro bilionários russos com laços empresariais estreitos no Brasil. Um deles foi condecorado pelo presidente Jair Bolsonaro, recentemente.

Dois critérios foram seguidos nessa definição.

O primeiro é terem tido seus nomes incluídos em uma lista divulgada pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos em janeiro de 2018. A lista não previa sanções. Posteriormente, ela foi alvo de críticas por ser muito similar à lista das pessoas mais ricas da Rússia publicada pela revista Forbes.

O segundo critério foi a inclusão desses empresários na lista de sanções econômicas impostas por países como os Estados Unidos, Reino Unido ou pela União Europeia.

Seus nomes são, segundo os dois critérios, Andrey Andreevich Guryev, Andrey Melnichenko, Dmitry Mazepin. Vietchslav Kantor foi incluído na lista americana, mas não foi alvo de sanções.

Todos atuam no mesmo ramo: fertilizantes agrícolas.

A BBC News Brasil procurou representantes dos quatro. A assessoria de imprensa das empresas de Mazepin e Guryev disse que não poderia fazer comentários sobre as sanções.

A assessoria das empresas de Melnichenko informou que, após as sanções, ele se afastou do quadro de diretores e não é mais seu beneficiário. Os representantes de Kantor não se manifestaram.

A termo "oligarca" vem do grego "oligoi", que significa "poucos", e "arkhein", que significa "governar". Em outras palavras: governo de poucos ou governo para poucos.

Mais recentemente, o termo vem sendo usado para designar um grupo de russos extremamente ricos e politicamente bem relacionados que acumularam suas fortunas após a onda de privatizações que se seguiu ao fim do regime comunista, em 1991.

O ex-conselheiro da presidência dos Estados Unidos sobre as relações com a Rússia e co-fundador do programa de estudos de Rússia, Europa Oriental e Eurásia da Universidade de Yale, Thomas Graham, disse, em entrevista à CNN, que o termo "oligarca" é frequentemente usado para classificar os bilionários russos porque, diferentemente do que ocorreria em outras partes do mundo, esses empresários ficaram ricos por terem conexões estreitas com o governo.

"Você pode ser um empresário rico nos Estados Unidos e não se preocupar com seus contatos no governo. É um pouco diferente na Rússia. A cada decisão empresarial que você toma, você precisa checar com seus contatos no Kremlin", disse.

Em 2018, um porta-voz do governo russo rebateu o uso do termo e disse que não há oligarcas na Rússia, "apenas representantes de grandes empresas".

Ao longo dos anos, esses bilionários começaram a chamar atenção ao investir parte de suas fortunas em países europeus como o Reino Unido, França, Espanha, Itália, entre outros. Além de comprar mansões, carros de luxo e mega-iates, alguns deles chegaram a adquirir clubes de futebol. É o caso do russo Roman Abramovich, que comprou o Chelsea e, mais recentemente, se afastou do seu comando.

Confira abaixo quatro bilionários russos com negócios no Brasil:

Andrey Andreevich Guryev

Andrey Andreevich Guryev, 39, é um dos oligarcas com maior ligação com o Brasil. Ele é presidente do Conselho Empresarial Rússia-Brasil. Em fevereiro deste ano, ele foi condecorado com a medalha da Ordem do Rio Branco dada pelo presidente Jair Bolsonaro, em uma cerimônia realizada em Moscou.

Ele pertence à família Guryev, que controla a PhosAgro, uma das maiores empresas do mundo de fertilizantes à base de fosfato. De acordo com a revista Forbes, a fortuna estimada da família é de US$ 6 bilhões, a 28ª maior da Rússia.

O Brasil é considerado um dos mercados estratégicos pela empresa. Segundo relatórios da companhia, a PhosAgro registrou um lucro de US$ 1,7 bilhão em 2021.

Uma parcela desse resultado positivo ocorreu, segundo a própria empresa, graças à alta demanda por fertilizantes de países como o Brasil.

O Brasil é o quarto maior importador de fertilizantes do mundo e 23% de tudo o que é importado vem da Rússia, exportado por empresas como a PhosAgro. A empresa tem um escritório em São Paulo.

No ano passado, a companhia chegou a fazer uma oferta de 50 mil doses da vacina russa Sputnik contra a covid-19 ao Ministério da Saúde. O uso do imunizante no Brasil, no entanto, nunca foi autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Guryev "Junior", como também é conhecido, foi um dos principais organizadores de um fórum de empresários brasileiros e russos realizado em fevereiro, em Moscou. O evento contou com a presença de Jair Bolsonaro.

Na mesa do evento, ele estava a menos de dois metros de distância do presidente, separado apenas pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos França.

O encontro aconteceu oito dias antes do presidente russo, Vladimir Putin, com quem a família Guryev tem proximidade, ordenar a invasão da Ucrânia.

E foi justamente a importância do setor de fertilizantes para a economia russa que fez com que a União Europeia incluísse Andrey Guryev "Junior" na lista de sanções econômicas publicada pelo bloco na semana passada.

De acordo com o bloco, a empresa estaria ligada ao governo russo e suas receitas contribuiriam com as ações da Rússia na Ucrânia.

"Andrey Guryev, na sua qualidade de diretor executivo da PhosAgro, se beneficia das decisões do Governo da Rússia. A PJSC PhosAgro está, em grande medida, ligada ao Governo russo e, por conseguinte, as receitas que gera constituem uma importante fonte de receitas para o Governo russo", diz a União Europeia.

As sanções impostas pela União Europeia preveem o congelamento de bens e ativos que estejam em seu nome ou que estejam à sua disposição nos países do bloco.

A medida foi tomada no dia 9 de março. No dia seguinte, Guryev "Junior" renunciou ao posto de CEO.

Nesta terça-feira, Guryev "Junior" também foi incluído na lista de sanções do Reino Unido. Ele está impedido de entrar no país e seus bens por lá deverão ser congelados.

A BBC News Brasil enviou questionamentos à sede da PhosAgro, mas a assessoria de imprensa da companhia disse que não se pronunciaria sobre o assunto.

Andrey Melnichenko
O empresário Andrey Melnichenko era o oitavo homem mais rico da Rússia em 2021, de acordo com a revista Forbes. Seu nome também constava na lista de oligarcas russos divulgada pelo governo dos Estados Unidos em 2018.

Sua fortuna estava avaliada em US$ 17,9 bilhões. O valor é US$ 1 bilhão a mais que a fortuna do brasileiro mais rico do mundo, o investidor Jorge Paulo Lehmann, com seus US$ 16,9 bilhões.

Melnichenko ficou bilionário atuando no ramo de fertilizantes agrícolas e carvão mineral. Ele era o nome por trás da EuroChem Group, um conglomerado de empresas com negócios em diversos países, inclusive no Brasil.

Em 2016, a EuroChem comprou 51% das operações de uma empresa brasileira que operava no setor de fertilizantes. Em 2020, o grupo anunciou que compraria o restante da companhia. À época, a expectativa era de que o faturamento da empresa girava em torno de R$ 4 bilhões por ano.

Atualmente, ela é uma das principais fornecedoras de fertilizantes à base de fosfato do Brasil.

De olho no agronegócio brasileiro, a EuroChem continuou a expandir suas operações no país.

Em janeiro deste ano, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), aprovou a proposta feita pela EuroChem para comprar 51% das ações da Heringer Fertilizantes, uma transação estimada em R$ 554 milhões.

Melnichenko foi alvo de sanções impostas pelo Reino Unido e pela União Europeia. Ele teve seus bens e outros ativos financeiros congelados.

Ao justificar sua inclusão na lista de sanções, a União Europeia destacou o fato de Melnichenko ter sido um dos 36 empresários convidados por Putin a participar de um encontro para discutir os impactos das ações russas no dia 24 de fevereiro, quando Putin ordenou o avanço de suas tropas sobre a Ucrânia.

"O fato de ele ter sido convidado para esse encontro mostra que ele é membro do círculo mais próximo de Vladimir Putin e que ele está apoiando ou implementando ações ou políticas que enfraquecem ou ameaçam a integridade territorial, a soberania e a independência da Ucrânia", diz o texto.

Dois dias depois de ser incluído na lista da União Europeia, autoridades italianas apreenderam um mega-iate avaliado em US$ 578 milhões (o equivalente a R$ 2,9 bilhões) que estava na cidade de Trieste.

Na quarta-feira (10/03), a EuroChem Group divulgou um comunicado informando que Melnichenko renunciou ao seu cargo na direção da companhia. O anúncio também disse que Melnichenko se retirou da condição de principal beneficiário da empresa.

Procurada, a assessoria de imprensa da EuroChem Group reforçou o conteúdo de uma nota divulgada pela empresa no dia 10 de março, na qual anunciado o afastamento de Melnichenko da companhia.

"A EuroChem Group, uma líder global na produção de fertilizantes, anuncia que Andrey Melnichenko renunciou da sua posição como diretor não-executivo do quadro de diretores e se retirou como principal beneficiário", diz um trecho da nota.

A nota continua afirmando que "o movimento segue a inclusão do senhor Melnichenko na lista de sanções da União Europeia e foi tomada para assegurar que a EuroChem seja capaz de continuar fornecendo nutrientes para a agricultura a milhões de pessoas ao redor do mundo ajudando a garantir segurança alimentar global".

Dmitry Mazepin
Dmitry Mazepin tem 54 anos e nasceu em Minsk, capital de Belarus, quando o país ainda fazia parte da antiga União Soviética. De acordo com a revista Forbes, Mazepin é dono de uma fortuna avaliada em US$ 1,5 bilhão, o equivalente a R$ 7,7 bilhões.

Em 1992, ele se formou em Economia em uma universidade de Moscou e começou a atuar no setor financeiro e petroquímico, em empresas que haviam surgido após a onda de privatizações que se seguiu à queda do regime comunista.

Em 2007, Mazepin fundou a Uralchem, que depois se tornou uma das maiores produtoras e exportadoras de fertilizantes do mundo.

Assim como seus outros concorrentes, Mazepin também mantém negócios com o Brasil. Além de exportar fertilizantes para o país, o grupo Uralchem vem comprando ativos no país ao longo dos últimos anos.

Em 2021, por exemplo, a Uralkali, uma das empresas sob o comando da Uralchem, anunciou a compra de 100% das ações da UPI Norte, acionista da Fertgrow S.A, líder na distribuição de fertilizantes agrícolas no Brasil.

Mazepin se dedica, além dos negócios, ao esporte. Um dos seus principais investimentos na área vinha sendo o patrocínio à escuderia Haas, da Fórmula 1, onde seu filho, Nikita Mazepin, era piloto.

Além disso, Mazepin se tornou uma figura pública influente na Rússia, inclusive no meio político russo. Ele era frequentemente visto em eventos com o presidente russo, Vladimir Putin.

A proximidade com o Kremlin ficou ainda mais evidente no dia 24 de fevereiro, quando ele fez parte do grupo de empresários chamados por Putin após o início da invasão russa à Ucrânia.

Essa proximidade também foi mencionada pela União Europeia ao incluir Mazepin e seu filho na lista de sanções econômicas. Seus bens nos países do bloco estão congelados.

Dmitry e Nikita também foram incluídos na lista de sanções do Reino Unido, onde estão proibidos de entrar e tiveram seus ativos bloqueados.

Um dia após ser incluído nas sanções da União Europeia, a Uralchem anunciou que Mazepin vendeu 52% das suas ações na companhia, ficando com 48% e, perdendo assim, o controle acionário da empresa.

Ele também renunciou ao cargo de CEO da Uralchem, num movimento que, segundo analistas, visa proteger a empresa das sanções impostas por conta da invasão russa à Ucrânia.

Por conta das sanções, Nikita Mazepin perdeu o posto de piloto da Haas.

Procurada pela BBC News Brasil, a Uralchem disse que não poderia fazer comentários sobre as sanções sobre os Mazepin. A companhia afirmou ainda que o Brasil tem sido "um mercado historicamente importante".

Vyacheslav Kantor
De acordo com a revista Forbes, Vyacheslav Kantor tem uma fortuna avaliada em US$ 4,9 bilhões, o equivalente a R$ 25 bilhões.

Diferentemente de Guryev, Melnichenko e Mazepin, Kantor não foi, até agora, alvo de sanções da União Europeia, Reino Unido ou dos Estados Unidos. Ele também é considerado um empresário próximo a Vladimir Putin.

A maior parte da sua fortuna veio da Acron, outra gigante russa do setor de fertilizantes.

Segundo a agência Bloomberg, em janeiro deste ano ele tinha 94% das ações da empresa. De acordo com a companhia, ele exerce o cargo de presidente do conselho de coordenação da Acron, um cargo não-executivo.

Kantor é judeu e tem nacionalidade russa, israelense e britânica. É em Londres, aliás, que ele vive com sua família.

Assim como ocorre com suas concorrentes no setor, o Brasil é considerado um mercado estratégico para a Acron, que já atua exportando fertilizantes produzidos em suas plantas na Rússia para o país.

A iniciativa mais recente da empresa no país é a negociação com a Petrobras para a compra de uma fábrica de fertilizantes nitrogenados em Três Lagos, em Mato Grosso do Sul.

No dia 4 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que a Petrobras havia fechado um acordo de venda da planta para a Acron. Analistas, no entanto, afirmam que o fechamento do contrato ainda depende da avaliação da área de governança da Petrobras.

As obras da fábrica começaram em 2007 e já teriam consumido pelo menos R$ 3,8 bilhões. O valor da venda ainda não foi divulgado. A estimativa é de que a unidade entre em operação em 2027.

Procurada, a Acron não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-60759080

Os Lusíadas: épico português, completa 450 anos de publicação - BBC News Brasil

 'OS LUSÍADAS': A OBRA QUE 'FUNDOU' A LÍNGUA PORTUGUESA HÁ 450 ANOS!


BBC News Brasil, 12/03/2022 

"As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo reino, que tanto sublimaram."

Assim começa a obra que pode ser considerada a certidão de nascimento da língua portuguesa. Publicada em 12 de março de 1572, há 450 anos, a célebre criação do poeta Luís Vaz de Camões (nascido provavelmente no ano de 1524 e morto provavelmente em 1580) é formada por dez cantos, 1.102 estrofes e 8.816 versos, todos em oitavas decassilábicas, sempre arranjados em um esquema rímico fixo.

Trata-se do poema épico Os Lusíadas, que narra a descoberta, pelo navegador português Vasco da Gama (1469-1524), da rota marítima para a Índia — um marco nas relações comerciais e exploratórias do século 15 e, de certa forma, a consolidação de um momento historicamente relevante para Portugal.

Ao longo de seu texto, o poeta, que se dirige ao rei Sebastião I (1554-1578), evoca episódios da história lusitana de forma épica, sempre buscando glorificar o povo português.

Mas a grandeza de Os Lusíadas não se resume ao engenhoso e esmerado formato adotado por Camões, nem pelo grande número de versos, tampouco pelas próprias histórias de heroísmo ali narradas.

Os Lusíadas se tornou um marco pelo uso da língua portuguesa — na época chamada apenas de "linguagem", quase como de modo pejorativo quando comparada ao jeito culto de se expressar por escrito, ou seja, o latim.

E, protagonista e fruto de um momento histórico de valorização de tais identidades, a obra é reconhecida como uma espécie de literatura fundadora do idioma hoje oficialmente praticado em Portugal e em outros oito países, inclusive o Brasil.

Doutor em estudos literários pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e criador do canal no YouTube Elite da Língua, o professor Emerson Calil Rossetti situa Os Lusíadas como "a maioridade e a identidade poética da língua portuguesa".

"Constituem de fato uma referência para e sobre a língua portuguesa. Não somente por ser uma obra-prima, o que é hoje consensual, mas por ser a primeira produção do idioma que alcança prestígio para além das fronteiras de Portugal ou dos países lusófonos", argumenta ele.

"Camões captou com precisão o espírito da Renascença, tomando como base as epopeias antigas e construindo seu longo poema com soluções estéticas típicas da perfeição formal da época mas a partir das possibilidades expressivas da nossa língua, como jamais se havia visto", analisa Rossetti.

"É o caso, por exemplo, do ritmo bem marcado e regular dos decassílabos heroicos e, num universo repleto de alusões históricas, mitológicas e cristãs, as combinações de rimas que caracterizarão, igualmente, as 1102 estrofes da epopeia."

Professora livre-docente da Universidade de São Paulo (USP), onde é pesquisadora do Departamento de Línguas Clássicas e Vernáculas, a linguista Marcia Maria de Arruda Franco contextualiza a obra como parte de um momento de "dignificação da língua portuguesa como língua de cultura".

"Até o século 16, era muito raro que um autor em Portugal escrevesse em português. E mesmo ao longo do século 16, as línguas de cultura preferidas dos letrados, tanto os humanistas puros que usavam o latim, como os impuros que usavam as línguas vulgares, era o castelhano em vez do português", esclarece ela.

Arruda lembra que esse movimento vinha sendo experimentado por alguns escritores, como é o caso de Sá de Miranda (1481-1558), "que ousavam essa aventura de descobrir o valor letrado da língua portuguesa, de trabalhar sobre sua elocução, de escrever em português".

"Ao longo do século 16, vários vão levar a cabo essa tarefa de escolher a língua portuguesa como língua de cultura. Não só no discurso poético, mas também no discurso histórico. [O idioma está presente] nos cronistas que escrevem sobre as grandes descobertas, quando a língua portuguesa é a preferida", conta ela.

Vale ressaltar que já desde o reinado de Manuel I (1469-1521), médicos portugueses eram obrigados a efetuar suas prescrições em língua portuguesa. "Em 'linguagem', como eles diziam. Naquela língua falada, que todo mundo entendia", comenta a professora.

Era um período de ebulição acadêmica, na qual os linguistas se propunham a entender e explicar a organização daquilo que se falava. "Começa a surgir a filologia portuguesa, uma série de gramáticas em defesa da língua portuguesa como língua de cultura, e não mais apenas como 'linguagem'", contextualiza Arruda. "'Os Lusíadas' culminam esse processo, fazem com que esse processo se consolide."

"Porque 'Os Lusíadas' são escritos em gênero épico, sublime. Relaciona-se às épicas da cultura clássica ocidental, da cultura antiga, que era modelizada pelos renascentistas. 'Os Lusíadas' estão em linha direta com outras épicas, de Homero [da Grécia Antiga] e de Virgilio [da Roma Antiga]", diz a linguista.

Para o escritor Ênio César Moraes, professor de língua portuguesa e assessor pedagógico do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília, a importância de Os Lusíadas pode ser dividida entre os aspectos literário e histórico.

No primeiro quesito, o mérito recai sobre "o fato de se tratar de uma epopeia, obra épica que, no plano artístico-literária, põe Portugal ao lado de nações como Grécia e Roma". Moraes observa que, não à toa, o próprio narrador do poema "afirma, altaneiro": "Cessa tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta". "[Está] enaltecendo a temática da obra, em comparação às produções grega e romana", interpreta.

Já o segundo ponto está no fato de que o texto de Camões é a "narrativa de grandes feitos do povo português, na pessoa de Vasco da Gama, à época das grandes navegações".

"Virgílio [o poeta romano] é o grande interlocutor de Camões. E com esse trabalho ['Os Lusíadas'], ele engrandeceu o português e o consolidou como língua de cultura. Fez isso graças ao seu trabalho de escrever com tropos, figuras, imagens, um todo. Realizou um trabalho sobre a prosódia dos versos, escolhendo os decassílabos, a oitava para urdir o seu poema, sua épica… Trabalhou a elocução da língua portuguesa", complementa Arruda.

A obra garantiu a Camões o mesmo lugar na língua portuguesa ocupado por William Shakespeare (1564-1616) no inglês, Dante Alighieri (1265-1321) no italiano, François Rabelais (1494-1553) no francês, e France Prešeren (1800-1849) no esloveno. Em suma, cada língua considerada moderna tem no trabalho de um grande escritor a consolidação de suas bases e a matriz de suas normas.

"Camões representou esse movimento de defesa e ilustração das línguas ditas vulgares, faladas no dia a dia. Que foi geral na Europa, quando todas as línguas nacionais dos reinos passaram a ser utilizadas também na língua de cultura, em detrimento do latim", diz a linguista Arruda.

"Em Portugal, havia a opção entre duas línguas vulgares: o castelhano e o português. Mas cada vez mais os letrados preferiram escrever em português", acrescenta ela.

Camões mesmo já havia escrito poemas em espanhol. Decidiu utilizar o português para Os Lusíadas e, logo em seguida, sua obra também foi traduzida — ainda no século 16, ganhou três traduções para o castelhano e pelo menos uma publicação em latim, conforme pesquisas de Arruda.

"Do ponto de vista da história da evolução da língua, o português atinge seu estágio moderno exatamente no século 16", ensina Rossetti. "É quando o idioma se uniformiza e adquire as características básicas que ainda hoje se reconhecem nas nossas gramáticas."

"A obra de Camões assimila essa nova feição e legitima as potencialidades da nossa língua como expressão poética de temas universais e aspectos atemporais acerca da condição humana. Por meio dos recursos fônicos, morfológicos e sintáticos, o escritor confirma o potencial também inventivo: a natureza literária do idioma. Nesse sentido, a língua portuguesa torna-se, pela sua pena, uma herança cultural, modelo de possibilidades de exploração criativa", diz ainda o professor. "Por isso, Camões é patrimônio, como também Shakespeare e Dante."

Rossetti lembra que a partir das letras de Camões abriu-se um "espaço para outros gênios do pensamento ocidental" em língua portuguesa. "É um novelo de muita linha, e a primeira ponta desse fio se chama Camões", resume.

Professor Moraes ressalta que a época em que o poeta viveu, o Renascimento, foi marcada por efervescência científica e artístico-cultural. Assim, com Os Lusíadas, ele "deu visibilidade ao povo português, ao ressaltar feitos grandiosos do presente, as grandes navegações" e também garantiu "importante referência para os estudos filológicos e linguísticos promovidos nos séculos seguintes".

"Como sabemos, a língua é um dos principais elementos de identidade nacional, e o excelso caráter nacionalista da sua narrativa exalta, para além do conteúdo, a língua portuguesa. Não é à toa que, até hoje, o poeta português figura como um dos maiores nomes da literatura lusófona", pontua ele.

Quatrocentos e cinquenta anos depois, por que vale a pena ler Os Lusíadas ainda hoje? Para os especialistas, não se trata apenas de uma obra "para o vestibular" — o livro pode e deve ser lido como cultura geral, principalmente por pessoas lusófonas.

"[Seus versos] são uma aula de retórica. Quem quiser aprender retórica que leia 'Os Lusíadas', entenda toda aquela estrutura persuasiva", defende Arruda.

"Sua estrutura persuasiva, ele [o poeta-narrador] quer convencer o rei [português] de alguma coisa, convencê-lo a continuar essa aventura, essa luta dos portugueses para manter seu império", explica a linguista.

"Bem, os clássicos são os clássicos. E isso responderia à questão [sobre as razões para se ler Camões hoje] de forma simplista mas eficiente", acrescenta Rossetti. "Para ser, então, mais exato e pontual, diria que obras como 'Os Lusíadas' têm a ver com a nossa história: a cultura, as crenças, as reflexões, os valores, a memória."

Para o professor, "não se pode construir um projeto futuro sem o conhecimento e a devida compreensão do passado, sobretudo quando ele ainda faz tanto sentido nos dias de hoje". "Afinal, continuamos seres desbravadores, vibramos com as conquistas que ampliam os limites da geografia e do conhecimento, sentimos emoção diante das histórias de amor ainda que com cores trágicas", analisa.

Além disso, ele ressalta a questão da lusofonia. "Principalmente, falamos a mesma língua e precisamos, provavelmente mais que no século 16, de exemplos inteligentes, admiráveis e sensíveis: necessitamos sempre de boa poesia, de qualquer período, visto que os clássicos não envelhecem", conclui.

Moraes defende que "ter contato com os clássicos" é fundamental para a "construção do repertório artístico-cultural do indivíduo". "Nenhuma obra se torna um clássico por mero trabalho de marketing", argumenta.

"No caso das epopeias, ainda mais", compara. "Como se não bastasse a magnitude da forma, tem-se a maravilha do conteúdo, que nos conduz 'por mares nunca dantes navegados'. Ademais, propicia o estudo do passado histórico, sob a perspectiva poética. Inclusive, pode proporcionar um interessante trabalho comparativo entre os ofícios do historiador e do escritor-artista."

Problematizações contemporâneas também são possíveis, é claro. E, se compreendidas dentro de cada contexto histórico, podem gerar reflexões sem cair em anacronismos. Arruda frisa que não se pode esquecer que, em seu conteúdo, Os Lusíadas "sublinham essa coisa que a gente considera horrível: a ideologia imperialista, cruzadista".

"É um monumento ao poder e não deixa de ser um pouco chocante para nossos ouvidos, por exemplo, o modo preconceituoso como os mouros são apresentados na obra", exemplifica. "Isso não é do poeta. É do gênero [épico] e é da época. Por isso que a crítica contemporânea brasileira apresenta uma leitura de 'Os Lusíadas' que salienta sua contradição, justamente o elogio e o questionamento da posição invicta e hegemônica portuguesa."

Por outro lado, também é importante ressaltar que a obra é um retrato daquilo que pode ser considerada a primeira globalização. "Essas 'descobertas' dos navegadores se tornaram importantes como a primeira ligação planetária da Terra, a primeira vez que todas as culturas entram em contato e se tem essa visão do globo. Isso vai ser sempre importante", diz Arruda.

"Podemos dizer que são questionáveis, já que no encontro de culturas a diversidade acabou esquecida e apagada, reprimida pelo eurocentrismo que doutrina o mundo… Mas 'Os Lusíadas' vão sempre ter a importância de relatar esse primeiro contato entre culturas, ainda que em confronto de poder entre o europeu hegemônico e os outros povos subjugados."

sábado, 24 de julho de 2021

Emiliano Mundrucu: como um Brasileiro Negro desafiou a segregação nos EUA, 190 anos atrás - Mariana Schreiber (BBC News Brasil)

 

The black immigrant who challenged US segregation - nearly 190 years ago

Mariana Schreiber
BBC News Brasil, in Brasília, 
24/07/2021

Artistic illustration of the Mundrucu family on the boat
In 1832, the Mundrucu family refused to be barred from an area exclusively for white people on the steamboat Telegraph

It was a cold, rainy day in November 1832 when Brazilian immigrant Emiliano Mundrucu boarded a steamboat - the Telegraph - with his wife Harriet and their one-year-old daughter Emiliana.

They were taking a business trip from the Massachusetts coast to Nantucket Island, in the northeast of the United States.

During the crossing, Harriett, who wasn't feeling well, tried to seek shelter with her daughter in an area of the ship exclusively for women, but their path was blocked. The reason? They were black, and only white women were allowed in the ladies' cabin, comfortable accommodation with private berths.

At that time, slavery was no longer allowed in northern states (it persisted until the Civil War in the US south), but segregationist practices separating whites from "coloured" people were growing. 

However, the Mundrucu family did not accept their exclusion and the episode led to a pioneering lawsuit against racial segregation in the United States - proceedings that were big news at the time, but were later forgotten and have only recently been rediscovered by historians.

The case went to court after Harriett insisted on entering the ladies' cabin with her child, while the captain of the boat, Edward Barker, argued with Mundrucu - a Brazilian revolutionary who fled to Boston after being sentenced to death for his role in an attempt to create a republic in northeastern Brazil in 1824.

"Your wife a'n't a lady. She is a n---er," Barker told Mundrucu.

1833 New York newspaper report announces Mundrucu's victory in the first court case
This 1833 report announces Mundrucu's victory in the first court case

The impasse was momentarily interrupted because a storm forced the boat to return to the coast. The next day, however, the couple once again tried to ensure Harriett and Emiliana travelled safely, instead of using the inferior cabin, where there were no berths and men and women had to sleep on mattresses on the wet floor.

Mundrucu argued that he had paid the most expensive fare for the trip, but the captain ordered the family to get off the vessel. The Brazilian declared that he would sue, promising to "go and get a writ out immediately".

This was the start of the lawsuit filed by Emiliano Mundrucu against Captain Edward Barker for breach of contract, in a case that received coverage on the front page of newspapers across the US, and which even made waves in Europe.

The little-known story is detailed in an article published in December by South African historian Lloyd Belton in the academic journal Slavery & Abolition. 

Belton studied Mundrucu's life for his master's degree at Columbia University in New York and is currently continuing his research studying for a PhD at the University of Leeds.

He says this lawsuit is the oldest known legal action against racial segregation in the United States. Before the discovery of this case, historians thought similar lawsuits had only begun a decade later.

"It is incredible that a black Brazilian immigrant was the first person in US history to challenge segregation in a courtroom." 

"And it is even more incredible that no-one knows who he is. In the 1830s in Boston, people knew who he was. In Brazil, in the 1830s, people knew who he was," Belton told BBC News Brasil.

An 1856 engraving showing a black man being expelled from a railway carriage
image copyrightLibrary of Congress
image captionSegregation policies were common in northern states before the Civil War - in this 1856 engraving a black man is expelled from a railway carriage

Also a researcher of the life of Emiliano Mundrucu, American historian Caitlin Fitz, a professor at Northwestern University, says that it was not just the Mundrucu lawsuit which was pioneering, so were the couple's actions on the boat. 

The well-known episode in which ex-slave Frederick Douglass, one of the most important black activists in American history, entered a whites-only wagon on a train in Massachusetts (he was forcibly removed) occurred in 1841, almost a decade later.

"It's not just the first known lawsuit against segregated transportation, it's also just a really bold radical step to put your body on the line, on board a ship," she points out.

A well-connected revolutionary in Boston

But how did a Brazilian and his African-American wife become pioneers in the struggle against segregation in the US? 

For the historians, the answer can be found in Mundrucu's unusual life story - he was a soldier and revolutionary who had spent time in Haiti and Gran Colombia (modern-day Venezuela) before settling in Boston, where he forged important links with abolitionist leaders.

For Belton, the fact that Mundrucu came from a country where he had more rights than free African Americans in the US, such as the right to vote or join the army, fuelled his indignation against the segregation that his family suffered.

In addition, his past as an international revolutionary was important in opening the doors in Boston to a network of important contacts, such as the abolitionist community and Freemasons.

Prominent lawyers represented him against Barker: renowned abolitionist David Lee Child and Massachusetts Senator Daniel Webster.

According to Prof Fitz, Mundrucu's case proved useful to anti-segregation activists because it reinforced their argument that racial oppression in the US was worse than anywhere else, although this statement was "very debatable", she finds. Brazil was the last country in the Americas to abolish slavery, in 1888. 

Prof Fitz believes Mundrucu's connections in Boston and the way the clash unfolded on board the Telegraph indicate that the action may have been premeditated.

"We sometimes assume that these acts of resistance were spontaneous, that Emiliano and Harriet just got angry. Maybe they were angry, but they were also strategic political thinkers who were thinking very carefully about the best way to bring about change," she says. 

Emiliano was the one who filed the lawsuit against the captain, but Prof Fitz highlights Harriet's role in the story.

"We don't know much about Harriet. She was an educated coloured woman born in Boston. We can infer that she was quite adventurous, because she married a Brazilian Catholic revolutionary who was still learning English. She was also incredibly brave and committed to fighting for racial equality, since she tried repeatedly to enter the ladies' cabin, putting her body on the line," she notes.

The impact of the lawsuit

1832 engraving of the boat The Telegraph
image copyrightEwen Collection
image captionThe boat in question, the Telegraph, can be seen in this 1832 engraving

The central argument of the case was "breach of contract", since Mundrucu had bought the most expensive ticket, but the Brazilian's lawyers "also wanted to expose the inhumanity of segregationist practices," writes Belton. 

"No lady on God's earth, no educated white person, would have been subject to such treatment. The Mundrucus' colour was their only distinction," said Webster, according to the lawsuit records.

Barker's lawyers countered by saying that segregation on steamboats was common practice on the North American coast, an argument reinforced with testimony from captains from New York and Rhode Island.

The jury found Barker guilty of breach of contract and awarded Mundrucu $125 in damages in October 1833. But the captain managed to overturn the decision in January 1834 in the Massachusetts Supreme Judicial Court, which found there was no evidence that Barker had explicitly agreed that the family would travel in the best cabins. 

After that, Belton notes, the Telegraph wrote racial segregation into its ticket policy, so that black people could only buy the cheapest tickets, to travel in the common cabin, while white people could only buy the most expensive ones. But this did not end the protests.

"One of the other broader impacts was that Mundrucu's defiance in 1833 directly inspired other black activists. There was another very famous African-American activist, David Ruggles, who did the exact same thing as Mundrucu on the same boat a few years later, in 1841," he notes.

According to Prof Fitz, the case led to a fundamental shift for campaigners.

"The lawsuit ends up being an important moment in the development of activists' legal tactics. It broadens their horizons and sort of opens the way for these more expansive legal arguments that attack the very legal basis of segregation itself," she says.

Views and customs of Rio de Janeiro - Sir Henry Chamberlain's watercolour shows the racial hierarchy of Brazilian society
image copyrightBrazilian National Library/1822
image caption
A watercolour painting showing the racial hierarchy of 19th Century Brazilian society

Mundrucu gave up on taking the case to the US Supreme Court when he was pardoned by the Brazilian government for his participation in the failed uprising and he was able to resume his military career in Brazil in 1835.

In 1841, however, he returned to Boston, when he was prevented from taking up a military command post in the northeastern city of Recife, which Mundrucu also attributed to racial prejudice in a newspaper article in 1837.

Mundrucu had many influential opponents in this area because he had allegedly led a failed attack on the white population of Recife in 1824, inspired by the Haitian Revolution - the rebellion of slaves and free blacks that made Haiti independent from France in 1791.

A leader in Boston's cosmopolitan abolitionist community

Painting in honor of Mundrucu made in 2020 by the artist Moisés Patrício for the book Black Encyclopedia
image copyrightMoisés Patrício/Companhia das Letras
A painting in honour of Mundrucu made in 2020 by the artist Moisés Patrício for the book Black Encyclopedia

In the final two decades of his life in Boston, the Brazilian continued campaigning against slavery and for civil rights.

Mundrucu died in 1863 after President Abraham Lincoln had signed the Emancipation Act, which freed slaves from the southern US states.

According to Belton, Mundrucu celebrated this announcement alongside Frederick Douglass, at a meeting of the Union Progressive Association, a predominantly black abolitionist group of which Mundrucu was vice-president.

"By 1863, Mundrucu and his wife were well-respected by their fellow Bostonians, black and white. Both were honoured in their respective obituaries, in which they were remembered as generous, public-spirited and unusually well-travelled," the historian writes. 

"Mundrucu's story shows us just how connected the Americas were at that time. Brazil was connected to Venezuela, Venezuela to Haiti, Haiti to the USA. These black activists were very mobile. They could travel, they could speak various languages," he notes.

"And he was not the only one. There were other black immigrants from South America, the Caribbean, who were in Boston, New York, or Philadelphia, and they were involved in these activist communities which were very cosmopolitan." 

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